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Cógito

versão impressa ISSN 1519-9479

Cogito vol.13  Salvador nov. 2012

 

A importância da psicologia criminal na investigação policial

 

The importance of psychology in police investigation

 

 

Cristóvão de Melo Goes Júnior*

 

 


RESUMO

Investigações Criminais realizadas pela Polícia e veiculadas pelos meios de comunicação nos colocam perante crimes considerados inacreditáveis pela carga de crueldade aplicada pelo criminoso a sua vítima. Tais crimes e criminosos merecem uma atenção especial porque, na maioria das vezes, são cometidos por portadores de transtornos mentais. Por isso, deve o Investigador de Polícia utilizar vários instrumentos e técnicas dispostos pela legislação penal que têm por fim apontar como o crime foi cometido, quais os instrumentos e métodos utilizados pelo criminoso; análise do local, a assinatura deixada; o perfil e o comportamento da vítima.

Palavras-chave: Investigação Policial; Portadores de Transtornos Mentais; Crimes Cruéis; Técnicas de Investigação Policial;


ABSTRACT

Criminal investigations made by the police and broadcast by the communication means take us to crimes considered unbelievable. Due it’s charge of cruelty, applied by the criminal in his victim. Such crimes and criminals deserve a special attention because, in several times, these crimes are committed by mental disorders carriers. That’s why, the police investigator must use many tools and techniques legally approved, whose has the function of leading to how the crime was committed; which were the tools and methods used by the criminal; local analysis; the signature left by the criminal; the profile and behavior of the victim.

Keywords: policial investigation; Mental disorders carriers; Cruel crimes; Police investigate techniques.


 

 

INTRODUÇÃO


Atualmente, observamos o crescimento das investigações policiais que nos trazem notícias a respeito de crimes praticados por pessoas portadoras de psicopatologias. São os mais variados tipos de violência: homicídio, instigação ao suicídio; estelionato; estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente; entre outros.

Investigações criminais realizadas pela Polícia levaram à captura de alguns criminosos, possivelmente portadores de algum transtorno, entre eles, Francisco das Chagas Rodrigues Brito, acusado de ter matado 42 meninos nos municípios de São José do Ribamar, em São Luís do Maranhão, e Paço do Lumiar, em Altamira no Pará, entre os anos de 1993 e 2003. Essa investigação ficou conhecida como O caso dos Meninos Emasculados de Altamira. Em São Paulo, no ano de 1998, investigações policiais levaram à captura de Francisco de Assis Pereira, que ficou conhecido como O Maníaco do Parque, acusado de matar pelo menos seis mulheres e de violentar outras nove. Outro fato que mereceu destaque foi o duplo homicídio cometido contra o casal Manfred Albert von Richthofen e sua esposa Marísia von Richthofen, assassinados pela própria filha, seu namorado e o cunhado, no quarto da casa onde dormiam, no dia 31 de outubro de 2002. O crime foi comemorado num motel pelos dois principais acusados. Em 2011, foi preso em João Pessoa, Paraíba, Fábio Pereira de Souza Neto, também conhecido pelo nome de Abner Machado, investigado pelo cometimento de vinte estupros de crianças, adolescentes e mulheres na Paraíba e em outros Estados da Federação. Fábio seduzia as crianças oferecendo doces. Após drogá-las, eram submetidas a cárcere privado e estupros repetidos durante dias. Em algumas cidades do interior, para se aproximar das vítimas, fingia ser professor, proferindo palestras sobre o perigo do uso de drogas.

Podemos observar que os motivos e os métodos aplicados por esse tipo de criminoso fogem ao perfil de crime usualmente enfrentado pelos investigadores policiais no seu cotidiano. Isso nos leva ao entendimento de que é necessário capacitar profissionais da segurança pública com conhecimentos que permitam traçar um perfil do comportamento desse tipo de criminoso, tendo por fim proporcionar sua captura com a maior celeridade possível. Para isso, o Investigador de Polícia deve estar atento tanto no que determina a Legislação Penal como a Psicologia Criminal, buscando identificar o que motiva determinado comportamento criminoso; a sua assinatura; o modus operandi; seu comportamento no local do crime; etc.

