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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.25 Rio de Janeiro nov. 2012

 

TRABALHO CRÍTICO COM CONCEITOS

 

Interpretação em psicanálise e em ciência: contrapontos1

 

Interpretation in psychoanalysis and in science: counterpoints

 

 

Raul Albino Pacheco Filho

 

 


RESUMO

O tema da interpretação sempre esteve na ordem do dia, seja no campo da Psicanálise ou dos debates em Epistemologia. E as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado fronteiras importantes entre concepções distintas, tanto no interior de um quanto de outro desses dois campos. No campo da Filosofia da Ciência, os modos de se estabelecer conexões entre interpretação e observação, ou entre fato e teoria se opõem, p. ex., a concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper; e a de ambos à de Koyré, Bachelard e Kuhn. E, no que diz respeito à conexão entre Filosofia da Ciência e Psicanálise, lembre-se, p. ex., que a pluralidade de interpretações para uma mesma observação está subjacente à crítica de Popper à cientificidade da Psicanálise. O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns contrapontos entre essas discussões nesses dois campos. Existe uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em relação à interpretação em outros campos científicos? Como as temáticas do real, da verdade e da causa material ligam-se a isso? E a pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência da falta de rigor ou extimidade de suas teorizações em relação à Ciência? Ou isso deve ser concebido de outra maneira?

Palavras-chave: Interpretação, Psicanálise, Ciência, Filosofia, Epistemologia.


ABSTRACT

Interpretation has always been a current issue, be it in the field of psychoanalysis or in the debates in epistemology. And the different forms of conceiving it have established important borders among specific conceptions in the interior of both fields. In the field of philosophy of science, the ways of establishing connections between interpretation and observation, or between fact and theory, oppose, for instance, the logical positivists' conception of science to that of Popper's; and that of both to that of Koyré, Bachelard and Kuhn. And in what it is related to the connection between philosophy of science and psychoanalysis, for instance, that the plurality of interpretations to the same observation is subjacent to Popper's criticism to the scientificity of the psychoanalysis. This presentation aims to establish some counterpoints between these discussions in the two fields. Is there a specificity of interpretation in psychoanalysis, in relation to the interpretation in other scientific areas? How do issues of the real, the truth, and the material cause relate to this? And the interpretative plurality in psychoanalysis: Does it happen only because of the lack of rigor or extimity of its theorizations in relation to science? Or should this be conceived in another way?

Keywords: Interpretation, Psychoanalysis, Science, Philosophy, Epistemology.


 

 

O tema da interpretação e as diferentes maneiras de concebê-la têm demarcado fronteiras importantes entre concepções distintas, tanto no campo da Psicanálise quanto no da Ciência.

Na Filosofia da Ciência, os diferentes entendimentos sobre as conexões entre interpretação e observação, ou entre fato e teoria (outra face da questão), se opõem, p. ex., a concepção de ciência dos positivistas lógicos à de Popper (1934/1993, 1956-1957/1985, 1963/1994, 1970/1979); e a de ambos à de Koyré (1939/1986, 1957/2006, 1966/1982), Bachelard (1934/1996, 1938/1996, 1940/1984) e Kuhn (1962/1982, 1970/1979, 1977/2011, 2000/2006).

Na Psicanálise, constatamos que a preeminência da interpretação surgiu já na sua origem, com A interpretação de sonhos (1900/1980): a obra com que Freud marca a ruptura que inaugura seu campo e aponta o foco do que então considerava a "via régia" de acesso ao inconsciente. E sabemos como essa importância só fez por aumentar à medida em que evolui sua obra, com a interpretação sendo a via da busca de sentido também para as demais formações do inconsciente: sintomas, atos falhos, chistes etc. E lembremos como essa importância da interpretação irá prosseguir também na obra de Lacan, ainda que com desdobramentos que o levarão, em um primeiro momento, a criticar um trabalho interpretativo baseado no signo ou na busca de qualquer 'simbolismo verdadeiro' (1960/1988a, p. 719) e, mais tarde, a questionar o próprio valor do sentido como finalidade última do trabalho analítico.

