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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.32 Rio de Janeiro jun. 2016

 

ESTRUTURAS CLÍNICAS: LAÇOS E DESENLACES

 

Pânico e fobia: enlace e desenlace da angústia Comunicação de uma pesquisa em curso

 

Panic and phobia: connection and disconnection of anguish

 

 

Dominique Fingermann*

Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A angústia não é um termo que faz sucesso no discurso da ciência que domina nossa época, nem tampouco interessa aos valores do mercado que a determina. Mas, como sabemos por experiência, o que está recalcado retorna no real, ou o que sai pela porta da frente volta pela porta de trás. Então ansiedade, estresse, nervosismo, distúrbio de atenção, falta de ar, e, mais precisamente pânicos e fobias, entram de vento em popa tanto no discurso da ciência quanto no senso comum. O pânico e a fobia, que figuram no capítulo das "anxiety disorder" do DSM, constam como referência comum do mal-estar das pessoas que procuram um analista, e foram precisamente descritas e formalizadas desde os primórdios da psicanálise. O pânico explora e encena uma dilatação temporal da angústia e sua localização no corpo, enquanto a fobia organiza a fuga, o deslocamento e a amarração em um significante privilegiado. O texto aproxima e distancia essas duas formas sintomáticas e suas maneiras distintas de enodar o fato existencial da angústia

Palavras-chave: Pânico, Fobia, Angústia, DSM.


ABSTRACT

Anguish is not a very successful term in the scientific discourse of our current times, as it does not raise the interest of the values of the market that determines this era either. But as we know by experience, what is kept hidden returns in the real, or what leaves through the front door does return through the rear door. So, anguish, stress, attention dysfunction, breathing difficulties and, more specifically, panics and phobias, operate at full steam both in the scientific discourse and the common sense. Panic and phobia, which are listed in the DSM's chapter of "anxiety disorders," appear as a common reference of the ill conditions of people who usually look for an analyst, and they were precisely described and formalized since the early days of psychoanalysis. Panic explores and presents a temporal dilation of anguish and its localization in the body while a phobia organizes the escape, the move, and the tying in a privileged signifier. The text approximates and separates these two symptomatic conditions and its distinct forms of absorbing the existential fact of anguish.

Keywords: Panic, Phobia, Anguish, DSM.


 

 

1. Fobia e pânico hoje

Fobia e pânico hoje foi o tema dos Collèges Cliniques du Champ Lacanien, escolhido por nossos colegas franceses para 2015/2016. O convite de intervenção na jornada de Ajaccio, em setembro de 2015, foi o pretexto para desencadear meu interesse pela questão, a qual pretendo retomar classicamente pelo enlace da angústia que esses sintomas proporcionam diversamente.

O tema escolhido me surpreendeu, sobretudo por ter optado por uma questão da qual o DSM1 se apropriou: por que não questionar simplesmente a articulação da angústia com o sintoma hoje, ou seja, a estrutura do fala-ser, nas circunstâncias peculiares do século XXI? O DSM, como sabemos, e em particular pelos seus efeitos no discurso contemporâneo, tal como ele aparece nos consultórios dos analistas via queixa dos analisantes, exclui a angústia de suas considerações. Por outro lado, cada uma das revisões de suas versões tenta se aproximar "melhor" dos fenômenos que perturbam a suposta homeostase da "vida" (distúrbios, transtornos etc.), com uma proliferação de detalhes que fazem perder de vista a estrutura única do ser falante, que lhe proporciona angústia e sintoma como marca distintiva de sua humanidade, diferenciando-o, assim, radicalmente de todos os outros animais vivos. Sabemos o quanto este problema remete à "solidariedade" peculiar do Discurso da Ciência e do Discurso do Capitalista, já que esse extremo cuidado com os detalhes se reverte em multiplicação de pesquisas científicas, cujo rigor é inegável, embora a proliferação das combinações de moléculas químicas suscetíveis em remediar inibições, sintomas e angústia satisfaça sobremaneira ao mercado.

A angústia não é um termo que faz sucesso no discurso da ciência que domina nossa época, nem tampouco um conceito que interessa aos valores do mercado que a determina.

