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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.32 Rio de Janeiro jun. 2016

 

ENSAIOS

 

Do mel ao fel: metamorfoses da estratégia de gozo em Roman Polanski1

 

From honey to gall: metamorphoses of the jouissance strategy in Roman Polanski

 

 

Raul Albino Pacheco Filho*

Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL – Brasil)
Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum de São Paulo)
Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Assim como outras realizações de Roman Polanski, "Lua de Fel", de 1992, é um filme impactante. Em diferentes momentos do filme, os personagens Oscar e Mimi revezam-se na posição de torturador e torturado, em cenas clássicas do receituário BDSM (Bondage/Discipline, Dominance/Submission, Sadism/Masochism). Busca desesperada de reencontrar o desejo por meio de uma erótica sadomasoquista? Ou tratar-se-ia de algo mais fundamental, da ordem da estrutura clínica dos sujeitos? O enigma se acentua com a entrada do casal Fiona e Nigel, na trama do filme. O fato de o autor do romance ser Pascal Bruckner, conhecido por filosofar e tecer teorias sobre o amor, apenas deixa a interpretação ainda mais controversa. Embora personagens de filmes não sejam "casos clínicos", as obras de arte sempre foram fonte promissora para a reflexão dos psicanalistas. Esta apresentação interroga os personagens de "Lua de Fel" e sua trama, visando a uma reflexão sobre os aspectos distintivos estruturais entre neurose e perversão. O ordenamento topológico estratificado do Outro (esburacado pelo objeto a), o funcionamento desse lugar vazio como núcleo de atração de gozo e a função mais-de gozar – apresentados por Lacan no Seminário 16 – permitem avançar o entendimento das estruturas clínicas da neurose e da perversão.

Palavras-chave: Neurose, Perversão, Estrutura clínica, Gozo, Objeto a, Topologia, Seminário 16.


ABSTRACT

As much as other works in Roman Polanski's curriculum, "Bitter Moon", from 1992, exhibited in Brazil as "Lua de Fel", is a striking movie. At different moments in the footage, the characters Oscar and Mimi trade themselves in the position of torturer and tortured of each other in classical scenes of the recipe BDSM (Bondage/Discipline, Dominance/Submission, Sadism/Masochism). A desperate search to re-encounter the desire through an erotic sadomasochist woman? Or is it all about something more crucial, of that type of thing that would invite analysts to reflect about the clinical structure of the subjects? This becomes clearer from the part do the movie in which the plot includes the couple Fiona and Nigel. The fact of the author of the romance, Pascal Bruckner, on which the film is based being known for philosophizing and coming up with theories about love, just makes interpretation even more controversial. Although film characters are not to be confused with "clinical cases", art works have always become a source of potential search for psychoanalysts to go deeper in their stories. The objective of this work is to interrogate the characters from "Bitter moon" and its plot, aiming at a reflection about the distinctive structural aspects between neurosis and perversion. The topological stratified ordering of the Other, perforated by the object a and the functioning of this empty place as a polarizer and core of jouissance attraction – from what Lacan defined the function more-of jouissance – allows them to advance and go deeper into a larger comprehension of the clinical structures of neurosis and perversion.

Keywords: Neurosis, Perversion, Clinical structure, Jouissance, Object a, Topology, Seminar 16.


 

 

Trauma, paradoxo e enigma incluem-se tanto na vida quanto na obra do cineasta polonês Roman Polanski, às quais não faltam o envio dos pais aos campos de concentração nazistas, os maus-tratos e espancamentos na infância, como mendigo nas ruas do gueto judaico de Cracóvia, o assassinato da esposa (atriz Sharon Tate) por uma seita de místicos fanáticos e a fuga dos EUA à Europa, para livrar-se da prisão por acusação de abuso sexual de uma menor com 13 anos de idade. Cineasta famoso e premiado, suas produções vão do lirismo romântico e dramático de Tess, ao horror de parir um filho do diabo, em O bebê de Rosemary. Bitter Moon2 ("Lua de Fel"), de 1992, não é menos impactante. Em diferentes momentos do filme, os personagens Oscar (Peter Coyote) e Mimi (Emmanuelle Seigner) revezam-se na posição de torturador e torturado, um do outro, em cenas clássicas do receituário BDSM (Bondage/Discipline, Dominance/Submission, Sadism/Masochism). E deixam o espectador hesitante quanto a como conceber o que rege as relações entre eles: busca desesperada de reencontrar o desejo por meio de uma erótica sadomasoquista? Ou tratar-se-ia de algo mais fundamental, da ordem daquilo que convocaria os psicanalistas a uma reflexão sobre a estrutura clínica dos sujeitos? Isso fica ainda mais acentuado a partir do trecho em que a trama do filme passa a incluir o casal Fiona (Kristin Scott Thomas) e Nigel (Hugh Grant), com este último sendo atraído inicialmente como testemunha curiosa, mas, progressivamente, seduzido a se envolver como participante cada vez mais explícito da erótica do primeiro casal.

