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Semina: Ciências Sociais e Humanas

On-line version ISSN 1679-0383

Semin., Ciênc. Soc. Hum. vol.39 no.1 Londrina Jan./June 2018

 

Artigos

Significados das práticas de cuidado em saúde no ritual de iniciação do candomblé de Ketu

Meanings of health care practices in the initiation ritual of candomblé de Ketu

 

 

Iury Pedro Bento Barbosa; Fernanda Priscilla Pereira Calegare; André Luiz Machado das Neves; Iolete Ribeiro da Silva

Universidade do Estado do Amazonas

 

 


Resumo

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa que teve como objetivo investigar os significados sobre práticas de cuidado em saúde dentro dos rituais iniciatórios nos terreiros de candomblé de Ketu produzidos por pais/mães de santo de Manaus/AM, a fim de problematizar práticas não hegemônicas de cuidado em saúde, bem como reconhecer a legitimidade desses processos. Foram utilizadas, como instrumento de produção de dados, entrevistas semiestruturadas, das quais participaram quatro pais/mães de santo do candomblé de raiz Ketu. O estudo está ancorado no referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural. Os resultados explicitam os significados dos pais/mães de santo considerando a dimensão histórica do cuidado em saúde no ritual de iniciação. Foram categorias semânticas trazidas pelos participantes: as ideias de contaminação e transmissão como reflexos de perspectivas higienistas; compreensão da importância do sangue como sendo elemento tanto de axé quanto de contaminação; a responsabilidade do pai de santo no processo de cuidado e de possíveis contaminações; o cuidado com as representações sociais acerca da casa de santo, com foco nas questões de contaminação e cuidado. Os significados construídos pelos participantes expressam-se de maneiras múltiplas e complexas, demandando que se tenha um olhar apurado acerca da religiosidade de matriz africana e a sua inserção social, marcada por tensões que podem contribuir com avanços para a sua compreensão, no campo religioso, de saúde e da ciência.

Palavras-chave: Saúde. Significado. Cuidado em saúde. Candomblé. Religiões afro-brasileiras.


Abstract

This article presents the results of a qualitative research that aimed to investigate the meanings about health care practices within the initiation rituals in the Ketu candomblé terrariums produced by parents / mothers of santo de Manaus / AM in order to problematize non - hegemonic practices of health care, as well as to recognize the legitimacy of these processes. Semistructured interviews were used as a data production instrument, in which four parents / mothers of the Ketu root Candomblé participated. The study is anchored in the theoretical framework of Historical-Cultural Psychology. The results explain the meanings of fathers / mothers of saints considering the historical dimension of health care in the ritual of initiation. Semantic categories were brought by participants: ideas of contamination and transmission as reflections of hygienist perspectives; understanding of the importance of blood as an element of both axes and contamination; the responsibility of the father of santo in the process of care and possible contaminations; the care with the social representations about the house of saint, focusing on the issues of contamination and care. The meanings constructed by the participants express themselves in multiple and complex ways, demanding that one have a close look at the religiosity of African matrix and its social insertion, marked by tensions that can contribute with advances to its understanding, in the religious field, health and science.

Keywords: Health. Meaning. Health care. Candomblé. Afro-brazilian religions.


Introdução

A prática do cuidado em saúde compreende a tentativa de preservar a vida, aliviar as dores e sofrimentos do outro, bem como de promover o bem estar. Segundo Pinheiro e Guizardi (2008), o cuidado em saúde envolve tratar, respeitar, acolher e atender o ser humano em seu sofrimento, como uma ação integrativa/ participativa, respeitando o ser humano em sua pluralidade. Numa perspectiva histórica, por volta do século V a.C, o cuidado se caracterizava como uma atribuição dada aos sacerdotes, pois não se tinha conhecimento de Patogenia. Não se sabendo, portanto, a origem de alguma doença, suas causas eram atribuídas ao mundo sobrenatural, que só podia ser acessado por esses sacerdotes, que haviam se especializado em dominar os caminhos para acessar esse plano de acordo com sua cultura e período (BOTELHO, 2004).

Atualmente, identifica-se que aspectos das práticas de saúde mágico-sacerdotais do século V a.C ainda existem em algumas práticas religiosas. No candomblé, que, segundo Berkenbrock (1997), teve sua origem na África e se desenvolveu com a vinda dos povos africanos ao Brasil, o cuidado em saúde se dá por entendimentos também ligados ao sobrenatural. O sacerdote, por ter aprendido os segredos (AWOS1) durante seu caminhar dentro da religião e ter domínio sobre o acesso desse plano metafísico, estaria apto a interferir no processo natural das doenças, o que lhe confere junto a sua comunidade (EGBÉ2) o caráter também de um cuidador em saúde.

Um estudo realizado no Brasil, aponta a importância atribuída nos terreiros acerca dos cuidados com o corpo existente nas religiões afrobrasileiras (SILVA, 2007). Outro estudo, realizado por meio de uma etnografia (MOTA; TRAD, 2011, p. 334), revelou que os cuidados em saúde oferecidos pelos terreiros “variam de acordo com as razões que desencadearam a aflição, havendo uma alusão constante à diferença entre causas espirituais e causas materiais ou físicas”.

