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Stylus (Rio de Janeiro)

versão impressa ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.39 Rio de Janeiro jul./dez. 2019

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Luis Achilles Rodrigues Furtado Sobral

 

 

Nossa edição 39 de Stylus: Revista de Psicanálise surge em um período em que o corpo e a política estão em evidência ainda maior. A contaminação de parte da população mundial pelo coronavírus Sars-CoV-2, causando uma pandemia da doença chamada Covid-19, levou à recomendação de isolamento social rígido, de modo que todo o sistema econômico, social, tecnológico, científico e político teve que encontrar novas soluções para esse desafio. Com a psicanálise e com os psicanalistas, não foi diferente.

Mesmo com sua edição relativa ao XX Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, ocorrido em meados de outubro de 2019, em Aracaju (SE), nosso tema já parecia antecipar aquilo que se tornaria, meses depois, tão pungente e urgente.

Os corpos falantes tiveram que elaborar a irrupção de uma ameaça que não se consegue ver, medir, localizar; nem se consegue descrever um padrão de comportamento passível de uma eficaz intervenção científica, sanitária e epidemiológica. Uma parcela significativa da população mundial teve que retomar sua intimidade, sua realidade familiar (tendo família ou não), sendo impedida de realizar a alternância cotidiana e imperceptível do sair e voltar para a própria casa. Outra parcela, aquela mais vulnerável, ficou evidenciada como aqueles que podem ser descartados com a morte, com a contaminação, com a indiferença e com a anomia. Nesse sentido, deflagrou-se ainda mais aquilo que não estava oculto: os corpos são nítida e incisivamente atingidos e determinados politicamente. Até mesmo as despedidas funerárias, as últimas despedidas, foram objeto das políticas sanitárias de saúde. Por uma coincidência histórica, o próprio Freud, em sua época, também passou pelo drama de não poder se despedir de sua filha Sophie, que teve a morte causada pela gripe espanhola.

Muito ainda há de se falar e escrever depois sobre o que ainda estamos passando em 2020. Mas não há como negar que a política de nossos corpos afetados que são pela linguagem e pelo inconsciente atualiza o fato de que não há como fugir das contingências do real. O corpo falante se define em sua forma, seu nome, seu sintoma e presença pulsional a partir de uma relação com o Outro, estruturado e estruturante. Portanto, o corpo se constitui em sua relação com o inconsciente a partir de uma política.

É por considerar, portanto, a importância do recurso ao enlaçamento dos registros na constituição subjetiva e do corpo falante, político, que escolhemos como textos de abertura desta edição as conferências de Bernard Nominé sobre a teoria e a clínica do nó borromeano. As duas conferências foram proferidas na cidade de Fortaleza, por ocasião dos seminários sobre topologia que lá ocorreram. Nominé articula a teoria do nó borromeano com a clínica, demonstrando a necessidade de conhecermos o manejo da cadeia e de suas falhas como instrumental de singular importância para a clínica psicanalítica.

A seção Trabalho crítico com os conceitos vem composta por cinco artigos. Ingrid Porto de Figueiredo escreve sobre a dificuldade no estabelecimento do universo do discurso a partir da noção de inconsistência do Outro. Allisson Vasconselos Oliveira e Marina del Papa discutem a ascensão da figura do canalha na contemporaneidade a partir de um seriado de televisão, considerando a dimensão do desamparo e da dimensão do que os autores chamam de "queda do pai". Carolina Escobar de Almeida Prado apresenta um texto que interroga a política do psicanalista e seu corpo na universidade. Aborda uma realidade muito comum, que envolve a presença, o trabalho e a transmissão de analistas que ocupam funções de ensino no âmbito universitário. Cibele Barbará busca trazer uma contribuição ao que se discute sobre os objetos que são chamados de gadgets, articulando-os com as noções de objeto a, sujeito e sua relação com o Outro. A questão sobre a Weltanschauung científica, que Freud sustenta ser a da psicanálise, estaria fundamentada em uma ética que considera o desamparo estrutural da condição humana. É sobre esse ponto que Magali Milene Silva disserta.

Encontramos em Direção do tratamento três artigos. Vicentin Plothow discute um caso clínico a partir das escolhas surpreendentes que a adolescente Sofia teve que tomar. Desta feita, aborda justamente o tema da escolha, tal como é considerado na psicanálise. O conceito de holófrase é comentado no texto de Juliana Sperandio Faria a partir da perspectiva da clínica dos fenômenos psicossomáticos. Por esse caminho, questiona as relações da holófrase com a letra e com a dimensão do corpo, tal como foram trabalhadas no ensino de Lacan. No artigo coletivo assinado por Maria Lúcia Mantovanelli Ortolan, Maíra Bonafé Sei, Paulo Victor Bezerra e Kawane Chudis Victrio, encontramos o relato e a reflexão sobre a experiência clínica em um serviço de plantão psicológico. O artigo questiona essa modalidade de atendimento, estabelecendo uma aproximação ao que se entende como retificação subjetiva em psicanálise.

"O que passou?" Essa é a indagação que intitula o texto de Adriana Grosman. Nomeada Analista de Escola, a autora desenvolve seu trabalho de transmissão justamente na seção Espaço Escola, dedicada aos textos com as temáticas sobre o passe, o cartel e textos institucionais que envolvem a formação do analista.

Vanisa Maria da Gama Moret Santos apresenta uma resenha do livro O inconsciente teatral - psicanálise e teatro: homologias, de Antonio Quinet, psicanalista de nossa Escola que desenvolve há muito tempo essa interlocução da psicanálise com o teatro. O livro de Quinet, que já adquiriu grande sucesso e ampla divulgação entre seus leitores, é qualificado pela autora como sendo também um livro de arte, por permitir uma experiência estética, além da transmissão dos conceitos psicanalíticos.

Agradecemos a todos os avaliadores ad hoc que nos ajudaram na publicação desta edição. Agradecemos também aos colegas do Fórum do Campo Lacaniano de Fortaleza, por nos permitirem a publicação da conferência de Bernard Nominé. Renovamos nossos agradecimentos à comissão de gestão da EPFCL e aos autores que enviaram seus artigos. Por fim, a equipe de publicação de Stylus deseja a todos uma ótima leitura e espera que possamos nos encontrar pessoalmente o mais breve possível.

Luis Achilles Rodrigues Furtado Sobral, maio de 2020.

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