Uma vez mais, ciência e mercado acumpliciam-se para excluir a subjetividade, e a dor de existir que lhe é própria, da cena do mundo, tornando esse termo obsoleto. Mas, como sabemos por experiência, o que está recalcado retorna no real. Se a angústia, banida do século XXI, sai do discurso comum, a ansiedade, o estresse, o nervosismo, o distúrbio de atenção, a falta de ar, e, mais precisamente os pânicos e as fobias, entram de vento em popa tanto no discurso da ciência quanto no senso comum.

O que está originariamente recalcado, o que está foracluído, retorna no real; portanto, o que a psiquiatria globalmente aceita, discrimina, cataloga, trata e medica, segundo o capítulo dos "Distúrbios da ansiedade", são essas formas elementares que procedem da angústia, mas que o discurso isola e escamoteia como se não tivessem articulações estruturais e estruturantes: assim sendo, o pânico e a fobia são elevados a categorias privilegiadas de "anxiety disorder", distúrbios, apenas.

Este deslize do discurso não é sem consequências para os fala-seres do século XXI, pois já que a etiologia é banida do DSM, pânico e fobia são reduzidos a puros efeitos sem causa, e o sujeito do mundo contemporâneo é desresponsabilizado em relação à sua história: suas determinações, suas causas… suas escolhas, e os enodamentos que daí procedem.

Sem a angústia como causa, essas formas sintomais reduziriam o humano às piores pantomimas, caso esqueçamos de Freud e da sua consideração cuidadosa por esse afeto, decorrência da estrutura, ou de Kierkegaard, quando ele o eleva paradoxalmente a um conceito ontológico – "quanto mais se experimenta profundamente esse afeto, mais se experimenta a grandeza humana" (KIERKEGAARD, 1844/1935, p. 121).

De uma certa forma, hoje em dia são os psicanalistas que têm a responsabilidade da angústia: será que o ato do psicanalista ainda sabe fazer valer sua dimensão paradoxal de suspensão do pensamento que pode preceder o ato?

Conhecemos as fórmulas de Lacan: "a angústia não sem objeto", angústia "único afeto que não engana" etc.; e não podemos não ouvi-lo com a nota que lhes dá "A Terceira": a angústia como "acontecimento de real" (LACAN, 1974/2001), ou seja, presença, testemunho, da terceira dimensão, o real, que enoda o humano.

A angústia é experimentada muito cedo no Eu, dizia Freud (na junção do Real e do Imaginário, dizia Lacan) e, de fato, ela faz explodir seus limites para o melhor e para o pior. Ela tem a estrutura temporal do instante, mas promove uma experiência de abismo temporal que pode se manifestar como uma sensação de "petrificação motora".

Em geral, o afeto de angústia estoura diante de uma ruptura de significação; é uma experiência de "destituição subjetiva selvagem", precisa Soler (2000-2001/2012, p. 46), um encontro repentino com o objeto, ao mesmo tempo a sua eminência e sua perda.

Acontecimento, instante, ruptura, estouro de angústia: não se trata de um estado do sujeito, mas de um lugar, talvez uma passagem, onde alguém se encontra quando menos espera e de onde sai quando o pensamento logra enlaçar o que se encontrou tão brutalmente desencadeado.

Desde os primórdios da psicanálise Freud descrevia o "Ataque de angústia":

Pode irromper subitamente na consciência sem ter sido despertada por uma sequência de representações, provocando assim um ataque de angústia. Esse tipo de ataque de angústia pode consistir apenas no sentimento de angústia, sem nenhuma representação associada, ou ser acompanhado da interpretação que estiver mais à mão, tal como representações de extinção da vida, ou de um acesso, ou de uma ameaça de loucura; ou então algum tipo de parestesia (similar à aura histérica, pode combinar-se com o sentimento de angústia, ou, finalmente, o sentimento de angústia pode estar ligado ao distúrbio de uma ou mais funções corporais – tais como a respiração, a atividade cardíaca, a inervação vasomotora, ou a atividade glandular). Dessa combinação o paciente seleciona ora um fator particular, ora outro. Queixa-se de "espasmos do coração", "dificuldade de respirar", "inundações de suor", "fome devoradora", e coisas semelhantes; e, em sua descrição, o sentimento de angústia frequentemente recua para o segundo plano (FREUD, 1894-95/s.d).

