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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.26 Rio de Janeiro jun. 2013

 

EDITORIAL

 

 

Em julho de 2012, ocorreu o VII Encontro Internacional da IF – EPFCL, no Rio de Janeiro, contando com a participação de psicanalistas de diversas partes do mundo, membros ou não da IF – EPFCL, que apresentaram e debateram seus trabalhos em torno da pergunta: O que responde o psicanalista? Ética e clínica, que se tornou tema para o atual número de Stylus, e do que virá em seguida. Portanto, em sua maioria, os textos aqui publicados foram apresentados no referido encontro.

Assim é que inauguramos Stylus 26 com a conferência proferida por Colette Soler – A oferta, a demanda e a resposta – na qual, partindo de uma distinção da posição atual dos analistas em relação às de Freud e Lacan, se pergunta: "Como se fazer passar ao ato, em cada caso, a oferta já ali na cultura?" E responde à questão marcando a diferença entre o saber e o saber-fazer do analista, distinção fundamental que leva Lacan a dizer que o analista só é responsável no limite de seu saber-fazer. Entende-se, a partir daí, que toda e qualquer resposta do analista, toca o saber-fazer, saber - dizer, saber - interpretar, saber - silenciar, para que se alcance um para além da fala, numa báscula proposta por Lacan, do efeito de sentido para o efeito de sentido real.

Na seção Ensaios, contamos com cinco artigos, sendo o primeiro de Raul Pacheco, que interroga, de um lado, as relações entre psicanálise e ciência, retomando as aparentes contradições entre a convicção freudiana da cientificidade da psicanálise, defendida também por Lacan até os anos 60. E, de outro, as afirmações lacanianas defendendo a sua exclusão interna do campo da ciência, ao final da sua obra. O autor sugere que tanto o campo do gozo constituído por Lacan, como o estabelecimento da noção de real e suas consequências clínicas, que convidam aos analistas a introduzir o novo em suas respostas, podem constituir um caminho para a compreensão das contradições ressaltadas em seu argumento.

A seguir, encontramos uma precisa articulação entre lógica e poética pela via da interpretação, no artigo de Conrado Ramos. A dimensão lógica da interpretação é entendida, aqui, como "a tradução em palavras do valor de verdade que o sintoma é, enquanto função" ao passo que sua dimensão poética se articula ao valor econômico existente no efeito de sentido, o que leva o autor a se perguntar: devemos tomar a produção do efeito de sentido, da mesma forma que entendemos a significação cristalizada, encontrada naquilo que se institui pelo valor de verdade?

Para demonstrar a especificidade da ética da psicanálise, o terceiro artigo dessa seção toma, como orientadores, o conto de Kafka Diante da lei e uma referência crítica de Lacan à moral kantiana. Esse cotejamento da literatura com a teoria lacaniana conduz a autora a afirmar que "a ética do desejo não serve nem ao Outro nem ao eu, mas serve ao desejo, esse lugar terceiro que se engendra quando a lei da castração, a barra da perda de gozo atinge ambos, o eu e o Outro liberando o caminho".

Utilizando-se do neologismo lacaniano operância – que, entre outras acepções desenvolvidas pela autora em seu artigo, aponta tanto para o que opera na psicanálise quanto para a produção de efeitos –, Sandra Berta nomeia seu artigo, produto de um cartel de transmissão, de forma interessante, a saber, A operância psicanalítica...ou pior, que tem como eixo a questão sobre o objeto a, numa articulação entre o passe e a lógica, tomando como referência o ensino de Lacan compreendido entre os anos 1968 e 1972. A expressão operância psicanalítica, também utilizada por Lacan para abordar aquilo que opera no ato analítico, nos desdobramentos dessa pesquisa, articula as condições do ato analítico às suas consequências, o que leva a autora a afirmar: "O psicanalista 'estabelece', 'permite', 'autoriza'", pela interpretação, as condições desse ato na operância psicanalítica, numa temporalidade que lhe habilita da sua função". Ato e ética são, portanto, aqui enlaçados.

