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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.30 Rio de Janeiro June 2015

 

DIREÇÃO DO TRATAMENTO

 

Percurso de uma análise: do sexo anônimo ao amor de um nome1

 

Course of an analysis: from the anonymous sex to love of a name

 

 

Kátia Botelho de Carvalho*

Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Fórum BH

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se do relato parcial de um caso clínico, apresentando o percurso de uma análise desde a entrada, com o sujeito manifestando diversos modos de gozo sintomático, particularmente na esfera sexual, com a prática do que era chamado "sexo anônimo". O estudo retoma o conceito de repetição, comenta os "giros" ocorridos no processo analítico, com o analisante descobrindo seu novo modo de enlaçamento com o outro pela via do "amor de um nome". E avança até o ponto em que se anuncia a aproximação do final de análise.

Palavras-chave: Percurso analítico, Repetição, Objeto a, Final de análise.


ABSTRACT

This is the partial report of a clinical case presenting the trajectory of an analysis since its start, with the subject demonstrating different modes of symptomatic jouissance, particularly in the sexual sphere, with the practice of what was called "anonymous sex". The study brings back the concept of repetition, comments on the "spins" which occurred in the analytical process, with the patient discovering his new way of bonding to the other via the "love of a name". It then moves on till the point in which the approximation of the end of the analysis is announced.

Keywords: Analytical course, Repetition, Object a, Final analysis.


 

 

Começo do começo: – na primeira entrevista, na chegada, o sujeito diz: "eu sou gay e odeio as mulheres". A analista responde: "e o que mais?". Noutra entrevista continua: "não aguento esse papo freudiano de tudo ser complexo de Édipo, acho uma bobagem! Você não vai ficar falando essas coisas...".

O sujeito em questão, que chamarei de Tom, chega num tempo de indecisão sobre seu futuro profissional, com uma fratura ao nível do tornozelo, ou seja, com o pé quebrado, se achando uma merda, perdido, angustiado com o destino de sua vida. Afirma sem rodeios um ódio pelo pai (que chamarei Toninho) e que o convida para trabalhar com ele numa empresa familiar de renome. Tom aceita a contragosto.

Sua entrada em análise foi uma experiência demorada, cheia de vacilações, com frequentes intervenções da analista telefonando, interrogando sua ausência, propondo novos horários, sustentando com determinação o desejo do analista.

Um sonho vem marcar sua entrada em análise: "está num barquinho em alto-mar, ondas revoltas, uma tempestade ao redor; apavorado, olha ao lado e percebe a analista junto dele no barco". Tem início a aventura do sujeito! Se lança ao mar de seu inconsciente, corajosamente!

Vale lembrar aqui a importância, o valor inestimável da confiança que se estabelece na condução de uma análise, a partir da função desejo do analista, apontando uma direção no endereçamento daquele que se lança nessa travessia, abrindo a possibilidade de um enlaçamento com o outro, sujeito suposto saber; e aqui, gostaria de fazer uma nova apropriação do conceito, dizendo sujeito suposto suportar... tratar o sofrimento que se apresenta, não só na entrada como naquilo que está por vir nessa empreitada!

Se o sujeito do sofrimento vem a se engajar na experiência de fazer essa viagem, que nada tem a ver com um cruzeiro marítimo, muito antes com uma travessia perigosa mar adentro, sabemos que isso depende da resposta do analista, dessa responsabilidade/responsividade, ou seja, que a função desejo do analista opere.

Lacan é enfático quanto a essa dimensão ética da psicanálise. Dedicou um ano inteiro de seu seminário para nos advertir daquilo que a obra de Freud e a experiência da psicanálise decorrente dela vieram nos trazer de novo. Novo no sentido de como temos que responder no nosso trabalho cotidiano às "demandas do doente, demandas às quais nossa resposta confere uma significação exata" (LACAN, 2008, p. 10). E que, por isso mesmo, exige de nós, analistas, a mais severa disciplina na preservação do sentido profundamente inconsciente dessas demandas. Cito Lacan:

[...] o assunto para o qual dirigimos nosso leme com o título da ética da psicanálise [...] nos deve levar a um ponto problemático, não apenas da doutrina de Freud, mas do que se pode chamar de nossa responsabilidade de analista (LACAN, 2008, p. 11).

Ou seja, estamos mergulhados nos problemas morais que nossa experiência só veio aprofundar, nos conduzindo ao enigmático universo da falta, tanto em sua vertente mórbida quanto naquela mais obscura (superegoica) que clama por punição.

