SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número30Os paradoxos da repetiçãoAs homossexualidades na Psicanálise: na história de sua despatologização índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.30 Rio de Janeiro jun. 2015

 

RESENHA

 

Amor, Desejo e Gozo

 

Love, desire, and jouissance

 

 

Elaine Foguel*

Associação Científica Campo Psicanalítico — Salvador
Associação de Psicanálise de Porto Alegre

Endereço para correspondência

 

 

Como resenhar uma coletânea de artigos que se teve oportunidade de organizar? Naturalmente, apresentando-a e esclarecendo o modo como foi estruturado o volume, ao tempo em que se articula a escolha triádica dos temas, para então chegar a cada artigo, um a um.

Centrada na articulação dos temas amor, desejo e gozo , a coletânea 2014 é fruto do trabalho dos membros do Campo Psicanalítico de Salvador e de Ilhéus e dos convidados que compareceram à instituição em Salvador para enriquecer os debates ao longo de 2013. No entanto, a maior parte dos trabalhos é fruto da XIII Jornada do Campo Psicanalítico de Salvador e X Jornada da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano Brasil. Os artigos foram agrupados por afinidade de temas, colocando lado a lado aqueles que se originaram das Jornadas acima referidas e os que foram resultado de trabalhos apresentados nos Fóruns da instituição.

Além de ser uma tríade, desejo, gozo e amor — escrita aqui nesta ordem —, comporta uma articulação tridimensional, pois os termos se enlaçam de forma borromeana, implicando que funcionam juntos no ser falante. O desejo foi o primeiro que apontou na teoria psicanalítica, quando Freud publicou a teoria dos sonhos na virada do século, demonstrando a existência de um desejo inconsciente, que causa e move o sujeito e que é, se se pode afirmar, homeomorfo ao inconsciente. O desejo faz a cadeia simbólica mover-se: o desejo inconsciente é a marca registrada de Sigmund Freud na metapsicologia. O gozo, Freud o localiza na pulsão de morte e nas incidências do supereu, principalmente a partir dos anos 1920, quando se depara com a compulsão à repetição dos sintomas e com as questões relativas ao fim da análise. Quanto ao amor, a contribuição freudiana é incontornável: o amor de transferência e suas complexidades não o fazem desistir de seu método, mas, ao contrário, é usado a favor do tratamento, ao ser conjugado com a resistência à análise, nos artigos técnicos.

Não há descontinuidade entre esses fundamentos de Freud e os desenvolvimentos de Lacan, como se verá ao longo da coletânea. Lacan mostra que o desejo se constitui na dialética da demanda do Outro e o sujeito permanece a ele alienado: desejo insatisfeito, desejo impossível e desejo prevenido definem as estruturas da neurose e estão entre os sofrimentos da demanda de análise. O gozo responde no real, o impossível, quando a angústia invade o ser, fora do simbólico e do imaginário. O campo do gozo é a marca registrada de Lacan, como está desenvolvido em muitos dos artigos desta coletânea. O amor não tem uma só via no ensino de Lacan; no entanto, a dos últimos anos dá um sentido especial à escuta do psicanalista: o amor é suplemento à falta da relação sexual, é o que torna possível o laço entre os humanos, o que faculta suportar o desamparo da falta absoluta no Outro.

Este livro está dividido em seis seções, encabeçadas pela conferência Os nomes do pai segundo Lacan, proferida por Clarice Gatto na Jornada e que tem, entre outros, o mérito de fazer dialogar Freud e Lacan a respeito da função do pai no sujeito, desde a mais precoce constituição. Rastreia os registros real, simbólico e imaginário a partir das primeiras formulações e brinda o leitor com ampla revisão do registro simbólico da linguagem, para bem esclarecer a função da metáfora no inconsciente, quando então situa e comenta o matema do Nome do Pai. Passa a tratar das incidências da expulsão da metáfora paterna no psiquismo, a saber, a psicose. O passo seguinte é considerar os registros enodados de forma borromeana, incluindo o quarto laço como função paterna que os amarra, tal como Lacan apresentou nos seminários a partir dos anos 1970. Além de oferecer percurso rigoroso, o escrito é permeado de fragmentos de relatos clínicos, que conferem ao trabalho consistência e coerência clínica.