Hoje podemos constatar que já existem, nos quadros da polícia, profissionais (por exemplo, psicólogos, psiquiatras) que podem ser capacitados para executarem esse tipo de investigação. Importante ressaltar que, tanto no processo de formação quanto no de aperfeiçoamento, deverão ser ministrados, também, conhecimentos acerca do Direito Penal e da Legislação Especial Penal, para que o profissional fique habilitado a produzir um trabalho orientado por normas legais, buscando elementos de convicção que auxiliem na identificação da autoria, materialidade e circunstâncias do cometimento da infração penal, possibilitando ao Ministério Público oferecer a denúncia.

Para entendermos o funcionamento e a atuação da Polícia Investigativa, bem como seus meios e métodos de atuação, faz-se necessário abordar alguns conceitos administrativos e princípios que regem a atividade policial.

 

1 PODER DE POLÍCIA E ÓRGÃOS POLICIAIS

1.1 Poder de Polícia: Conceito.

É necessário que o profissional de Psicologia que venha atuar numa investigação policial se familiarize com alguns conceitos de Direito Administrativo, Constitucional, Processual Penal e Penal, para que possa entender o funcionamento das fases pré e pós-processuais. De início, trouxemos o conceito de Poder de Polícia, que, para Di Pietro1, é a “ atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.

Em relação à Instituição Policial, Diocleciano Guimarães2 conceitua como:

[...] órgãos do Poder Público incumbidos de garantir, manter, restaurar a ordem e a segurança públicas; zelar pela tranquilidade dos cidadãos; pela proteção dos bens públicos e particulares; prevenir contravenções e violações da lei penal, bem como auxiliar a Justiça.

1.2 Órgãos Policiais: Previsão Legal

A Constituição Federal de 1988 estabelece que a Segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias Civis; Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares3. Entre as instituições acima, ao considerarmos a natureza de nosso estudo, destacamos apenas as Polícias Judiciárias: Federal e as Civis dos Estados.

As atribuições da Polícia Federal estão previstas no art. 144, parágrafo 1º, incisos I a IV da CF/88. Entre elas, destacamos duas: a primeira prevista na parte final do inciso I, que trata das “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei”, e a segunda, prevista no inciso IV, que se refere ao “exercício exclusivo da função de polícia judiciária da União”. Em relação à Polícia Judiciária e à Investigação Criminal, faz-se necessário estabelecer uma diferenciação. A função da Polícia Judiciária consiste no cumprimento de determinações judiciais nas fases pré-processual e processual, voltadas para o cumprimento de mandado de prisão, busca e apreensão, localização de pessoas, manutenção da segurança durante audiência judicial, ou seja, para atender às determinações do Poder Judiciário. A Investigação Criminal visa apurar as infrações penais e sua autoria, materialidade e circunstâncias, buscando elementos de convicção que possibilitem ao Ministério Público oferecer a Denúncia. Vale acrescentar que, caso o Ministério Público tenha informações suficientes para o oferecimento da denúncia, pode dispensar a Instauração do Inquérito Policial.

No âmbito da União, a Polícia Federal, dentro de suas atribuições, executa as Investigações Criminais que serão formalizadas em Inquéritos Policiais, onde serão reunidas todas as informações apuradas pela equipe policial, e os quais serão remetidos ao juiz competente.

No âmbito dos Estados-membros, atua a Polícia Civil, que exerce as funções de Polícia Judiciária e executa a apuração das infrações penais, exceto as de atribuição da União e as militares, conforme o parágrafo 5º do art. 144 da CF/88. Todo o trabalho de Investigação Criminal realizado também é formalizado em Inquérito Policial, que será encaminhado ao juiz competente.

 

2 POLÍCIA JUDICIÁRIA: ATRIBUIÇÕES E A FUNÇÃO DE INVESTIGAR

2.1 Atribuições do Agente de Polícia Judiciária na Investigação Criminal

Ocorrido um fato criminoso, deve a equipe policial se deslocar até o local do fato. O Agente de Polícia é o responsável pelas atividades operacionais, tais como: comparecer ao local do fato criminoso; localizar e identificar criminoso(s), testemunha(s) e vítima(s), bem como a localização de produto(s), proveito(s) e objeto(s) utilizado(s) na prática de crimes; realização de vigilância policial (campana); infiltração policial; interceptação telefônica; além de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais; entre outras.

A investigação policial é um conjunto de procedimentos sistematizados, de natureza interdisciplinar, que busca elementos de convicção que auxiliem na produção de provas da infração penal, buscando identificar autoria, a materialidade e as circunstâncias em que ocorreu.

