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Cadernos de Psicopedagogia

versión impresa ISSN 1676-1049

Cad. psicopedag. vol.7 no.13 São Paulo  2009

 

 

Psicopedagogia parceira do tempo de aprender da escola e da família

 

Psychopedagogy as a partner for the family and school's learning time

 

 

Elisa Maria Dias de Toledo Pitombo1

Instituto Sedes Sapientae

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo apresenta reflexões sobre a Psicopedagogia e o tempo de aprender das instituições: escola e família. Apresenta a Psicopedagogia baseado nas idéias de Fernandez, como a área que possibilita a resignificação do tempo para aprender. O autor aborda a partir da sua experiência clinica psicopedagógica, no atendimento a família e escola. Dado as exigências sociais e culturais da atualidade, nota que há poucos espaços onde há tempo de espera para o sujeito aprender. A clinica psicopedagógica proporciona espera do tempo do outro, pois permite aos sujeitos a apropriarem-se das particularidades de sua aprendizagem.

Palavras-chave: Psicopedagogia, tempo, família, escola, aprender.


ABSTRACT

This article contemplates Psychopedagogy and the time allotted for learning in institutions such as the school and the family. It introduces Psychopedagogy, based on Fernandez´s ideas, as an area that can review the time needed for learning. The author approaches the subject based on her experience in clinical psychopedagogy, with schools and families. As there are, nowadays, high social and cultural expectations towards learning, there are few places where time is given for the individual to learn. The psychopedagogical clinic provides space and time for the other and, therefore, permits individuals to take ownership of the particularities of their learning process.

Key words: psychopedagogy, time, family, school, learning.


 

 

Introdução

Neste artigo trago reflexões sobre a Psicopedagogia área que acompanha a resignificação do tempo do aprender nos dias de hoje, nas instituições: escola e família.

Na minha prática psicopedagógica clínica atendo crianças e jovens com problemas de aprendizagem, em parceria com pais e escola. Desenvolvo atendimento psicopedagógico clinico para ampliar as possibilidades de atuação dos seres pensantes no aprender na construção do conhecimento cientifico –cultural escolar e o conhecimento cotidiano familiar. Em ambas instituições a perspectiva psicopedagógica tem favorecido uma leitura mais aprimorada sobre o tempo de cada sujeito para aprender.

Para iniciar a reflexão sobre esse tema recorro a Fernandez (2000) que ao discutir sobre a aprendizagem de hoje e as modificações da construção do tempo, defende que "... havemos roubado o tempo, como diz Gonçalves da Cruz (1995) e Saidón (1995) junto a Deleuze, a Psicanálise é uma invenção do tempo para que o sujeito possa escutar-se e temos permitido que assim aconteça..." (p. 244). Por analogia a autora assinala que a "... Psicopedagogia pode ser a produção de tempo para que possamos nos inventar pensantes" (p. 244).

Considero importante a realidade social onde estão inseridas as citadas instituições, a escola e a família. Os instrumentos de comunicação da atualidade como a Internet, o celular, a televisão, fazem parte dos saberes do cotidiano advindo dos avanços do saberes científico-culturais.

Mas a velocidade de imagens, de informações, de sons, por vezes nos afasta dos desafios reais de nosso dia-a dia. No meu modo de ver, assistimos a uma aceleração da realidade, onde as relações humanas se distanciam de tal maneira que atingem a comunicação e, por conseguinte a aprendizagem.

Fernández (2000) ao analisar o papel da televisão na aprendizagem afirma que o impacto da imagem visual tem mais força de verdade que a palavra. A imagem da televisão parece ter um valor de completude. No entanto ressalta que a palavra permite um espaço maior para a pergunta, para o pensar e o aprender. E assim salienta que

Necessitamos dar lugar na conceitualização psicopedagógica as mudanças subjetivas produzidas pelos objetos telemáticos e a sua incidência sobre a aprendizagem, sustentando-nos na força do pensamento crítico, tratando de humanizar a tecnologia (p.266).

As modificações das construções do tempo advindas do mundo virtual de instantaneidade têm influenciado as relações de aprendizagem.

A escola e a família são atingidas pela "falta de tempo" para que seus alunos e filhos conversem, argumentem, discutam, enfim pensem. E com a "perda de tempo", perdem o tempo para sentarem juntos e ouvirem histórias de seus antepassados familiares, ou ainda para ouvir e ver os alunos com problemas de aprendizagem. O tempo instaurado pela sociedade atual, do excesso de informação, da vertiginosidade e fugacidade das relações humanas, altera o modo de vincular-se.