No estudo de Alves e Seminotti (2009) na comunidade de terreiro, os cuidados tradicionais em saúde, se caracterizam por meio do uso de ervas, banhos, dietas e/ou ritos de iniciação. Esses dados, corroboram com os resultados de uma pesquisa realizada por Garcia (2016), em que ele compreendeu que vários são os procedimentos utilizados para cuidado em saúde: o jogo de búzios, os ebós, o bori, as iniciações, o uso das folhas, ervas raízes e flores, os banhos, as benzeduras, as beberagens, o aconselhamento, etc. Conforme o mesmo autor, cada tradição religiosa afro-brasileira faz uso de um procedimento ou combinações de procedimentos visando restituir a saúde das pessoas.

As formas de compreender e agir no mundo, vivido no terreiro, com seus mitos e ritos, suas crenças e valores, constitui um conjunto de saberes e verdades que, muitas vezes, subverte aos saberes e “verdades” técnico-científicas dos profissionais de saúde. É necessária, nesse contexto, ampliar a interlocução entre serviços de saúde e terreiro para que novas redes de apoio e cuidado à saúde possam se constituir além de possibilitar à população de terreiros, uma atenção integral à saúde que dialogue para além de uma prática de promoção a saúde etnocêntrica (ALVES; SEMINOTTI, 2009).

Compreende-se que essas dimensões metafísicoreligiosas que permeiam as religiões acompanham o processo histórico, político e cultural de uma sociedade, podendo, dessa maneira, apresentar transformações em seus rituais. Na década de 1960, com o surgimento de novos vírus e patogenias, as estratégias de cuidado foram sendo alteradas. Estas alterações ficaram mais salientadas com a descoberta da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/AIDS, uma doença infecciosa crônica que se caracteriza por progressão de carga viral e diminuição de Linfócitos TCD4+, que é transmitida por meio do vírus da Imunodeficiência Humana/HIV. Por se tratar de um vírus passível de transmissão por sangue e derivados, a manipulação deste sem medidas de segurança torna o manipulador exposto à contaminação.

Como parte dos rituais de iniciação de noviços no candomblé de Ketu3, são realizadas na pessoa a ser iniciada incisões na pele, cabeça e língua por meio de material cortante. Tais incisões, segundo Lody (2003), são chamadas de Aberés4 pelo povo de santo, mas foram popularizadas com o nome de Curas. As curas são as incisões feitas na pele do noviço por onde esse recebe o axé/conhecimento. Antigamente, se usava a mesma navalha em todos que eram filho da casa do pai ou mãe de santo. Assim, o procedimento para a realização da Iniciação do Yawo, desde que não tomadas medidas de proteção, tornar-se-ia um possível meio de contaminação (RIOS et al., 2013).

Nesse contexto, alguns babalorixás não aceitam interferências no modo como praticam seus rituais, uma vez que no Candomblé acredita-se na transferência de axé por intermédio das fissuras na pele. Alguns pais de santo creem que essa transferência ocorre de modo mais forte se houver o contato direto com o sangue. Sendo assim, mudanças na maneira ou materiais que esse culto é realizado quebrariam com o ciclo, perdendo-se assim o Axé. Diante de tal problema configurou-se a questão para a investigação apresentada neste artigo: Quais os significados sobre práticas de cuidado em saúde dentro dos rituais iniciatórios em alguns terreiros de candomblé de Ketu produzidos por pais/mães de santo?

Para a realização da pesquisa, levou-se em consideração o pressuposto de que,

[...] as religiões afro-brasileiras possuem um modelo de cuidado e atenção à saúde que tem repercussão na melhoria da qualidade de vida dos adeptos e da comunidade do entorno. Os terreiros reúnem um repertório simbólico e real de alternativas de informação/educação/ atendimento na prática de lidar com a saúde e com a educação, podendo tornar-se importante instrumento estratégico para o enfrentamento de várias doenças e para a promoção da saúde (SILVA, 2007, p. 177).

Compreendendo este processo, sob o olhar das ciências humanas e sociais, os autores deste artigo, se debruçaram sobre suas dimensões simbólicas, de como a experiência do cuidado em saúde durante o ritual de iniciação integram um aspecto caro à relação entre religião e saúde. Nesse aspecto, este estudo baseou-se na concepção teórica da psicologia histórico-cultural que compreende o ser humano numa perspectiva dinâmica que ao mesmo tempo transforma e é transformado por meio da interação social. Mediante esta concepção, lançou-se mão da categoria analítica significados, que consiste numa uma produção coletiva, convencionada ao longo da história e compartilhada por grupos sociais acerca de determinado tema, fenômeno ou objeto de significação. Assim, conforme Vigotski (2007), observou-se que esta categoria é um componente da linguagem, da comunicação e das relações sociais, configurando-se como mutáveis, dinâmicos e processuais.

De acordo com França, Queiroz e Bezerra (2016), é importante compreender a produção de significados atribuídos às ações e atividades dos povos de terreiros, sendo essencial aproximar os saberes científicos e os tradicionais e estabelecer relações entre eles mediante os elementos culturais, sendo a mediação de diálogos basilar à efetivação das políticas inclusivas, ações estas que podem fazer parte do universo de atuação de profissionais da saúde. Nesse sentido, considerando que a psicologia histórico-cultural é uma abordagem da área da psicologia social que é afinada com autores de ciências sociais, para a discussão dos resultados, também se utilizou algumas conjecturas sócioantropológicas (DOUGLAS, 1966).