O resultado da investigação policial será enviado ao Poder Judiciário para que sejam realizados os procedimentos legais.

O conhecimento de uma infração penal pode chegar à Polícia de várias formas: através da própria vítima, de parentes, vizinhos, da imprensa, telefonema anônimo, etc. Ao tomar conhecimento da ocorrência de uma infração penal, o Investigador de Polícia deve buscar informações que subsidiem as ações que serão executadas. Toda atividade policial, por mais simples que seja, deve ser precedida de um planejamento que leve em consideração o grau de dificuldade da atividade a ser executada. É o que se conhece por Planejamento Operacional no qual devem estar previstos, sempre que possível: o início e o término da investigação; a composição da equipe e as técnicas que serão aplicadas, sempre considerando o grau de complexidade da missão a ser desenvolvida.


2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES À ATIVIDADE INVESTIGATIVA POLICIAL


No exercício da atividade de Investigação Policial, principalmente no que concerne à Polícia Judiciária, podemos observar que vários princípios, garantias e direitos estabelecidos pela Legislação Brasileira deverão ser observados. Para que isso ocorra, faz-se necessário que o Investigador de Polícia tenha conhecimentos básicos sobre Direito Constitucional, Penal e Processual Penal. Entre esses conhecimentos, destacaremos alguns, para que o leitor possa ter a real dimensão da matéria.

2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana

É considerado fundamento estabelecido na CF/88, no art. 1º, inciso III. Aplica-se a todas as pessoas físicas indistintamente, estando assegurados todos os direitos e garantias inerentes a sua condição. A Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em 25 de dezembro de 1992, também conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, estabelece o dever de respeito a direitos e liberdades, garantindo seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas, ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Com isso, a Dignidade é considerada como o atributo essencial da pessoa humana, independentemente de suas características físicas ou sociais. Incluem-se, nesse contexto, os portadores de deficiência mental e os presos, que terão tratamento condizente com a sua condição humana, ou seja, terão direito aos seguintes aspectos: vida digna, assistência à saúde, educação, proteção do Estado, assistência familiar, integridade física, etc.

2.2.2 Princípio da Não Culpabilidade

O art. 5º, inciso LVII, da CF/88 prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Este princípio deve ser observado pelo Investigador Policial, pois o investigado é sujeito de direitos. Observar este princípio significa impedir que um inocente seja punido ou que um culpado fique sem a penalidade cabível. O Estado deve provar que o cidadão cometeu o crime e não o cidadão provar que é inocente. O ônus da prova cabe ao Estado, valendo ressaltar que a presunção de não culpabilidade é relativa, ou seja, cabe prova em contrário que deve ser trazida pela Polícia.

Desse princípio, decorrem direitos, quais sejam: o direito à ampla defesa e ao contraditório; o direito de recorrer em liberdade, se for o caso; o duplo grau de jurisdição e o direito ao silêncio, que é a impossibilidade de obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos que possam causar a sua prisão.

Um dos aspectos mais próximos da população e que envolve a presunção de não culpabilidade é a forma como a imprensa sensacionalista abusa do seu poder de informar, ao noticiar os crimes. De acordo com as garantias constitucionais, o investigado dever ser preservado de qualquer tipo de constrangimento, evitando que sua imagem seja divulgadadurante a investigação policial que corre contra ele.

2.2.3 Princípio da Legalidade:

O inciso II do art. 5 CF/88 estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se do Princípio da Legalidade, que está inserido no capítulo referente aos Direitos Individuais. O cidadão pode fazer tudo que não esteja proibido por lei. Já para os Investigadores de Polícia, somente é lícito atuar quando a lei determina ou autoriza. No inciso XXXIX do artigo 5º da CF/88, encontramos o Princípio da Legalidade Criminal, que estabelece o seguinte: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.


2.3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO INVESTIGADO

O art. 5º caput da CF/88 prevê que todos são iguais perante a lei, indistintamente, sendo garantida, aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Estabelece que homens e mulheres sejam iguais em direitos e obrigações e que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Estabelece que a casa é asilo inviolável do indivíduo, sendo proibida a entrada, salvo no caso de consentimento do morador, de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Em relação à pessoa submetida a prisão, estabelece o artigo supra que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado, além de ter direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

 

3 ATIVIDADE POLICIAL E PRÁTICAS OPERACIONAIS

No exercício da atividade, o Investigador de Polícia deverá empregar as práticas policiais mais eficazes e adequadas à apuração de dados e informações, tudo a depender do grau de complexidade do fato investigado. Destacamos que a conduta do Policial deve estar pautada em lei, sempre com a observância dos direitos e garantias fundamentais da pessoa investigada. Adiante, demonstraremos algumas práticas utilizadas, alertando que o rol apresentado é exemplificativo.

