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Cógito

Print version ISSN 1519-9479

Cogito vol.14  Salvador Nov. 2013

 

Nostalgia, de Andrei Tarkovski

 

Nostalgia, by Andrei Tarkovski

 

 

Anna Amélia de Faria*

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

 

 


RESUMO

Nostalgia, nome do filme de Andrei Tarkovski, dedicado à sua mãe, conta a história de exílios e impedimentos políticos, questões ligadas às tantas impossibilidades de estar na vida e nos lugares, demonstrando, ao mesmo tempo, que estamos sempre em poder das lembranças que, muitas vezes, norteiam as nossas rotas.

Palavras-chave: psicanálise; cinema; memória.


ABSTRACT

Nostalgia, movie's name of Andrei Tarkovsky, dedicated to her mother, tells the story of exiles and political impediments, issues to be so many impossibilities in life and in places, demonstrating at the same time, we are always in the possession of memories that often guide our routes.

Keywords: Psychoanalysis, cinema; memory.


 

 

A psicanálise transita entre inúmeras histórias, das singulares inventadas, inventariadas nos consultórios, às histórias extensivas ligadas aos mitos e outras formas de ficção; narrativas, por vezes, repetidas em diferença. Trago aqui a resenha da história fílmica do diretor russo Andrei Tarkovski, escrita para a revista virtual Só Cinema.

Como se contar uma história. Para nós falantes do português, a palavra nostalgia é aparentada do sentimento evocado pela palavra saudade. De certo modo, Nostalgia alinha-se, devido ao sentimento de exílio, à saudade de algo. No filme, o protagonista, personagem do poeta Andrei, em terra italiana, diz: “Não desejo mais nada que seja só para mim”,, declaração assemelhada a uma aspiração religiosa. Questões religiosas e de fé atravessam a narrativa fílmica e se assemelham à anterioridade de três outros valores coletivos: língua, terra, mãe (Andrei Tarkovski dedicou o filme, lançado em 1983, à sua mãe, quando saiu da Rússia); há espaço e importância da língua materna em dois significativos momentos da história: na lembrança da canção infantil e na história contada à menina Ângela.

A língua materna aparece como uma espécie de trama e paisagem afetiva, constitutiva da memória e de si, atando e fixando o exilado em uma solidão continental. Lembro dos Kaiowá, suicidados pelo Estado, por necessitarem existir em suas terras.

Folhosos...

...o homônimo do diretor é um Andrei que está na Itália para escrever a biografia de outro russo, o músico Pavel Sosnovsky, que viveu naquela localidade italiana em desterro.

Águas ...

Filme de água com seus reflexos, de solidão, de ruínas e penumbras. Para Andrei, não há tempo para um novo amor, reclamado por Eugênia, a intérprete de cabelos em cascata, que se irrita, chora, vai para Roma. Em diferentes tempos e motivos, no filme todos choram.

Chove na casa do louco que trancou a família durante sete anos, querendo salvá-la do fim do mundo. Ambos formam um, 1 + 1 = 1, estão presos ao passado, nostálgicos, metafísicos, pois a terra sob seus pés não os abraça e nem os contém. São retidos noutro tempo.

A história de Tarkovsky desenha-se na visualidade de significativos elementos, principalmente os líquidos: água, azeite, bebida e o inflamável, que transforma em vela o louco Domenico. Depois de discursar sobre uma estátua, ele pede uma música de Beethoven, a Nona Sinfonia, que é sobre a força da alegria. O aparelho que tocaria a música falha, mas Domenico queima-se em meio ao oceano dos indiferentes. Ele é solicitado apenas pelo latido de seu cão, enquanto arde para a morte, chamando Zoe. Vida outra, talvez a de dádivas mais espraiadas e dissentes dos desejos fascistas, egoístas. Fogos e líquidos. Enquanto Domenico queima nas chamas, seu amigo poeta, antes de ir embora da Itália, cumpre a promessa de atravessar a piscina com a vela acesa.

 

 

Referências

NOSTALGIA. Direção: Andrei Tarkovsky. Intérpretes: OIleg Jankovsky, Erland Josephson, Domiziana Giordano, Patrizia Terreno e outros. Roteiro: Andrei Tarkovsky e Tonino Guerra. Rússia/Itália, 1983.         [ Links ]

 

 

Recebido em 14/11/2013
Aceito em 21/11/2013.

 

 

* Psicanalista e Pós-doutoranda pelo PPG-Artes da UnB. Professora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. anna.annamelia7@gmail.com.