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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.38 Rio de Janeiro Jan./June 2019

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Luis Achilles Rodrigues Furtado

 

 

A clínica psicanalítica surge da elaboração de um cientista, vale lembrar. Não um cientista qualquer, mas um fisiologista, que também era ávido pela literatura e pela história. Isso muda tudo! Freud, na construção da psicanálise, edificou seus andaimes com o rigor de quem havia feito o juramento fisicalista junto com seus mestres e com a poesia de Goethe, entre outros. Mesmo confessando seus limites na fruição da música, não deixou de ser tocado pela divisão entre o apolíneo e o dionisíaco, entre o que é do logos e o que é do lírico. Preocupou-se em estabelecer não apenas a estrutura da psicanálise, mas trabalhou a de seu objeto e a de suas formações. No fim de sua obra escrita, ele nos lembra que um cristal não se quebra em partes aleatórias, mas obedece às divisões em sua estrutura.

Desde o início do ensino de Lacan, a articulação entre os registros do real, do simbólico e do imaginário foi objeto de sua atenção. A noção de estrutura lhe foi contemporânea e útil, teórica e clinicamente. A tese sobre o inconsciente estruturado como uma linguagem marca seu ensino e sua referência a Freud. Distinguindo-se dos ditos estruturalistas, Lacan preocupa-se com o que do significante faz ressonância e, por seus efeitos, redunda no estabelecimento de laço com o Outro. A dimensão que escapa ao significante e que dele depende diretamente convoca Lacan, cada vez mais em seu ensino, a se dedicar a um trabalho análogo ao do arquiteto: o engendramento de um vazio.

É, assim, pela via da alternância do significante e dos efeitos de gozo que ele opera, e pelo furo que ele constitui, que Lacan mergulha no trabalho com a topologia. Realiza uma difícil teorização, na tentativa de não cair no plano da intuição e do pensamento, buscando a demonstração, matemática. E é no contexto dessa elaboração matemática em torno dos registros simbólico, real e imaginário, mais especificamente com as relações entre o desejo, a demanda e a falta constituída pelo objeto a, que ocorre a Lacan a figura do enlaçamento do nó borromeano. Com ele, será possível também abordar a dimensão real do simbólico tão presente na clínica das psicoses.

Ele anuncia seu "nó Bô" no dia 9 de fevereiro de 1972, no contexto de seu seminário no qual está dividido com as palestras dirigidas aos psiquiatras em Sainte-Anne. Foi durante um jantar na véspera de sua aula que lhe foi apresentada a figura que consta no brasão da família dos Borromeos, ilustrando um pacto, um laço, entre esta e outras duas. Daí em diante, nos seminários posteriores, o uso dos nós ganha cada vez mais destaque.

Não se trata, enfim, de um desprezo ou apagamento de suas teorizações anteriores, mas da consideração de novas ferramentas com as quais a clínica psicanalítica e as estruturas podem ser pensadas, sem correr o risco do privilégio de qualquer um dos registros de forma individual.

O tema do número 38 de Stylus: Revista de Psicanálise, referente ao primeiro semestre de 2019, trata, portanto, da clínica psicanalítica, da estrutura e dos nós. Esse é um tema amplo e referente ao do III Simpósio Interamericano da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano, a saber: "Clínica psicanalítica, estrutural, da sexuação, borromeana". Entendemos que a articulação com os debates internacionais pode ser contemplada no volume de Stylus publicado antes do Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL - Brasil). É no segundo volume do ano que acompanharemos o tema dos encontros de 2018 e 2019, os quais são relativos ao pungente tema da política.

De qualquer modo, fazemos referência ao XIX Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL - Brasil), realizado em São Paulo durante o mês de novembro de 2018. Iniciamos nossa revista com duas conferências de Jean-Jacques Gorog, apresentadas durante aquele momento no qual discutimos a "Estratégia, tática e política da psicanálise". Nas duas conferências, Gorog aborda a noção de Real no ensino de Lacan, acompanhando sua construção e suas relações com a clínica, especialmente no que tange à noção de interpretação.

Na seção dedicada aos "Artigos bilíngues", vamos encontrar dois trabalhos. Paula Calado articula a teoria, discutindo sobre a mudança do uso do termo sujeito para privilegiar o de "parlêtre", interrogando-se sobre sua função clínica nas relações com a letra. Rodrigo Valetín Abínzano, por sua vez, traz um estudo sobre a anorexia e seus desenvolvimentos no ensino de Lacan, abordando temas como a demanda, o amor e o dom.

