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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.37 Rio de Janeiro July/Dec. 2018

 

CONFERÊNCIA

 

Adventos do real: temos escolhas?

 

Advent of the real: do we have choices?

 

¿Advenimientos de lo real: tenemos elecciones?

 

L'avènement du réel : avons-nous des choix ?

 

 

Dominique Touchon Fingermann

 

 


RESUMO

Apesar dos acontecimentos do real, acasos infelizes, que pontuam inevitavelmente as experiências analíticas, e apesar das emergências do real que as condicionam: o sintoma, a repetição e a angústia, a ética da análise e o ato que ela orienta dirigem os tratamentos para topar com o advento do real que singulariza cada um. Este trabalho investiga se um percurso analítico pode permitir, a quem se engajar nele até o fim, renomear sintoma, repetição e angústia como sinthoma, ato e passe.

Palavras-chave: Real; Advento do real; Acontecimento do real; Escolha.


ABSTRACT

Despite the events of the real, unfortunate accidents, which inevitably punctuate analytical experiences, and despite the emergencies of the real that condition them: symptom, repetition and anguish, the ethics of analysis and the act that guides it directs treatments to encounter the advent of the real that singularizes each one. This work investigates whether an analytical course can allow anyone who engages in it to the end to rename symptom, repetition and anguish as sinthome, act and pass.

Keywords: Real; Advent of the real; Event of the real; Choice.


RESUMEN

A pesar de los acontecimientos de lo real, acasos infelices, que puntean inevitablemente las experiencias analíticas, y a pesar de las emergencias de lo real que las condicionan: el síntoma, la repetición y la angustia, la ética del análisis y el acto que la orienta dirige los tratamientos para topar con el advenimiento de lo real que singulariza cada quien. Este trabajo investiga si un recorrido analítico puede permitir, a quien se compromete en él hasta el fin, renombrar síntoma, repetición y angustia como sinthoma, acto y pase.

Palabras claves: Real; Advenimiento de lo real; Acontecimiento de lo real; Elección.


RÉSUMÉ

Malgré les événements de vrais accidents malheureux, qui jalonnent inévitablement les expériences analytiques, et malgré les urgences du réel qui les conditionnent : symptôme, répétition et angoisse, l'éthique de l'analyse et l'acte qui le guide oriente les traitements à venir avec l'avènement du réel qui singularise chacun. Ce travail examine si un cours analytique peut permettre à quiconque s'y engage jusqu'au bout de renommer symptôme, répétition et angoisse en sinthome, agir et passer.

Mots-clés : Réel ; Avènement du réel ; Événement réel ; Choix.


 

 

O sentido real do tratamento

A direção da cura psicanalítica tem sentido. É o real que dá o sentido de seu percurso, e é a ética específica do Discurso Analítico que é responsável por essa orientação. Do começo ao fim da experiência, a ética suporta a lógica; com efeito, se a estrutura do significante acaba sempre por esbarrar com seu limite real, é o ato do analista que pode permitir sustentar seus efeitos, de um jeito outro. Não se alcança o real, não se trata de uma nova transcendência, tocamos pequenos pedaços, esbarramos nele, roçamo-lo, esfregamo-nos nele, abismamo-nos nele, ele fica atravessado ali onde justamente não poderíamos esperá-lo.

O real está no ponto de partida da análise, e ela retorna aí mesmo especificamente em seus momentos de passe, não sem topar também ocasionalmente em suas emergências repetitivas para, no fim, ali se resolver, interpretando o real como um ponto de basta. Durante esse tempo, o analista aguenta o tranco, o tempo que for preciso.

Quais são essas emergências de real que condicionam a análise e seu ato? Desde o começo de sua invenção, Freud as nomeou: sintoma, repetição, angústia. Isso insiste na vida de cada um como aquilo que não faz sentido e leva todos nós às mais extraordinárias elucubrações: um verdadeiro imbróglio (sac de nœuds) que recobre o "não" (ne) da relação (rapport) sexual. É preciso um longo tempo para compreender, para enfim concluir como desfazer pela palavra o que foi feito pela palavra, é um "tempo preciso para o ente fazer-se ao ser" (Lacan, 1970/2003, p. 425) e extrair o Dizer único que interpela o Outro sem se dobrar a seus moldes.

Lacan renomeia de outra forma o desenlace de "não há relação sexual", que ele chama então staferla1 (Lacan, 1967-1968) o ato, o passe, o sinthoma. Será que o percurso analítico de cada um pode permitir, a quem se engajar nele até o fim, renomear sintoma, repetição e angústia como sinthoma, ato e passe? A psicanálise possibilita essa passagem, no fim haveria então uma opção possível? O fim seria uma questão de escolha?

Há uma lógica da cura, e desde sua conferência "O simbólico, o imaginário e o real", em 1953, Lacan tenta extrair dessa lógica o "tempo" RSI, ou seja, os diferentes tempos do trançar por baixo, por cima, dois a dois, as três diz-mensões: "Eis como uma análise poderia, muito esquematicamente, ser inscrita desde seu início ao fim: rS - rI - iI - iR - iS - sS - SI - SR - iR - rS - rS" (Lacan, 1953/2005, p. 39).

Vinte anos depois, ele propõe que o imbróglio de cada um procede do trançar específico dos três registros do ser: RSI. A maneira como cada um se fez em resposta ao trauma original da ex-sistência e seus acontecimentos diversos e ocasionais necessita forçosamente um enodamento dos três: seu sintoma, como seu estilo, é realmente um nó.

A interpretação do analista "faz" ato quando responde à decifração dirigida do analisante por meio da cifra: "Há Um" escande as interrupções de sessões até que o luto do Sujeito Suposto Saber daí suceda. O que ali permanece do fato da interpretação e do que se "enlaça aí de outra forma"2 poderia, então, cair.