Num questionamento crítico bastante atual das práticas baseadas em evidências no campo da saúde mental, Leonardo Rodriguez denuncia a exclusão da psicanálise dos serviços públicos de saúde mental, em muitos países, por não corresponder ao modelo predominante, e propõe que, menos do que levantarem bandeira numa defesa da psicanálise, os psicanalistas devem buscar "dignificar a noção específica de evidência, submetendo-a a uma crítica racional, e mais especificamente, as provas da evidência". É assim que o autor vai discutir a questão da evidência através de distintas perspectivas, sempre numa interlocução com as ideias de Freud, partindo do campo da filosofia da linguagem, representada pelas ideias empiristas do filósofo americano Quine, até Roth e Fonagy que, em seu livro O que funciona para quem?, baseiam-se no princípio de que "cada caso é um caso" e os tratamentos devem ser específicos e corresponder estritamente às condições que estão sendo tratadas.

Na seção Trabalho crítico com conceitos, estão dispostos quatro artigos: no primeiro, Ingrid Figueiredo Ventura quer pensar o fenômeno psicossomático, distinto do sintoma histérico, a conversão, remetendo a princípio à expressão lacaniana falha epistemo-somática, que se manifesta no real do corpo e que acarreta, em última instância, limitações ao tratamento do real pelo simbólico. A autora percorre algumas referências ao fenômeno psicossomático em Freud e Lacan, apontando a holófrase como um mecanismo psíquico dessa falha no saber, que afeta o corpo de modo tão particular, não dialetizável pela interpretação, o que a faz perguntar: estaríamos diante da letra nesse caso, e este fenômeno teria a função de desenhar a borda do furo do saber e constituir litoral entre saber e gozo?

Em A criança, nos quatro discursos – o psicanalista diante do infantil, segundo artigo dessa seção, Adriana Marino se interroga qual o lugar da criança no laço social, articulando a pergunta sobre o lugar do infantil, a clínica psicanalítica e, mais ainda, o lugar do psicanalista nessa clínica, defendendo a seguinte hipótese: menos do que uma especificidade da psicanálise, a clínica com crianças apontaria para um lugar privilegiado ao desejo do analista.

Antecipando o trabalho com o tema do próximo Encontro Internacional da IF – EPFCL, Cristina Zaffore propõe uma reflexão acerca do desejo do analista em seu estado paradoxal. Privilegia assim três principais estados do desejo, que nomeia como "estado ético do desejo", "estado irrealizável do desejo" e "estado vivo do desejo". A autora demonstra que cada um desses estados do desejo implica, necessariamente, um paradoxo que se apresenta ao psicanalista como um desafio ao seu desejo, colocando em cheque seu ato.

O artigo que encerra essa seção é uma convocação aos psicanalistas para o debate sobre um viés da clínica que apresenta impasses, o que leva Maria Helena Martinho a explorar a categoria clínica da perversão no artigo O que responde o analista sobre a perversão? A autora, a princípio, se interroga quais as razões para certo desprestígio da perversão na literatura psicanalítica em comparação com a neurose e a psicose e passa a ressaltar os principais momentos de articulação teórica sobre a perversão em Freud e Lacan, verificando que há uma sutileza no diagnóstico dessa estrutura, já que ela não é definida a partir da presença de um gozo perverso, pois o que diferencia a estrutura neurótica da perversa é a posição que o sujeito ocupa diante do Outro na fantasia, no jogo entre o sujeito e o seu parceiro.