3.1 Infiltração Policial

Prevista nas leis de crime organizado e tráfico de drogas, mas que poderia ser regulamentada para ser utilizada para investigações de assassinos em série que agem em grupo.

É a prática que consiste na colocação do Investigador de Polícia no seio da organização criminosa, com o fim de buscar informações que levem à identificação das pessoas envolvidas, dos crimes que são praticados, do modo de agir dos criminosos ou de organização criminosa. Divide-se em três etapas, a seguir especificadas.

3.1.1 Preliminar

Ocorre antes da infiltração propriamente dita, consiste na escolha do Investigador de Polícia que vai ser infiltrado, levando em consideração os seguintes pontos:

a) análise do perfil do policial infiltrado;
b) criação de falsa identidade, preparando-o para o meio;
c) criação de uma cobertura (história que apague sua condição de policial);
d) tempo de duração;
e) custo.

3.1.2 Introdução

Consiste na colocação do Investigador de Polícia no seio da organização criminosa, que pode ocorrer das seguintes formas:

a) através de informante (pessoa que tem laços com membros da organização, porém não faz parte dela);
b) membro da organização (integrante que pretende os benefícios da delação premiada);
c) autocolocação (mais difícil e demorada, porém mais eficaz e segura para o policial).

3.1.3 Acompanhamento das Atividades do Agente Infiltrado

Após a infiltração, inicia-se o processo de colheita de dados e informações que levem identificação da autoria e dos crimes que estão sendo praticados pela organização criminosa. Durante esse período devem ser levados em consideração os seguintes pontos:

a) tempo de duração;
b) técnicas empregadas;
c) colheita de dados e informações;
d) custo da operação; e;
e) resultados obtidos.

3.2 Vigilância Policial

É a prática policial que consiste em se aproximar o máximo possível do(s) investigado(s), tendo por fim colher informações necessárias à investigação criminal. Tem por objetivo a identificação e/ou confirmação de pessoas, coisas, lugares, hábitos, bem como a descoberta de participação de outras pessoas na prática de crimes. Deve ser feita de forma velada, a pé ou com a utilização de veículos. Deve ter, no mínimo, quatro (04) policiais, equipados com câmeras de filmagem e de fotografia discretas.

3.3 Diligências para Localização de Pessoas e Coisas

É prática policial que consiste em localizar testemunhas, vítimas e infratores, bem como produto e/ou proventos de infração penal, podendo ser utilizados os mais variados bancos de dados à disposição do Policial. Para o cumprimento de uma diligência desse tipo, deve o Investigador Policial buscar nas peças de informações que originaram a investigação. Em seguida, pode fazer uso de sites busca (ex.: Google), de relacionamento (ex.: facebook, orkut), de pessoas desaparecida; catálogo telefônico ou bancos de dados oficiais (ex. Infoseg). Após obter estas informações, o Investigador de Polícia deverá buscar confirmar estas informações nos antigos endereços residenciais e de trabalho da pessoa procurada, entrevistando vizinhos, parentes ou pessoas próximas ao procurado.

3.4 Interceptação Telefônica

Procedimento previsto na Lei 9.294/96 que consiste na prática policial realizada por Investigador de Polícia com o fim de em capturar, em tempo real, conversas realizadas entre dois ou mais interlocutores, sem a ciência destes. Nos Estados Unidos são muito utilizadas para colher dados de grupos como os skinheads, grupo de neonazistas, que pregam o racismo e são responsáveis por vários crimes, dentre eles homicídios. O Investigador de Polícia deverá separar os diálogos que interessam à Investigação e, ao final do prazo, elaborará um relatório circunstanciado do que tenha sido apurado, separando o que interessa à investigação e descartando o restante.

3.5 Requerimento de Informações de Entes Públicos e Privados

É prática policial que consiste em buscar informações referentes a pessoas investigadas e que componham bancos de dados de entes públicos ou privados, obedecido ao critério de autorização judicial, quando o sigilo dos dados estiver sob proteção legal, como no caso de obtenção de dados telefônicos, fiscal e bancários, por exemplo: dados cadastrais de conta-corrente; aplicações financeiras; etc.

