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Cadernos de Psicopedagogia

versión impresa ISSN 1676-1049

Cad. psicopedag. v.5 n.9 São Paulo  2005

 

ARTIGOS

 

O poder e a subjetividade: reflexão na perspectiva da teoria critica da sociedade

 

Power and subjectivity: reflection in the society´s critical theory

 

 

Cleomar Azevedo1

Programa de Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente reflexão na perspectiva da teoria critica da sociedade nasce da necessidade de rever questões acerca do processo de desenvolvimento e produção da existência humana, sua própria historia suas necessidades e suas idéias. As condições econômicas em grupos com interesses conflitantes, com possibilidades diferentes no interior da sociedade, demonstram a dominação do homem sobre o homem, a negação da identidade entre pensamento e ser e a repressão da natureza interior do homem. Uma das conseqüências mais funestas da generalização do domínio do equivalente é a homogeneização dos seres humanos: a transformação destes em seres com sentimentos,pensamentos, vontades e comportamentos idênticos. Pensar no poder e a subjetividade, através das representações diferentes e antagônicas, têm por objetivo esta reflexão, que parte da filosofia da ciência, e da contribuição da teoria critica da sociedade.

Palavaras-chave: Homem, Poder, Subjetividade, Teoria critica da sociedade.


ABSTRACT

The present reflection in the society's critical theory is born from the necessity to review matters around the developing and production process of the human existence, its own history, necessities and ideas. The economical conditions in groups with diverge interests, with different possibilities within the society, show the man's domination over the man, the denying of identity between being and thinking and the man's nature interior repression. One of the most fatal consequences of the equivalent domain generalization is the homogenization of human beings: Their transformation into people with feelings, thoughts, wishes and identical behaviors. To think about power and subjectivity, through different and contradictory representations, has as an objective this reflection, that goes from science philosophy and the society's critical theory contribution.

Keywords: Man, Power, Subjectivity, Society's critical theory.


 

 

Diante do processo de desenvolvimento e produção da existência humana, porque o homem não só cria artefatos, instrumentos, como também desenvolve idéias, conhecimentos, valores, crenças e mecanismos para sua elaboração; assim como o desenvolvimento do raciocínio, planejamento etc. A criação de instrumentos , a formulação de idéias e formas específicas de elaborá-los, características identificadas como eminentemente humanas são fruto da interação homem - natureza. Por mais sofisticadas que possam parecer, as idéias são produtos que exprimem as relações que o homem estabelece com a natureza na qual se insere.

O desenvolvimento do homem e de sua própria história não depende de um único fator, pois seu desenvolvimento ocorre a partir das necessidades materiais, bem como a forma de satisfazê-las, a forma de se relacionar para tal, as próprias idéias, o próprio homem e a natureza que o circunda, são interdependentes, formando uma rede de interferências recíprocas. Daí decorre ser esse um processo de transformação infinito, em que o próprio homem se produz. Nesse processo do desenvolvimento humano multideterminado, que envolve inter-relações e interferências recíprocas entre idéias e condições materiais, a base econômica será o determinante fundamental.

As condições econômicas em sociedades baseadas na propriedade privada resultam em grupos com interesses conflitantes, com possibilidades diferentes no interior da sociedade. Em qualquer sociedade onde existam relações que envolvam interesses antagônicos, as idéias refletem essas diferenças. E , embora acabem por predominar aquelas que representam os interesses do grupo dominante, a possibilidade mesma de se reproduzir idéias que representam a realidade do ponto de vista do outro grupo reflete a possibilidade de transformação que deve estar presente na própria sociedade. Portanto é através das representações diferentes e antagônicas que devemos refletir acerca da filosofia da ciência.

O envolvimento dos indivíduos pelos sistemas totalitários, em busca da unidade a qualquer custo, a igualdade repressiva, são aspectos do tema fundamental da obra de Adorno e Horkheimer: a dominação do homem sobre o homem. A teoria crítica da sociedade, tal como desenvolvido por Adorno e Horkheimer, sempre procurou divulgar e discutir a contribuição de uma tradição filosófica de afrontamento das contradições existentes na humanidade.