O objetivo deste artigo, portanto, é apresentar e discutir os significados sobre práticas de cuidado em saúde dentro dos rituais iniciatórios nos terreiros de candomblé de Ketu produzidos por pais/mães de santo. Pretende-se promover reflexões que possam elucidar as práticas de cuidado em saúde presentes nos procedimentos de iniciação na religião, considerando os fatores sócio-históricos da cultura e da religião afro a qual os pais/mães de santo foram/ estão inseridos. Desse modo, busca-se reconhecer a legitimidade dos cuidados de saúde, processos de cura e do saber envolvido nessas práticas, possibilitando aos profissionais e estudiosos das áreas sociais e de saúde um olhar múltiplo e integrativo de saúde nesse contexto.

Método

Tipo de pesquisa

Realizou-se uma pesquisa de campo, de caráter exploratório e abordagem qualitativa, que segundo Minayo (1993, p. 10) configura-se como o estudo capaz de “[...] incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e as estruturas sociais”. A pesquisa foi realizada na região norte do Brasil, na cidade de Manaus no estado do Amazonas.

Participantes

O estudo foi realizado em quatro terreiros de candomblé de nação Ketu em diferentes zonas da cidade de Manaus, Amazonas, que possuíam o seu alvará de funcionamento e calendário litúrgico ativo. Participaram da pesquisa quatro pais/mães de santo. A seleção desses participantes se deu por meio de um informante-chave, o pai de santo do primeiro autor deste artigo.

Constatou-se que em geral eles se iniciaram durante a sua adolescência ou quando jovens adultos. Na época da pesquisa, o mais novo possuía 12 anos e o mais velho 24 anos de iniciação. Todos estudaram até o Ensino Médio, sendo que somente um deles não o concluiu. Todos habitavam nas dependências da Casa de Santo e tinham iniciado uma grande quantidade de yawós.

Estratégias de produção de dados

Inicialmente, foi feito um convite para apreciação e esclarecimento do projeto e, posteriormente, a composição do corpus foi definida de acordo com quem aceitou participar da pesquisa. Os participantes foram designados legalmente à pesquisa, com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual versa sobre a concordância ou não do sujeito participar do estudo, os riscos e benefícios da pesquisa, bem como a liberdade de saída a qualquer momento.

Após a aceitação do convite, o primeiro autor, iniciado no candomblé há quatro anos na época da pesquisa, visitou os terreiros de candomblé, geralmente antes de iniciar a entrevista semiestruturada, havia uma conversa com duração em média de trinta minutos com assuntos relacionados desde a religião até participação das universidades nos terreiros de candomblé. Os demais autores do artigo participaram apenas da discussão, análise dos dados, orientação e escrita do manuscrito.

Os participantes são codificados pelos nomes dos Orixás aos quais foram iniciados: Yemanjá, Xangô, Iansã, Obaluayê.

Procedimentos para Coleta de Dados

Optou-se pela entrevista semiestruturada, na qual, segundo Aguiar e Ozella (2006), se utiliza de um roteiro, relacionado com o conteúdo a ser investigado, podendo este ser flexionado ou ampliado, de acordo com as respostas do entrevistado, possibilitando assim um maior detalhamento sobre o assunto conversado/questionado pelo pesquisador.

Foram realizados quatro encontros-entrevistas com pais/mães de santo. As entrevistas tinham em média uma hora e trinta minutos e aconteciam no espaço físico dos Iles Axés, para que os participantes se sentissem mais à vontade e que não atrapalhasse a rotina das suas atividades. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra.

Análise dos dados

A pesquisa utilizou a perspectiva construtivointerpretativa, apresentada por González Rey (2002, 2003). Nessa perspectiva, foi feita a leitura do material para identificação dos indicadores de significados mediante o objetivo proposto pela pesquisa. E, em seguida, foram interpretados e reunidos em categorias. A análise de dados se deu, conforme o procedimento abaixo:

A pré-análise: (Os Pré-indicadores): Iniciou mediante a seleção do material coletado nas entrevistas. Essa etapa se caracterizou pela leitura flutuante a organização do material oriundo do roteiro de entrevista semiestrutrada. Nessa perspectiva, a pré-análise contribuiu para a familiarização e apropriação dos pesquisadores diante dos conteúdos emergidos no procedimento de levantamento de dados, desta forma as leituras produziram os préindicadores, o que contribuiu para a construção das categorias analíticas.

A análise I (Os Indicadores e Conteúdos Temáticos): Esse segundo procedimento se deu ao realizar a aglutinação dos pré-indicadores por meio da similaridade, complementaridade ou pela contraposição propondo a menor diversidade para formação dos indicadores que delinearam os caminhos para as possíveis categorias de significação. Nesse momento já foi considerado como um procedimento de análise que embora ainda empírico e não analítico, já apontou um início de categorização;

Análise II (Construção e Análise das Categorias de Significação): Posterior ao resultado da aglutinação, se iniciou o processo de articulação que se caracterizou pela organização das categorias de significação através da nomeação. Com isso, se iniciou o processo efetivo de análise e se avançou do empírico para o interpretativo.

