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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.25 Rio de Janeiro nov. 2012

 

RESENHAS

 

Resenha do livro Os outros em Lacan

 

Review of the book The others in Lacan

 

 

Andréa Rodrigues

 

 

Os outros em Lacan, de Antonio Quinet, faz parte da coleção PASSO-A-PASSO da Editora Zahar com direção de Marco Antonio Coutinho Jorge, cujo objetivo é fazer o leitor conhecer, de "maneira gradual e interdisciplinar os mais importantes pensadores, ideias e obras". Escritos por especialistas e em linguagem acessível a todos, esses pequenos volumes oferecem uma visão atualizada e abrangente dos temas. E esse "pequeno volume" de Quinet cumpre perfeitamente seu papel, pois o autor consegue apresentar, da forma clara e rigorosa já conhecida por todos nós e que lhe é peculiar, as modalidades do outro em Lacan. Ele realiza com maestria o desafio de falar introdutoriamente de um tema tão fundamental na teoria lacaniana, e o faz atravessando o conjunto da sua obra, desde Os complexos familiares na formação do indivíduo até os últimos seminários.

Essa travessia se faz necessária pois, como ele nos esclarece, a própria questão da alteridade percorre toda a obra citada. Em seguida ele nos adverte que, pelo fato de ser um trabalho introdutório, vai nos apresentar essas modalidades de forma incompleta e condensada. Quinet, no entanto, não refaz um percurso linear e cronológico, mas nem por isso as modalidades do outro que isolou – e que são cinco – são mostradas de maneira menos encadeada. As modalidades são:

1. O outro, meu semelhante;

2. O Outro, a alteridade do inconsciente;

3. O objeto a, causa do desejo;

4. O outro dos discursos, do laço social;

5. E Heteros, o Outro gozo.

Esse percurso é feito a partir do ponto de vista ético de que não há sujeito sem outro.

O outro, meu semelhante, é apresentado através do estádio do espelho e do complexo de intrusão, passando ainda pelo mito de Narciso. "Quem é você que está diante de mim", ele pergunta, "feito à minha imagem e semelhança, feito de uma corporalidade que me faz crer até que somos irmãos?" Isto é, a meu ver, uma fina ironia, pois o argumento que se inicia com a pergunta conclui-se ao dizer que o eu e o outro se confundem, sim, mas "esse próximo que se assemelha a mim e a quem me ensinaram dever amar é, antes, um intruso". Quinet explica de forma compreensível ao leitor como a instância do eu é fundamentalmente paranoica, pois está sempre acompanhada do outro, seu ideal – que é ao mesmo tempo aquele que a qualquer momento pode tomar meu lugar.

Depois de afirmar que a bipolaridade – termo tão em voga nos nossos dias – é a do eu, dividido entre eu e outro (a-a') e que é a repercussão da polaridade pulsional no imaginário, ele encerra essa parte sobre o pequeno outro discorrendo sobre o que chamou de Paixão da mirada, quando nos apresenta o olhar como objeto a. O olhar em cena no estádio do espelho é o olhar daquele que vem a ocupar o lugar do Outro, que é ao mesmo tempo o espelho no qual a criança se vê e se admira, e lugar do Ideal do eu.

A experiência da alteridade se desdobra, então, no outro do espelho – registro do imaginário – e Outro simbólico. Assim ele nos introduz ao grande Outro, grafado com maiúscula, pois o outro é sustentado por uma relação distinta, a do sujeito com a alteridade do inconsciente. O Outro do discurso inconsciente nunca está ausente na relação do sujeito com o outro, o pequeno, chamado próximo, demonstrando mais uma vez aquilo que afirmei acima ser o fio ético condutor que percorre o livro: não há sujeito sem outro. O Outro, também escrito A, é uma heteronomia radical, que se presentifica nas formações do inconsciente. Isso, porém, não desresponsabiliza o sujeito, pois se é nesse retorno do recalcado onde ele apreende essa alteridade, é, ao mesmo tempo, nele que se apossa dos seus desejos mais escondidos.

Quinet desenvolve sua argumentação de tal maneira, que nos faz perceber que o Outro, sendo ao mesmo tempo o Outro da linguagem e aquele que possibilita o pacto da fala, e sendo presença de mediação em relação ao desdobramento do eu consigo mesmo, é também o Outro do amor, aquele a quem dirijo minha demanda (uma vez que toda demanda, como dizia Lacan, é de amor). O Outro, no entanto, é barrado, e se existe uma falta inscrita no Outro simbólico, do amor, é possível a emergência do desejo. O outro, com minúscula, que ocupa o lugar do Outro do amor, ao se tornar o objeto sexual, é reduzido ao objeto a.

E assim somos introduzidos ao que já nos habituamos a definir como a contribuição de Lacan à psicanálise: o objeto a, causa de desejo, que se aloja no Outro do amor. Quinet discorre sobre o assunto de forma a apontar os pontos principais sobre o tema: o lugar do objeto na fantasia, no nó borromeano e na topologia; como causa de desejo; a relação com a Coisa, das Ding; o objeto agalmático; a relação com Eros e Tânatos. Conclui esse item discorrendo sobre o supereu, quando então chega a algumas das formas com as quais a "civilização atual se apropria da estrutura desse outro pulsional que é o objeto a".

Dessa maneira, chegamos ao outro do laço social, mais uma vez demonstrando – insisto – que não há sujeito sem outro: "... o homem é um ser social que não prescinde do outro e cria regras e condutas de convivência com finalidades específicas". Encontramos aqui, de forma clara, a exposição dos chamados discursos como laços sociais, com a descrição dos seus lugares e elementos. Não falta um espaço sobre o discurso do capitalismo e uma crítica à civilização atual. Ele nos ensina como, para Lacan, trata-se de um enquadramento do gozo e de um esquadrinhamento do campo do gozo pelos laços sociais que o compõem.

Finalmente, temos a quinta modalidade do outro, que é o Outro gozo referido por Lacan ao gozo que se encontra do lado feminino da partilha dos sexos, e que foi qualificado como Heteros. Quinet faz parecer simples as complicadas fórmulas da sexuação e sua lógica do não-todo, contrária à lógica aristotélica. Demonstra a complexidade da sexualidade humana e afirma que "é o Heteros que suporta o sexo, seja ele como for. Para haver sexo é necessária a diferença do outro – não se faz sexo com o mesmo". Sem cair no "politicamente correto", ele nos dá uma lição, a partir de Lacan, sobre como o psicanalista deve evitar cair na segregação e deve estar aberto à diferença mais radical, sem impor ao Outro seu modo de gozo.

Concluindo meu comentário, gostaria apenas de acrescentar que Os outros em Lacan evidencia também a maturidade de Antonio Quinet como escritor, pois ele alia a objetividade requerida por esse tipo de obra a uma linguagem, às vezes, coloquial (como ao explicar das Ding: "Aquela pessoa é uma Coooooisa! Ela é uma Coooooisa de louco!"), e muitas vezes poética (como "Esse Ding! que soa quando passa uma garota de Ipanema a caminho do mar (...) é o que proporciona a 'coisicidade' desejosa ao outro como corpo e que serve ao sujeito de guia no caminho do mar do desejo." Ou quando transcreve um trecho da sua peça X, Y e S. Por essas e por outras é que considero a leitura desse pequeno volume imprescindível para todos os que desejem se iniciar na teoria lacaniana – mas não só.