A primeira seção, Estruturas do significante, congrega os artigos que tratam primordialmente das formações clínicas na contemporaneidade. A seguinte, Variantes do gozo, elenca as contribuições que examinam, entre outros, os efeitos do gozo no sintoma e na direção do tratamento. A terceira parte, Do amor, surpreende pela diversidade das abordagens feitas ao tema, transmitindo, cada artigo, a complexidade e o cuidado que o assunto exige. Do desejo completa a trilogia do título da coletânea, trazendo os artigos que declinam os vários aspectos desse fundamento do inconsciente. Mais duas seções se seguem: Diálogos com a poética, que traz artigos em que os autores se servem tanto da literatura, como de estudos sobre a linguagem para referenciar à teoria psicanalítica, e Diálogos com a educação, que discute a relação possível entre educação e recalque, em Freud e Lacan.

Em Dos impasses da maternidade a uma verdade indizível: uma leitura psicanalítica sobre a feminilidade, Alessandra Costa Meira defende que a maternidade e a gestação passam pelo registro das fantasias e desejos inconscientes que são, na maior parte das vezes, negligenciados pela medicina da procriação, provocando um distanciamento prejudicial entre a vontade consciente e o desejo inconsciente de gestar um filho. A autora examina essas discrepâncias por meio de casos clínicos que abordam as questões da feminilidade resultantes das identificações imaginárias egoicas processadas pelo trinômio falo-falta-desejo. É a partir da falta que uma mulher se oferece ao desejo de um homem. Fornecem-se, desta forma, dados indispensáveis para uma escuta psicanalítica nas dificuldades da procriação.

Caio Mattos Filho, em O cristal da fobia: um sintoma tão à flor do significante, situa as incidências da castração nas neuroses, principalmente na fobia, na qual o significante media a vacilação do nome do pai, tal como se pode localizar no caso Hans com o significante cavalo. Na fobia, o significante cristalizado (metáfora muito oportuna, inspirada na obra de Sthendal) impede o deslocamento do objeto de desejo, ao tempo em que limita o gozo e cerca a angústia, suplementando a função da castração.

Em O luto e seus destinos na atualidade, Cristiane Oliveira trata o tema da medicalização do enlutado. Após debater e rebater a atual nosologia psiquiátrica, a autora introduz o depoimento de Roland Barthes em Diário de luto, para iluminar as concepções de Freud e de Lacan e defender que o luto demanda um tempo que não deve ser nem ignorado, nem abreviado: o luto é um doloroso trabalho psíquico de desvinculação pulsional, durante o qual o desejo se encontra inibido. O trabalho do luto é a tentativa de restabelecer o lugar do objeto a que ficou preenchido com a imagem do objeto perdido, tamponando o espaço desejante do sujeito. Esta importante elaboração do luto dá ensejo a que o sujeito se reinvente, sem cair na negação maníaca, ou na culpa do desejo de continuar vivendo.

Madaleine Reis parte da condição essencial da psicose, qual seja, a exclusão de um significante primordial — a foraclusão do nome do pai — pelo fracasso da metáfora paterna, testemunhando em A psicose e o gozo do Outro seu interesse clínico e tempo de pesquisa acerca dessa estrutura. Se o Outro na psicose não é barrado, o sujeito fica à mercê do gozo absoluto, um sujeito objetalizado. A autora examina as diferenças entre paranoia e esquizofrenia, esclarecendo as questões da sexuação na psicose e analisando em detalhes os efeitos da afirmação de Lacan "o psicótico faz a mulher existir".