No que diz respeito à interlocução entre Psicanálise e Filosofia da Ciência, o tema da interpretação também é fundamental. Tanto que a pluralidade de interpretações para um mesmo fato clínico (p. ex., um sonho) está subjacente a algumas das mais importantes críticas à cientificidade da Psicanálise: entre elas a de Popper (1956-1957/1985), ainda que a sua crítica seja mais geral e dirigida à própria atividade de busca de apoio em fatos para as teorias (o que ele chama de "verificacionismo"), contra o que ele propõe a "falsificabilidade" ou "refutabilidade" ou "testabilidade" das teorias científicas. De todo modo, é a Psicanálise que lhe serve de instrumento para argumentar a favor de sua concepção de ciência, exatamente pelo fato de os argumentos de Freud em A interpretação dos sonhos terem desempenhado, como ele diz, "um papel importante no desenvolvimento das minhas concepções sobre a demarcação" (p. 204).

O argumento popperiano dirige-se contra a pretensão freudiana "de que as suas teorias estavam 'baseadas na experiência', do mesmo modo que as teorias das outras ciências":

O que quero assinalar é que Freud não discute em lugar algum uma teoria alternativa (tal como a esboçada aqui) que tome nota do simples fato, agora admitido, de que os sonhos de angústia constituem uma refutação da fórmula geral de satisfação de desejos, como sugerem há muito tempo os leitores "obstinados" e os críticos "mal informados". Em lugar algum Freud compara a sua teoria com uma rival promissora, avaliando uma em relação à outra, à luz das evidências; e nunca a critica: ele tem a sua teoria e trata de verificá-la; ele a faz se encaixar a elas, na medida do possível – como mostra o exemplo do sonho de angústia – mais além do que ele mesmo pensou ser possível quando publicou pela primeira vez o seu grande livro, A Interpretação dos Sonhos. (...) Rechacei as suas pretensões [de que as suas teorias estavam "baseadas na experiência"] porque vi que as suas teorias não satisfaziam o critério de contrastabilidade ou refutabilidade ou falseabilidade (p. 212-213).

Com base nessa argumentação, Popper pretende fundamentar sua opinião de que a teoria freudiana dos sonhos "possui um caráter mais parecido com o do atomismo anterior a Demócrito – ou talvez ao da coleção de relatos de Homero sobre o Olimpo – do que o de uma ciência contrastável" (p. 212).

O objetivo desta apresentação é estabelecer alguns contrapontos entre as discussões nesses dois campos, trazendo para o foco algumas questões relativas à interpretação. Existe uma especificidade da interpretação na Psicanálise, em relação à interpretação em outros campos científicos? Como a temática do real se liga a isso? E a pluralidade interpretativa, na Psicanálise: é apenas decorrência da falta de rigor e exterioridade de suas teorizações em relação à Ciência? Ou isso deve ser concebido de outra maneira?