Análise III (A análise das categorias): Essa fase do procedimento foi proposta para apontar a semelhanças e/ou contradições que novamente revelaram o movimento do sujeito, por um método dialético, em que visa identificar contradições não necessariamente visíveis por meio discurso do sujeito, sendo alcançadas a partir da análise do pesquisador. É necessário levar em consideração na análise à articulação entre a fala do sujeito e os diversos contextos na qual ele está inserido, por exemplo, o social, econômico, político, histórico, todos os fatores que interferem na compreensão complexa do sujeito pesquisado. Em razão disso, González Rey (2002, 2003) evidencia, que os resultados encontrados devem ser vistos como dinâmicos e abertos a novas interpretações, rompendo com a concepção de resultados finais e universais que se esgotam em uma única pesquisa.

Aspectos Éticos da Pesquisa

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Amazonas sob o número CAAE: 15742213.1.0000.5020 e número do parecer 325.795.

Resultados e Discussão

As categorias apresentadas como resultado deste estudo são consideradas, com base em González Rey (2003), instrumentos do pensamento que expressam não só um momento do objeto estudado, mas o contexto histórico-cultural em que esse momento surge como significado e, com ele, a história do participante, do pesquisador e do tema em questão, o que é elemento relevante na construção das assertivas da pesquisa.

No processo de construção de significados, a cultura oferece recursos e significados ao mesmo tempo em que estabelece os limites e possibilidades que estão constantemente orientando o processo de construção dos significados. Como expressão da constituição cultural do homem, nesse processo de significação, Aguiar (2002, p. 96) define que “o homem, ao construir seus registros (psicológicos), o faz na relação com o mundo, objetivando sua subjetividade e subjetivando sua objetividade. O psicológico se constitui, não no homem, mas na relação do homem com o mundo sociocultural”. Partindo dessa compreensão, as categorias apresentadas a seguir expressam as dimensões culturais e pessoais dos significados construídos pelos participantes acerca do cuidado em saúde no contexto da iniciação religiosa.

A Dimensão Histórica do Cuidado em Saúde no Ritual de Iniciação

Os discursos dos participantes evidenciam que o cuidado em saúde sempre esteve presente nas práticas religiosas, sempre foram manipuladas ervas, banhos, substâncias naturais que tinham como objetivo promover o cuidado e a cura. Contudo, com as novas produções de saberes biomédicos, esses cuidados se tornaram cada vez mais rigorosos no qual exigia-se mais vigilância por parte do sacerdote ou da sacerdotisa responsável pela iniciação.

Com a transformação histórica acerca da saúde, os novos saberes e a descoberta do vírus HIV, muitas práticas tiveram que passar por transformações, dentre elas as práticas de cuidado no cerne do candomblé e no ritual de iniciação do Yawó. Assim, os pais de santo apresentam a compreensão histórica dos fatos, do Cuidado no candomblé como um processo em dinâmico, conforme nos fala Xangô: “Tem. Porque hoje não se pode fazer mais candomblé como foi feita naquela época, mais ou menos a 40/50 anos atrás. As coisas modificaram muito e é preciso todo um cuidado” (sic).

O ritual passa, então, a ser permeado por outro tipo de cuidado, oriundo de saberes médicos e higienistas, como no a fala de Xangô a seguir:

Porque desde que ele entra para retiro espiritual, tem que se manter em absoluta higiene. Tem que varrer, tem que passar pano, tem que desinfetar todas as situações pra ele ficar deitado no chão. Essa esteira tem que ser também limpa, ferve água, pega-se pano limpo para molhar naquela água quente, evitar fungos na esteira. As folhas de infusão também têm que ser muito bem lavadas e tratadas pra fazer aquele efusão que se chama Abô. Isso com sete dias tem que despachar aquele Abô e tem que fazer outro, que é pra não dar doença. As canecas que ele toma tem que ser individual, o prato também e devem ser muito bem lavados, escaldados, colocado em armários para evitar barata e outras coisas. É toda uma higiene. Antigamente era proibido escovar os dentes. Hoje o ministério da Saúde entrou em acordo com a federação, a federação entrou em acordo com os terreiros e agora o Yawo tem que escovar os dentes! Porque passar 21 dias recolhido sem escovar os dentes é um absurdo. Antigamente era assim, mas hoje não se faz mais assim. O Yawo tem que comer com a mão, antes de ele ir para o ajéum, que é o almoço, tem que lavar as mãos! Entendeu? Antigamente não lavava as mãos. Depois passava mão no cabelo ... Então tem que lavar as mãos (sic).

A fala do pai de santo evidencia os novos elementos que agora fazem parte do ritual. Os elementos são originários de diversas orientações negociadas com o Ministério da Saúde e Federação. Acerca das mudanças nos rituais e inserção de novos elementos aos rituais de iniciação do candomblé, Santos (2012) mostra que diferentes tradições religiosas funcionam mais como categorias identitárias do que como setores estanques, já que em aspectos rituais o funcionamento de cada terreiro pode ser o resultado de uma combinação eclética de aspectos das várias tradições nas quais o sacerdote detém conhecimento.

De modo concernente a esse processo, a fala de Xangô demonstra como as práticas do ritual do candomblé não passam imune às transformações históricas, políticas e culturais. Assim, como já se mencionou, o surgimento de novos vírus e patogenias, contribuíram, também, para alterar as estratégias de cuidado. Estas alterações ficaram mais salientadas quando emergiu a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/AIDS.

