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Cadernos de Psicopedagogia

versão impressa ISSN 1676-1049

Cad. psicopedag. v.5 n.9 São Paulo  2005

 

ARTIGOS

 

Espaço de criação criatividade e resiliência: formação docente numa perspectiva inter e transdisciplinar

 

Creation space - creativity and resilience: teacher´s formation in a perspective inter and transdisciplinary

 

 

Nilce da Silva1; Dalva Alves2; Cristina Dalva Van Berghem MottaI,3

I Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo trata de pesquisas realizadas desde 1999 no âmbito da formação de professores em trabalho colaborativo numa perspectiva inter e transdisciplinar com ênfase em posturas criativas e resilientes por meio do conceito prático-teórico: Espaço de Criação, especialmente nos trabalhos de pesquisa, ensino e extensão do Grupo Acolhendo Alunos em Situação de Exclusão Social e Escolar. Trataremos das condições atuais de trabalho dos professores dos anos iniciais da escolarização com a finalidade de identificação dos principais fatores estressores na profissão docente nos dias atuais. Discutiremos também, criatividade e resiliência para que, finalmente, numa perspectiva inter e transdisciplinar, consideremos acerca da formação de professores ressaltando a possibilidade do aprendizado de atitudes resilientes e criativas nos espaços de criação.

Palavaras-chave: Formação de professores, Interdisciplinaridade, Transdisciplinaridade.


ABSTRACT

This article deals with research carried through since 1999 in the scope of the formation of primary teachers in collaborative work in an inter and transdisciplinary perspective with emphasis in creative and resilient positions by means of the concept practical-theoretician: Space of Creation. We are based on the researches, teaching and community works of the Group Receiving Pupils in Situation of Social and School Exclusion. We will deal with the current conditions of work of the professors of the initial years of the primary school with the purpose of identification of the main factors stressors in the teaching profession in the current days. We will also argue creativity and resilience so that, finally, in an inter and transdisciplinary perspective and, let us consider concerning the formation of professors standing out the possibility of the learning of resilient and creative attitudes in the creation spaces.

Index terms: Teacher’s formation, Interdisciplinarity, Transdisciplinarity.


 

 

Este artigo pretende discutir o conceito de “espaço de criação” em seus aspectos teóricos e metodológicos do ponto de vista da inter e transdisciplinaridade no âmbito da formação de professores dos anos iniciais da escolarização. O mesmo baseia-se em resultados de trabalhos de pesquisa-intervenção que temos realizado nesta área desde o ano de 1998. Tal possibilidade de atuação deve-se ao fato e que os "espaços de criação" são considerados espaços, por excelência, apropriados à investigação científica e ainda, espaço psicopedagógico propriamente dito. Para Biarnés (1996, 1998, 1999), o “Espaço de criação” visa possibilitar ao professor um elemento estratégico, para que ele possa lidar com a diversidade cultural em sala de aula. Um processo direcionado a cada aluno em suas características e competências singulares. Um processo em que alunos e professores possam se tornar sujeitos de seu aprender e da construção de saberes nos dá abertura para a ampliação de nossos objetivos, estendendo o processo de apoio psicopedagógico aos educadores para uma visão de acompanhamento de autoformação numa proposta transdisciplinar.

Este artigo desenvolver-se-á da seguinte maneira: delinearemos um panorama sobre as condições de trabalho dos professores dos anos iniciais da alfabetização, na cidade de São Paulo. Em seguida discutiremos os conceitos espaço de criação, criatividade e resiliência. Posteriormente apresentaremos o trabalho colaborativo na perspectiva inter e transdisciplinar desenvolvida no Projeto Acolhendo e, finalmente, algumas recomendações no âmbito da pesquisa-intervenção da formação de professores a partir da experiência que tem sido vivida pelos professores do Projeto Acolhendo.

 

Panorama geral acerca dos estudos teóricos acerca do stress docente

Os estudos acerca da profissão docente indicam que os professores, de um modo geral, encontram-se desiludidos, insatisfeitos e frustrados. Tal situação produz um trabalho alienado, submetido somente aos fins determinados pelo empregador, gerando a síndrome de burnout:

“Um trabalhador que entra em burnout assume uma posição de frieza frente a seus clientes, não se deixando envolver com seus problemas e dificuldades. As relações interpessoais são cortadas, como já, a relação torna-se desprovida de calor humano. Isso acrescido de uma grande irritabilidade por parte do profissional...” (CODO, 2002, p. 242).