3.6 Declarações de Testemunha(s) e vítima(s)

São procedimentos executados pelos Investigadores de Polícia, com o objetivo de buscar o maior número de informações acerca do fato em análise.

Nas declarações prestadas pela testemunha, deverá o Investigador de Polícia atentar para o máximo de dados possíveis, por exemplo: hora e local que podem indicar se o criminoso tem familiaridade ou não com a vítima ou outras pessoas, utilização de uniformes que possam indicar sua profissão ou empresa onde trabalha; sotaques; cor da pele; tatuagens; corte de cabelo; roupas; etc. Outros dados podem ajudar na identificação do agressor: placa e tipo de veículos; utilização de cordas; arma de fogo, arma branca; etc.

As declarações das testemunhas, do investigado e da vítima podem trazer informações que deverão ser levadas em consideração pelo Investigador de Polícia e que podem levar a outros dados acerca de coautoria, participação, materialidade e circunstâncias da ocorrência da infração penal.

Ilana Casoy4 , descrevendo o método de David Canter, dá ênfase à coerência interpessoal entre vítima e agressor, acrescentando que “[...] a vítima representa alguém na vida ou no passado do agressor (como sua mãe ou sua ex-namorada)”. Por isso, nas declarações prestadas pela vítima, o Investigador de Polícia deve estar atento para a interação entre criminoso e vítima, buscando algo que foi dito, a conduta do agressor antes, durante e depois da violência, seu comportamento e instrumentos utilizados como luvas, preservativos, cordas, etc.

3.7 Preservação de Local de Crime

A primeira equipe a chegar ao local de crime deve diligenciar no sentido de conservar o estado das coisas, de forma que propicie a atuação dos peritos criminais. A delimitação de uma área superior ao local do fato se faz importante, pois propicia, se for o caso, uma maior colheita de vestígios. Os peritos deverão realizar vários procedimentos, dentre eles podemos destacar: fotografar toda a cena do crime; proceder à busca de vestígios (ex. pólvora, tinta, produtos químicos), impressões (ex. digitais, palmares, plantares e de ferramentas); fluídos corporais (ex. saliva, sangue, esperma, vômito); documentos (ex. diários, agendas, bilhetes, emails).

3.8 Busca Pessoal e Domiciliar

É busca pessoal é prática realizada com o objetivo de encontrar arma, papéis ou objeto que constituam corpo de delito. Independe de mandado no caso de fundadas suspeitas ou no cumprimento de uma prisão em flagrante. Pode ser efetuada de dia ou de noite, e ser determinada no curso de uma busca domiciliar, com observâncias das restrições legais. A busca domiciliar é procedimento que deve ser executado durante o dia, mediante a apresentação do mandado judicial ao morador, devendo o policial ler o conteúdo do mandado antes de adentrar no recinto. Ao final da diligência, deverá ser lavrado pelo Investigador de Polícia um termo circunstanciado do que for encontrado.

 

4 CRIMINOLOGIA

Se considerarmos o crime como fator inerente a convivência humana em sociedade, faz-se necessário conhecermos um pouco sobre Criminologia. Trata-se da ciência que estuda o crime, a vítima, o criminoso e as formas de controle social, analisando as causas e consequências do crime para a sociedade. Para García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes5, trata-se de

[...] uma ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, a dinâmica e as variáveis principais do crime.

Crimes cometidos por pessoas portadoras de psicopatologias levaram os estudiosos a elaborarem técnicas que pudessem ajudar a identificar o criminoso através de seu comportamento diante da vítima, tal como: o seu modus operandi; sua assinatura; a escolha da vítima; o local escolhido; etc.

Modus operandi, para Brian Innes6 , “é um comportamento aprendido, modificado e aperfeiçoado, conforme o seu autor vai ficando mais experiente.”.

Para Ilana Casoy7 , o modus operandi

[...] é estabelecido observando-se que tipo de arma foi utilizada no crime, o tipo de vítima selecionada, o local utilizado, a forma de agir passa a passo... é dinâmico e maleável, na medida em que o infrator ganha experiência e confiança.