O fato de o autor da história do filme, Pascal Bruckner, ser conhecido por filosofar e tecer teorias controvertidas a respeito do amor em seus livros3 apenas deixa a interpretação ainda mais controversa: "O amor agora é submetido ao regime da performance, ao imperativo do absoluto (…) a felicidade vira não mais um direito, mas um dever"; "submetemos nosso amor ao imperativo do absoluto… isso é desumano"; "pode-se desejar menos o outro sem querer deixar de ficar junto, porque a ternura leva a melhor sobre a exigência passional"; "sou partidário dos 'arranjos à francesa'… grande liberdade do homem e da mulher em suas aventuras amorosas sem desmantelar a família".4

Embora personagens de filmes não possam ser confundidos com "casos clínicos", as obras de arte sempre constituíram leito de garimpo promissor para os psicanalistas mergulharem suas bateias. O objetivo desta apresentação é interrogar os personagens do filme, e sua trama, para uma reflexão sobre os aspectos estruturais da neurose e da perversão, apresentados por Lacan no Seminário 16.

O filme acompanha os passageiros de um transatlântico deslocando-se em férias pelo Mediterrâneo, focalizando como personagens principais os casais Oscar-Mimi e Nigel-Fiona, que não se conheciam anteriormente à viagem. Nigel vê-se atraído por Mimi, que se insinua sensualmente para ele. Na sequência, Oscar aborda-o de modo provocativo: "Ela é uma armadilha para homens. Veja o que me fez (mostrando a paralisia das pernas). Você quer trepar com ela, não? É exatamente o ouvinte que eu procurava. Espero que ache minha história interessante". A partir daí, interpola-se na trama um relato de Oscar, em primeira pessoa, sobre sua vida amorosa com Mimi. Dada a inviabilidade de um relato exaustivo do enredo, tomo este personagem como foco de consideração, já que ele é o narrador da maior parte da trama e é de sua posição que a maior parte dos acontecimentos nos é apresentada. Além disso, ele me parece ser um alter ego de Pascal Bruckner, no que se refere às suas posições sobre felicidade, amor, casamento, desejo e paixão.

"A eternidade, para mim, começou em Paris, um dia. (…) Eu vislumbrava o paraíso. (…) Nada jamais superou o êxtase daquele primeiro despertar. Eu podia ser Adão com o gosto da maçã ainda fresco na boca. Uma forma feminina incorporava toda a beleza do mundo. Eu soube, com cega certeza, que era isso mesmo." O relato de Oscar sobre o início da relação com Mimi é interpolado com imagens do idílio romântico e sexual do casal, como a cena dos dois dançando a sós, apaixonados, no apartamento. Ou outra em que ela bebe iogurte direto da garrafa e, em seguida, o derrama sobre os seios, para que ele os lamba e beije, excitado e enternecido. Ele prossegue sua narrativa, evoluindo para os episódios sexuais mais explícitos: "Sua vagina era uma pequena fenda discreta e pura. Mas quando minhas carícias excitavam o animal dentro dela, ela afastava a cortina de seda que cobria sua toca e virava uma flor carnívora. Uma boca de bebê sugando meu dedo avidamente. Adorava excitar seu clitóris com a ponta da minha língua", conta rindo do embaraço de Nigel. "Ora, Nigel, não fique tão chocado. Só dou detalhes para mostrar como estava escravizado de corpo e alma por essa criatura cujos encantos o impressionaram."

Ao paraíso da paixão dos primeiros tempos, seguiu-se o receio do esvanecimento do desejo: "As estações iam e vinham e o rosto de Mimi ainda tinha mil mistérios para mim. Seu corpo, mil doces promessas. Mas, no fundo da minha mente, havia o medo de que já havíamos chegado ao topo do nosso relacionamento e de que agora ele começaria a desmoronar". Segue-se um período de tentativa desesperada de sustentação da relação e do desejo por meio de uma sexualidade que simula a ausência de limites, à qual não faltam todas as cenas clássicas do receituário BDSM. "Rastejei como um lunático (a imagem mostra Mimi urinando sobre a TV), me coloquei entre suas pernas e me virei. Na hora, fui envolvido por uma cascata dourada e quente que me inundou a face, encheu minhas narinas, atingiu meus olhos. E então algo fez meu cérebro vibrar intensamente. (…) Nigel, meu Deus, cara. (…) Era meu Nilo, meu Ganges, minha fonte da juventude. Meu segundo batismo. Nigel, estou expandindo seus horizontes sexuais."