Especificamente em relação à profissão docente, neste quadro o ensino e a aprendizagem tornam-se inviáveis:

“Por outro lado, o professor torna-se incapaz do mínimo de empatia necessária para a transmissão do conhecimento e, de outro, ele sofre: ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimento de exaustão, física e emocional” (CODO, 2002, p. 242).

No entanto, os mesmos estudos indicam que se o indivíduo puder encontrar situações que promovam sua segurança e bem-estar e que não provoquem danos ao seu potencial, exercerá o trabalho de forma criativa mesmo diante de grandes desafios, como, por exemplo, tratar os alunos com afetividade e compreensão. José Moura Gonçalves Filho, ao articular, de modo exemplar, marxismo e psicanálise, apresenta a humilhação social como um problema político e a define como angústia disparada por um problema de desigualdade de classe social; sobretudo quando se trabalha com migrantes que têm, tiveram e continuarão a ter seu passado roubado ou esquecido pela situação social, pois ao partirem de suas cidades natais, deixam retratos, objetos herdados. Vêem-se, assim, espoliados do seu passado, além da miserabilidade econômica e social em que na maioria das vezes se encontram. Deste modo, o professor, antes de tudo, precisa ter condições emocionais para trabalhar a valorização da condição humana destes alunos.

Neste momento e frente a estas constatações, apresentamos o conceito prático-teórico de “espaço de criação” como uma alternativa para o resgate, ainda que parcial, do bem-estar docente e da possibilidade de realização pessoal nesta profissão.

 

Novas possibilidades de formação: o “Espaço de criação”.

A educação tem se tornado um dos principais eixos de estruturação de novos laços sociais. Este aspecto tem sido bastante ressaltado pela UNESCO ao destacar a importância da contribuição das políticas educativas – integrativas / inclusivas - na construção do social, visando combater aos processos de exclusão escolar e social que têm crescido de forma alarmante nos países em desenvolvimento e nos países desenvolvidos.

Neste contexto, um fato tem chamado a atenção dos pesquisadores em educação: a ampliação dos locais em que se realizam as práticas educativas. Atualmente elas transpõem o circuito das escolas, encaminhando-se de uma maneira mais decisiva para a ocupação de novos espaços sócio-culturais.

Esses espaços de educação não formal possibilitam uma atuação mais livre, o que não exclui responsabilidade dos atores envolvidos neste processo, quando comparados com a atuação dos mesmos sujeitos nos espaços onde acontece a educação formal.

A escolha do “espaço de criação” e das experiências educativas que nele acontecem não surgiu ao acaso. Esta opção responde a espaços e tempos bem determinados. Neste contexto, o “espaços de criação” é proposta alternativa, pois, ao mesmo tempo em que nos permitem investigar o processo de formação pessoal, possibilitam a intervenção como “espaços pedagógicos”. Neles há a possibilidade de identificar de que maneira são construídos os laços sociais daqueles que participam de algumas experiências específicas nestes espaços, assim como a possibilidade de que as atividades neles desenvolvidas possam favorecer a inserção social destes indivíduos, fundamentados nos ensinamentos de Donald Winnicott e Jean Biarnès.

O “Espaço de criação”, tal qual o utilizamos aqui, conforme assinalamos anteriormente, baseia-se no conceito de “espaço transicional” (1975) desenvolvido pelo psicanalista inglês Donald W. Winnicott. Este concebia o “espaço transicional” como um espaço intermediário: nem exterior, nem interior ao indivíduo. Um espaço em que a possibilidade do conflito e da construção criativa do mesmo seriam características marcantes, tanto do ponto de vista cognitivo como afetivo, relacional e social.

Biarnés fez a transposição do conceito de espaço transicional para o contexto pedagógico dos banlieus parisienses. Para Biarnés o “Espaço de criação” visa possibilitar ao professor um elemento estratégico, para que ele possa lidar com a diversidade cultural em sala de aula. Um processo direcionado a cada aluno em suas características e competências singulares. Um processo em que alunos e professores possam se tornar sujeitos da construção da cultura. E nós, conforme pretendemos demonstrar ao longo deste painel, além de ampliarmos o seu uso para realidade da periferia da cidade de São Paulo, vislumbramos o mesmo nas perspectivas de: espaço formativo, espaço pedagógico e espaço de investigação.