Sabrina Gomes Camargo em Homem dos Lobos: a incerteza diagnóstica de um caso paradigmático, pesquisa as querelas em torno da classificação do caso clínico de Freud, a partir da nosologia psiquiátrica contemporânea, sublinhando também as discordâncias entre os psicanalistas a respeito do paciente de Freud. Destaca que o criador da psicanálise escreveu e reescreveu sobre este caso até seus últimos artigos. A autora defende que uma das dificuldades de elaborar um diagnóstico é a redução sintoma-doença, que deve ser evitada pelos analistas. Chama a atenção para os debates pós-lacanianos em torno de Serguei Pankejeff, que levaram a comunidade analítica a tender para um diagnóstico de psicose, e propõe a retomada da discussão diante da riqueza e da incerteza que o historial suscita.

Taya Soledade, em seu artigo A fala que cai — a gramática do infantil, trabalha uma versão original da fala, que tem sido seu objeto de estudo, ao aproximar o construto da linguagem egocêntrica de Piaget à linguagem com a qual a psicanálise opera, que não visa à comunicação. Abordando o fenômeno da fala que cai, equivalente lógico da alíngua, a autora desenvolve a tese segundo a qual, com o advento do recalque, a fala cai e é substituída pelo sentido; no entanto, quando a operação do recalque não ocorre, também a fala egocêntrica não se organiza, a fala não cai, fica congelada, como se constata no autismo e nas psicoses na infância.

Vera Lúcia Tourinho Edington e Andrea Hortélio Fernandes, no artigo O menino do pacote: uma leitura psicanalítica sobre a medicalização da infância, mostram pelo relato de um caso clínico de um menino que "carregava" um diagnóstico de DTAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), como foi possível tratar essa criança por meio do dispositivo analítico. Com isso, o sujeito que se encontrava alienado aos outros parentais, pôde, afinal, se construir e se manifestar como sujeito incluído no laço social. O percurso do artigo abrange uma pesquisa sobre a constituição do sujeito e fornece subsídios indispensáveis para o arejamento do debate dos diagnósticos psiquiátricos na infância.

No seu artigo Gozo: um apetite do desejo de morte para o sujeito, Aurélio Souza afirma que o campo da linguagem é constante ao longo do ensino de Lacan, embora não se confunda com a linguagem da teoria da comunicação, mas é aquela que leva em conta a dimensão real, polifônica, das letras e significantes, e que foi denominada alíngua por Lacan. A alíngua intervém no organismo, produzindo alterações reais, simbólicas e imaginárias fundamentais na constituição do sujeito, um ser de linguagem e sexo. O autor privilegia os efeitos reais da alíngua, articulando desejo, amor e gozo com os três registros da linguagem, RSI, na mostração borromeana: localiza o gozo no real, o desejo no simbólico, e amor, ódio e ignorância no imaginário.

Jairo Gerbase, no seu escrito A besteira, afirma que a besteira é correlata de S1, o inconsciente, produzido pelo discurso do analista ao interrogar o sujeito ($) no dispositivo da análise. Ora, não há escrita da relação sexual no inconsciente, e não há relação possível entre um sujeito não todo fálico e um sujeito escrito na ordem fálica. Essas asserções lógicas afastam a hipótese de que a anatomia é o destino e convocam Freud a determinar que só existe uma libido, a masculina. O mal-entendido provém desta estrutura, e S1 é um significante besta. Dessas premissas, Gerbase discorre sobre o significante como substância gozante, retirando do exposto consequências éticas: "Procuro me desvencilhar da ideia de que analisar é atingir a coisa".

Jamile Abdala, no artigo O supereu e seus efeitos de gozo, examina as incidências do supereu na neurose obsessiva e na melancolia na perspectiva de Lacan, que tomou a voz como objeto a, o qual aparece como presença real, destacada do simbólico e do imaginário, e que vocifera, revelando a inconsistência do Outro. A autora percorre textos-chave na obra do autor sobre o tema, principalmente o Seminário da Angústia, em que privilegia o exemplo do shofar como o som que tenta preencher a ausência de Deus, uma voz que provoca o afeto de angústia. Apresenta um caso de sua própria clínica no qual a procrastinação é a forma de gozo que se repete, e que se conjuga com outros dois significantes que começam com a letra p: pensamento e pior.