"Nada pode ser obsceno em um amor assim." Sucedem-se as cenas de sadomasoquismo sexual do casal: Mimi representando a dominatrix, de botas e roupa de borracha negra brilhante, chicoteando Oscar, sufocando-o ou cortando-lhe as roupas íntimas com uma navalha. "Nós nos fechamos com nossos brinquedos semanas a fio, jamais saindo, vendo somente um ao outro."

"Era querer demais de qualquer casal. Eu também a amava, mas estávamos caminhando para uma falência sexual." Prosseguem as cenas, mas agora com o tédio inserindo-se nos jogos sexuais: Oscar de meias, calcinhas femininas e máscara de porquinho e Mimi chicoteando-o. "Estragou tudo. Porco não fala", diz Mimi interrompendo a brincadeira. "Sabe de uma coisa, também não acredito", diz Oscar desolado. "Pronto, finalmente o encanto estava desfeito."

A débâcle do desejo e a agressividade inserem-se, então, no cotidiano das relações, até o auge da violência física. "Devíamos ter terminado aí. Os casais deviam se separar no auge da paixão. E não esperar até o inevitável declínio. Meu desejo por ela havia começado a diminuir! Aí estava ela deitada, nua, maravilhosa, voluptuosa e nada significava para mim. Ressentia-me o fato de ela não me excitar mais como antes", diz Oscar, enquanto a imagem do filme mostra-o olhando, entediado, Mimi dormindo nua na cama. "Antigamente gostava da minha bunda", diz Mimi, ante a indiferença de Oscar em relação ao seu vestido provocante. "Não me ama mais."

Oscar continua sua narrativa para Nigel, enquanto as cenas mostram as imagens. "Beije-me. Assim não. Abrace-me", diz Mimi. Oscar: "Apertava meus lábios sobre os dela como se amassasse um cigarro em um cinzeiro. Era o prelúdio do ato menos original conhecido pelo homem. O processo chamado de cópula. Sentia-me como um rato em uma armadilha. As pessoas se divertiam lá fora, dançavam, faziam amor. Eu queria variedade. Tinha fome de barulho e excitação" (diz enquanto a imagem o mostra olhando pela janela, pessoas encontrando-se e divertindo-se na rua).

Repete-se a cena em que Mimi bebe iogurte direto da garrafa, mas agora Oscar irrita-se: "Precisa beber assim? Por que não usa um copo?" Mimi responde: "Dá na mesma". Oscar retruca: "A aparência, não". Seguem-se cenas de um período em que Oscar maltrata e humilha Mimi moral e fisicamente, ao mesmo tempo em que se culpa e sente remorsos por maltratá-la, sem coragem de se separar. "Que noite linda! Gostaria que durasse para sempre" (Mimi). "Para sempre é muito tempo" (Oscar). "Quando algo é bom não quer que dure para sempre?" (Mimi). "Claro, mas as coisas boas nunca duram. Esperava que você tomasse a iniciativa, mas parece feliz em deixar que as coisas se arrastem assim. (…) Estamos aviltando um ao outro. Preservemos uma bela recordação. Vamos nos separar" (Oscar). "Mas eu amo você. Só quero você. Quero me casar com você. Quero lhe dar filhos. Quero lhe dar o resto da minha vida. (…) O que eu fiz de errado? Até a um criminoso se diz qual é o seu crime" (Mimi). "Você não fez nada. Você existe, só isso" (Oscar).

"(…) Não consigo viver sem você" (Mimi). "Terá de viver" (Oscar). "Não vou" (Mimi). "Já discutimos isso, procure amigos, divirta-se, em alguns dias estará grata pela minha iniciativa" (Oscar). (…) "Suporto tudo para ficar às vezes com você (ajoelhada em frente a ele). Pode gritar comigo, bater em mim. Pode ter outras mulheres, mas, por favor, mesmo se não me ama mais, fique comigo por piedade (beijando seus joelhos) suplico."

[Interpolação de pensamento de Oscar] "Todos têm traços de sadismo. Se ela queria viver num inferno, eu o tornaria tão quente até que ela saísse."