Deste modo, o conceito “âncora” – “espaço de criação” revela a importância de um olhar mais amplo para se lidar com o contexto educativo e promove a aquisição de duas posturas: a resiliente e a criativa. Sendo assim, em seguida, apresentaremos mais detidamente as concepções de “resiliência” e “criatividade” com as quais temos trabalhado.

 

Criatividade e resiliência no trabalho colaborativo.

Segundo Motta (2005), há que se ressaltar no processo de formação de professores não só os aspectos individuais dos mesmos. O trabalho em grupo é de grande importância, sobretudo para a promoção da criatividade. Baseamo-nos no seguinte conceito de criatividade:

“Criar é, basicamente, formar. É poder dar forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, tratam-se, nesse ‘novo’, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender: e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar” (Ostrower, 2004, p. 9).

Sob tal ótica, percebemos a importância das capacidades cognitivas e metacognitivas e dos aspectos afetivos e emocionais na criatividade e a necessidade da preparação do indivíduo com amplos conhecimentos, disciplina, empenho e trabalho prolongado para que ele alcance a manifestação plena de sua criatividade. Assim, construir metáforas, provocar transformações, formar associações e aprender a aprender são capacidades cognitivas essenciais para a criatividade, ligadas à percepção consciente. É por meio dessas capacidades que o professor usa a imaginação para combinar idéias ou informações de maneiras novas, formula e testa hipóteses de acordo com novas possibilidades do seu fazer criativo, promove conexões entre idéias de diferentes áreas de conhecimento, faz a transposição entre diferentes representações semióticas (análise e entendimento de símbolos, gráficos, etc.) e torna-se capaz de dominar técnicas de aprendizagem que permitam avançar em situações desconhecidas.

Do mesmo modo, a antecipação mental das situações a serem resolvidas é uma das capacidades metacognitivas importantes para a criação. São as capacidades metacognitivas que permitem ao homem compreender seu próprio conhecimento e assim reconhecer a natureza de um problema, representá-lo internamente, decidir quais das soluções estratégicas são mais promissoras, escolher e organizar processos cognitivos; combinar estratégias de pensamento para desenvolver novas abordagens do problema, determinar o grau de progresso encontrado por uma pesquisa e identificar novas linhas de abordagem quando as antigas forem infrutíferas. Através da metacognição ocorre o monitoramento e a auto-regulação dos processos de pensamento.

Em relação aos aspectos afetivos e emocionais, a pessoa criativa é intuitiva, tem percepção aguçada e é sensível aos problemas, demonstra preferências pelo complexo e pelo assimétrico, é tolerante com as diferenças, possui intensos interesses simbólicos, aprecia o risco, é empreendedora e aventureira, manifesta maior abertura em relação aos seus próprios sentimentos e emoções, se aceita positivamente, possui autoconfiança, é dominante, firme, espontânea e confiante na interação social, receptiva em relação a novas idéias, autônoma, original e persistente. E assim, de acordo com Yunes e Szymanski (2001),ao aliarmos diferentes aspectos da criatividade, verificamos que apenas sob o jugo de características do “ser resiliente”, os mesmos podem ocorrer.

A noção de resiliência tem origem na Física e na Engenharia e nessa área é associada à capacidade máxima de um material de suportar tensão sem se deformar de maneira permanente. Há vinte anos, tem sido também usada de uma maneira mais abrangente para significar uma habilidade pessoal de voltar ao estado normal de saúde ou de espírito após períodos de doenças ou dificuldades de qualquer tipo, muitas vezes, ligada ao conceito de invulnerabilidade às adversidades.

Assim, no âmbito desta discussão, há professores que apresentam maior resistência aos fatores agressores encontrados na prática, criando alternativas para controlar os desafios e responder às dificuldades, reagindo às adversidades e mostrando-se capazes de recuperação das agressões sofridas, e por isso, têm seu stress diminuído.