Em O que Lacan quis dizer com o gozo do Outro?, Marcus do Rio Teixeira elabora um diálogo valioso entre o quadro da sexuação e os registros do gozo fálico e gozo do Outro, incluindo nesta construção a lógica do impossível que comanda o registro real da linguagem. Cada momento do desenvolvimento do artigo é acompanhado por referências esclarecedoras e precisas, que possibilitam ao leitor uma melhor compreensão da trajetória do autor, assim como acesso ao estudo das questões relevantes tratadas no artigo.

Amélia Almeida se detém, no seu trabalho Padecimentos do amor, num aspecto particular deste afeto, o luto decorrente da perda pela morte do objeto de amor ou pelo fim da relação amorosa. Em ambas as situações, ao sofrimento da perda da pessoa se acrescenta a perda do lugar subjetivo que era ocupado junto àquele que se foi. O luto é um período de doloroso trabalho psíquico e pode se tornar patológico quando o desligamento gradual não ocorre, dando lugar à melancolia. A autora examina quatro situações: o luto propriamente dito, a melancolia, os episódios depressivos, e o desenvolvimento sobre a posição depressiva na obra de Maria Rita Kehl.

Célia Fiamenghi parte da obra de Sade, Os crimes do amor, e trabalha em duas vertentes: por um lado, as questões do amor, da falta e da busca do saber inconsciente na neurose e, por outro, a crença do saber sobre o gozo do Outro na perversão. Na obra sadeana, a fraqueza máxima é amar; o amor é uma prisão do corpo que causa dor física e moral. É a perda de si mesmo, uma insanidade. Na outra vertente, na neurose, as incidências da falta no homem e na mulher determinam, ao mesmo tempo, a falta de complementaridade na relação sexual e a busca do amor. Para aceder ao amor, é necessário passar pela castração.

Em seu escrito Algumas considerações sobre o aforismo lacaniano: "Só o amor permite ao gozo condescender ao desejo", José Antônio Pereira da Silva articula amor, desejo e gozo por meio da análise do objeto a no Seminário da Angústia. O objeto a é o topos da falta que se produz na operação de castração; o amor é a sublimação do desejo na cultura, sob a condição de o sujeito se aceitar como falta, isto é, homólogo ao objeto a. O desejo, por sua vez, é a invasão do desejo do Outro, exatamente no lugar onde o objeto a se situa, obturando o vazio necessário da castração e produzindo a angústia que precipita o sujeito no campo do gozo.

Maria de Fátima Alves Pereira, em A desmedida do amor, trabalha a questão amorosa pela via da devastação, principalmente na feminilidade. É pela via do amor que se estabelece uma conexão com o Outro; o amor faz crer que existe o gozo do Outro sexo, suplementando a impossibilidade da relação sexual. Assim, o amor, na sua vertente real, é contingente e necessário: ele não cessa de se escrever. Ocorre, em alguns casos, uma desmedida do amor: se a demanda de amor não é correspondida por um parceiro, a devastação e a destruição são ilimitadas. No potlach amoroso, por exemplo, a mulher se despoja de seus bens em nome do amor de um homem e, se este se retira, a devastação pode levar à morte. Também no amor materno pode ocorrer uma devastação da criança diante da mãe como Outro absoluto. O exemplo universal da desmedida do amor é Medeia, personagem trágica que mata seus próprios filhos para se vingar da traição sofrida. É o gozo feminino não castrado, na sua expressão máxima.