Prosseguem as cenas da deterioração da relação entre Oscar e Mimi. Ele a maltrata, troca seu nome ao transarem, caçoa dela e a humilha na frente de outras mulheres. Ela se submete passivamente e, progressivamente, vai descuidando-se da aparência, desleixando-se, enfeando-se e limitando-se a cuidar da casa. "Pare de bancar a mártir. Tire isso da cabeça (pano amarrado sobre os cabelos); fica ainda mais feia. Tenho vergonha de ser visto com você" (Oscar). Depois de forçar Mimi à interrupção de uma gravidez desejada apenas por ela, abandona-a finalmente em uma decisão unilateral, sem ao menos comunicar-lhe antecipadamente.

Segue-se um tempo de vida boêmia de Oscar, com diversas mulheres ["chafurdava em carne feminina como um porco num chiqueiro. De cama em cama. Várias mulheres"], até que fratura o fêmur em um acidente de automóvel. "Tive mais sorte do que merecia", exprime, a Nigel, sua culpa. Mimi visita Oscar, ferido no hospital, e, em uma discussão, derruba-o da cama e deixa-o com uma lesão irreversível: "Tenho boas e más notícias… Você está paralisado da cintura para baixo… essa é a boa … a má notícia é que vou cuidar de você de hoje em diante".

Tornam a morar juntos, com Oscar limitado a locomover-se em uma cadeira de rodas e dependente da ajuda de Mimi ["Veio morar comigo com uma estranha devoção. Era minha cozinheira, minha governanta, carcereira e enfermeira"]. Nesse novo período da relação, agora é Mimi que reveza Oscar na posição de torturadora, vingando-se dos acontecimentos do período anterior. "Sei que mereço isso tudo. Tratei você como um monstro. Prometo nunca mais machucá-la" (Oscar). "Você me machucar? Muito engraçado" (diz Mimi, rindo). (…) "Sou um verme, me desprezo" (Oscar). Mimi o humilha de variadas formas, o trai com homens diversos e caçoa dele. "Eu me acostumara a ser apenas meio homem, mas naquela noite cheguei ao fundo do poço" (diz Oscar, enquanto a imagem do filme mostra a cena dela levando outro homem para casa, acariciando-o sexualmente na frente dele e, finalmente, transando com a porta do quarto aberta, enquanto um Oscar, devastado, escuta os gemidos de prazer sentado na sala em sua cadeira de rodas.

As imagens do filme mostram a sequência em que Oscar casa-se com Mimi. "Parecíamos os sobreviventes de uma catástrofe tão terrível, que criou um elo entre nós (diz Oscar a Nigel, mostrando-lhe a aliança de casamento). (…) A poeira assentou, mas receio perder o que restou do coração dela para um felizardo. Demos uma volta completa. É estranho confessar isso a quem espera ser esse felizardo. Não negue… nesta cabine só há lugar para um hipócrita. Pode ir (com ela). Não há nada a dizer."

O filme continua em uma sequência de acontecimentos surpreendentes e inesperados das relações entre os dois casais (Oscar-Mimi e Nigel-Fiona), até o final, em que Oscar mata Mimi – "Fomos gananciosos demais, anjo. Só isso" – e se suicida.

Oscar concentra elementos fenomenológicos que, pelo senso comum, poderiam sugerir uma perversão. E que, pelo DSM 5 (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013), conduziriam ao diagnóstico de múltiplos transtornos (comorbidade), entre os quais alguns da categoria de parafilia: fetichismo, sadismo sexual, masoquismo sexual, travestismo fetichista etc. Mas a formalização do ordenamento topológico estratificado do Outro, a partir do furo do objeto a, e o funcionamento desse lugar vazio como polarizador e núcleo de atração de gozo – a partir do que Lacan definiu a função mais-de gozar –, me levam a preferir seguir a pista de uma neurose. Não pretendo fazer uma "psicanálise aplicada" rastaquera e simplista, lembrando que, em psicanálise, mesmo em se tratando de um caso clínico real, um diagnóstico é sempre uma "hipótese de trabalho" orientadora na direção do tratamento. Consequentemente, posso admitir sem grandes resistências que outra hipótese possa ser explorada, para se abordar o personagem Oscar. Mas, como disse acima, meu objetivo é apenas usar o filme e a análise do personagem como instrumento para refletir sobre aspectos distintivos das estruturas da neurose e da perversão; e, sendo assim, sigo o que me parece mais plausível.

Desde a origem da psicanálise, a diferença entre perversão e neurose afirmou-se como tema importante. Freud o inaugurou com a conhecida fórmula da neurose como o negativo da perversão, mas não sem esclarecer que há algo de perverso na vida sexual de todo neurótico e, mais amplamente, de todo ser humano.