Buscando atingir este objetivo, apresentarei razões para me opor à crítica de Popper à Psicanálise, confrontando sua concepção de Ciência com a de outros autores em Filosofia da Ciência. É verdade que na aula de 15/11/77 do Seminário 25, Lacan afirmou que, "como Karl Popper mostrou com insistência", a Psicanálise "não é absolutamente uma ciência porque é irrefutável. É uma prática, uma prática que durará o que durar. É uma prática de tagarelice" (LACAN, 1977/2000, p. 1). Mas isso não me demoveu da minha intenção, pois entendo que, como sempre, as palavras de Lacan precisam ser cuidadosamente meditadas. E o fato de ele citar outros pensadores – seja Popper, Hegel, Kant, Heidegger, Sócrates ou Spinoza –, não aconselha a imprudência de incluí-lo entre seus discípulos: seja como kantiano, hegeliano, heideggeriano ou outra denominação qualquer. Antes de se rotular Lacan precipitadamente como um popperiano, é preciso lembrar que na mesma aula ele também afirmou: "Gostaria de observar que o que se chama de racionalidade é uma fantasia" (Id.). E a frase com que concluiu essa aula serviria como golpe definitivo contra quem pretendesse alinhar sua concepção de Ciência à de Popper: "O importante é que a própria ciência não é mais que uma fantasia, e a ideia de um despertar é, para falar propriamente, impensável" (Ibid., p. 3). Lembre-se, além disso, as incontáveis ocasiões em que o próprio Lacan dedicou-se a refutar, com argumentos científicos, por meio da elaboração de sua obra, os desvios na teoria e na prática de psicanalistas pós-freudianos, como, por exemplo, no trecho a seguir de Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano:

O que nos qualifica para proceder por essa via é, evidentemente, nossa experiência dessa práxis. O que nos determinou a isso, como atestarão os que nos seguem, foi uma carência da teoria, reforçada por um abuso em sua transmissão, os quais, por não deixarem de ser perigosos para a própria práxis, resultam, tanto um quanto o outro, numa ausência total de status científico. Formular a questão das condições mínimas exigíveis para tal status não era, talvez, um ponto de partida desonesto. Constatou-se que ele leva longe (LACAN, 1960/1998b, p. 808).

Dadas as reduzidas dimensões de um artigo de periódico, me limitarei a apresentar, de modo sucinto, apenas a estrutura da argumentação.

1o Ponto: a concepção de lógica da investigação científica apresentada por Popper (em especial no que se refere ao uso da interpretação) é falsa e não coincide com o que, de fato, ocorre nos campos científicos:

Para defender esta proposição, recorrerei à concepção de corte epistemológico – revolução, ruptura –, defendida por pensadores como Koyré, Bachelard e Kuhn, lembrando que: em A ciência e a verdade, Lacan afirmou: "Koyré é nosso guia aqui" (1966/1998a, p. 870); e que, em uma referência autobiográfica, Kuhn apresentou Alexandre Koyré como "aquele que, mais do que qualquer outro historiador, tem sido meu maître" (1977/2011, p. 46).

Popper não é um positivista radical nem um empirista ingênuo, já que concorda com o "fato da observação 'pura' jamais ser neutra": "ela é necessariamente o resultado de uma interpretação" (1956-1957/1985, p. 204). Contudo, Popper, para usar as palavras de Kuhn, "caracterizou a totalidade da empreitada científica em termos aplicáveis apenas aos períodos revolucionários ocasionais" (KUHN, 2011, p. 289). "Valer-se de testes como sinal distintivo de uma ciência é não considerar o que os cientistas fazem na maioria das vezes e, com isso, ignorar a característica mais típica de sua atividade. (...) Sua concepção de ciência torna obscura até mesmo a existência de uma pesquisa normal" (Ibid., p. 295-296). A investigação de fatos relevantes cuja interpretação comprove a teoria, mais do que a refute, que Popper atribui a uma "atitude defensiva" de Freud, é parte essencial dos períodos chamados por Kuhn de "ciência normal", que se contrapõem aos chamados períodos de "revolução científica".

Tal como um carpinteiro que em seu ofício não pode se desfazer de sua caixa de ferramentas só porque ela não contém o martelo certo para fixar um prego em particular, o cientista não pode descartar a teoria estabelecida em razão de uma inadequação observada. Ao menos não até que surja outro meio de realizar sua tarefa (Ibid., p. 227).