Dados colhidos na clinica psicopedagógica indicam que cada vez mais o tempo tem sido uma tônica que interfere no agravamento das relações de aprendizagem. Antes com a periodicidade de atendimento clinico de duas vezes semanais, as situações dos clientes assoberbados de tarefas extra-escolares, obrigaram-me a reduzir para uma vez por semana; os horários de atendimentos a pais são agora às 7 horas da manhã antes do trabalho do casal, ou então depois da 20 horas; pais anseiam por um resultado imediato e eficaz sobre o problema de aprendizagem; escolas demoram ou se omitem para retornar ligações telefônicas e por vezes prefere a comunicação via e-mail a um contato pessoal; clientes comparecem ao atendimento sonolentos devido a poucas horas dormidas, pois ficaram acordados até tarde da noite a espera dos pais e finalmente clientes ansiosos em realizar muitas atividades ao mesmo tempo.

Enfim poderia enumerar várias mudanças para ilustrar diversos comportamentos da aceleração do tempo nos atendimentos psicopedagógicos clínicos.

Parece que todos têm pressa: começar logo para terminar logo, encerrar logo o dia para dormir logo, para acordar logo e ir enfrente logo. Mas para onde? Por que tanta urgência? A aprendizagem tem um certo tempo? E os problemas de aprendizagem têm um tempo certo duração? O atendimento psicopedagógico clínico deve atender às demandas de eficiência e eficácia do aprender? Os pais repensam o tempo dedicado ao ensinar e aprender de seus filhos? Qual seria a prioridade familiar, conversar ou ver televisão ou a Internet? Preparar os alunos para a competividade do aprender ou para a cooperação do ensinar e aprender? Atender a dúvida do aluno ou pesquisar na Internet?

A aceleração temporal imposta pelas mudanças tecnológicas e sociais da pós-modernidade é abordada por Fernandez (2001) ao discutir questões sobre as dificuldades da manutenção da atenção das crianças e jovens com problemas de aprendizagem, no sugestivo capitulo intitulado A sociedade hipercinética e desatenta medica o que produz (p. 202). Salienta a autora com propriedade que "... a sociedade globalizada desatende a todos; contudo coloca como doença o que as crianças podem denunciar como a sua inquietude e falta de atenção" (p. 294).

Numa época onde o tempo individual foi sendo aniquilado pelo espaço cotidiano, o aqui e o agora são ressaltados devido ao ritmo das mudanças da atualidade. Há exigência de imediatismo de respostas, de resultados, sobretudo no processo de aprendizagem. O fracasso escolar, muitas vezes, parece acoplar-se ao fracasso familiar, e se faz urgente eliminar os seus efeitos, sem considerar as suas causas e implicações das diferenças e singularidades do sujeito, de sua família e de sua escola.

Kehl (2009) ao apresentar reflexões sobre as condições sociais da transmissão da depressão ressalta que as novas gerações de jovens mães, filhas das mulheres fruto das mudanças e conquistas dos movimentos feministas do Ocidente são, no seu ponto de vista, como que desgarradas da experiência de transmissão da experiência da maternidade. Acrescido do fato da entrada da mulher no mercado de trabalho, onde é seguida pela competitividade e da exigida eficiência profissional, estes eventos parecem que solapam o desempenho pleno da maternidade.

Assim com essas mudanças do papel da mulher a família sofre as transformações de papéis e configurações. Novas famílias surgem no cenário, por vezes até mais flexíveis e plurais (VAITSMAN, 1994).

O cenário da competividade do mercado se faz presente na idealização do filho, que sofre pressão familiar e por vezes escolar, acompanhado de uma agenda de atividades semelhante o do adulto. E desta forma, os conflitos, perdas e dificuldades do processo de aprendizagem com freqüência são atropelados pela aceleração do tempo de um outro, que o desconhece.

Os pais na ótica de Kehl (2009), prematuramente levam seus filhos ansiosos, tristes, hiperativos o até mal educados, ao psiquiatra. Eles não suportam auxiliá-los a enfrentar as perdas de ano, as dificuldades que fazem parte do processo de aprendizagem, um mau desempenho esportivo, ou até mesmo a perda do lugar de popular entre os amigos da escola. Para essa questão pontua que

São os pais, e não as crianças, que não suportam que seus filhos estejam expostos aos conflitos e crises inevitáveis da vida, assim como não toleram a idéia de que as vicissitudes da vida subjetiva possam deixá-los para trás na corrida precoce por boas colocações no futuro. Preferem medicar o sofrimento de seus filhos de modo à (re) ajustá-los rapidamente às exigências da vida escolar e dos ideais da vida social (p.278).