Olga Sá Ferreira, em O outro do amor, demarca o antagonismo entre as posições platônica e aristotélica do bem e da psicanálise, nas quais o cerne do ser não está no bem, nem no amor, mas na agressividade e na pulsão de morte. O amor compareceu à cena analítica desde os primórdios da psicanálise, como se vê no tratamento de Anna O. Lacan alerta que o amor é um fato cultural, como se pode observar nas diferentes formas de amar ao longo do tempo. A fonte do amor — a pulsão sexual — é comum a todas as incidências amorosas. Some-se a isso seu caráter ambivalente, uma vez que a ligação do sujeito com seu objeto é impregnada desta dualidade. A constituição do sujeito desejante, alienado ao desejo do Outro, é a fonte da ambivalência. Isso se aplica de forma complexa ao par amoroso, amante/amado, em que cada um é sujeito e objeto amado ao mesmo tempo.

No seu trabalho, O desejo do analista decanta-se da experiência de análise, Andréa Hortélio Fernandes defende que um desejo inédito, o desejo de analista, só pode aparecer numa psicanálise. A passagem de analisando para analista corresponde a uma mudança discursiva na transferência, sob o signo do amor. Além disso, para abordar de outra forma o desejo do analista, o dispositivo do passe relança os efeitos de afeto de alíngua — que nunca se diz toda —, efeitos que vão reaparecer como testemunho do que se atravessou na análise. Para esclarecer seus desenvolvimentos neste trabalho, a autora apresenta o testemunho do passe de Elisabeth Leturgie.

Em Desejo, Angélia Teixeira percorre as "avenidas do desejo", nas suas três ocorrências: o desejo do Outro, o objeto causa de desejo (objeto a), e o desejo do analista. O desejo inconsciente — do Outro — é invenção e conquista de Freud, que subverte a ética da moral e condiciona o desejo do analista. O objeto causa do desejo, invenção lacaniana, assume diferentes aspectos ao longo do seu ensino: objeto da pulsão nas operações de falta, objeto a no matema do fantasma, lugar de semblante no discurso do analista. Nesse percurso, a autora explicita as questões de saber, desejo e gozo por meio da teoria dos discursos. Sublinhando a ética do desejo, Angélia Teixeira conclama os analistas para sua contínua responsabilidade na contemporaneidade.

Ida Freitas, em Ao pé da letra, trabalha o significante lacaniano e seus funcionamentos metafórico e metonímico, para demonstrar que a linguagem porta uma falta que impede que o desejo inconsciente seja totalmente articulado. O modo possível de uma psicanálise dele se acercar é tomá-lo ao pé da letra. Este desenvolvimento leva ao efeito de escrita no real que o tratamento deve produzir. A autora demonstra, por meio de um exemplo clínico de Serge Leclaire, o sonho do unicórnio, o modo como o significante se desloca e se condensa, revelando e criando sentidos.

Raquel Prudente, em O desejo de saber do analista: a travessia do centauro, utiliza este mito, criatura metade homem, metade cavalo, para aludir ao ser falante que, para ascender ao estatuto de ser de desejo — sujeito dividido —, deve se submeter à dialética da demanda e do desejo do Outro, perdendo a conexão com o registro da necessidade. Esta constituição condiciona uma falta no saber que afeta, a um só tempo, não só as possibilidades do humano quanto ao seu desejo, mas o lugar do desejo do analista, que só se autoriza pela sua própria análise.

O escrito lírico de Sonia Campos Magalhães, Desejo de bem-dizer, mostra como o conto da literatura infantil A metade do frango e seu equivalente brasileiro O pinto pelado podem ser interpretados como alusões à estrutura do desejo inconsciente e também à coragem de sustentá-lo. Enfatiza a autora que a literatura é um meio de veicular a arte de bem dizer sobre o desejo inconsciente. A estrutura desejante se encontra em todos, mas é singular para cada um dos sujeitos, implicando que a ética da psicanálise se dirige à singularidade do falasser.