A dominação do homem sobre o homem, está presente desde o início da reflexão intelectual desses autores: Em “Sobre o Problema da Verdade” , escrito de 1935, Horkheimer (1990) se bate contra um dos pressupostos do idealismo hegeliano: a identidade entre sujeito e objeto, conceito e realidade. Segundo Horkheimer (1990), a filosofia em Hegel é entendida como algo que“...proporciona o mesmo valor absoluto que a religião: a unidade total entre sujeito e objeto , um saber derradeiro, simples e eternamente válido”(p.147). Para Horkheiner, no entanto,“por mais que o pensamento tente (...) imitar a vida do objeto e assim amoldar-se a ele, tampouco é o pensamento ao mesmo tempo o objeto em questão...”(p. 150).

Adorno em sua juventude, como mostra Jay (1974, pp. 53-54), foi profundamente influenciado pela oposição de seu amigo Siegfried Kracauer aos sistemas teóricos fechados e por sua ênfase na oposição do particular relativamente ao universal. Desde então esse foi um traço característico de sua obra. Quando afirmou em sua obra “Minina Moralia” que “O todo é o não-verdadeiro” (inversão da famosa frase de Hegel: “O todo é verdadeiro”, Adorno (1993, p. 42) expressou sua recusa de afirmar o existente, a identidade entre pensamento e realidade.

Segundo Nobre (1998, p. 137), Adorno reconheceria que o “impulso inicial e original da dialética” hegeliana teria sido a não identidade entre o pensamento e o que é pensado. Mas reconheceria também que esse impulso crítico, que deve ser preservado, foi abandonado por Hegel quando ele fez “à distância entre o saber e o objeto depende da unidade desse momento no absoluto”; quando afirmou que a “desigualdade” entre pensamento e realidade só pode ser pensada a partir da identidade.

A negação do pressuposto da identidade entre pensamento e ser (a recusa de qualquer teoria que apareça como a teoria definitiva da realidade) está, portanto, entre os traços mais distintivos e marcantes do percurso teórico de Adorno e Horkheimer. A rejeição das teorias totalizadoras, das verdades absolutas e definitivas (atitude que não pode ser confundida com o relativismo), tem, além de implicações metodológicas e epistemológicas, implicações políticas evidentes. Adorno e Hokheimer, entre os teóricos do nosso século, foram dos mais sensíveis, críticos e lúcidos em relação aos sistemas sociais totalitários.

Em sua obra mais importante, “Dialética do Esclarecimento”, Horkheimer e Adorno (1985) fazem uma análise, hoje clássica, da tirania da identidade e de sua ligação histórica com o esclarecimento. O esclarecimento nesses autores não se reduz a um período histórico específico que tem seu início no século das Luzes (ou talvez na Renascença) e tem sua máxima expressão na moderna sociedade industrial. O esclarecimento é a progressiva racionalização, o desencantamento do mundo (que para eles é só aparente), ao longo da história humana.

A intenção do esclarecimento era eliminar o mito (mito que já era, em muitos aspectos, esclarecimento); mas na verdade, o esclarecimento nunca se desligou do mito; muito pelo contrário, o esclarecimento está cada vez mais próximo do mito: “Do mesmo modo que os mitos já levam a cabo o esclarecimento, assim também o esclarecimento fica enredado, a cada passo que dá, na mitologia” (p. 26).

No ensaio da obra citada, intitulada “O conceito de Esclarecimento”, Horkheimer e Adorno (1985, p.22) indicam a natureza do esclarecimento:“O esclarecimento é totalitário””. É totalitário porque o conhecimento que lhe é próprio só lida com os seres e com os eventos unificando-os.

“De antemão, o esclarecimento só reconhece como ser e acontecer o que se deixa captar pela unidade. Seu ideal é o sistema do qual se pode deduzir toda e qualquer coisa” (Horkheimer e Adorno, 1985, p.22).

A unificação repressiva que permite a dominação do homem sobre o homem e deste sobre a natureza tem por base a repressão da natureza interior do homem. Está última possibilita a unidade do eu, a construção da identidade. Nesse sentido, “o despertar do sujeito tem por preço o reconhecimento do poder como o princípio de todas as relações” (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 24).