Coisa curiosa — o analista vai na contramão das ofertas da civilização. Soler trabalha detidamente essa questão anunciando uma fórmula para a civilização a partir da que Lacan dá para o amor e articula uma outra para a psicanálise. Assim ela diz:

"Lacan propõe, como vocês sabem: 'peço que recuses o que te ofereço porque não é isso', entendam: isso não é o gozo que faria relação sexual. Nossa civilização diz, é bastante evidente: te peço aceitar (inclusive comprar) o que te ofereço porque é isso. E faz um grande esforço para que muitos creiam nisso. São os sujeitos, justamente porque o objeto a habita neles, que lhe respondem: não, não é isso. Dizem não pela voz de seus sintomas" (SOLER, 2010, p. 77)2.

Soler propõe ordenar esses sintomas entre dois polos opostos: de um lado, os sintomas de recusa, as diversas conversões, a melancolia, a bulimia, a depressão; de outro, os sintomas de apropriação, que tamponam o "não é isso" pela acumulação quantitativa.

Na sequência de sua elaboração, Soler (Ibid., p. 77) retoma algumas formulações de Lacan sobre o que o analista deve dar. Primeiro, o analista deve dar o que não tem, o seu desejo como oferta. Dito a partir do nó borromeano, o analista deve oferecer ao analisante o objeto a, dar o objeto que falta, isto é, manejar o objeto na psicanálise. Então, o psicanalista já se coloca, em oposição à civilização, oferecendo uma recusa, de responder, a não ser pela interpretação. Recusa a gratificar o dizer da demanda, já nos indicava Freud em suas recomendações quanto à necessidade de um certo grau de frustração para levar a cabo uma análise; pois na condução de uma análise, corre-se o risco de uma sugestão, ao se dar uma resposta à demanda, quer gratificante, quer frustrante.

Assim, Soler (Ibid., p. 81) propõe sua fórmula para a psicanálise: "me nego a te oferecer o que me demandas porque não é isso". Modo de dizer que a oferta do psicanalista, o objeto a, nada tem de apropriação. Ao contrário da oferta civilizatória, que produz uma infinidade de objetos novidade, o manejo do objeto na psicanálise produz um esvaziamento, uma subtração, revelando o que o objeto é: agulheiro no real com função de causa.

No caso que ora apresentamos, a riqueza da produção onírica desse sujeito, doravante "analisante", indica a potência das forças reais que serão enfrentadas em alto/vasto mar revolto! De fato, esse viajante do sertão marítimo se mostrará um autêntico fazedor de sonhos, que lhe sinalizam descobertas inconscientes inusitadas, impulsionadoras, que irão lhe possibilitar elaborações e reposicionamentos subjetivos que levaram a novas formas de "se" saber. Singrando os mares de sua história, em sua "hystorização", recupera sua mais antiga lembrança, tida como uma visão/alucinação: Uma parede da qual emergia um "pinto-peito" (por volta dos dois anos).

Filho caçula de uma série, se descreve como um bebê lindo, cabelos cacheados e olhos claros. Paparicado por todos, era muito ligado à mãe, com quem se deleitava fazendo compras e decorando a casa. Embora tenha conseguido conviver com o pai, trabalhando em seu negócio, ressente-se continuamente de dificuldades para com ele: de conversar, de olhar para ele, demonstrar algum carinho, ter que estar no mesmo local de trabalho. Outra lembrança de tenra infância: ficar no closet de sua mãe, vestindo suas roupas, calçando seus sapatos e se deliciando com sua imagem no espelho.

Continuando sua jornada marítima, recorda o que ele diz ser uma lembrança traumática — ao voltar do recreio no colégio, encontra escrito no quadro-negro de sua sala: "o Tom é UI UI". Foi horrível, se sentiu uma merda, desenvolvendo a partir de então o que ele diz ser seu ódio pelas meninas.

Embora tenha tido uma namorada, com quem quase vivenciou uma penetração, recuou horrorizado diante do desconhecido daquele sexo invaginado, numa fantasia similar à vagina dentada. Excitava-se apenas com o apalpar e chupar os seios dela.

Paralelamente, cultivava um amor platônico por um amigo hetero — como se expressava ao referir-se ao amigo. Curiosamente, a modalidade sexual que ele mais praticava era pegar um cara na rua (michês) e fazer masturbação recíproca com camisinha, pois não queria correr riscos de pegar uma doença venérea. Chamava tal prática de "safe sex".