Percebe-se que o significado apresenta-se neste contexto, conforme a apreensão de Vigotski (1996), como uma generalização, como um fenômeno de junção do pensamento e da fala para formação de um pensamento verbal. O processo de significação pelo participante é o que permite a comunicação e a socialização de suas experiências, por intermédio da eleição dos aspectos comuns entre a linguagem e os signos vivenciados no terreiro e os signos que o participante parece julgar os mais comuns à realidade acadêmica. O significado surge das significações das palavras e é construído e compartilhado culturalmente por grupos sociais, sendo, portanto, mais estável na dinâmica semiótica. Ele pode corresponder à dimensão mais convencional da palavra, apesar de não ser estático, tendo em vista que são construídos ao longo da história cultural dos grupos humanos, estando esta, em constantes transformações (AGUIAR; OZELLA, 2006).

Essa afirmativa converge com os estudos de Rios et al. (2013) ao afirmarem que em tempos de HIV/Aids, os rituais de abertura das curas, que é uma das formas para a circulação e cultivo do axé, foram discutidos entre as instituições religiosas e o sistema de saúde pública, o que gerou mudanças nas práticas religiosas de regulação da reprodução social e da vida sexual dos adeptos do candomblé.

Devido à possibilidade de contaminação durante a Iniciação do Yawo, caso não sejam tomadas medidas de proteção, o discurso de vigilância encontra-se presente no decorrer das falas dos participantes da pesquisa. Os significados por eles atribuídos demonstram, então, que as práticas religiosas estão vinculadas ao processo sócio-histórico das práticas de cuidado e saúde. É evidente, portanto, que os processos semióticos dos pais/mães de santo não ocorrem limitados ao espaço simbólico pessoal da religiosidade, mas se integram às questões do sistema social em que estão inseridos.

Ao mesmo tempo, evidencia-se que há uma necessidade de apresentar uma pureza da religião, pois a impureza pode configurar-se como algo perigoso, pois conforme afirma Douglas (1966) a sujeira seria a desordem. Neste aspecto, destaca-se que as religiões de matriz africana são geralmente vítimas de preconceitos e múltiplos tipos de violência. Portanto, seguindo o pressuposto de Douglas (1966) em sua obra Pureza e Perigo, classificar como puros ou impuros é buscar evitar o perigo da desestabilização social. Portanto, a estabilidade de uma sociedade reflete o nível de consenso e legitimidade alcançado pela ordenação e hierarquização de experiências. Destaca-se, deste modo, que o povo do santo resiste por séculos frente ao colonialismo, enfrentando estereótipos, preconceitos e múltiplas violências.

Uma pesquisa realizada no maranhão sobre a cura e a pajelança em terreiros (FERRETTI, 2008) evidencia como as práticas de cura e cuidado fora do âmbito da medicina tradicional eram perseguidas pela polícia e os pajés, curandeiros, dentre outros, eram impedidos de praticar os cuidados e atendimentos à população.

Os termos cura e pajelança são usados por Ferretti (2008) para designar um sistema médico-religioso antigo encontrado na capital e em outros municípios do Maranhão, onde o curador ou pajé, em transe ou inspirado por entidades espirituais, faz diagnóstico; trata enfermidades; prepara medicamentos naturais, a partir principalmente da flora e da fauna brasileira; e receita alguns remédios produzidos pela indústria farmacêutica, de uso não controlado pelo sistema oficial de saúde.

A pesquisa de Ferretti (2008) apresenta que a repressão a “curandeiros”, acusados de prática ilegal de medicina, levou muitos pajés e curadores a se afastarem dos centros das cidades e também a se aproximarem da mina ou da umbanda, passando a se apresentarem como mineiros ou como umbandistas, ocultando sua verdadeira identidade. Nas últimas décadas, esse movimento em relação às religiões afro-brasileiras, mais conhecidas e reconhecidas enquanto religião e como cultura de origem africana, tem sido também motivado pela maior valorização da África, estimulada pelo movimento negro. Fora do âmbito da religião e da cultura negra, os curadores e pajés estão tendo atualmente maior chance de reconhecimento como mestres de saber popular (doutores do mato), mas essa valorização parece estar atingindo mais os pajés indígenas e caboclos, encarados como grandes conhecedores de ervas. O movimento de valorização dos terreiros ou das religiões afro-brasileiras parece mais empenhado na sua equiparação ao catolicismo, protestantismo, judaísmo e outras grandes religiões.

É neste sentido que os significados de cuidado no âmbito da iniciação vão sendo transformados e incorporando os aspectos da medicina ocidental convencional, como modo de garantir certa aceitação e legitimidade.

Contaminação e Transmissão Compreendida como um Reflexo de Perspectivas Higienistas

Os discursos de todos os participantes evidenciaram a compreensão de contaminação e transmissão como um reflexo ou uma consequência da não higiene e todos afirmaram incisivamente que a falta destes cuidados facilita ou ocasiona a transmissão de doenças.

Tem-se a ideia de que com o controle da higiene dos atos pessoais será possível evitar a contaminação. É preciso, segundo a compreensão dos participantes, ter o controle tanto da higiene do corpo, como da higiene do ambiente onde o ritual é realizado, conforme podemos perceber no discurso do participante Obaluayê a seguir:

Até porque depois do termino do ritual, o yawó tem que passar por um período de descanso, para depois ir ao banho e em determinadas obrigações só é tomado banho, dependendo do horário, no dia seguinte. Então tem que ter cuidado. A esteira onde ele dorme, o local onde ele dorme, é um lençol limpo, o lençol que ele se embrulha também tem que ser um lençol limpo, não pode estar com ele sujo, até porque ele acabou de fazer uma obrigação, que nós chamados de a principal obrigação, que é a obrigação mais fina que é a iniciação dentro da religião, então além dos cuidados da higiene pessoal e de contaminação, principalmente com a limpeza do ambiente onde ele está (sic).