A interpretação do analista faz valer o objeto a, é sua maneira de não se atolar na transferência pela qual ele é responsável e permanecer no lance do real (l'erre du réel). O analista mantém-se aí para que o RSI do imbróglio de cada um distinga-se a partir disso.

A chance de resposta que um analista oferece é a graça desse encontro com o real de seu ato até que o passe daí decorra.

Mas serão necessárias muitas voltas, reviravoltas e desvios antes que o mistério de sua rejeição original advenha ao analisando (Lacan, 1961-1962) e precipite-se como separação fundamental do falasser ao ponto que suas ficções não tenham mais futuro que se sustente.

 

Acontecimentos e advento do real

No decorrer de todos esses vaivéns, o paradoxo do ato assegura, pois, o estremecimento do Sujeito Suposto Saber para que sua impotência passe ao impossível e que daí advenha o real próprio a esse inconsciente que o Discurso do Analista põe para trabalhar, já que "o inconsciente testemunha de um real que lhe é próprio" (Lacan, 1973/2003, p. 556). Isso é lógico.

Todavia, os acontecimentos da vida não poupam o sujeito em questão na análise, e ele continua sofrendo os trancos do real. Os encontros muito reais com o fora de sentido daqueles que muitas vezes haviam conduzido o sujeito ao divã golpeiam, atravessam, sacodem as análises: a morte, a doença, o luto, as perdas, mas também os felizes acontecimentos de todos os tipos que produzem rupturas traumáticas dos semblantes. É o acaso.

O dispositivo não tem como não levar isso em conta e colocá-los à prova do analítico. Na medida do possível, pois muitas vezes esse real dos acontecimentos, em contraponto à experiência, ensurdece o real que advém, ao qual o ato do analista dá acesso.

É difícil para esses sujeitos não cair na tentação de responder a isso com as bem-conhecidas armas da fantasia, que, no entanto, a análise mitigava.

Penso no lúpus de Roberto, na esclerose múltipla de Lucienne, no suicídio do pai de Marion, na falência de Édouard; mas, como evitar que não voltem a se enredar nisso, fixem, resgatem a constância da fantasia e as identificações abaladas pela análise e, mais do que nunca, carentes de identidade? Como suportar encontrar-se nesses casos sem o Outro, nem a culpa, a fantasia ou o destino? O "não há" vem abruptamente manifestar-se, com uma consistência desastrosa, nas redes tecidas pela associação livre. Os eventos do real chocam-se com o advento do real próprio ao ato.

No entanto, esses momentos seriam oportunos e preciosos para denunciar a relação do trauma com a fantasia e separar um do outro.

Com efeito, a insistência da análise poderia permitir apoiar-se nessas emergências para com elas fazer apreender o absurdo do trou-matique (furo-mático/traumático), e não o destino traumático que apenas daria razão à fantasia.

A insistência do desejo do analista no lugar da resistência ao ato, que pode causar horror nesses casos, pode dar mais liberdade, mais leveza pulsional, para responder aos golpes do acaso.

Os acontecimentos do real, assim como seu advento em consequência do ato analítico, implicam uma resposta. Podemos dizer, no entanto, que se trata ainda de uma resposta "do sujeito", ou seria uma resposta do real do ato que necessitaria de um consentimento a posteriori, uma apropriação?

Os eventuais traumas de uma vida desde a origem, assim como o ato psicanalítico e suas sequências, ocasionam uma destituição subjetiva, uma ruptura dos semblantes que faziam a estrutura do RSI manter-se enlaçada. O que Freud chamava "escolha da neurose" procedia da escolha de uma posição, de uma solução mediante os dados da experiência de cada um de seu encontro com a Não Relação Sexual. A dimensão ética do fim da análise renova a possível escolha diante do real que advém novamente, a clínica borromeana postula que podemos responder a isso a partir da heresia do RSI, uma nova escolha de enodamento, como indica a etimologia de heresia que Lacan nos ressalta3 quando evoca essa escolha "escolher a via por onde tomar a verdade"?

A separação lógica de um fim de análise abre uma nova possibilidade de resposta ética, o passe pode então "mostrar a saída das ficções da Mundanidade, produzir outra fixão [fixion] do real, ou seja, do impossível que o fixa pela estrutura da linguagem" (Lacan, 1972/2003, p. 480).

(...) ou pior, título de uma escolha.
(Lacan, 1971-1972/2003, p. 547)

 

Referências bibliográficas

Lacan, J. (1961-1962). Le séminaire, livre 9: l'identification. Inédito. (Lição de 14 de março de 1962)        [ Links ]

Lacan, J. (1967-1968). Le séminaire, livre 15: l'acte analytique. Inédito. Lição de 27 de março de 1968)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). Radiofonia. In J. Lacan. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1970)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). ...ou pior. In J. Lacan. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1971-1972)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). O aturdito. In J. Lacan. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1972)        [ Links ]

Lacan, J. (2003). Introdução à edição alemã dos Escritos. In J. Lacan. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1973)        [ Links ]

Lacan, J. (2005). O simbólico, o imaginário e o real. In J. Lacan. Nomes-do-pai. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1953)

Lacan, J. (2007). O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1975-1976)        [ Links ]

 

 

Recebido: 20/10/2018
Aprovado: 20/10/2018

 

 

1 "staferla" = cette affaire-là: esta coisa aí.
2 Lacan (1967-1968). "É na medida em que nossa interpretação liga de outra forma uma cadeia que é, no entanto, uma cadeia, e já uma cadeia de articulação significante, que ela funciona."
3 Lacan (1975-1976/2007, p. 16). "Escolher a via por onde tomar a verdade."

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