Há entre as famílias que acompanho uma crescente insatisfação com o ideal construído sobre o aprender do filho, e seu desempenho escolar. O tempo de tolerância aos ensaios de aprender é baixo, espera-se um resultado imediato e perfeito. Existe também, por parte dos pais uma grande dificuldade em suportar as mudanças de comportamento da adolescência. Por conseguinte incentivam a continuidade da atitude infantilizada do jovem ou ainda não toleram esperar as crises de isolamento, típicas da construção da subjetividade do adolescer. Desta maneira, sobram poucos espaços para o sujeito ensaiar, treinar, aprender a perder e ganhar, ou ainda apenas a aprender no seu tempo e estilo. Muitas vezes os clientes trazem indicadores de que o espaço do atendimento psicopedagógico é o único onde sentem que há tempo para serem ouvidos e vistos enquanto sujeitos. A clínica psicopedagógica momento compartilhado entre terapeuta e cliente, é o espaço do "reconhecimento da falta", do entrar em contato com a dificuldade para aprender, onde há um tempo de espera para que encontre a sua capacidade para aprender.

O sujeito com problema de aprendizagem necessita entrar em contato na clinica psicopedagógica, com sentimentos da espera para aprender, da falta do que sabe e do que não sabe, do tempo exigido para aquela atividade. Estes comportamentos são fundamentais para a destituição do sintoma e a transformação de um ser que escolhe, que pensa e aprende.

A possibilidade de escolher, de perguntar e de pensar move a circulação do conhecimento na família e na escola. Essas são idéias defendidas na Psicopedagogia.

Não seria o caso de promover na família possibilidades de escolha de uma comida, uma roupa, um momento para estudar? Na escola encontrar alternativas de participação dos alunos na escolha das atividades curriculares, recreativas, a da grade de horários? E nas instituições, escola e família, favorecer questões, no tempo diferente de cada um: Qual a sua opinião? Como você resolveria? Como você pensa? E, sobretudo possibilitar um tempo que possa ser vivido, um tempo de espera, um tempo de dúvida, um tempo apenas de aprender a ser.

Ravazzola (1998) ao abordar sobre as relações entre a família e a escola sugere o Modelo Produtivo Criativo. Este modelo tem ênfase em várias ações, dentre elas: de independência, de autonomia, de aceitação de diferenças, de perguntar-fazer-experimentar, de explorar, de dar o valor ao prazer, o valor o conhecimento, de jogar-comunicar, de decidir, e de pensar com saber próprio. A autora sugere a cooperação entre os sistemas sociais, escola e família, para possibilitar articulações e funções de suas necessidades e funções, sem que se percam de vista o protagonismo de cada sujeito social.

A Psicopedagogia, a meu ver, possibilita nos dias atuais, um espaço de reflexão sobre o tempo do outro, e a espera do modo de cada um aprender seja na família ou na escola. Instaura, nessa perspectiva, o aprender, muito além do caráter utilitarista e imediatista de um produto, almeja o desenvolvimento de um substrato fundamental do ser, a construção da subjetividade e do saber.

 

REFERÊNCIAS

Fernandes H. R.; Kehl, M. R.; Mezan, R.; Berlinck, M. C.; Landa, F.& Costa, J. F. (1988). Tempo do desejo: Sociologia e Psicanálise (2nd.ed.). São Paulo, SP: Editora Brasiliense.         [ Links ]

Fernández, A. (2000). Psicopedagogia em Psicodrama: habilitando el jugar . Buenos Aires, Argentina: Ediciones Nova Visión.         [ Links ]

Fernández, A. (2001). Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre, RGS: Artmed Editora.         [ Links ]

Kehl, M. R. (2009). O tempo e o cão: a atualidade das depressões São Paulo, SP: Boitempo Editorial.         [ Links ]

Ravazzola, M. C. La salud del ninõ em edad escolar: relaciones entre lãs famílias y las institucion educativa (1998). In, E. N. Dabas ( comp. ) Los contextos del aprendizaje: situaciones sócio-psicopedagogicas (p. 123- 140). Buenos Aires, Argentina: Ediciones Nova Visión.         [ Links ]

Vaistsman, J. (1994). Flexíveis e plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-modernas Rio de Janeiro, RJ: Rocco.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
R. Ministro Godói, 1484
CEP: 05015 900, Perdizes
São Paulo, S.P., Brasil
e-mail: elisapitombo@ig.com.br

 

 

1 Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos

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