Confrontados com falhas em suas predições, o usual é que os cientistas procurem explicações para as incongruências sem trocar de teoria. Kuhn denomina essa atividade de resolução de "enigmas de pesquisa" ou "quebra-cabeças", já que nos empreendimentos dos períodos de "ciência normal" o pesquisador não produz rupturas nas concepções fundamentais de sua área "e os enigmas em que se concentra são apenas aqueles que ele acha que pode enunciar e solucionar no âmbito da tradição científica existente" (Ibid., p. 250). Consequentemente, os resultados esperados das pesquisas permanecem no interior de uma certa margem de predizibilidade – daí a alegoria do quebra-cabeças –, não extrapolando as inferências que podem ser extraídas das proposições fundamentais do paradigma vigente. Essas pesquisas, se bem-sucedidas, fortalecem e consolidam o prestígio do referencial teórico-epistemológico-metodológico do campo: ampliando o conhecimento dos fatos apontados por ele como relevantes; aumentando a conexão entre esses fatos e as predições do referencial; e articulando melhor o arcabouço conceitual e teórico, ao oferecerem versões melhor desenvolvidas, mais uniformes, mais amplas, ou menos equívocas. O que os estudos históricos das investigações nos campos científicos mostram, como assinala Kuhn, é que, nesses períodos não revolucionários de uma disciplina científica, os resultados totalmente inesperados de uma pesquisa atestam antes o insucesso dessa pesquisa do que a falência e abandono dos fundamentos do campo, como pretenderia Popper. É somente o fracasso continuado dessa atividade de tentar articular os fatos à teoria, por meio de interpretações dos resultados de investigações, que pode conduzir eventualmente a uma crise no campo e ao que Kuhn denomina períodos de "pesquisa extraordinária", os quais oferecem, então, as condições para a busca de novos fundamentos e de um novo paradigma.

As revoluções científicas consistiriam nesses episódios extraordinários, em que investigadores extraordinários conduziriam a comunidade da disciplina a um novo conjunto de compromissos de investigação, que subverteriam a tradição de pesquisa da área ditada pelo paradigma anteriormente vigente. Eles implicariam transformações radicais, tanto da concepção do universo em estudo e dos objetos de pesquisa, quanto das regras que ditam a prática científica na disciplina (PACHECO FILHO, 2000, p. 242).

Os campos científicos incluem tanto os períodos revolucionários, quanto os períodos de ciência normal, ao longo de sua história. E ambos são parte importante do que se entende por atividade científica.

2o Ponto: os aspectos essenciais das atividades que caracterizam um campo como científico (aí incluído o modo como a interpretação articula fatos à teoria, podendo ou não conduzir à alteração da mesma) são encontrados no campo da Psicanálise.

Conferir-se à Psicanálise o estatuto de uma revolução no campo do pensamento não parece ser o mais polêmico, ainda que Lacan não gostasse muito do termo revolução, como bem lembrou Foucault (1981). Aliás, Bourdieu também preferia enfocar os conflitos no campo da ciência a partir dos embates entre "dominantes" e "subversivos".2 Mas no sentido kuhniano do termo revolução, em que ele está sendo empregado aqui, creio que dificilmente se encontraria quem argumentasse em favor da ideia da Psicanálise ser enquadrada no âmbito do que Kuhn denomina "ciência normal": como mera continuação dos corpos de conhecimento e dos modos de investigação do ser humano e de seu psiquismo que a precederam. "Revolução", no sentido kuhniano, é evidentemente mais apropriado do que o seu polo oposto, correspondente à "ciência normal", do mesmo modo que faz mais sentido empregar o termo "subversivo", ao polo oposto "dominante", quando se trata de definir a posição de Freud no campo da Psiquiatria e da ciência de sua época. Como diz Althusser: "Que eu saiba, no transcorrer do século XIX, duas ou três crianças nasceram sem ser esperadas: Marx, Nietzsche, Freud. Filhos 'naturais', no sentido em que a natureza ofende os costumes (...) [filhos de] mãe solteira (...). [E] a Razão Ocidental faz pagar caro a um filho sem pai" (1964-1965/1985, p. 51-52). Ou ainda, como diz Lacan no Seminário 11, "o inconsciente freudiano nada tem a ver com as formas ditas do inconsciente que o precederam" (p. 29).