Conforme Yunes (2001), os principais mecanismos de proteção contra o risco são: reduzir a exposição da pessoa à situação estressora, reduzir as reações em cadeia geradas pela situação de risco, garantir a auto-estima e a auto-eficácia através da realização de tarefas bem sucedidas em um clima de afeto e segurança e criar oportunidades para que a pessoa se adapte. Os mecanismos de proteção estão ligados ao modo como a pessoa lida com as mudanças em sua vida, ao sentido que ela atribui às suas experiências e à sua maneira de atuar diante das adversidades, podendo interagir com outros fatores de risco, tanto psico-sociais quanto genéticos. Entretanto, não podemos abordar a questão em termos de que a resilência seja apenas conseqüência de características internas da personalidade do indivíduo, passíveis de serem construídas. Ao invés, precisamos considerar os fatores ambientais e o contexto relacional e ressaltar a importância do suporte das relações de apoio incondicional para a promoção do sentimento de auto-estima e auto-eficácia. Enxergar a resiliência em termos individuais pode contribuir para rotular a vítima como fracassada e, desse modo, reforçar o desequilíbrio social vigente que não oferece oportunidades para que as pessoas se comportem de diferentes maneiras frente a uma dada situação, massificando atitudes e comportamentos.

Nesta direção, é na articulação entre a capacidade da pessoa criativa de inovar, de ser flexível, de ter uma boa imagem de si mesma, de associar idéias de diferentes formas e de ser persistente e a capacidade de tornar-se resiliente que buscamos na aceitação do grupo de pertencimento a chave para o desenvolvimento de professores mais seguros, mais sensíveis e mais equipados para agir na transformação de seu próprio ambiente cultural.

“(...) implica novas formas de trabalhar em equipe, de assumir riscos, de ser pró-ativo, de utilizar as novas ferramentas tecnológicas, de identificar necessidades próprias de formação e possibilidades de complemento de formação. Isto pressupõe um perfil de formação inacabado, um conceito de formação permanente, contínua, especializada, em ação” (Alarcão, 2001, p.103).

Afirmamos assim que o trabalho colaborativo, tal como temos pretendido desenvolver em nossas pesquisas - voluntário e estabelecido em termos de igualdade de condições, independentemente de cargos hierárquicos ou situações administrativas, e baseado na lealdade e na confiança recíprocas - é alternativa não só para a formação e a prática investigativa dos professores como também fortalece as relações interpessoais por meio do suporte afetivo, emocional e intelectual entre seus participantes.

No grupo de formação de professores aqui em debate, portanto, o trabalho individual criativo encontra apoio e o retorno dos seus resultados obtidos serve para a apropriação coletiva e reestruturação dos saberes docentes. Nesse sentido, concordamos com a afirmação de Ferreira (2003) de que o espaço de trabalho colaborativo precisa ser conquistado pelos professores e tornar-se um elemento de revalorização da profissão docente.

Acrescentamos ainda que, segundo nossas observações em campo, a resiliência na ação docente se consolida com a valorização, pelo próprio professor, da importância de fortalecer a articulação dos diversos interesses envolvidos no seu contexto de atuação em direção a uma atitude dialógica, criticamente ética e flexível, participativa e colaborativa, que permita tomadas de decisão, reflexão sobre elas, construção de conhecimento docente, investigações e ao mesmo tempo, crie o ambiente de suporte afetivo e emocional necessário para se trabalhar com pessoas aprendentes.

Como indicamos acima, nossas investigações têm indicado que as Ciências da Educação e seu eixo dos circuitos escolares não se pautam apenas pelo contexto de cada disciplina específica, e sim, através de um intercâmbio de conteúdos, procedimentos e práticas específicas. Um processo onde a comparação e articulação entre as diferentes práticas seja um elemento estratégico. Esta situação tem levado alguns autores, dentre eles, Ardoino e Morin, a se orientarem cada vez mais pela transdisciplinaridade considerando o surgimento de novas construções teóricas, práticas e situações educacionais e fatos educativos.

Recentemente, muitos pesquisadores têm assinalado a importância de se trabalhar com uma proposta que reintroduza o diálogo entre as diferentes áreas, por acreditar que seria no intercâmbio entre as várias áreas (disciplinas) em que o objeto da Educação, neste caso mais especificamente, a formação de professores, estaria mais articulado e estruturado; ao invés de se pensar em um modelo pautado apenas por uma vertente pedagógica única.