Na seção "Trabalho crítico com os conceitos", Brendali Dias e Isaías Gonçalves Ferreira apresentam um texto no qual discutem a função do significante mestre e sua articulação com o discurso analítico e a interpretação. Estanislau Alves da Silva Filho escreve um ensaio no qual faz um percurso com uma série de questionamentos sobre a clínica nodal no ensino de Lacan. Jessica Dias Belchior, Danielle Belo Lamarca, Carolina Santos Cavalcante e Catarine Souza abordam, por meio de uma pesquisa teórica, as relações entre a feminilidade e a histeria, chamando a atenção para suas diferenças. Erika Vidal de Faria e Dannielle Rezende Starling também dissertam sobre o tema da feminilidade, relacionando-o com a devastação na relação entre mãe e filha.

Apresentamos, então, ainda na mesma seção, uma sequência de textos nos quais a literatura os perpassa. Miriam Ximenes Pinho, por meio do uso da noção de concetti, articula a poesia e a interpretação em seu texto, fazendo referência a dois momentos do ensino de Lacan: um que ela chama "duplo canto do apelo", e outro, "poética da interpretação". A escrita na obra de Marguerite Duras é abordada por Beatriz Soares Chnaiderman em um trabalho no qual elabora uma hipótese sobre sua função. Também trabalhando com a literatura, Francina Evaristo de Sousa apresenta-nos um ensaio no qual aborda a noção de lalíngua a partir do livro Cem anos de solidão, do premiado escritor Gabriel García Márquez.

Na seção "Direção do tratamento", testemunhamos a importância política da clínica psicanalítica e lemos uma discussão importante para os dias atuais, nos quais a segregação e a intolerância mostram suas caras de forma cada vez mais obscena. O texto de Augusto Ribeiro Coaracy Neto constitui uma elaboração da experiência em um hospital de custódia e na clínica da psicose, tomando a noção de transferência como conceito fundamental do trabalho. Já Adriana Simões Marino relembra a importância e a pertinência do trabalho do psicanalista nos espaços públicos ao refletir sobre sua experiência na praça Roosevelt, articulando-a com os conceitos de transferência e identificação. Glaucia Nagem, por sua vez, apresenta-nos um interessante texto, no qual trabalha a teoria dos nós no ensino de Lacan, sublinhando sua utilidade clínica e suas relações com a estrutura.

Por fim, na seção "Espaço Escola", encontramos o texto de Andrea Franco Milagres, recém-nomeada Analista da Escola (AE), no qual aborda a dimensão do desejo na formação do analista. Em seu trabalho, Andrea traça um belo percurso, que vai do clássico "tripé" da formação do psicanalista - análise pessoal, supervisão e estudo teórico - até a introdução do desejo do analista, o dispositivo do passe e a Escola de Lacan.

Nossa revista Stylus, número 38, surge em um ano no qual nosso país sofre fortes abalos em sua democracia, e não só os analisantes, mas o trabalho dos analistas, sofrem diretamente os efeitos desses abalos. Entretanto, nosso trabalho, como em nossa Escola, não abandona o que é fundamental: a alegria e o rigor. Nossa publicação não seria possível sem o trabalho de nossos avaliadores ad hoc e a dedicação de nossa jovem equipe, composta por Julie Travassos Gallina, Leonardo Fernandes Pimentel, Osvaldo Costa Martins, Pedro Moacyr Chagas Brandão Junior e Thalita Castelo Branco. Agradecemos à nossa atual Comissão de Gestão da EPFCL - Brasil: Elisabeth da Rocha Miranda, Geísa Freitas e Andrea Milagres. Agradecemos também aos colegas do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo por nos fornecerem os textos de Jean-Jacques Gorog, permitindo sua publicação. Deixamos ainda um agradecimento especial às colegas Joseane Garcia e Julie Travassos, que compuseram a equipe de publicação de Stylus na gestão 2017-2018 e deram-nos uma ajuda fundamental nesta edição e na transição das equipes.

A todos os leitores, nossa equipe de publicação deseja uma ótima leitura.

 

Luis Achilles Rodrigues Furtado
Sobral, junho de 2019.

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