Em outra parte da “Dialética do Esclarecimento”, no excurso 1, intitulado Ulisses ou Mito e Esclarecimento, Horkheimer e Adorno (1985, pp. 53-80) mostram, com as aventuras de Ulisses na Odisséia, como a “identidade do eu” exigiu a repressão da natureza interna, exigiu o sacrifício, a renúncia. Assim, Ulisses

(...)”revela-se precisamente como um protótipo do indivíduo burguês, cujo conceito tem origem naquela auto-afirmação unitária que encontra seu modelo mais antigo no herói errante”. (p. 53)

Como foi dito anteriormente, para Horkheimer e Adorno, o esclarecimento lida com seres e eventos submetendo-os à unidade. O artifício do pensamento esclarecedor para encerrar coisas diferentes em um sistema unitário é a equivalência, a igualdade:

“A sociedade burguesa está dominada pelo equivalente. Ela torna o heterogêneo comparável, reduzindo a grandezas abstratas para o esclarecimento, aquilo que não se reduz a números e, por fim, ao uno, passa a ser ilusão: o positivo moderno remete-o para a literatura.” (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 23)

Para Horkheimer e Adorno (1985, pp. 26-30), o recurso alucinado à igualdade na sociedade burguesa é um exemplo definitivo das profundas ligações do esclarecimento com mito, de como cada vez mais o esclarecimento fica “enredado” no mito. Assim como para o esclarecimento, para o mito o que virá é o sempre igual. O esclarecimento, portanto, é um reprodutor inconsciente da sabedoria mitológica que ele quis destruir: “A ratificação do destino que , pela retribuição, reproduz sem cessar o que já era”. Mas na mitologia a igualdade era um “instrumento” do “xamã”, não era um ídolo como na sociedade burguesa:“Antes, os fetiches estavam sob a lei da igualdade. Agora, a própria igualdade torna-se fetiche”.

Em “Ulisses ou Mito e Esclarecimento”, nossos autores ilustram, com os presentes dados por Ulisses às divindades da natureza, a idéias de que no mito já se encontra o modelo do princípio do equivalente: “O presente de hospitalidade homérico está a meio caminho entre a troca e o sacrifício. Ele é “ato sacrifical”, mas também “anuncia o princípio do equivalente” (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 57). Na verdade, o sacrifício, em um sentido específico, já é troca:

“Se a troca é a secularização do sacrifício, o próprio sacrifício já aparece como o esquema mágico da troca racional, uma cerimônia organizada pelos homens com o fim de dominar os deuses...” (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 57)

Para tornar as coisas iguais, e unificá-las, o esclarecimento abstrai, desconsidera, suas diferenças concretas. A abstração, segundo Horkheimer e Adorno (1985, p. 27), “é o instrumento do esclarecimento” no seu processo de dominação.

O predomínio do equivalente abstrato sobre a singularidade concreta é um tema fortemente influenciado pela análise marxista do capitalismo. Em sua célebre análise da mercadoria em “O Capital”, Marx mostra como na economia capitalista todas as mercadorias, enquanto valores de troca, são equivalentes e como essa equivalência resulta na supressão de suas diferenças, enquanto valores de uso.

“O valor de troca de um palácio pode ser expresso em determinado número de latas de graxa para botas. Inversamente, fabricantes londrinos de graxa têm o valor de troca de suas muitíssimas latas expresso em palácios. Totalmente indiferente, portanto, ao seu modo natural de existência, e sem consideração à natureza específica da necessidade para a qual são valores de uso, as mercadorias cobrem-se umas às outras em quantidades determinadas, substituem-se entre si na troca, valem como equivalentes e, apesar de sua aparência variada, apresentam a mesma unidade.” (Marx, 1996, p. 58)

A sensibilidade ao poder do equivalente está presente dos primeiros aos últimos escritos de Horkheimer e Adorno. Em “Teoria tradicional e teoria crítica”, texto de 1973, Horkheimer (1989, pp.56-57) afirma que a teoria crítica “...começa com a caracterização de uma economia baseada na troca...” e que este começo “esboça” o mecanismo que garante a sobrevivência da “sociedade burguesa”. Adorno, em um de seus últimos escritos, afirma: “Se a estrutura dominante da sociedade reside na forma da troca, então a racionalidade desta constitui os homens...” (Adorno, 1995, p.186).