Todos os psiconeuróticos são pessoas de inclinações perversas fortemente acentuadas, mas recalcadas e tornadas inconscientes no curso de seu desenvolvimento. Por isso suas fantasias inconscientes exibem um conteúdo idêntico ao das ações documentadas nos perversos, mesmo que eles não tenham lido a Psychopathia Sexualis de Krafft-Ebing […]. As psiconeuroses são, por assim dizer, o negativo das perversões (FREUD, 1905 [1901]/1987, p. 45).

Ao demonstrar as moções perversas enquanto formadoras de sintomas nas psiconeuroses, aumentamos extraordinariamente o número de seres humanos que poderiam ser considerados perversos. Não é só que os próprios neuróticos constituam uma classe muito numerosa, há também que levar em conta que séries descendentes e ininterruptas ligam a neurose, em todas as suas configurações, à saúde; por isso Moebius pôde dizer, com boas justificativas, que todos somos um pouco histéricos. Assim, a extraordinária difusão das perversões força-nos a supor que tampouco a predisposição às perversões é uma particularidade rara, mas deve, antes, fazer parte da constituição que passa por normal (Ibid., p. 174).

Mais adiante vislumbrou o simplismo maniqueísta dessa fórmula, e na sua concepção sobre a construção do fetiche (FREUD, 1927/1987) apresentou um processo cuja complexidade não ficava nada a dever ao da construção da fantasia dos neuróticos. Ambos, perversos e neuróticos, visam ao manejo da castração, ainda que por vias distintas.

No Seminário 7, Lacan (1959-60/2008) segue a pista freudiana e mostra que a diferença entre ambas não se resolve por uma oposição simples entre presença e ausência da fantasia, como lastro imaginário para sustentação da articulação simbólica. Além do mais, algo de perverso existe tanto na fantasia dos estruturalmente perversos, quanto dos neuróticos. Para avançar na diferença entre ambos, recorre à conhecida formulação do giro de 90º no esquema da fantasia, como aparece também em "Kant com Sade" (LACAN, 1963/1998).

 

 

 

 

Não por acaso, é também no Seminário 7 que ele se vê convocado a aprofundar a reflexão sobre algo mais opaco e que oferece uma dificuldade mais radical, no trabalho de análise, à elaboração de um saber sobre o inconsciente. Daí a retomada da distinção entre Dingvorstellung e Sachevorstellung, no Projeto de 1895 de Freud (1950 [1895]/1987), e o recurso à metáfora heideggeriana do vaso, para pensar a Coisa freudiana: esse "objeto feito para representar a existência do vazio no centro do real que se chama a Coisa, esse vazio, tal como ele se apresenta na representação" (LACAN, 1959-60/2008, p. 148).

Sabemos dos novos avanços a esse respeito nos Seminário 10 (1962-63/2005) e 11 (1964/1988): a construção teórica do objeto (a), como "resto" não simbolizável da entrada na linguagem, e a proposição das operações de alienação e separação. Mas a exigência de novos desenvolvimentos teórico-clínicos não se extingue, e Lacan dedica-se, na sequência, a buscar uma solução para o real do gozo mais apropriada do que os empréstimos à termodinâmica, com que Freud tentou dar conta do "além do princípio do prazer". E sabemos como é, por homologia com a mais-valia de Marx, que no Seminário 16 (1968-69a/2008) ele se inspira para teorizar a função mais-de-gozar do objeto (a).

O Seminário 16 permite avançar e aprofundar, ainda mais, o entendimento das estruturas e dos tipos clínicos. O essencial na perversão "é a função de um suplemento, de algo que, no nível do Outro, interroga o que falta no Outro" (Ibid., p. 246) e o oferece. É pelo gozo do Outro que o perverso zela: ele é aquele que se consagra a tapar o buraco no Outro, ele está do lado do fato de que o Outro existe. É um defensor da fé. "A perversão é a restauração, como que primordial, a restituição do objeto a ao campo do A. (…) É a estrutura do sujeito para quem a referência da castração, isto é, o fato de a mulher se distinguir por não ter o falo, é tamponada, mascarada, preenchida pela operação misteriosa do objeto a" (Ibid., p. 283).

Quanto ao neurótico, o significado do A como barrado, marcado por sua falha lógica, vem expressar-se plenamente: ele não mascara o que acontece com a articulação conflituosa no nível da própria lógica. Para ele, como é o caso de Oscar (assim proponho), deve existir, em algum lugar, "uma relação não de suplemento, mas de complemento no Um" (Ibid., p. 252). Teria existido, anteriormente, uma relação primitiva de pseudocompletude com a mãe (suposto/imaginário complemento no Um) – o paraíso perdido da "ilusão retroativa de um narcisismo primário" (Ibid., p. 253) –, que, de fato, nunca existiu, mas pelo qual o neurótico luta, buscando reencontrar. Ele quer ser o Um no campo do Outro. E isso Oscar não pode encontrar na relação com Mimi, uma vez ultrapassado o fascínio do período de apaixonamento.

