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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.33 Rio de Janeiro Nov. 2016

 

EDITORIAL

 

 

Responsabilidade do discurso do psicanalista na atualidade

 

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", dizia o poeta (que vocês encontrarão na seção Letras de Stylus 33), Camões, junto com Brecht, que do sussurro ao grito usam as letras para despertar o desejo que os tempos bem poderiam fazer cochilar.

Mudam-se os tempos, mas e a psicanálise? Ela deveria mudar, ou deveras emuda-se?

"Psicanalista, mais um esforço para ser contemporâneo!"

É comum ouvirmos entre nós: o Discurso do Psicanalista é incompatível com o Discurso do Capitalista; o sujeito da modernidade que possibilitou o "acontecimento Freud" já não seria mais condizente com o sujeito do mundo contemporâneo. Os tempos que correm, a maquinação da ciência com o mercado conspiram para não nos deixar psicanalisar tranquilamente como outrora.

Os textos presentes na seção Direção do tratamento, comprovam a "Atualidade da clínica" (Sandra Berta) e a manutenção do Discurso Analítico a despeito dos tempos aflitos pela proliferação dos mais-de-gozar. Assim, desde sempre "A análise é o tratamento que se espera de um analista" (Sol Aparicio), e para sempre almejará que a heresia do "Um totalmente só" consiga inventar e sustentar um laço (Colette Soler).

Com a finalidade de esclarecer a construção lacaniana dos quatro ou cinco discursos como laços possíveis, Ensaio, propõe um longo estudo sistemático, "A propósito dos discursos" (Frédéric Pellion).

Lembremos do alerta de Lacan em "Função e campo da fala e da linguagem" (1953), que almeja proteger a prática da psicanálise de sua obsolescência: "Que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época". Consequentemente, Stylus 33 indaga seriamente, em três capítulos, se os problemas cruciais da psicanálise na atualidade consistiriam em uma questão de adequação ou inadequação do psicanalista ao discurso contemporâneo (ou seja, à modalidade de tratamento do gozo que o século XXI oferece).

Atualidade do laço social apresenta cinco trabalhos que, a partir das pistas abertas por Lacan, examinam as consequências do chamado Discurso capitalista, seus efeitos sobre os laços sociais e a dor de existir: "Lacan e a modernidade" (David Bernard), "O sofrimento do sujeito contemporâneo" (Marc Strauss), "A essência fugaz do brilho da falta" (Fabiano Rabêlo Chagas), "Psicanálise e contemporaneidade" (Christian Dunker). "Sair do discurso capitalista" (Patrick Barillot) coloca em questão o que se tornou um clichê lacaniano: o fato de a psicanálise permitir uma saída do discurso capitalista.

No capítulo Atualidade do sexo, quatro autores – Sonia Alberti, Antonio Quinet, Vera Pollo, e Raul Pacheco – se empenham, mais uma vez, em "colocar os pingos nos is" no que diz respeito à questão da sexuação a partir dos avanços lacanianos, e precisam como a "maldição sobre o sexo" permite, no entanto, abordar a complexa e atual questão do gênero.

Psiquiatria na atualidade: haveria, enfim, uma possibilidade de diálogo entre psicanálise e psiquiatria? Paulo Bueno, Nelson da Silva Jr. e Jamile Luz Morais perseguem, contudo, esta interlocução.

De qualquer forma, e sobremaneira, o problema crucial da psicanálise na atualidade é a manutenção de sua posição atópica (a posição do inconsciente) e a perseverança da subversão topológica de seu laço ao avesso do bom senso e da moral do mundo.

O problema crucial da psicanálise permanece sendo a formação do analista capaz de inventar a radicalidade de seu ato ímpar, do qual ele precisa dar prova. A prova de analista é o seu estilo, a sua distinção, a sua resposta singular, seu sinthoma dirá Lacan, isto é, sua resposta à "não relação sexual".

Em sua Conferência, "Problemas cruciais para a formação do analista na atualidade: O sujeito suposto saber em questão", Ronaldo Torres foca precisamente o problema lógico e ético que a história da psicanálise se empenhou em "tratar", "para que a psicanálise se torne um ato por vir ainda". No Espaço Escola, Vera Iaconelli, AE recentemente nomeada na EPFCL, apresenta um testemunho de sua trilha até o fim de sua experiência, e Dominique Fingermann aborda a questão da transmissão possível/impossível, cotejando a articulação entre ensino e saber.

Por fim, Vera Pollo e Mayla Di Martino, nos brindam com as Resenhas dos últimos livros de Antonio Quinet e Christian Dunker.

"Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar" (Bertolt Brecht).

 

Dominique Fingermann

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