Mais controversa é a questão de se a Psicanálise apresenta as atividades que caracterizam o chamado período de "ciência normal". Não me deterei aqui em detalhar meus argumentos favoráveis a essa posição, apresentada no meu capítulo do livro Ciência, pesquisa, representação e realidade em Psicanálise (PACHECO FILHO, 2000), ao qual remeto os que se interessarem em conhecê-los. Freud foi indubitavelmente um revolucionário (ou um subversivo, se tivermos preferência pelo termo): mas não o tempo todo! Em boa parte de suas investigações, dedicou-se a consolidar o revolucionário aparato teórico, conceitual, metodológico, epistemológico, clínico e ético por ele instituído. E, como procurei argumentar, isso é parte legítima das atividades em um campo científico. Acrescento a seguir algumas considerações, que vão contra as críticas de Popper a Freud, no texto mencionado anteriormente.

A primeira delas é que o próprio exemplo usado por Popper, pretendendo dar substância à sua argumentação mostra em um exame detido exatamente o oposto do que ele pretende provar. Senão, vejamos. Um dos seus argumentos-chave é o de que, ao se propor a oferecer interpretações dos sonhos de angústia que comprovem que eles não constituem refutações à sua teoria dos sonhos como realizações de desejos recalcados, Freud se desviaria o tempo todo de sua promessa: "Freud jamais leva a cabo o seu projeto e, no final, renuncia por completo a ele, embora sem dizê-lo explicitamente" (POPPER, 1956-1957/1985, p. 205). Freud terminaria por limitar-se a rechaçar as críticas, acusando os discordantes de não entenderem sua proposta ou de 'resistirem' a ela. Ou então tergiversaria sobre a questão, transferindo a busca de interpretação dos fatos desviantes para um âmbito diferente do circunscrito pela teoria de realização de desejos nos sonhos: "Desse modo, o sonho de angústia se converte[ria] em um problema de angústia: agora, é mais uma 'parte da psicologia das neuroses' do que propriamente da teoria dos sonhos" (p. 207). Com isto, "todo caso concebível se converterá em um exemplo verificador" da teoria dos sonhos, que embora "mostre que uma teoria metafísica é infinitamente melhor do que a ausência de teorias" (p. 212), não se apresenta refutável/testável/falsificável, como se espera das teorias científicas (p. 208).

Ora, no Congresso Psicanalítico Internacional de Haia, de 1920, Freud fez uma comunicação sobre uma certa classe de sonhos que lhe "pareceu apresentar uma exceção mais séria à regra de que os sonhos são realizações de desejo. Tratava-se dos sonhos 'traumáticos' (...)" (STRACHEY, 1966/1980, p. 15), que exigiriam um ajuste teórico a ser apresentado no mesmo ano, em Além do princípio de prazer (1920/1980). E todo o resto do arcabouço conceitual da Psicanálise (a tópica, a teoria das pulsões, a teoria da angústia) também deveria ser revisto: "O exemplo menos dúbio é talvez o dos sonhos traumáticos. Numa reflexão mais amadurecida, porém, seremos forçados a admitir que, mesmo nos outros casos, nem todo o campo é abrangido pelo funcionamento das familiares forças motivadoras. Resta inexplicado o bastante para justificar a hipótese de uma compulsão à repetição, algo que parece mais primitivo, mais elementar e mais instintual do que o princípio de prazer que ela domina" (FREUD, 1920/1980, p. 37).

Aí está! Freud não apenas tinha disponibilidade para considerar os fatos cuja interpretação não se harmonizavam com sua teoria, e modificá-la, como de fato o fez. Popper é que não considerou isto em sua argumentação.