Para garantir a sobrevivência da sociedade burguesa a “forma da troca” deve se generalizar, deve servir como modelo para todas as esferas da vida social. A generalização desse modelo ocorre com o advento do capitalismo administrativo no nosso século.

“A partir do momento em que as mercadorias, com o fim do livre intercâmbio, perderam todas as suas qualidades econômicas salvo seu caráter de fetiche, este se espalhou como uma paralisia sobre a vida da sociedade em todos os seus aspectos” (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 40).

A equivalência abstrata é ideologia; iguala coisas que na verdade são diferentes. A generalização do princípio da equivalência, portanto, “imprime à sociedade como um todo a lógica da ideologia” (Cohn, 1986, p.13). Eagleton comentando a obra de Adorno, resume com precisão os efeitos ideológicos da igualdade abstrata nas esferas política e jurídica.

“Na arena política da sociedade burguesa, todos os homens e mulheres são abstratamente iguais como votantes e cidadãos, mas essa equivalência teórica serve para mascarar suas desigualdades concretas no âmbito da “sociedade civil”. Senhorio e inquilino, homem de negócios e prostitutas podem acabar em cabines de votação adjacentes. O mesmo é verdade nas instituições jurídicas: todos os indivíduos são iguais perante a lei, mas isso meramente obscurece o modo como a própria lei, em última análise, está do lado dos proprietários.” Eagleton (1997, p. 115)

Uma das conseqüências mais funestas da generalização do domínio do equivalente é a homogeneização dos seres humanos: a transformação destes em seres com sentimentos, pensamentos, vontades e comportamentos idênticos. O indivíduo deve ser negado para garantir a “unidade da coletividade manipulada”. (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 27). De fato, na sociedade dominada pelo equivalente, o sujeito individual “(...)não é sujeito, e sim objeto desta última...” (Adorno, 1993, p. 54).

Alguns não vêem tanta unidade assim na sociedade burguesa. Eagleton (1997) critica em Adorno e concepção segundo a qual o capitalismo tardio teria eliminado todas as resistências, seria “uniforme”, “auto-regulador”. Para Eagleton, (1997, pp. 117-118) “isso, sem dúvida, é o que o sistema gostaria que lhe fosse dito, mas certamente seria recebido com certo ceticismo nos corredores de Whitehall e Wall Street”. De fato, a obra de Horkheimer e Adorno, em alguns de seus momentos, sugere a idéia de que o sistema capitalista tardio tornou iguais e unificou todas as subjetividades, tornando desnecessário a violência nua e crua para obter a conformidade. Em outros momentos, no entanto, Horkheimer e Adorno sugerem que a resistência subjetiva não foi eliminada totalmente. Na “Dialética do Esclarecimento”, obra desses autores, se encontra uma atenuação explícita do diagnóstico da unidade total.

“Os homens receberam o seu eu como algo pertencente a cada um, diferente de todos os outros, para que ele possa com tanto maior segurança se tornar igual. Mas como isso nunca se realizou inteiramente, o esclarecimento sempre simpatizou, mesmo durante o período do liberalismo, com a coerção social”. (Horkheimer e Adorno, 1985, p.27)

Que o sujeito seja uma fonte de resistência ao império da identidade é uma constante na obra de Horkheimer e Adorno. Mas nestes autores não se pode esperar mais do isso do sujeito: que ele resista. Crochik resume bem essa questão em Adorno:

“Ele aponta a educação como forma de se evitar a babárie, mas não qualquer tipo de educação, e sim aquela que atente, tanto para a constituição da subjetividade (...) quanto para revelação dos fatores que levam à barbárie (...) Mas o autor assinala os limites dessa educação, já que, através dela, não é possível mudar as condições que levam à barbárie, pois estas não são subjetivas, mas permite, ao menos (o que não é pouco), aos indivíduos resistirem àquela”. (Crochik, 1995, pp. 52-53)