O discurso acima é atravessado por uma estratégia de cuidado, o limpo. Em que, por sua vez, passa, então, a integrar as ações do ritual de iniciação. As ideias de higiene e de limpeza, neste caso, fazem-se presentes nos banhos, nos rituais de limpeza e purificação, na roupa de cama limpa, nos cuidados nos locais das incisões e acima de tudo o cuidado com a higiene corporal. O cuidado com a higiene corporal, atualmente, torna-se, na perspectiva do discurso a seguir, um procedimento fundamental para a preservação da saúde do noviço, conforme relata Yansã: “primeiro a pessoa tem que tomar banho, todo limpinho. Yawo meu tem que todo dia estar limpo” (sic).

A higiene do ambiente foi mencionada por todos os sujeitos e em diversos momentos das entrevistas. Pode-se compreender que a importância dada à higiene do ambiente refere-se ao fato do Ilê ser o ambiente centralizador da comunidade - a casa dos Orixás, a casa de todos. Para Boaes (2011) esta atribuição se baseia na inegável importância que assume a natureza dentro do pensamento e das práticas religiosas dos cultos de matriz africana, marcados pela necessidade que os terreiros têm da natureza como parte integrante de seu universo, dos rituais e da própria identidade dos seus deuses, o que gera um sentimento de respeito, dependência, integração, e ao mesmo tempo, de submissão para com ela. Encaram a sua casa como uma extensão da natureza, dos domínios de seus Orixás.

O fato de eles retornarem repetidas vezes ao tema da higiene e da reafirmação da sua roça como um espaço da mais plena higiene se configura como uma tentativa de reafirmar uma imagem ou de se inserir num discurso vigente acerca dos cuidados em saúde, que é o discurso da biossegurança, conforme percebemos na fala de Yansã a seguir: “Porque hoje a higiene é fundamental em tudo pra saúde. Então o quarto de santo que acontece o nosso ritual, (deve estar) limpo, bem asseado, a roupa, os pratos de comida. Isso é muito forte na minha casa, a limpeza”. (sic)

Pode-se perceber que a sociedade em que vivemos está cada vez mais impactada pela ciência e pela tecnologia, de modo que os cidadãos, de um modo geral, necessitam cada vez mais de uma cultura científico-tecnológica para legitimar-se; entenderse; integrar-se e atuar no mundo do modo como ele se configura e, assim, um grupo social (sociedade) ser considerado legítimo. Estes fatos, aliados às questões ambientais cada vez mais concretas e visíveis e ao discurso cada vez mais disseminado, por exemplo, acerca da contaminação do HIV/AIDS, no qual evidencia-se a necessidade de formar gerações que controle seus prazeres, utiliza-se a perspectiva higienista como dispositivo de poder para demarcar a fronteira do que seria saudável, ancorando-se dos nos discursos científico-tecnológico.

Assim como, de acordo com Silva (2000, p. 04) “a sujeira ofende a ordem de quem vê, arbitra e persegue a sujeira quando decora ou tinge um ambiente; persegue a doença, criando normas para se escapar do contato com a esta. Persegue os grupos marginais, excluindo-os, reprimindo-os ou mesmo exterminando-os”.

Os participantes referem-se em seu discurso que essas medidas de higiene não eram tomadas antigamente. Nos relata Xangô:

Não deixar sujo como antigamente ficava dois, três dias sujo. Mas hoje em dia a contaminação [...] Hoje não se pode fazer mais candomblé como foi feita naquela época, mais ou menos a 40/50 anos atrás. As coisas modificaram muito e é preciso todo um cuidado para que o Yawo não fique doente. Porque desde que ele entra para retiro espiritual, tem que se manter em absoluta higiene. Tem que varrer, tem que passar pano, tem que desinfetar todas as situações pra ele ficar deitado no chão. Essa esteira tem que ser também limpa, ferve água, pega-se pano limpo para molhar naquela água quente, evitar fungos na esteira. As folhas de infusão também têm que ser muito bem lavadas e tratadas pra fazer aquele efusão que se chama Abô. Isso com sete dias tem que despachar aquele ABÔ e tem que fazer outro, que é pra não dar doença. As canecas que ele toma tem que ser individual, o prato também e devem ser muito bem lavados, escaldados, colocado em armários para evitar barata e outras coisas. É toda uma higiene. Antigamente era proibido escovar os dentes (sic).

Esse cuidado com a higiene e a compreensão de que antes o mais importante era o ritual em si, sem a preocupação com esses cuidados, nos transmite a ideia da construção de significados e consequente construção de discurso atrelada às práticas sociais dos grupos nos quais o sujeito está inserido. E, principalmente, a ideia da humanidade em movimento que pode modificar seu entorno a partir do contexto histórico e político preponderante de cada época.