A seção Direção do tratamento reúne três artigos, sendo o primeiro deles O conhecimento do sintoma e as opções do fim da análise, que traz uma interpretação histórica da formação do psicanalista, interrogando o que é uma análise didática e como considerar o fim das análises em diferentes momentos da psicanálise e distintas instituições. Situa a atual experiência do passe como uma terceira fase de nossa experiência institucional, denominando-a de etapa analítica diferenciada da didática, para evitar os julgamentos do que é um fim de análise. Gabriel Lombardi dá destaque ao termo consequências, para marcar que ser analista não é uma consequência lógica de uma análise, porém uma escolha. Para demonstrar seus argumentos, o autor faz uma explanação do que é O sintoma para a psicanálise, distinguindo-o da inibição e da angústia a partir da posição subjetiva ante a divisão, chegando à formulação de sintoma enquanto gozo, pois que um final de análise se apresenta como um gozo partido em consequência do saber que o sujeito alcança de sua divisão. O autor desenvolve a expressão "o sintoma é verdadeiramente real", perguntando: como o sintoma, que não pede interpretação, se engata no trabalho analítico? Como tentar o sintoma com a verdade? o sintoma é real? E, numa outra expressão, "o sintoma real" retoma o sintoma que vem do real, se perguntando: qual é então seu real?

Dominique Fingermann tem como fio condutor, em seu artigo Resposta a uma letra em instância, o conceito de letra, com o qual joga, a exemplo do fazer poético com sua multiplicidade semântica, assim como demonstra a importância do seminário sobre a carta roubada, que percorre todo o ensino de Lacan como uma lettre en souffrance, letra em suspenso. A autora desenvolve seus argumentos se perguntando inicialmente: poder-se-ia dizer que o sujeito é resposta à letra? Conclui, em sua resposta, que "o sofrimento do sujeito se embaralha, dá nós com seu sintoma, que ele proclama como verdade e se dedica à repetição da qual ele faz seu destino. A menos que ele encontre "um parceiro que tenha chance de responder" [LACAN, 1973, p.555] de outro modo a essa letra em espera [souffrance]". Chegando a esse ponto, Dominique Fingermann trata da resposta do analista como um suportar a verdade e fazer valer o real, através dos distintos modos de interpretação. Conclui seu artigo apontando para a responsabilidade do dizer em uma análise e o uso que se faz da letra, seu enodamento ao sujeito.

Finalizando a seção, Marc Strauss pergunta "O que responde o psicanalista?" – título de seu artigo –, ampliando a questão para: o que responde o analista àquele que quer desvendar seu saber insabido, cifrado e consequentemente fixado? O autor deduz, em sua resposta, que "o analista responde em ato, acompanha e guia o deciframento; suas pontuações desfazem as fixações". Ao marcar a importância do encontro com um interlocutor para o falasser, à medida que esse encontro pode atestar sua existência, Strauss arrisca a proposição do que seria o cogito lacaniano, a saber: "Ele reponde, logo, eu disse, logo eu sou".

Para fazer eco aos recentes debates em torno das críticas e interdições do Estado sobre a atuação do psicanalista no atendimento do autismo no serviço público, a Equipe de publicação de Stylus considerou fundamental abrir o espaço da Entrevista para ser mais uma voz, que se torna escrito, documentando assim, nas palavras experientes de Maria Anita Carneiro Ribeiro, entrevistada por Luis Achilles a história, a memória, os fatos, enfim, a posição da psicanálise diante do autismo e dos inúmeros julgamentos e sanções de que tem sido alvo.

Encerrando as ofertas de Stylus 26, na seção Resenha, Leandro Alves Rodrigues dos Santos faz uma resenha crítica de O livro negro da Psicanálise: viver e pensar melhor sem Freud, que vem corroborar muitas das questões apontadas na entrevista acima referida, demonstrando, mais uma vez, como e por que a psicanálise tem sido objeto de frequentes ataques.

Em nome da Equipe de Publicação de Stylus, espero que nossa presente oferta, que, a nosso ver, veicula uma riqueza de elaborações em torno do tema proposto, alcance seu destino, que é ao menos, provocar respostas e causar o desejo de novas leituras e escritos. Ótima leitura!

 

Ida Freitas