Como afirma Martinho em sua profunda e abrangente tese de doutorado "Perversão: um fazer gozar", "a diferença entre a neurose e a perversão se explicita na estratégia de gozo que o sujeito utiliza na relação com o seu parceiro" (MARTINHO, 2011, p. 6). Oscar é um homem dilacerado pela incapacidade de sustentar o desejo pela mulher que, um dia e por um certo período de tempo, o fez conhecer a plenitude da paixão e da satisfação sexual e a integração do amor com o sexo.

Em "Sobre a mais generalizada degradação da vida amorosa",5 Freud propôs que "se o psicanalista clínico indagar a si mesmo qual perturbação leva as pessoas com maior frequência a procurarem-no em busca de auxílio, ele será compelido a responder – deixando de lado as diversas formas de angústia6 – que consiste na impotência psíquica" (1912b/1987, p. 106). Não se trata de uma incapacidade de ereção do pênis ou de realização do ato sexual, já que esta estranha perturbação atinge homens de natureza intensamente libidinosa e com "forte propensão psíquica" a realizar o ato sexual. A primeira chave de entendimento do problema se obtém quando o próprio paciente se dá conta de que sua inibição só surge com determinada (ou determinadas) pessoas. Trata-se de alguma propriedade do objeto sexual, aquilo que produz, no interior do indivíduo, um impedimento e uma vontade contrária, os quais conseguem perturbar seu propósito consciente. A explicação proposta por Freud aponta na direção de complexos psíquicos subtraídos à consciência do indivíduo, responsáveis pela dificuldade de viabilizar a confluência das duas correntes – a "afetiva" e a "sensual"7 –, necessária para assegurar uma vida amorosa plena. (Ibid., p. 107). Defrontamo-nos aqui, portanto, com as articulações enigmáticas e conflituosas entre o objeto do desejo sexual e o objeto do amor dos seres humanos. Se a clínica de Freud incluiu preponderantemente homens com essa queixa, isso deve ser posto na conta dos preconceitos e discriminações de gênero da Áustria vitoriana e não a uma exclusividade masculina, no que diz respeito às dificuldades para lidar com o amor, o sexo e o obscuro e insondável "objeto do desejo". Afirmar que a "frigidez feminina" tinha mais dificuldade para se apresentar como queixa (sintoma) principal de início de tratamento, do que a "impotência psíquica masculina", na clínica psicanalítica da época vitoriana, seria outra maneira de dizer a mesma coisa.

O que constitui um nó para o neurótico é que seu desejo só consegue se sustentar pela demanda. Oscar é um personagem atormentado pela impossibilidade de obter o controle sobre seu desejo. Como diz Lacan em "Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano" (1960/1998), o neurótico é aquele que não dá conta de responder quem ele é, esgotado seu cogito (Ibid., p. 834). À ausência de resposta para a questão "Quem sou?", e à insciência do seu desejo – que "é menos insciência daquilo que ele demanda (…) do que insciência a partir da qual ele deseja" –, o neurótico reage recorrendo ao Outro com o "Che vuoi?" (Que quer ele de mim?) (Ibid., p. 829) e brandindo a fantasia como escudo contra o real. "Assim se explica que seja entre o campo do eu, tal como ele se ordena especularmente, e o do desejo, no que ele se articula em relação ao campo dominado pelo objeto a, que se joga o destino da neurose" (LACAN, 1968-69a/2008, p. 284).

"O gozo sexual, em relação a todos os outros, tem o privilégio de que alguma coisa no princípio do prazer, o qual sabemos constituir a barreira ao gozo, mesmo assim deixa um acesso a ele. (…) Mas o gozo sexual não está no sistema do sujeito. Não há sujeito do gozo sexual" (Ibid., p. 311). O falo é o significante fora do sistema, que designa aquilo que é radicalmente foracluído do gozo sexual. Por isso o gozo reaparece no real: "o gozo é absolutamente real, porque, no sistema do sujeito, ele não é simbolizado nem simbolizável em parte alguma" (Ibid.). Vem daí a ubiquidade do mito de Édipo e o fato de que "todo mundo continua a acreditar que o complexo de Édipo é um mito aceitável" (Ibid.). Mas ele só o é porque aponta para um lugar em que se situaria o enigma de um gozo absoluto: o Pai Primevo.