Simultaneamente à sua entrada em análise, conhece um rapaz com quem inicia um relacionamento duradouro. Mesmo assim, suas práticas sexuais se restringiam ao sexo oral e masturbação mútua, estilo safe sex ou sexo asséptico.

Enquanto progredia na análise, seus sintomas se davam a conhecer e iam sendo tratados: bulimia; excessivo consumo de roupas e acessórios, muito ligado às compras com a mãe; frequentação compulsiva de banheiros públicos/shoppings e cinemas reservados à "pegação" aleatória, assim como boates que ofereciam um tipo de espaço que ele nomeava, à sua maneira, de "quarto escuro", lugar escuro como um breu (limbo), onde ninguém vê ninguém e todos se pegam; visitação incontrolável, incansável, aos sites e blogs de perfil homoerótico e atração irresistível pela fofoca, acrescida de comentários maliciosos e inventados.

Importa ressaltar que mesmo estabelecendo um relacionamento firme com o parceiro, morando juntos, assumindo sua escolha diante da família e da sociedade, o sujeito continuava com a prática que ele nomeou de "sexo anônimo", de um modo compulsivo/repetitivo, lado a lado com a compulsão de comer tudo que estivesse sendo oferecido numa travessa, seguida da provocação de vômito no banheiro. O analisante designava todos esses sintomas com o sintagma "boca grande", tendo construído por si mesmo o conceito de "Coisa", já que ele não tem conhecimentos teóricos/conceituais no campo psicanalítico, como aquilo que estava subjacente a todos os fenômenos sintomáticos que ele vivia. Ou seja, quer se enfiasse num banheiro público, ou devorasse uma torta inteira, ou ficasse horas num site de pornografia homoerótico, ou paralisado com uma angústia que se estendia da garganta ao estômago, ele dizia sempre que eram manifestações "coisísticas". Um dia sonhou: estava deitado e dele saía uma gosma preta, um piche pegajoso, por todos os buracos de seu corpo. Concluiu num instante, aquilo era a Coisa!

Sabemos da importância dada por Freud à repetição na experiência clínica, a qual ganhou todo seu peso teórico e clínico após suas elaborações da segunda teoria pulsional onde a repetição encontra-se

"localizada como trauma e pulsão de morte, justificando, assim, as versões 'demoníacas' das suas manifestações na clínica psicanalítica, que obstaculizam o trabalho da transferência, e até mesmo produzem as piores 'reações terapêuticas negativas" (FINGERMANN, 2014, p. 70).

Nesse mesmo texto, Desejo e repetição, Fingermann (Ibid., p. 70) comenta que Lacan inventa a repetição como conceito fundamental da psicanálise, designando sua estrutura como "encontro falho do real" e localizando o sujeito como resposta do real (LACAN, 1964/1968, p. 57).

Interessante notar que, embora a análise desse sujeito tenha se estendido por muitos anos, só aconteceu um breve período de manifestação do que poderíamos chamar uma reação terapêutica negativa. Ele se dizia desanimado, com raiva da análise e da analista, por reencontrar sempre aquela "Coisa" em si mesmo, algo de que não conseguia se livrar, que o impelia repetidamente ao encontro do "sexo anônimo". Dizia-se decepcionado: esperava que a análise fosse extirpar aquilo de dentro dele. Mas, concomitantemente, reconhecia todos os progressos que fizera no seu tratamento, dizia a seu modo: "houve um giro, não sei como aconteceu; sumiu o sintoma bulímico, não tenho vontade de fazer as pegações em banheiros, nem na rua. Consegui fazer sexo com penetração (coisa que ele considerava da ordem do impossível) e não tenho mais aquela mania de fazer fofoca e inventar mentiras. É como se eu tivesse me tornado uma pessoa mais ética. E o mais estranho é que você nunca disse nada a esse respeito, nem críticas, nem sugestões, nem julgamento, como que isso girou em mim?"

Ou seja, os avanços eram reconhecidos e valorizados; a fase de reação terapêutica negativa foi elaborada sem levar a uma interrupção prematura da análise.

Num tempo mais avançado da análise o analisante formalizou o que ele mesmo conceituou como seus giros em análise:

1. Conseguir fazer sexo com penetração.

2. Quando prisioneiro de uma ciranda diabólica, indo de um banheiro a outro dentro de um shopping, decide ir à sessão de análise, mesmo já tendo perdido o horário. Sai e chega ao consultório, e é recebido pela analista. Desde então, passa a fazer uso estratégico de um mecanismo: se percebia suas manobras para não ir à análise, "ligava o piloto automático" e ia.

