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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.32 Rio de Janeiro jun. 2016

 

RESENHAS

 

Atos de fala

 

Atos de fala, from Jairo Gerbase

 

 

Alfredo Eidelsztein*

Endereço para correspondência

 

 

O livro de Jairo Gerbase, Atos de fala, é um texto importante. Tem essa característica, pois há ali perguntas fundamentais, feitas a partir de uma perspectiva também fundamental, ou seja, buscando e propondo os fundamentos dos argumentos.

Aborda, desde o começo, temáticas da psicanálise, tentando estabelecer uma lógica que esclareça, primeiramente, a questão sobre aquilo que distingue a psicanálise da medicina, especialmente da psiquiatria, e da psicologia clínica. Sem desvalorizar nenhuma dessas práticas, propõe quais seriam as hipóteses que as sustentam. O fato de estabelecer distinções a partir de questionamentos a respeito das hipóteses sobre as quais se baseiam as distintas abordagens psicoterapêuticas indica também o cuidado e a elaboração da dimensão epistemológica, habitualmente ausente nos textos dos psicanalistas, exceto nos de Freud e de Lacan.

O postulado epistemológico central que Gerbase sustenta é que há fatos sob a condição de que haja ditos.

Estabelecida a preexistência do dizer em relação aos fatos, o autor aborda as perguntas: como cura a psicanálise? O que se cura quando o analisante fala?

A perspectiva com a qual essas perguntas são meticulosamente analisadas é a da topologia e da matematização propostas por Lacan à psicanálise.

O argumento se desenvolve sustentando o autor uma topologia fundamental, a dos quatro discursos, e uma proposta metodológica que daí deriva, apresentada sob a forma de uma observação – "não leia os sentidos, leia os matemas" – comparável à proposta de Freud em "Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise".

Gerbase, com seu estilo claro e direto, também explicita sua hipótese fundamental, a qual desenvolve com muito cuidado ao longo de todo o texto. Cito-o: "A hipótese fundamental da topologia da fala é saber de que maneira constrói-se uma formação do inconsciente, como o sintoma, a partir da relação do sujeito com o imaginário, o simbólico e o real" (GERBASE, 2015, p. 53).

Essa hipótese fundamental sustenta-se na leitura que Gerbase faz da proposta de Lacan, sustentada, principalmente, sobre o motérialisme, o materialismo dos termos da linguagem.

Nos diversos capítulos do livro, analisam-se questões importantes: como se fazem e se desfazem sintomas com palavras; prematuridade significante; psicanálise em uma só geração, e muitas outras de igual relevância para a teoria e prática da psicanálise.

Tal qual ensina Lacan, a forma da escrita articula-se intimamente ao seu conteúdo. Assim, destaca-se também que Atos de fala – que é um livro relativamente curto (pouco mais de cem páginas) para tratar temas tão substanciais – está dividido em quase vinte capítulos que se caracterizam por serem "claros e distintos", o que acrescenta um valor que o leitor, certamente, apreciará. Entre os capítulos, Gerbase apresenta casos clínicos de diferenciação entre sintomas físicos e sintomas de palavra, cuidadosamente analisados.

Todos os argumentos do livro que estou apresentando são realizados em um diálogo intenso com um conjunto importante de autores. Além de Freud e de Lacan, as ideias são articuladas a propostas de Benveniste, Jakobson, Cassin, Todorov, Pinto, Verdiglione, Austin e muitos outros.

Gerbase, nessa importante obra, tampouco deixa de oferecer propostas pessoais – algumas das quais, na minha opinião, são muito polêmicas, por exemplo, que psicose e paranoia significam egocentrismos. Propõe, inclusive, traduções de neologismos de Lacan, tal qual parlêtre por falaser.

Atos de fala é um livro que se destaca – segundo meu critério – da série de livros publicados por psicanalistas neste século. Em pouquíssimos livros, encontrei tantas perguntas compartilhadas, algumas discrepâncias e muitas outras oportunidades para, novamente, refletir sobre temas fundamentais da psicanálise e da prática clínica e, finalmente, conhecer como outros pensam a respeito desses temas e fazer com que a comunidade analítica pense sobre eles.

Tomara que seja propagado, como merece.

 

Referências

GERBASE, J. Atos de fala. Salvador: Associação Científica Campo Psicanalítico, 2015.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: eidelsztein@gmail.com

 

 

Tradução: Maria Claudia Formigoni: Psicóloga. Psicanalista, membro do Fórum do Campo Lacaniano – SP. Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP. Especialista em psicologia hospitalar pelo HCFMUSP. Endereço: Rua Urussuí, 92 – cj. 46 – Itaim Bibi – São Paulo – SP – CEP: 04542-050 E-mail: mclaudiaformigoni@gmail.com
Revisão da Tradução: Ida Freitas
* Psicanalista, autor de diversos livros, dentre os quais La topología en la clínica psicoanalítica, Modelos, esquemas y grafos en la enseñanza de Jacques Lacan, Las estructuras clínicas a partir de Lacan (2 volumes), El grafo del deseo, La pulsión respiratoria en psicoanálisis e El origen del sujeto en psicoanálisis. Del Big Bang del lenguaje y el discurso en la causación del sujeto (todos pela editora Paidós).

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