Além do mais, mostrou seu desconhecimento do campo psicanalítico também na falta de entendimento do que é a trama complexa do seu arcabouço teórico. Não se trata de um punhado de relações funcionais independentes umas das outras, nem de um conjunto de teorias regionais específicas, limitadas a circunscrições particulares da vida do sujeito e desconectadas entre si. As formulações teóricas sobre os sonhos, as pulsões, as instâncias tópicas, a angústia, e assim por diante, mantêm, todas, íntimas e complexas relações entre si. As diferentes partes desse arcabouço não são passíveis, muitas vezes, de verificação ou refutação independentes, na medida em que formam parte de um sistema amplo e articulado. Freud não mostrava precipitação em modificar suas teorias. Mas isto não quer dizer que se aferrasse indefinidamente a elas, mesmo se apresentassem contradições evidentes. Falando sobre o que o conduziu às formulações do Além do princípio do prazer, que poderia ser "o ponto de partida para novas investigações", conclui o texto afirmando:

Isso, por sua vez, levanta uma infinidade de outras questões, para as quais, no presente, não podemos encontrar resposta. Temos de ser pacientes e aguardar novos métodos e ocasiões de pesquisa. Devemos estar prontos, também, para abandonar um caminho que estivemos seguindo por certo tempo, se parecer que ele não leva a qualquer bom fim. Somente os crentes, que exigem que a ciência seja um substituto para o catecismo que abandonaram, culparão um investigador por desenvolver ou mesmo transformar suas concepções (FREUD, 1920/1980, p. 84-85).

Alterações substanciais da teoria, movidas por fracassos reiterados na busca de interpretações articulando fatos a ela, não estão de modo algum ausentes da história da Psicanálise. Mas tudo indica que elas mostram o padrão de atividade científica postulado por Kuhn e não o imaginado por Popper. Aliás, é uma curiosidade que não deve passar despercebida, o fato de Freud ter empregado a alegoria da solução de "enigmas" ou "quebra-cabeças", para se referir às atividades de interpretação de sonhos em seu texto Observações sobre a teoria e prática da interpretação de sonhos (FREUD, 1923/1980, p. 131-132): ou seja, os mesmos termos mais tarde empregados por Kuhn, para se referir a uma parcela da atividade dos cientistas, que inclui a busca de explicação para as incongruências teóricas e falhas em suas predições, antes da opção pela alternativa mais radical de troca da teoria.

Acrescento ainda, à contra-argumentação a Popper, a menção à obra de Lacan, que foi buscar seus instrumentos em fontes distintas das procuradas por Freud para alimentar sua metapsicologia: no caso de Lacan, a Linguística, a Lógica, a Matemática e a Topologia. É mais uma evidência de que o diálogo contínuo e profícuo entre práxis e teoria, no campo da Psicanálise, tem produzido vastas e profundas reformulações no seu arcabouço teórico-conceitual, nas 'ferramentas' usadas para construí-lo e na concepção da prática clínica.

3o Ponto: o tema das relações entre a Psicanálise e Ciência não se esgota na análise do que ela compartilha com os demais campos científicos, devendo-se incluir também a consideração do que ela apresenta de distintivo em relação a eles (em particular, o que diz respeito a seus dispositivos de acesso à 'experiência' e a como a interpretação articula os fatos, entre si, e à teoria).

Aqui, estamos no terreno abrangido "pela pergunta que torna nosso projeto radical; aquela que vai de 'É a psicanálise uma ciência?' até 'O que é uma ciência que inclua a psicanálise?'" (LACAN, 1965/2003, p. 195).

Para começar, destaquemos o que existe de específico na Psicanálise, exatamente no âmbito da interpretação. Nos outros campos científicos, a interpretação é instrumento do cientista para conectar o fato à teoria e assim apossar-se do saber. Em Psicanálise, embora a interpretação seja a "resposta do analista", a suposição de que este disponha da posse do saber sobre o inconsciente do analisante é apenas uma ilusão instaurada pela transferência: é isto que subjaz à noção de 'sujeito suposto saber'.