Claude Léger observa em seu artigo "La panique attaque, l'anxiété se généralise" (LÉGER, 2001) que a expressão "panic attack" do DSM provém indiretamente de uma tradução em inglês da expressão "attaque d'angoisse", descrita por Freud em 1894.

O nome "ataque de pânico" faz sucesso no discurso de hoje, porque expressa bem essa dimensão fenomenológica de ruptura repentina.

O pânico, velho nome que denota a velha angústia, se apresenta hoje recauchutado como "síndrome de pânico". As descrições precisas do DSM 4 correspondem bem aos fenômenos relatados: trata-se de uma dilatação do instante da angústia subvertendo sua estrutura temporal de hiato, transformando-a em pensamento, que incide insistentemente, estendendo o instante no espaço, dando-lhe um lugar no corpo. Extensão no corpo de uma tensão que o assalta. Pensar muito "naquilo" funciona como sutura, e, logo, fabrica uma ficção curadora.

A fobia, por sua vez, torna o acontecimento da angústia pensável; a sua montagem produz uma articulação mínima de significantes, que logo possibilita que se esqueça da Coisa, essa coisa viva impensável e descabida que Lacan nomeou "gozo". A fobia, mais que uma estrutura clínica, configura o próprio princípio da estrutura, quando o "objeto" fóbico fixa um gozo singular. Esta "letra" de sintoma poderá lançar mão da primeira articulação significante, base do primeiro enodamento RSI.

O pânico e a fobia que figuram no capítulo das "anxiety disorder" são, ao mesmo tempo, testemunho e defesa contra a angústia, ela mesma desaparecida dos bons cuidados da ciência. Vale notar que se o DSM despedaça a estrutura em seus mil e um sintomas, distúrbios e anomalias, ele mantém, no entanto, em destaque os dois pilares da estrutura: a angústia (dramatizada como pânico) e o sintoma, na sua forma e formação mínima, a fobia.

Talvez por isso, e apesar da sutil gama de moléculas químicas que se esforçam em domá-los, pânico e fobia insistem na clínica psicanalítica, em resposta à angústia desconsiderada e ao disfarce de sua emergência.

Denunciar os usos e abusos dos sintomas "pânico" e fobia pelo discurso da ciência não nos autoriza a negligenciá-los, pois sua presença, cada vez mais frequente nas queixas dos analisantes, convida a prestar atenção e discriminar suas respectivas relações com a angústia, e, eventualmente suas eventuais articulações.

 

2. Pânico e fobia: do mito à estrutura

Pânico e fobia, reunidos no DSM, em nosso título e em inúmeros sintomas como resposta à angústia, andam de mãos dadas desde a Antiguidade. Podemos pensar a priori que o pânico revela o que a fobia e sua fuga escamoteiam: mas, desde suas origens etimológicas e mitológicas gregas, constatamos que os dois articulam, enlaçam medo e fuga em resposta ao pavor desorganizador da angústia.

Pânico é um termo emprestado do grego, panikos, propriamente [aquilo que vem] "de Pan", usado frequentemente em grego tardio para qualificar o medo, pois a aparição repentina e monstruosa de Pan é medonha. O medo-pânico indica inicialmente a fuga desesperada no campo de batalha provocada pela aparição ruidosa do deus Pan. Não é difícil associar Pan com o gozo: seu nome "Todo", que em psicanálise se liga com o "grande todo" freudiano, sua aparência monstruosa, seus excessos, sua sexualidade transbordante etc. A tela de François Marot, século XVII, mostra a aparição do deus monstruoso, mas também o fascínio do olhar, a suspensão imaginária a este momento supostamente disruptivo.

 

 

Fobia: "Phobos" designa a fuga decorrente do pânico, um susto intenso e fora de razão. Phobos procede do verbo phebesthai, "fugir com ideia de precipitação e desordem". Phobos designa também o filho de Ares, deus da guerra, irmão de Deimos, o terror, que causa a fuga dos guerreiros mais valentes.

Panikos e Fobos nomeiam, ambos, o desamparo, articulando o medo com a fuga.

Em que pânico e fobia se distinguem, no entanto? Como localizar suas relações específicas com a angústia e suas eventuais articulações?