Ainda seguindo a doutrina de Brian Innes8, a assinatura “[...] é algo que o criminoso tem que fazer para atingir a plenitude emocional”. Essas características, entre outras, são fundamentais para que se possa identificar o autor do crime, sendo necessário que o Investigador esteja atento à preservação do local onde foi encontrada a vítima, possibilitando a colheita de dados e vestígios deixados pelo criminoso. Segundo Ilana Casoy9:

A assinatura é sempre única, como uma digital, e sempre está ligada à necessidade do criminoso serial em cometer o crime. Eles têm necessidade de expressar suas violentas fantasias, e, quando atacar, cada crime terá sua expressão pessoal ou ritual particular baseada em suas fantasias.

A preservação do local do crime é muito importante para a elaboração do perfil do criminoso. O FBI classificou os criminosos violentos como portadores de personalidades organizadas, desorganizadas e mistas. Para Brian Innes10, os criminosos organizados premeditam seus crimes, escolhendo a vítima que se encaixe nas suas fantasias, demonstrando capacidade de se adaptarem às adversidades que porventura surjam no desenrolar de sua ação, além da utilização de materiais que serão utilizados, denominados pelos pesquisadores como “kit crime”, e que pode conter os seguintes itens: cordas, algemas, lençol, toalha, arma branca ou de fogo, luvas, preservativos, etc. Já os criminosos desorganizados escolhem suas vítimas de forma aleatória, pois não lhe interessa a identidade ou as características da vítima, e geralmente utilizam instrumentos que estão ao seu alcance no momento do cometimento do crime.

Analisando a classificação proposta pelo FBI11, podemos analisar características típicas de criminosos organizados e desorganizados. Os criminosos organizados apresentam inteligência acima da média, são socialmente habilidosos e possivelmente trabalhadores qualificados. São sexualmente competentes e, provavelmente, o irmão mais velho. Podem ser pais com emprego estável, possuindo disciplina consciente na infância, e apresentam um comportamento controlado durante o crime. O uso de álcool está associado ao crime e o estresse situacional precipita a conduta. Moram com alguém e podem locomover-se, utilizando um bom carro. Têm interesse nas notícias do crime. Após o crime, podem mudar de emprego, bairro ou região.

Os criminosos desorganizados possuem inteligência abaixo da média, sendo socialmente inadequados. São trabalhadores desqualificados e sexualmente incompetentes. São dos irmãos mais novos, com o pai em emprego instável. Na infância, podem ter sido submetidos à disciplina rígida. Ficam ansiosos durante o crime, podendo fazer uso mínimo de álcool. O estresse situacional é mínimo. Moram sozinhos e trabalham perto da cena do crime. Não se interessam pela mídia. Após o crime, mudam de comportamento ou fogem. Aqui, observamos a importância da preservação do local do crime.

Na utilização da entrevista com vítimas ou com aquelas que presenciaram algum fato criminoso, deve o Investigador de Polícia estar alerta ao que preconizam Fiorelli e Mangini12 quanto à necessidade de se atentar para a impossibilidade de recordação e, até distorção, por conta do trauma causado pelo evento, pelo efeito de droga, pela idade da vítima ou testemunha. Alentam os autores sobre a necessidade de atenção aos relatos apresentados, sejam eles espontâneos ou por interrogatório, e aos seus riscos. No relato espontâneo, os riscos que prejudicam são as características pessoais do indivíduo, tais como: detalhes da personalidade (exemplo: narcisista), experiência em expor as próprias ideias e aspectos fonoaudiológicos ou de linguagem (exemplo: gagueira, troca de sílabas, má escolha da palavra, etc.). Nos relatos por interrogatório, os autores acima atentam para alguns riscos que são inerentes, tais como: a emoção, que leva o sujeito a preencher lacunas, a inserção de ideias (preconcebidas ou não). Apontam fatores sociais e psicológicos que se combinam para influenciar nas respostas, tal confissão de um erro ou algum fato que cause constrangimento a si mesmo.