3. Deletar os sites de pornografia e encontros fortuitos com desconhecidos.

4. Aceitar e incentivar o companheiro a tentar um novo caminho, abrindo mão do domínio e controle de sua vida.

Paralelamente, seu trabalho na empresa familiar foi se consolidando. A empresa ganhava mais notoriedade e reconhecimento público do que na gestão do pai. Conquistavam vários prêmios, inclusive o troféu de melhor do país. Era o auge do sucesso: ele, o pai, e o troféu! Tom, Toninho e o grande falo! Tom suplantou Toninho!

Podemos nos perguntar: teria Tom ido além do pai Toninho?

Algum tempo atrás chegou à sessão dizendo que não poder escolher é algo fatal. Disse: "nesse processo de decisão/separação do companheiro (que, tendo perdido a mãe a quem era fortemente ligado, se encontra revendo suas posições na vida, seu trabalho, buscando uma análise e decidindo ir morar em sua cidade natal) eu percebo aqui dentro de mim uma alegria, só posso falar isso em análise, meu medo de ficar sozinho está diminuindo galopantemente! E meu amor pelo R. parece mais forte, mais firme: sei que posso amá-lo mesmo noutras circunstâncias, ele morando noutra cidade, é ele que eu amo, meu amor tem um nome: R. Já não acho tanta graça em ficar provando todo 'bombonzinho' que aparece, de fazer sexo anônimo, meu interesse agora passa por um nome! Frequentar banheiros públicos é algo distante, improvável."

Comenta a passagem rápida do tempo, tem "urgência de viver bem", não se trata de hedonismo, mas de viver bem a alegria, a tristeza, o amor, a raiva, até mesmo a melancolia... A analista terminou a sessão dizendo: ... bem dizer a vida...

É um entusiasmado com a psicanálise, acha que a análise devia ser como "cesta básica", para todos. Diz que tem muita vontade de estudar psicanálise, fazer parte de um grupo de estudo, conhecer como funciona o psiquismo, entender como tudo se passou com ele, os giros, as novas posições na vida. Mas não acha que seria um analista! Considera que sua análise está chegando ao fim, mas adianta: "acho que ainda tenho um ranço pequeno com meu pai". E continua abismado por não ser mais "escravo da libido sexual"! Assim ele se expressa. Embora tenha anunciado seu final de análise, continua indo, cada vez mais espaçadamente, quando passa por sua cidade, entre suas inúmeras viagens de trabalho. Nesse tempo enxergou, lá de sua posição no divã, uma bailarina suspensa por uma mãozinha a um fio, que reproduz o grafo do desejo em todos os seus andares, feito por uma analisante que o construiu como elaboração de seu final de análise. Olha e diz: "estou igual a essa bailarina, que está pronta para soltar a mão, está por um fio; mas ainda estou agarrado ao poder, ao dinheiro e ao sucesso. Esse meu imbróglio com o pai que não me deixa ser eu mesmo".

Ao retomar o Seminário da Angústia, Soler (2007) formula a questão do sujeito, que se pergunta: O que sou no antro do Outro? A resposta é que ali "é meu lugar, j'y suis, ali estou". O que não quer dizer que o sujeito esteja ali representado por um significante, mas sim enquanto ausência, enquanto objeto a, sem representação. O que permitiu a Soler dizer que cada experiência de angústia é uma experiência selvagem da iminência de uma destituição subjetiva: não sei nunca que parceiro sou para o Outro. Donde se conclui que o fantasma, conectando o sujeito a um objeto, permite, ao mesmo tempo, tamponar a hiância no Outro e assegurar algo de um gozo desconhecido. Daí dizer-se que o desejo é uma defesa (SOLER, 2007, p. 69).

Tom conta um sonho fazendo um ato falho: "sou um tubo que une o pau da minha mãe à buceta do meu pai". Assume essa fórmula como seu lugar fantasmático! Retornando a ela em outros tempos da análise, afirma que não quer ficar nesse lugar de merda. Embora o fantasma seja uma solução ao agulheiro (a falha) no Outro, ele também pode ser traumático, como aqueles sujeitos que passam a vida pensando que vão se fazer comer, se fazer exterminar, se fazer cagar etc.