Mas será que de fato não se pode esperar mais do que a mera resistência por parte dos sujeitos? De fato, o que já foi visto sobre as implicações da tirania do equivalente permitem afirmar que, em Horkheimer e Adorno, as “condições que levam à barbárie” não são subjetivas. Como afirma Eagleton (1997, p. 124), para Adorno, “a ideologia (...) não é, em primeiro lugar, uma questão de consciência, mas das estruturas materiais da troca de mercadorias”. Mas afirmar o caráter determinante das “estruturas materiais da troca de mercadorias” não tem necessariamente como conseqüência a afirmação de que os sujeitos só podem resistir. Por que não poderiam transformar as estruturas materiais da sociedade? Afinal, subjetividades capazes de resistir às imposições de uma ordem social tão massacrante, são potencialmente capazes de transformá-la.

Outra crítica de Eagleton (1997) se refere ao fato de Adorno destacar demasiadamente o caráter opressivo da razão analítica, esquecendo que a “crítica da sociedade capitalista exige a razão analítica” (p.117). Horkheimer e Adorno, no entanto, afirmam que a análise em si mesma não constitui um problema.

“Sua inverdade (do esclarecimento) não está naquilo que seus inimigos românticos sempre lhe censuraram: o método analítico, o retorno aos elementos, a decomposição pela reflexão, mas sim no fato de que para ele o processo está decidido de antemão”. (Horkheimer e Adorno, 1985, p. 37)

Segundo Habermas, Horkheimer e Adorno teriam abandonado a modernidade e abraçado a irracionalidade, mesmo sendo considerado para muitos herdeiros da Teoria Crítica da Sociedade Habermas afirma:

“Por muito que Adorno reclame a sua validade da verdade de um modo paradoxal ou Foucault se recuse a tirar conseqüências de contradições manifestas; por muito que Heidegger e Derrida se furtem às exigências de fundamentação por meio da fuga para o esotérico ou por meio da fusão do lógico com o retórico, aparece sempre uma simbiose de coisas incompatíveis, uma amálgama que, no fundo, se opõe à análise científica “normal”. Ora a dificuldade só é deslocada quando trocamos o sistema de referência e não abordamos mais os mesmos discursos como ciência e filosofia, mas como um pedaço de literatura” (Habermas, 1990, p. 309).

Talvez a semelhança mais importante entre Horkheimer e Adorno e os pós-modernos seja a denúncia comum do princípio da identidade. Mas mesmo aí existem diferenças. Eagleton (1997, p. 116) reconhece que: “Em contraste com boa parte do pensamento pós-estruturalista (...) Adorno não celebra acriticamente a noção de diferença nem denuncia inequivocamente princípio de identidade”.

Sugerir, no entanto, baseado nas semelhanças citadas, que Horkheimer e Adorno teriam abandonado a modernidade, os ideais emancipatórios do esclarecimento, e abraçado o irracionalismo, não faz justiça às reais intenções dos autores. No prefácio da obra mais crítica, em relação ao desenvolvimento da razão ocidental: “Dialética do Esclarecimento”, os autores afirmam que:

“Não alimentamos nenhuma dúvida (...) de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que o próprio conceito desse pensamento, tanto como suas formas históricas concretas, as instituições da sociedade com as quais está entrelaçado contém o germe para a regressão que hoje tem lugar por toda parte”. (Horkheimer e Adorno 1985)

Contudo os representantes da Teoria Crítica da Sociedade demonstram que a crueldade do mundo criado pelo homem, seja por uma idéia, religião, erro de percepção ou de interpretação, faz com que a dominação do homem sobre o homem se agrave por todo lado e sem tréguas. O crescimento da dependência do dinheiro, da independência pelo dinheiro e do poder do dinheiro generaliza e amplifica a avidez impiedosa. No entanto entre guerras, catástrofes e desordens o mundo avança sem submergir total ou permanentemente na barbárie, pois ainda a pior crueldade do mundo e o melhor da bondade do mundo estão no homem.

 

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
E-mail: Cleomar.Azevedo@ig.com.br

Recebido em : 05/12/2004
Aceite final em : 12/03/2005

 

 

1 Programa de Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO. Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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