O fato de o neurótico buscar um mito como tentativa de resposta a esse enigma já indica que ele não sabe de que gozo se trata: é o do Pai, ou o de todas as mulheres, as quais ele confunde em seu gozo? É isto que Lacan assinala, ao lembrar que "foi o gozo feminino que sempre permaneceu, na teoria, (…) em estado de enigma analítico" (Ibid.). Quanto à função fálica, embora não represente o sujeito, "parece marcar, como campo limitado da relação do gozo com o que se estrutura como o Outro, um ponto de sua determinação" (Ibid.).

A eclosão de uma neurose [l'éclosion de la névrose]8 ocorre no momento exato da intromissão positiva de um gozo autoerótico na criança, no qual, correlativamente, produz-se a positivação do sujeito como dependência do desejo do Outro (o anaclitismo). Esse é o ponto de entrada pelo qual a estrutura do sujeito constitui um drama. Graças à relação positiva do sujeito com o chamado gozo sexual, mas sem que por isso se assegure de modo algum a conjunção sexuada ("Não há a relação sexual"), aparece o desejo de saber. É na medida em que "isso é outra coisa", que vemos o que acontece quando o jovem sujeito precisa responder aos efeitos que se produzem pela intromissão da função sexual em seu campo subjetivo (Ibid., p. 312). Falamos aqui da irrupção de um gozo dentro da posição anaclítica, reavivando-a. No ponto de impossibilidade introduzido pela proximidade da conjunção sexual – no momento em que, então, "eclode" a sua neurose -, o neurótico é aquele que "escolhe" [le choix de la névrose] projetar esta impossibilidade em termos de insuficiência.

Essa impossibilidade, a insuficiência a mascara e a desvia de ter que se exercer, considerando que o sujeito não está forçosamente à altura dela, como ser vivo e reduzido a suas próprias forças (Ibid., p. 322). A insuficiência é o álibi do sujeito para se esquivar da impossibilidade. Daí a culpa e o remorso de Oscar: "Sou um verme, me desprezo". Terminado o encantamento da paixão, e incapaz de sustentar o imaginário do complemento no Um (fazer Um com o Outro, ser o Um no campo do Outro), ele permanece estacionado na posição de insuficiência e seu horizonte restringe-se e limita-se aos sintomas do desencadeamento [déclenchement]9 de sua neurose. Vemos isso em sua paralisação e passividade, como na resposta à interpelação de Nigel "Você é cafetão?": "Não a censuro por procurar o que já não posso lhe oferecer", responde Oscar. Ele não consegue sair do lugar, nem mudar sua posição de gozo: seja para transformar sua relação com Mimi, seja para dela se separar. Sua depressão deve ser entendida no sentido da "covardia moral", tal como é apresentada por Lacan em "Televisão" (1974/2003), inspirando-se em Dante e Espinosa. "Covardia moral", que não implica um julgamento moralista sobre o seu caráter e sim um parecer sobre sua recusa ética de um saber que o referencie na estrutura simbólica, na realidade fantasmática por ela estruturada (em que ele se aliena), e em seu gozo, no inconsciente. Nas palavras do próprio Lacan:

A tristeza, por exemplo, é qualificada de depressão, ao se lhe dar por suporte a alma […]. Mas esse não é um estado de espírito [état d'âme], é simplesmente uma falha [faute] moral, como se exprimiam Dante ou até Espinosa: um pecado, o que significa uma covardia moral, que só é situado, em última instância, a partir do pensamento, isto é, do dever de bem dizer, ou de se referenciar no inconsciente, na estrutura (LACAN, 1974/2003 p. 524).

A possibilidade de resolução do problema de Oscar, com a saída da autorrecriminação e autocomiseração paralisantes, não "se limita ao esgotamento das identificações do sujeito, isto é, daquilo pelo qual ele se reduziu ao Outro" (LACAN, 1968-69/2008a, p. 269). A prática analítica nos ensina que ali, onde lidamos com o sintoma, é mister desvelar e desmascarar a relação com o gozo, "que é nosso real uma vez que está excluído". Esses são os três termos (os três suportes) em que se requer situar a experiência psicanalítica. Trata-se de vertentes idênticas às redes em que se encontra preso o sujeito que vem em busca de um analista: "o gozo como excluído, o Outro como lugar em que isso se sabe, e o objeto a, que é o pivô da história" (Ibid., pp. 315-316). É da lógica entre os três que Lacan extrai sua abordagem das estruturas clínicas no Seminário 16. Por isso, ele pode afirmar que "é com ele [objeto a] que é preciso acabar [a análise], no nível da neurose – [o que não exclui o atravessamento da fantasia] –, para que se revele a estrutura do que se trata de resolver; ou seja, o significante de A barrado, a estrutura pura e simples" (Ibid., p. 285).