O processo de significação ocorre marcado histórico e culturalmente, com base na interação/ relação do sujeito com as demais pessoas e os fatos circundantes ao seu processo de desenvolvimento. O sujeito age em determinado contexto, é transformado processualmente e constrói a sua subjetividade com base nessa ação, suas consequências e seus dispositivos subjetivos, o que constitui um constante movimento de subjetivação do concreto e de objetivação de sua subjetividade. Ocorre, assim, a transformação da natureza, da história e das ideias como um processo contínuo de interação e mudança (LESSA; TONETT, 2008; TEIXEIRA, 2005).

Do mesmo modo como a formação discursiva se insere nesse contexto complexo e rico de diversas contribuições, as práticas passam a integrar valores diversos também, como é o caso da higiene ambiental, que mistura os aspectos religiosos e de higienização convencionais, conforme podemos perceber no trecho da entrevista a seguir com Yemanjá:

No dia a dia é a limpeza normal de higienização. E nos dias de rituais, são alguns dias, não é todo dia, alguns dias durante o período de reclusão é feito com material da religião, com folhas, com as infusões que é os banhos, água de cheiro, etc.

Banho convencional, de água, sabão, sabonete, principalmente um sabão que nós chamamos de sabão da costa, que é um sabão preparado com ervas e, além disso, nós temos banhos que é as infusões espirituais todos os dias, tanto pela manhã, cedo que é na madrugada, como no final da tarde, que é no horário da janta pra ir dormir (sic).

Além disso, com base das práticas cotidianas, são tomados os discursos de entidades consideradas superiores e importantes, com legitimidade do discurso, como é o Ministério da Saúde e da Federação das Religiões de Matriz Africana, conforme a fala do participante Xangô nos evidencia:

Hoje o ministério da Saúde entrou em acordo com a federação, a federação entrou em acordo com os terreiros e agora o Yawo tem que escovar os dentes. Porque passar 21 dias recolhido sem escovar os dentes é um absurdo. Antigamente era assim mas hoje não se faz mais assim. O Yawo tem que comer com a mão, antes de ele ir para o Ajéum, que é o almoço, tem que lavar as mãos! Entendeu? Antigamente não lavava as mãos. Depois passava mão no cabelo [...] Então tem que lavar as mãos. (sic)

Assim, consegue-se legitimidade social, tendo suas práticas reconhecidas pelo Ministério da Saúde e confere-se uma espécie de resguardo à sua existência social. Os discursos revelaram que antes não acontecia essas práticas fundamentadas nas ideias de cuidado científicos construídas por entidades consideradas superiores. Não se tinha a compressão por parte dos religiosos enquanto um agravo a saúde, inclusive tinha uma finalidade de resguardo do sagrado. Portanto, evidencia-se que as produções do saber biomédico refletiram nas transformações de rituais religiosos tradicionais e que o ritual de iniciação no candomblé é dinâmico e encontra-se atrelado as transformações políticas, históricas e culturais da sociedade.

Sangue como Elemento Axé e de Contaminação

Os discursos revelaram que os pais e mães de santos compreendem que ao surgir sangue na cisão na pele durante o ritual de iniciação do Yawo no candomblé, este pode ser um veículo de contaminação. Houve unanimidade nos discursos dos pais/mães de santo sobre o sangue como componente do culto, e como possível fator de contaminação de doenças e vírus, destacando-se principalmente o medo de contrair o vírus do HIV. Essa análise pode ser confirmada a partir da fala do participante Yemanjá “Porque a gente mexe com sangue” (sic).

O Sangue para o candomblé é considerado portador de Axé, por isso valoriza-se o fato de repassar a energia do mais velho para o que está sendo iniciado. Entende-se por Axé, a energia que pode ser acumulada, transmitida e perdida. E por onde ele flui, transmite traços de seus antigos depositários. Portanto Axé vem da ideia de linhagem. Os fluidos corporais5 de pessoas e animais recebem, assim, papel importante dentro do culto, tornando-se um dos dogmas centrais da religião a transmissão do axé (RIOS et al., 2013).

Durante a iniciação dos noviços da religião denominados de Yawos é que essa energia é transmitida, através do Ritual em que são realizadas as incisões na pele desses. Segundo Xangô esse é um momento que requer atenção: “tudo isso tem que ser reparado” (sic). Demonstra assim a importância deste ritual na liturgia do culto e o sangue/cortes são centrais no rito de iniciação. Douglas (1966) considera que os rituais legitimam o poder da desordem, pois a ordem está diretamente ligada à regulação e sendo a desordem ilimitada, essa a desordem simboliza tanto o perigo quanto o poder.

Dentro deste aspecto destaca-se o papel do pai de santo como o mantenedor do axé entre os iniciados. Santos (2011) define que dentro dos rituais do candomblé a presença da Yalorixá e do Babalorixá e muito importante pois, estes são os administradores maior do terreiro e a baixo dos orixás são as pessoas responsáveis pela conclusão de iniciação de um orixá. Ou seja, eles servem de canal para que o orixá se torne parte definitiva da vida de uma pessoa, são pessoas dotadas de conhecimento dos fundamentos da religião, são respeitados por terem a responsabilidade de mudar a vida das pessoas na medida do que lhe for permitido, trazer respostas às dúvidas e dirimir as incertezas para aqueles que lhes procuram.

Ao mesmo tempo, apesar de todo o valor religioso que é atribuído ao sangue, ele também é compreendido como elemento de contaminação, transmissão e diversas doenças. Frente a isso, o pai e mãe de santo se vê num trabalho de construção de novas práticas que possibilitem a integração dos dois significados construídos sobre o sangue.

