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Cógito

Print version ISSN 1519-9479

Cogito vol.12  Salvador  2011

 

O que faz laço na escola

 

Ce qui fait noeud dans l’école

 

 

Jairo Gerbase*

Campo Lacaniano

 

 


RESUMO

Baseado em uma conferência que Jacques Derrida pronunciou a convite do Museu Freud, em 1994, em Londres, que resultou na publicação de seu livro Mal de arquivo, o autor deste trabalho propôs a hipótese de que o que faz a aliança entre os membros de uma instituição psicanalítica não é a amizade entre eles, mas o temor de ver destruída a memória da instituição.

Palavras-chave: Instituição psicanalítica, Eros, Tânatos.


RÉSUMÉ

La conférence que Jacques Derrida a prononcé sous l’invitation du Musée de Freud, vers 1994, à Londres, qui devient son libre Mal d’archive, l’auteur de ce travail a proposé l’hipóthese de ce que fait noeud parmi les membres d’une instituition psychanalytique n’est pas l’amitié parmi eux, mais la peur de la destruction de la memoire de l’instituition.

Mots-clés: Institution psychanalytique, Eros, Thanatos.


 

 

Estamos habituados a pensar que o que faz laço em uma Sociedade de Psicanálise é Eros, o amor, a pulsão que une.

Gostaria de apresentar outra hipótese: o que faz laço em uma Escola de Psicanálise é Tânatos, a pulsão que desune, a pulsão arquiviolítica1 .

O termo é emprestado de Derrida para quem um arquivo é uma memória: ontológica, que data um começo e registra uma história, e nomológica, que se refere a um comando e uma ordem nas instituições.

Assim, podemos dizer que há arquivo freudiano, kleiniano, bioniano, winnicotiano, lacaniano, etc.

Também podemos dizer que o Círculo Psicanalítico da Bahia é um arquivo carusiano, dado que é um lugar de formação de psicanalistas: de ensino da teoria e da técnica psicanalíticas e de transmissão da experiência psicanalítica.

Um arquivo é um domicílio. Na Bahia, por exemplo, estão domiciliados: a Associação, o Campo, o Círculo, o Colégio, a Escola, o Espaço, a Letra, o Núcleo, a Sedes, etc.

Além de um lugar de consignação, um arquivo é um lugar de unificação, identificação, reunião. Propriedades atribuídas a Eros. Trata-se do suporte interno, do signo da aliança entre os membros de cada arquivo (por exemplo, a circuncisão é o signo da aliança entre os judeus).

Qual seria o signo da aliança dos carusianos? E dos outros arquivos? Os lacanianos têm dito que seu signo de aliança é o final da análise, do qual se pode dar testemunho no passe.

A questão do arquivo, da memória de uma instituição é, no entanto, principalmente, a de seu suporte externo, o que se acha fora. Onde começa este fora?

No início do capítulo VI de “O mal-estar na civilização”2 , Freud se pergunta se não é inútil tratar desse suporte externo. Ele queria inventar algo novo. Por isso, ele propõe uma modificação da teoria das pulsões, o reconhecimento de uma pulsão de agressão original e autônoma; a possibilidade de uma perversão radical, uma diabólica pulsão de morte, de agressão ou de destruição, uma pulsão de perda.

Já havia introduzido essa hipótese dez anos antes em “Além do princípio do prazer”, porém agora tira as consequências em relação ao mal-estar na cultura.

A pulsão de morte passa a ser um outro nome para Anankê, a necessidade invencível.

Essa pulsão perversa, de morte, de agressão, de destruição, é muda. Ela trabalha em silêncio, não deixa arquivo. Destrói seu próprio arquivo, sua memória, seus traços. É uma pulsão anárquica, anarcôntica, anarquívica, arquiviolítica.

A pulsão de morte sempre foi, por vocação, silenciosa, destruidora do arquivo. Exceto quando ela se disfarça, se tinge, se maquia, se pinta ou se mascara com alguma cor erótica.

A pulsão de morte, de agressão, de destruição, arquiviolítica, leva não apenas ao esquecimento, à amnésia, mas ao apagamento radical do arquivo. Pois o arquivo não é a memória nem a anamnese de uma experiência, ao contrário, o arquivo incide no lugar da falta originária e estrutural da memória. Este lugar é o do Real e de seu objeto a.

O arquivo é hipomnésico. Não há arquivo sem consignação, memorização, repetição, e a lógica da repetição é indissociável da pulsão de morte; portanto, da destruição.

Consequência: a pulsão de morte destrói o arquivo hipomnésico, ou o disfarça como pulsão de vida, que une, erótica.

A pulsão de morte ameaça todo desejo de arquivo. Ela é o mal de arquivo.

Uma Escola precisa arquivar a exposição teórica e as atas da psicanálise. Arquivamos em livros, coletâneas, jornadas, congressos. Arquivamos a prática institucional e clínica.

O laço em uma Escola de Psicanálise é, então, movido pelo mal de arquivo. Os psicanalistas não se unem porque se amam, mas para evitar o mal de arquivo, a destruição silenciosa da pulsão de morte. Não é porque Eros nos une, mas porque Tânatos ameaça nos desunir que fazemos laço.

Não haveria desejo de arquivo sem a possibilidade de esquecimento, sem a ameaça da pulsão de morte. Há um movimento de destruição radical sem o qual não surgiria nenhum desejo nem mal de arquivo. Isto é feito da pulsão de morte.

Freud criou o primeiro arquivo da psicanálise com a fundação da International Psychoanalytic Association, em 1910. Ele temia a destruição do arquivo, da memória da psicanálise.

Desde então, várias associações de psicanalistas têm sido fundadas com base na mesma lógica.

 

Referências

DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.         [ Links ]

FREUD, S. O mal-estar na civilização. Tradução de Paulo César de Souza. In: ______. Obras completas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v.18, p. 83-91.         [ Links ]

 

 

* AME do Campo Lacaniano. Membro do Campo Psicanalítico. Autor de: Comédias familiares, Os paradigmas da psicanálise e A hipótese lacaniana.
1DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
2 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. In:______. Obras completas. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v.18, p. 83-91.