Do que foi acima exposto, podemos observar que os conhecimentos acima demonstrados, entre outros, devem fazer parte do processo de formação e aperfeiçoamento dos Investigadores de Polícia, para que se possa garantir uma prestação de serviço público condizente com a complexidade apresentada pelo tipo de crime, de criminoso e a forma como esse crime foi cometido, levando consequentemente ao seu autor.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da existência de várias Investigações Policiais que relatam crimes de homicídio e estupro cometidos por pessoas portadoras de algum tipo de transtorno mental, crimes estes, muitas vezes, praticados com extrema crueldade, concluímos sobre a necessidade de formação e aperfeiçoamento dos profissionais de polícia com conhecimentos específicos em Psicologia Criminal e Criminologia. Esta medida tem por finalidade incrementar a busca de dados e informações que levem à identificação da autoria, materialidade e circunstâncias em que ocorreu o crime. Os procedimentos policiais acima expostos, entre outros, são fundamentais para o resultado da Investigação Policial. A preservação do local do crime é importante para a colheita de dados iniciais e informações que podem conduzir a elementos de convicção que ajudarão a localizar e capturar o delinquente. Vestígios (exemplo: saliva, esperma) são importantes porque colocam o criminoso no local do crime, bem como possibilitam a sua identificação. As declarações trazidas pela(s) testemunha(s) e vítima(s) do crime ajudam a elaborar o perfil do agressor, bem como a confecção do seu retrato falado.

Todo esse conhecimento pode ser utilizado para elaboração do perfil do criminoso, estabelecendo seu modus operandi e sua assinatura. Outras práticas policiais, tais como a infiltração policial, interceptação telefônica e vigilância policial, podem ser empregadas quando se tenta identificar criminosos e seu modus operandi, organizações ou grupos liderados por portadores de transtorno mental. Foi o caso dos assassinatos cometidos pela “família Manson”,: grupo liderado por Charles Manson, que foi acusado de balear, esfaquear e espancar até a morte a atriz Sharon Tate, esposa do diretor cinematográfico Polanski e que estava grávida, e mais quatro amigos do casal. O mesmo grupo foi acusado de assassinar o casal Rosemery e Leno Labianca.

No Brasil, a falta de preparo da Polícia em identificar crimes cometidos por assassinos em série ficou patente quando analisamos o caso dos Emasculados de Altamira: 42 meninos assassinados no período de 1989 a 2003; de 4 a 15 anos; residentes nos Estados do Pará e Maranhão, e que foram vítimas de Francisco das Chagas Rodrigues de Brito. Foram quase 14 anos cometendo esses crimes sem ser importunado pelos Agentes do Estado. Um banco de dados de caráter nacional, que relacionasse as informações colhidas pelas Investigações realizadas pelos Estados, possibilitaria a análise das ocorrências, com a possível comparação de dados e informações, acarretando a identificação do seu modus operandi, que consistia em convidar os meninos para caçar passarinhos ou pegar frutas na mata. Uma vez na mata, estrangulava a vítima, cortava partes do corpo e levava como troféu. De início, o caso foi tratado pela polícia como sendo crimes comuns e sem ligação um com o outro. Com o protesto dos pais das crianças, a Polícia aprofundou as investigações e as concluíram com a prisão de Francisco no Maranhão.

Esse caso, dentre outros, sinaliza para a necessidade de modificações e incrementos nas técnicas de Investigação Policial que passem pelo processo de formação e aperfeiçoamento do Investigador de Polícia, visando capacitá-lo a entender, colher dados e formular informações que apontem para autores de crimes cometidos por portadores de algum tipo de transtorno mental.

 

Referências

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SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. revista e atualizada nos Termos da Reforma Constitucional (Até a Emenda Constitucional Nº 45, de 8.12.2004, Publicada em 31.12.2004). São Paulo: Malheiros, 2005.         [ Links ]

 

 

* Agente de Polícia Federal, Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Segurança Pública e Ciências Criminais.
1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.111.
2
GUIMARAES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. Prefaciado pelo ministro Antônio Cezar Peluso. 7 ed. São Paulo: Rideel, 2005. p.44.
3 BRASIL. Constituição [1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/ Constituicao.htm.Acesso em: 12 out. 2010. art.144.
4 CASOY, Ilana. Serial Killer: louco ou cruel?. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Ediouro, 2008. p.53.
5 MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 2.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997.p.33.
6 INNES, Brian. Perfil de uma mente criminosa: como o perfil psicológico ajuda a resolver crimes na vida real.
7 CASOY, Ilana. Serial Killer…, op. cit., p.59.
8 INNES, Brian. Perfil de uma mente criminosa ..., op. cit, p.18.
9 CASOY, Ilana. Serial Killer: …, op. cit., p. 60.
10 INNES, Brian. Perfil de uma mente criminosa..., op. cit., p.75.
11 Federal Bureau ofInvestigation., que pode ser traduzido como Escritório Federal de Investigação, unidade do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, responsável por investigações criminais de âmbitofederal.
12 FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.347.