Este é o enigma para resolver (ou dissolver) em uma análise, instigante como a frase do cartaz com o corpo de uma mulher, deitada, provocantemente seminua, cuja imagem se esconde ou se insinua em locais e momentos diversos, no filme: "Honni soit qui mal y pense".

"Desprezado seja aquele que pense mal disso"

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: raulpachecofilho@uol.com.br

Recebido: 09/02/2016
Aprovado: 22/03/2016

 

 

* Professor Titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atuando no Curso de Psicologia e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social, onde coordena o Núcleo de Pesquisa Psicanálise e Sociedade (inscrito no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil – CNPq). Psicólogo com graduação pela PUC-SP e Mestrado e Doutorado pelo Instituto de Psicologia da USP. Psicanalista AME da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL – Brasil) e da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano (Fórum de São Paulo). Coordena a Rede de Pesquisa Psicanálise e Saúde Pública do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo.
1 Uma versão condensada deste trabalho foi apresentada no XVI Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil (EPFCL-Brasil) "Neurose, psicose, perversão: enlaces e desenlaces", realizado em out./nov. de 2015, em Curitiba (PR).
2 Bitter Moon (filme). Direção de Roman Polanski. Roteiro de Roman Polanski, Gérard Brach, John Brownjohn e Jeff Gross. Elenco: Hugh Grant, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner e Peter Coyote. Estúdio: Columbia Pictures Corporation (USA). Lançamento em 1992.
3 Lua de fel. Lisboa, dom Quixote, 1993 (publicado na França em 1981); A euforia perpétua: ensaio sobre o dever da felicidade. Rio de Janeiro: Difel, 2002 (publicado na França em 2000); O paradoxo amoroso. Rio de Janeiro: Difel, 2011 (publicado na França em 2009); Fracassou o casamento por amor? Rio de Janeiro: Difel, 2013 (publicado na França em 2010).
4 Entrevista concedida para o jornal Folha de São Paulo, em 12/10/14.
5 Usei o título da edição Amorrortu das Obras completas de Sigmund Freud (FREUD, 1912/1986, p. VIII).
6 Substituí o termo "ansiedade", empregado na Edição standard brasileira, pelo termo "angústia", empregado na edição da Amorrortu (FREUD, 1912/1986, op. cit., p. 173).
7 Na edição da Amorrortu, os termos empregados são "corrientes tierna y sensual" (FREUD, 1912/1986, op. cit., p. 174).
8 Atente-se, a seguir, para a distinção feita por Lacan entre eclosão, escolha e desencadeamento da neurose, no Seminário 16. Quem tiver interesse em aprofundar a maneira pela qual Freud e Lacan abordam a questão do desencadeamento e da causa em suas obras pode recorrer à ampla e consistente investigação apresentada por Gianesi em "Causalidade e desencadeamento na clínica psicanalítica" (GIANESI, 2011).
9 A tradutora da versão brasileira dos Escritos (LACAN, 1966/1998) assinala: "Reservamos o termo 'desencadeamento' para déclenchement, essencial ao tratar-se de psicose" (p. 590). Eu entendo que não se trate de uma prerrogativa da psicose, pois a noção de "desencadeamento" também é fundamental para a abordagem da neurose (assim como as noções de "eclosão" e "escolha". Aliás, as diversas formas verbais do verbo "desencadear" são empregadas, nos Escritos e também na versão brasileira oficial de diversos Seminários, para traduzir o verbo déclencher, seja quando se refere à psicose, à neurose, ao sintoma, a figuras clínicas (fobia) e sintomas específicos (p. ex., delírio). Há, porém, ocasiões em que o verbo "desencadear" também é empregado para traduzir as formas verbais de déchaîner: ao que parece, quando Lacan o emprega no mesmo sentido anteriormente assinalado para déclencher. Veja-se, p. ex., a página 296 da versão brasileira do Seminário 16 (LACAN, 1968-69a/2008), em que se traduziu "déchaînement du symptôme" (LACAN, 1968-69b, edição francesa Staferla, p. 159) por "desencadeamento do sintoma". Considerem-se os sentidos apresentados em "Dictionnaires Le Robert" para os dois verbos: A) déclencher: 1. Déterminer la production de (un phénomène) par un mécanisme, 2. Déterminer brusquement (une action, un phénomene) → provoquer, commencer. (LE ROBERT, 1988, p. 323). B) déchaîner: 1. Donner libre cours à (une force). → provoquer, soulever, ameuter. (Ibid., p. 321).

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