 

3. Os pânicos

Numa multidão, num grupo, ou para um indivíduo ocorre de repente um desenlace, desencadeamento, ruptura de significação, alguma coisa em algum lugar se desata e os efeitos sobre a estrutura podem ser devastadores, da desagregação momentânea até a dissolução radical nas versões psicóticas. Nestes casos, o desmoronamento imaginário produz efeitos catastróficos e conduz ao desencadeamento dos fenômenos elementares da psicose com sequências diversas, como sideração, agitação, confusão.

Muitos acabam por chegar ao encontro de um analista por causa desse "sintoma" que os renomeia e os ocupa: muitas vezes brilhantes, e bem-sucedidos até então, não raro dizem que nunca toparam com a angústia antes disso. "Tudo" ia bem, até certo incidente, um detalhe que faz desmoronar o edifício, e então nunca mais pararam de pensar nisso: a sensação precisa da morte, um morrer no gerúndio os ocupa obsessivamente. Freud (1921/s.d.) explicava: "pertence à própria essência do pânico não apresentar relação com o perigo que ameaça, e irromper frequentemente nas ocasiões mais triviais".

As causas são derrisórias, mas provocam um sentimento de estranheza, ao mesmo tempo abandono do outro e invasão de alteridade, cujos efeitos no corpo estão na medida da sensação de desamparo, sentida ou apenas pressentida.

Se um indivíduo com medo pânico começa a se preocupar apenas consigo próprio, dá testemunho, ao fazê-lo, do fato de que os laços emocionais, que até então haviam feito o perigo parecer-lhe mínimo, cessaram de existir. Agora que está sozinho, a enfrentar o perigo, pode certamente achá-lo maior (Ibid., grifos nossos).

Embora a angústia exacerbada no pânico proporcione frequentemente um acesso único a esse "íntimo/êxtimo" de si mesmos, é difícil fazê-los falar do desamparo, pois ficam muito ocupados em narrar, nos mínimos detalhes, os efeitos pressentidos, cuja volta imaginada representa o máximo do terror, o que, na maior parte das vezes, produz desacelerações brutais de suas ascensões egoicas vertiginosas. As minúcias com as quais descrevem a extensão e as repercussões no corpo do que foi certamente um ataque de angústia permitem "esquecer" a originalidade do ponto de ruptura do ataque.

O sintoma organizado, desdobrado e agora catalogado como "pânico" permite burlar o instante da angústia e o que esta poderia sinalizar de tão impensavelmente singular.

Freud, em Inibição, Sintoma e Angústia, precisa bem a relação da angústia com o desamparo, "Hilflosigkeit", mas o pânico, tal como se instala e se estende, dilata o instante da angústia numa duração, reduzindo passado, presente e futuro à mera espera garantida da volta do "estou morrendo". O pânico, assim experimentado, é uma astúcia para escamotear o rastro incomum da angústia e a substituí-la por um medo comunicável da morte. "A angústia é justamente algo que se situa alhures em nosso corpo, é o sentimento que surge dessa suspeita que nos advém de nos reduzirmos a nosso corpo", diz Lacan (1974/2001) em "A Terceira". O pânico encobre essa suspeita com a certeza da apreensão do leque minuciosamente detalhado das sensações imaginadas do morrer. O aspecto artificial e exagerado das crises de pânico, encobrimento imaginário do real da angústia, evoca o Deus Pan e suas caretas monstruosas.

Uma vez a crise passada, uma vigilância se instala, quase sempre desenvolvendo sintomas fóbicos inibidores, mas localizando o medo em algumas situações. Podemos formular a hipótese de que as crises de pânico seriam o efeito de uma derrapagem entre real e imaginário, ao qual a fobia remediaria produzindo um ponto de sutura da estrutura entre real e simbólico, nó fundamental da substituição do significante ao rastro de gozo outro no corpo?

 

4. A fobia

As manifestações extremadas das crises de pânico e a sua dilatação temporal e espetacular nos informam a respeito da angústia e o que seu instante pode produzir como efeitos de difração no corpo da destituição subjetiva que induz.