Sabemos, contudo, que as diferenças não se limitam a esta (que, aliás, já não é pequena). A inclusão da causa material e do sujeito foracluído nos demais campos científicos foi diversas vezes apontada por Lacan como relevante para se "qualificar sua originalidade na ciência" (por exemplo, em A ciência e a verdade, 1966/1998, p. 890).

E à medida que a Psicanálise avança definidamente para o campo propriamente lacaniano (o campo do gozo), a delimitação rigorosa da noção de real vai revelando uma opacidade para a busca de sentido das interpretações, uma margem de liberdade para o sujeito e uma finalidade para a busca de saber, que mostram diferenças ainda maiores em relação ao que acontece nos demais campos científicos. A opacidade do real agora está posta no interior do campo como um elemento conceitual necessário, não eliminável, uma vez que se mostra intrínseca ao próprio objeto que se trata de investigar. Não se trata de um resíduo provisório, passível de eliminação por meio de aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos futuros.

A interpretação – aqueles que a usam se dão conta – é com frequência estabelecida por um enigma. Enigma colhido, tanto quanto possível, na trama do discurso do psicanalisante, e que você, o intérprete, de modo algum pode completar por si mesmo, nem considerar, sem mentir, como confissão. Citação, por outro lado, às vezes tirada do mesmo texto, tal como foi enunciado. Que é aquele que pode ser considerado uma confissão, desde que o ajuntem a todo o contexto. Mas estão recorrendo, então, àquele que é seu autor3 (1969-1970/1992, p. 35).

Seja no sonho, no ato falho, no chiste, o que chama a atenção no funcionamento do inconsciente é o "modo de tropeço" de suas produções. "Tropeço, desfalecimento, rachadura. Numa frase pronunciada, escrita, alguma coisa se estatela. Freud fica siderado por esses fenômenos, e é neles que vai procurar o inconsciente" (LACAN, 1964/1985, p. 29-30). Esta estrutura de descontinuidade, é sempre ela que nos põe seu enigma "no nível em que tudo que se expande no inconsciente se difunde, tal o micelium, como diz Freud a propósito do sonho, em torno de um ponto central. Trata-se sempre é do sujeito enquanto que indeterminado"4 (Ibid., p. 31).

É verdade que o tema da indeterminação em ciência imediatamente volta nossa atenção para o Princípio da Incerteza de Heisenberg (1927/1983). Sem intenção de aprofundar a análise aqui, ressalto apenas o fato de que, neste caso, a opacidade diz respeito a um limite à precisão na determinação do objeto; e, além do mais, decorrente da interação entre investigador e objeto. Já no caso do real lacaniano, a opacidade vai além de um limite à precisão das interpretações. Decorre dos limites da estrutura simbólica e remete ao tempo lógico da própria constituição do sujeito. Como nos diz Colette Soler, "[trata-se aqui] do sujeito reduzido ao corte no campo do Gozo. (...) O inconsciente é composto de elementos discretos, cada um diferente dos outros. Primeiro, Lacan disse que era composto de significantes; em seguida, de traços unários; e depois, dos elementos de lalíngua" (2010).