No caso de Tom, ele é lugar de passagem da merda toda... Sabemos que Lacan construiu sua teoria do objeto a indo além do impasse freudiano, que colocava o limite da análise na insuperável angústia de castração, não convocando a operação do pai para construir o objeto a, definido como efeito de linguagem. Remetendo-nos ao Seminário da Angústia, Soler reafirma com Lacan que, estruturalmente, o objeto a é "o que falta", o objeto "que não há mais", evocando o objeto perdido de Freud. O que levou Lacan à sua tese da função subtrativa da linguagem, em Mais Ainda, embora já se possa encontrá-la quando Lacan distingue Necessidade, Demanda e Desejo, na medida em que as necessidades do pequenino terão que passar pela linguagem, gerando uma perda. A partir desse objeto que não há mais, que é um menos, produz-se uma causa que gera um vetor chamado desejo, que busca uma compensação, em direção a um mais-de-gozar. Assim, o desejo é um vetor infinito que pode se dirigir a qualquer coisa, enquanto numa análise, na clínica, nos interessa "[...] poder determinar os objetos meta", isto é, os objetos do erotismo, erigidos no mundo, mulher, homem e os diversos objetos da sublimação amorosa, artística, intelectual.

Se o objeto a é efeito de linguagem, o que permite determinar os objetos meta é o discurso, razão pela qual Lacan vai introduzir ao final a referência ao pai, para falar do desejo do pai como um desejo não indeterminado, falar do pai como "um humano que colocou um objeto meta como sintoma" (SOLER, 2007, p. 74). Daí Lacan formular ao final do Seminário 10 que a angústia é superada quando se sabe a que objeto se dirige o desejo, precisamente, quando se pode nomear o objeto, o que remete ao pai na medida em que ele nomeou pelo menos um de seus objetos.

Enquanto o objeto a é gerado pela linguagem, como objeto anônimo privilegiado sobre o corpo (oralmente, analmente, escopicamente etc.), o objeto sintoma se elege pela via do discurso, pela travessia no espaço do Outro, singrando os mares peculiares a cada inconsciente. Pelo mergulho em uma história singular, desvela-se numa análise, o mais-de-gozar pulsional implicado nos laços eróticos enraizados nas figuras do passado.

Tom foi a um distante arquipélago mergulhar em águas profundas, nadou entre tubarões enormes, sumiu dentro de um cardume de peixes. Teve que ficar 23 horas num barco pequeno, no meio do oceano, sem celular, sem internet, sem companhia, envolto numa neblina que a tudo acinzentava. Só ele ali, limitado por aquele espaço imensamente reduzido, sem nada, nem um livro, nem a possibilidade de sair do lugar. Sentiu algo inusitado, acudiu-lhe o nome de um filme: a insustentável leveza dê ser (pronunciou descer). Dimensionou a exuberante força da vida, ali naquela natureza intacta, num momento de solidão em que tudo poderia se desfazer, experimentou a fragilidade, a efemeridade da vida e a iminência da morte. Respirava vida e morte simultaneamente e se dizia: "É isso, tenho que me virar com isso!".

 

Referências

FINGERMANN, D. Desejo e Repetição. Stylus, n. 28, (pp. 67 a 77). Rio de Janeiro, junho 2014.         [ Links ]

LACAN, J. (1959-1960). O seminário, livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.         [ Links ]

LACAN, J. (1967-1968). O seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.         [ Links ]

SOLER, C. De un Trauma al Otro. Medellín: Asociación Foro del Campo Lacaniano de Medellín, 2007.         [ Links ]

SOLER, C. Florilegio del Mensual. Medellín: Asociación Foro del Campo Lacaniano de Medellín, 2010.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Kátia Botelho de Carvalho
Rua Aimorés, 462/520
CEP 30140-070 - Belo Horizonte, MG, Brasil
E-mail: kaboca@terra.com.br

Recebido: 06/03/2015
Aprovado: 21/04/2015

 

 

* Psicóloga, especialista em psicologia pela UFMG. Mestre em psicologia pela UFRJ. Professora Adjunta da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Psicanalista membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Fórum BH. Rua Aimorés, 462/520, CEP 30140-070, Belo Horizonte, MG, Brasil.
1 Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano no Brasil, realizado nos dias 13, 14, 15 e 16 de novembro de 2014, em Campo Grande – Mato Grosso do Sul.
2 "Lacan propone, como ustedes saben: 'te pido rechazar lo que te ofrezco porque no es eso', entiendan: esto no es el goce que haría relación sexual. Nuestra civilización dice, es bastante evidente: te pido aceptar (incluso comprar) lo que te ofrezco porque eso es. Y esta se hace un gran esfuerzo para que muchos le crean. Son los sujetos, y porque el objeto a los habita justamente, a lo que responden: no, no es eso. Lo dicen evidentemente, por la voz de sus síntomas". Tradução nossa.