No caso dos nossos trabalhos, este aspecto relativo à transdisciplinaridade é absolutamente essencial devido à sua própria natureza. Ou seja, a transdisciplinaridade tem sido o grande fio condutor dos trabalhos que estão sendo propostos. Isto porque, ela opera não diluindo as diferenças, visando construir um novo posicionamento, sustenta e dá suporte a um diálogo mais amplo e profundo em relação ao conteúdo a ser trabalhado a partir da própria especificidade de cada proposta. Um outro aspecto relativo ao contexto da transdisciplinaridade é que ela não se propõe a atuar abarcando todo o conhecimento a respeito de um determinado assunto. Ela atua introduzindo recortes, privilegiando um aspecto ou outro. Encaminha para um saber que não se fecha sobre si mesmo e que instiga o pesquisador a continuar sempre investigando.

É importante considerar que se o pesquisador pretende, também, ser um educador há que repensar toda sua trajetória e formação. Ser educador significa, nas palavras de Barbier (2002), formar-se a si mesmo, dar a si mesmo uma formação, desenvolver uma escuta sensível, ouvir antes de falar, lidar com seu saber e com seu não-saber.

Nesta perspectiva, avaliamos como extremamente positiva as experiências que têm sido vivenciadas no âmbito o Projeto Acolhendo – desde o ano de 2002 -, citado no início deste texto, do ponto de vista da formação de todos os envolvidos no projeto, especificamente, diretamente, em torno de 20 professores, e indiretamente, em torno de 60, que lecionam desde a educação infantil até o ensino de pós-graduação. Ressaltamos que o trabalho da coordenação do referido grupo, assim como, de modo pontual, o trabalho realizado pelos próprios componentes do grupo, tendo em vista, as habilidades de cada um, tem-se constituído como um trabalho de suporte e de acompanhamento dos pesquisadores-educadores em formação e ação. Esta processo, destacamos, tem sido realizado na perspectiva de um processo tripolar de autoformaçao (Galvani, 2002): de si (autoformação), dos outros (heteroformação), e do meio ambiente (ecoformação) no âmbito do “espaço de criação” aliado a aspectos de uma das teorias que pode sustentá-lo: a autobiografia educativa, um caminho de conhecimento do Homem em sua totalidade nos termos apresentados pela obra de G. Pineau.

Neste sentido, além de leituras de textos sobre alfabetização, de Winnicott e seus seguidores, de participação em seminários, congressos, cursos..., os professores do grupo Acolhendo, neste período, passaram por inúmeros conflitos oriundos das mais diferentes causas: interpessoais, intrapessoais, sociais, físicas, afetivas, de conteúdo de alfabetização propriamente dito, dentre outras. Há que se destacar que vivenciaram momentos de plena realização também nestas mesmas facetas que compõem os seres humanos: momentos de amizades, solidariedade, de descoberta de potencialidade e de felicidade, dentre outras.

Assim, no início deste ano, mais especificamente, iniciamos um processo de acompanhamento psicopedagógico aos professores que participam dos espaços de criação no sentido de orientar e dar-lhes suporte teórico-prático, sem perder de vista o olhar para a subjetividade de cada um. Pois, pensar na autoformaçao numa perspectiva transdisciplinar é considerar que os processos autoformativos envolvam uma abordagem interior de educação. Neste sentido, autoformar-se, mais do que adquirir conhecimentos teórico-práticos, é conhecer-se, é fazer uma viagem para dentro de si. É acolher-se para acolher o outro. É conhecer-se para conhecer o outro.

Por isso, concordamos com G. Pineau e Le Grand (1993) quando estes afirmam que, tentar explicitar a própria vida é uma atitude educativa extremamente conscientizadora e se constitui como exercício que permite criar a autoformação, ao mesmo tempo em que a faz conhecer. Tal formação, em que cada um pode apropriar-se do próprio saber e processo de formação, fez com que cada um dos evolvidos e nossos trabalhos nos espaços de criação se tornasse sujeito e objeto da sua própria formação.

 

Considerações Finais

Entendemos que o professor que busca conhecer a si mesmo tem maior abertura para conhecer seus alunos. O professor que conhece seus alunos ajuda-os na prevenção de problemas de adaptação escolar, tem melhores condições de promover um clima favorável na sala de aula para que a aprendizagem aconteça; além de colaborar com a equipe psicoeducativa no diagnóstico e atendimento de problemas de comportamento já manifestados, que podem afetar o desempenho escolar do estudante.