Em seu artigo, O bonde chamado desejo não circula mais... só a Van filosofia, Soraya Carvalho se atém à modalidade de sofrimento das depressões, nas quais o sujeito se fixa num gozo desmedido, abdicando do desejo e do objeto que lhe causa. Quando o sujeito cede de seu desejo, a depressão faz sinal de excesso de gozo; nesse estado, o falante se demite da ética do bem dizer, abdicando da vida e abraçando a morte. Porém, se nas depressões o desejo se encontra extraviado, no analista o desejo é advertido e orientado para fazer falar do real. Desta forma, numa psicanálise, a aposta é que seja possível para o sujeito encontrar no gozo a causa de seu desejo.

Ângela Rabelo, no seu texto Acerca do deslumbramento de M. Duras, trabalha o tema do amor na psicanálise e na literatura a partir da obra de Marguerite Duras O deslumbramento de Lol. V. Stein, sublinhando o feminino, o que encontra ressonâncias na teoria de Jacques Lacan, principalmente no que toca à vacuidade do corpo. A autora ressalta um contraponto importante entre a personagem Lol V. Stein e a escritora: enquanto Lol vive uma experiência de devastação sem limites, caindo num vácuo interior e corporal diante da perda do amor e diante da imagem da outra mulher, a escritora, segundo sua amiga e biógrafa, consegue, pelo exercício da escrita, construir-se por meio das suas novelas e de seus personagens, ao ponto de produzir a sensação de doloroso arrebatamento no leitor.

Elaine Starosta Foguel retoma um tema que lhe é caro, o da metáfora, realizando em Significante ou letra: o cimento da metáfora uma incursão pela obra de Fenollosa e Pound sobre a escrita chinesa como meio poético. Esta é a ocasião de verificar a afirmação desses autores, segundo a qual toda a delicada substância da linguagem se edifica sobre os cimentos da metáfora, e de acompanhar o ensino de Jacques Lacan a respeito do significante e da letra. O estudo dá oportunidade ao leitor de verificar, por meio de fragmento da clínica, a hipótese de que as metáforas produzidas ao longo do tratamento constituam o cimento da ficção, os novos significantes e letras que fazem borda ao gozo do Outro.

José Solon de Queiroz, em Nelson Rodrigues: um traço que se a-$ina feminino, articula literatura e psicanálise, defendendo que assinar é deixar uma marca de autoria. Questiona se isto vale para os heterônimos, mais especificamente em Nelson Rodrigues, quando o autor se faz passar por autora: Suzana Flag. As considerações que a psicanálise pode aportar passam tanto pela constituição do sujeito mulher de acordo com as fórmulas da sexuação — que vão subsidiar a afirmação de que a anatomia não define o destino sexual de uma escrita —, quanto pelas contribuições de Lacan em seu artigo Lituraterre, a partir do qual sustenta que a escrita faz borda ao real, impossível de ser todo dito.

O diálogo que Beatriz Elena Maya Restrepo estabelece entre a psicanálise e a educação, em O sujeito do inconsciente não se educa, possibilita ao leitor acompanhar na obra freudiana o pensamento a respeito do que pode a psicanálise em relação à educação das crianças. Distanciando-se do ideal de Sigmund Freud, a autora recorre a Jacques Lacan para articular que a educação e a família não são responsáveis pela repressão e pelo sintoma. Trata-se antes de afirmar que a repressão é estrutural, na medida em que introduz a linguagem que apaga o próprio sujeito, levando o falasser a inventar algo que explique o real.

A coletânea Amor, desejo e gozo, assim como seu título, é pluridimensional e constitui no seu conjunto um estudo consistente sobre os temas, na medida em que trabalha seus fundamentos, suas consequências e impasses clínicos, assim como a ética da clínica analítica.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: elainefoguel@terra.com.br

 

 

* Psicanalista, mestre em Ensino, História e Filosofia das Ciências (UFBA). Membro da Associação Científica Campo Psicanalítico — Salvador. Analista Membro a Associação de Psicanálise de Porto Alegre.