Isto define uma nova estrutura para a interpretação, mas, diferentemente do que pensa Popper, "a interpretação não é aberta a todos os sentidos. Ela não é de modo algum, não importa qual" (1964/1985, p. 237). No que se refere à lógica da interpretação, a consideração do real e do gozo, na última parte da obra de Lacan, implicou mudanças radicais. Como disse Ana Laura Prates Pacheco em seu texto que serviu de prelúdio 1 ao XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil – A lógica da interpretação –, "quanto ao sentido, o que encontramos é uma proliferação tão grande, que ele perde o valor, apontando para o ab-sens (o sem sentido e a ausência da relação sexual)" (2011). Aqui, a análise é o lugar da experiência do impossível de tudo colocar em palavras. Citando novamente Soler: "(...) o gozo é incomensurável a tudo o que se pode dizer ou se ver dele. Incomensurável, portanto, à dialética intersubjetiva e aos debates com o Outro. A experiência, ressalto isto, não se imagina: ela transtorna os equilíbrios, transforma o ser e não se compartilha" (2010). E note-se que ela usa o termo incomensurável, cunhado por Kuhn para se referir ao fato de que os proponentes de teorias científicas distintas "falam línguas diferentes" e apropriadas a "diferentes mundos". "Sua capacidade para se colocar do ponto de vista do outro é, portanto, inevitavelmente limitada pelas imperfeições dos processos de tradução e de determinação de referências" (KUHN, 1977/2011, p. 23).

Antes de terminar, quero lembrar que embora Lacan tenha feito afirmações contraditórias, principalmente ao final do seu ensino, no que diz respeito à articulação da Psicanálise aos campos científicos, aqui, nesta ocasião, prefiro deixar isso subsumido ao terceiro ponto que abordei, sobre a necessidade de se considerar seus aspectos distintivos; e não a uma reversão radical e completa da sua posição anterior. Reconheço que a discussão é complexa e requer um aprofundamento bem maior de aspectos não abordados neste artigo. Por ora, acho apenas oportuno lembrar as proposições de Milner, no livro em que aborda as relações da obra de Lacan com a Ciência e a Filosofia:

Serei, por exemplo, levado a dar certa importância à questão da ciência. Sabemos que Lacan a abordou com alguma insistência; entretanto, não é verdade que a partir dela possamos deduzir, em detalhe, o conjunto dos conceitos fundamentais da psicanálise. Ademais, Lacan, nessa questão, não cessa de não se autorizar por si mesmo. Como se a questão da ciência fosse decisiva – a ponto de ser preciso a ela voltar de forma repetitiva (...).

A doutrina lacaniana da ciência é derivada de Koyré, mas ela submete Koyré a fins que lhe são alheios. Por conseguinte, ela manifesta propriedades da doutrina de Koyré, por vezes mantidas em estado latente nos textos de referência. Da mesma forma, Lacan revela propriedades da doutrina estrutural, na medida exata em que se mantém em relação a ela numa paradoxal posição de inclusão externa5 (1995/1996, p. 8-9).

O tema da "inclusão externa" da obra lacaniana, seja em relação ao Estruturalismo, seja em relação à concepção de Koyré sobre ciência – e, por que não?, seja em relação à própria obra de Freud –, é algo que ainda precisa ser muito mais debatido. Mas isso terá que esperar por uma outra ocasião.

Finalizo afirmando minha opinião de que a Psicanálise não é uma filosofia nem uma arte, pois neste caso os psicanalistas seriam maus filósofos ou artistas sem talento. Também não a considero apenas mais uma prática com eficácia meramente simbólica, o que, aliás, é uma sorte: sempre haveria xamãs mais convincentes. "Mas, se a história da ciência, em sua entrada no mundo, ainda é para nós suficientemente palpitante para que saibamos que nessa fronteira algo se mexeu naquele momento, talvez seja aí que a psicanálise se destaca, por representar o advento de um novo sismo" (LACAN, 1960/1998b, p. 811).

 

Referências

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Recebido: 16/02/2012
Aprovado: 27/02/2012

 

 

1 Uma versão bastante reduzida do conteúdo deste artigo foi apresentada no XII Encontro Nacional da EFPFCL – Brasil "A lógica da interpretação", realizado de 4 a 6 de novembro de 2011, em Salvador (BA). O autor agradece a Ana Laura Prates Pacheco as relevantes sugestões feitas por ocasião da preparação do artigo.
2 Veja-se Bourdieu (1976/1994).
3 Grifos meus.
4 Grifos meus.
5 Grifos meus.