Trianes e Muñoz (1994) argumentam que o professor tem a possibilidade de manter o interesse dos alunos nas atividades propostas quando cria um clima de relações positivas na sala de aula, que envolve confiança e cooperação. E o contexto escolar é um campo fértil para o ensino e aprendizagem, não só de habilidades acadêmicas, mas também de habilidades sociais e de autoconhecimento. Os professores, que fazem a opção de oferecer aos seus alunos um modelo mais positivo de interação com eles, podem transformar o ambiente escolar num rico lugar de experiências de formação de auto-estima para eles, especialmente para aqueles que têm desvantagens social e familiar.

A esse respeito López Quintás (2002) nos diz que os professores devem promover experiências nas quais os alunos possam vislumbrar valores que não são ensinados, mas podem ser descobertos por meio de certas experiências. Assim, experiências como, por exemplo, apreciar uma música, ler e saber um poema, ou encontrar-se com o outro são essenciais para o despertar de valores intrínsecos da natureza humana. Os professores podem e devem, sobretudo, promover experiências pelas quais os alunos possam agir criativamente e exercitar o pensamento com rigor. Para ele, “Saber, a cada momento, qual é a atitude adequada à realidade que estamos vivendo é uma característica do pensamento rigoroso (p. 16)”. Sobre a importância da criatividade para a vida de todas as pessoas, especialmente para os jovens, o autor comenta:

“Ainda hoje, a idéia de criatividade está estreitamente relacionada, de modo romântico, com a de ‘genialidade’. Os gênios são criativos em alto grau, mas a criatividade não pertence exclusivamente a eles. Toda pessoa, desde a infância até a maturidade, pode e deve agir criativamente em todos os momentos de sua vida. Estar plenamente consciente disso significa valorizar o cotidiano e libertar-se de desnecessários complexos de inferioridade. Quando um jovem descobre que toda sua existência, independentemente de quão simples ou até mesmo penosa que possa ser, é uma grande fonte de criatividade, está avançando a passos agigantados em direção à maturidade e à felicidade (López Quintás, 2002, p. 22)”.

Bassedas e cols. (1996) colocam que o professor e o aluno estabelecem uma interação quando se encontram diante da situação ensinar-aprender tanto do ponto de vista cognitivo quanto dos pontos de vista afetivo e de relacionamento.

Do ponto de vista cognitivo, Bassedas et al (1996) consideram que cabe ao professor o papel de orientação e ajuda com o objetivo de possibilitar aos alunos a aprendizagem de determinados conteúdos. O professor desempenha papel fundamental na organização de atividades e na formulação de situações que propiciem aos alunos oportunidades de aprendizagem de forma significativa. Do ponto de vista afetivo, estes autores consideram que o professor representa confiança para o aluno, poder social, intelectual e um modelo (possível) a seguir, além da conseqüente motivação do desejo de saber. Ressaltam, ainda, que a importância da qualidade do vínculo afetivo entre o professor e seus alunos exerce grande influência sobre o relacionamento que crianças e jovens estabelecem entre si.

Este trabalho tem sido desenvolvido mesmo que corramos o risco de fundir o papel de investigador com o papel de participante, apesar da intensa vigilância epistemológica aprendida ao longo deste processo. E assim, definitivamente, colocamos em causa o axioma da “objetividade” da pesquisa no âmbito das Ciências da Educação.

Finalizamos este artigo com algumas observações sobre as quais discorremos ao longo do texto. Sobretudo, por considerá-las de alta importância quando se discute a formação de professores. São elas: (a-) grande parte dos professores não vive em situação adequada para o desenvolvimento de seus trabalhos nem de si próprios: há o stress docente; (b-) neste contexto, defendemos o trabalho colaborativo, em grupo, notadamente, em “espaços de criação” para que, dentre outros saberes, ser resiliente e ser criativo sejam posturas aprendidas; (c-) Neste sentido, faz-se mister uma perspectiva inter e transdisciplinar.

 

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Endereço para correspondência
Nilce da Silva
E-mail: nilce@usp.br

Dalva Alves
E-mail: dalva@nest.org.br

Cristina Dalva Van Berghem Motta

E-mail: crisberghem@ig.com.br

 

 

1 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo
2 Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria pela Universidade Federal de São Paulo
3 Mestranda em Educação pela Universidade de São Paulo

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