As suas manifestações multiformes nos informam também a respeito da formação da fobia: como um significante entra em jogo para salvar da dissolução imaginária e do desmoronamento subsequente, revelando "a verdadeira função da fobia, que é substituir o objeto da angústia por um significante que causa medo" (LACAN, 1968-69/2008, p. 297), pois, insiste Lacan no Seminário 16: "ante o enigma da angústia, a relação de perigo assinalada é tranquilizadora" (Ibid.). A montagem da fobia como resposta, diante da angústia mostra como um significante da sua própria desaparição pode se tornar significante do sujeito que o representa para outro significante?

A fobia, desde o início da estrutura, constitui uma boa solução para evitar o desamparo e seu susto louco: algo como um desarranjo, um transbordamento pulsional fora de significação, se enoda e se equilibra no arranjo fóbico. A fobia é, por assim dizer, o início da estrutura: "A fobia não deve ser vista, de modo algum, como uma entidade clínica, mas sim como uma placa giratória" (Ibid., p. 298). A instalação do significante fóbico configura o giro da instalação da estrutura, ou seja, da castração e do desejo.

A "montagem" fóbica se produz no momento da colusão entre gozo e significante, e por isso mantém junto o que procede do gozo na origem do sujeito, assim como o que procede de sua representação significante. A "assemblagem" se produz quando um "objeto" (cavalo, cachorro etc.) se sobrepõe contingencialmente a uma vivência de gozo inassimilável, que deixa rastro. A leitura deste rastro como presença única apaga sua passagem efêmera e o transforma em letra, signo de gozo, sem sentido, ainda que suscetível posteriormente de se encadear e representar o sujeito para outro significante. A fobia evidencia "ao vivo" o paradoxo fundamental do significante, pois este é marca de gozo e marco de sua perda a partir do momento inicial da sua marcação como Um diferente de todos, o que produz a metonímia do gozo perdido no apelo para outro significante. Paradoxo do significante: fundamentalmente sino de gozo, sem sentido, mas ponto de emergência do sentido procurado no Outro.

A fobia, diz Lacan, diversa, mas insistentemente, ao longo de seu ensino, é "artifício", "suporte", "chave universal", "significante faz tudo", "ordem nova", "estruturação mítica", "suplência", "poesia viva": enlaçamento do sem sentido do corpo e do significante. A fobia é uma elaboração significante, um dispositivo que produz a substituição inaugural de um "significante obscuro" "com um lado insignificante" (LACAN, 1956-57/1995, p. 314) no lugar de algo que se apresenta como inconciliável, e que vai adquirir, por isso mesmo, uma função e um papel cristalizante, polarizante. A partir deste enodamento, a fobia, defesa contra a angústia, protege do abismo (LACAN, 1965-66/inédito, Aula de 01/12/1965): do objeto que falta, da ausência do Outro e da solidão irremediável da separação inaugural da neurose.

Não podemos ter medo da angústia, pois sua emergência fora de controle indica para cada um o que do corpo do inconsciente ainda está desligado, en-corps, sem ainda a significação que liga ao Outro.

Se pânico e fobia constituem duas maneiras diferentes de pô-la na cena do Outro para melhor esquecer e afastar seu valor de separação essencial, o desejo de analista a convoca para que ela se enlace de outra forma e passe: "eis onde se concebe uma mudança na própria amarração da angústia" lança Lacan em seu imprescindível "Resumo do Seminário O ato psicanalítico" (1969/2003, p. 378).

 

Referências

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FREUD, S. (1894-95). "Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada neurose de angústia" In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, s/d (versão eletrônica).         [ Links ]

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KIERKEGAARD, S. (1844). Le concept d'angoisse. Paris: Gallimard, 1935.         [ Links ]

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LÉGER, Claude. "La panique attaque, l'anxiété se généralise" In: Revue nationale des collèges cliniques 1 – L'angoisse. Paris: EPFCL-France, 2001.

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SOLER, C. (2000-2001). Declinações da angústia. São Paulo: Ed. Escuta, 2012.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: dfingermann@gmail.com

Recebido: 10/02/2016
Aprovado: 22/03/2016

 

 

* Psicanalista, AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil. Autora do livro Por causa do pior (Iluminuras, 2005), em coautoria com Mauro Mendes Dias, e organizadora do livro Os paradoxos da repetição (Annablume, 2014).
1 O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em português) é um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a APA (Associação Americana de Psiquiatria).

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