Percebemos na fala dos participantes uma associação do contato com o sangue e a transmissão do vírus HIV. Compreendemos que tal associação direta, sem sequer mencionar outras doenças que também podem ser transmitidas pelo sangue, como hepatite, por exemplo, ocorrem devido à intensidade com que tem sido disseminado pelas inciativas governamentais, propagandas, campanhas etc. acerca desse vírus, a morte de diversas figuras famosas ocasionadas pela AIDS, bem como a associação entre as religiões de matrizes africanas, num movimento preconceituoso, à contaminação pelo vírus. O discurso acerca do HIV e da AIDS ganha, portanto, uma grande repercussão e passa também a integrar as práticas religiosas que fazem uso do sangue como elemento importante.

De acordo com a reflexão acima, Rosa e Andriani (2008), dialogam que a base de toda a sociedade e de sua formação, de seus valores e ideias e, até mesmo, de suas transformações está, pois, nas condições materiais. A vida determina a consciência e as ideias surgem da realidade material, sempre em transformação, de modo que os conceitos dominantes apenas se universalizaram por conta dos interesses da classe dominante, já que estão a serviço da manutenção do sistema.

Ao não relacionarem o sangue humano a qualquer outro tipo de doença, eles reforçam que o medo se refere à contaminação pelo HIV e demonstram falta de conhecimento sobre patologias infectocontagiosas às quais o sangue pode ser veículo, visto que não mencionaram outras doenças. Isso nos leva a compreensão que essa preocupação está intimamente vinculada ao modo como tem sido construído o discurso de vigilância relacionado ao vírus HIV.

A preocupação dos pais e mãe de santo envolve dois tipos de sangue, o sangue de gente: Èjé t´eniyan; e sangue de bicho: Èjé t´eranko.

O sangue humano (Èje t´eniyan) é um forte símbolo das religiões de matriz africana. Durante o Rito de Iniciação, ocorre o Aberé, que são incisões ou escarificações na pele do yawo; em que o sangue deve ser liberado. Os cortes precisam de profundidade suficiente para extrair sangue. Esse ato é central, pois além de transmitir o axé ao yawo, o marca como um integrante de uma religião (LODY, 2003).

A preocupação com a contaminação que pode ocorrer pelo contato com o sangue de animais expressa-se na fala de Yemanjá: “a gente usa o pombo, que a gente chama no candomblé de inlé, e eu sei que o pombo transmite algumas doenças” (sic).

O discurso ressalta que eles compreendem que o sangue do pombo é transmissor de doenças. Relata Xangô:

“[...] Quem que sabia que o pombo tinha essas doenças todinhas que tem hoje? O mal que eles fazem? Eu tava assistindo o programa do Bem-Estar, que (disse que) ele causa problema no cérebro, esôfago, fígado, estomago. Que fica alojado esse vírus dessa doença dos pombos. Então tem que ter muito cuidado”. (sic)

Para amenização do contágio com a doença, Obaluayê apresenta medidas que são executadas para diminuir o perigo dessa doença; como o isolamento do pombo de outros animais e o menor contato possível com o seu sangue: “o egé de bicho, também a gente tá abolindo porque eles não passam por abatedouros credenciados” (sic). A comprovação da origem dos animais usados na iniciação, bem como nos sacrifícios rituais da religião, também é questionada.

O discurso de Obaluayê ressalta, por sua vez, a preocupação deste sacerdote em relação ao sangue desses animais, fazendo com que se tenha receio de usá-los, modificando um dos cernes do Candomblé que é o sacrifício ritualístico de animais. Isto já vem sendo adotado por algumas casas, porém essa prática ainda sofre severa críticas por partes de alguns adeptos.

Na perspectiva da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, aprovada em 2006 pela Portaria n° 971 do Ministério da Saúde, uma proposta de atenção à saúde da população negra no Brasil necessita considerar o resgate, a desestigmatização e a valorização dos saberes e práticas terapêuticas de matriz africana, bem como o diálogo entre os conhecimentos tradicionais presentes no terreiro e os técnicocientíficos propostos pelo SUS. Somente a partir da compreensão dessa ancestralidade e do diálogo desta com os saberes técnicos da saúde convencional que será possível promover uma abordagem respeitosa, colaborativa e responsável acerca das práticas religiosas. Lopes (2006) aponta a necessidade de recompor os elos que unem os sujeitos a sua ancestralidade negro-africana, recuperando a identidade cultural por meio do conhecimento de sua realidade passada e presente, o que necessariamente produz saúde e as práticas de cuidado.

A Contaminação como Consequência da Falta de Cuidado e Consciência por Parte do Pai e Mãe de Santo

Uma das compreensões presentes no discurso dos participantes é a da contaminação como consequência da falta de cuidado necessária, que é inerente à responsabilidade que o pai de santo tem sobre o ritual e sobre a vida do Yawo durante o ritual. Trata-se da responsabilização do pai de santo na ocasião de uma possível contaminação. Essa compreensão demonstra que para eles, quando acontece a contaminação é porque houve um desleixo e uma falta de atenção por parte do próprio pai de santo, que é o responsável pela roça e precisa ter os diversos cuidados, como percebemos na fala de Obaluayê nos dois trechos seguir:

Outro aspecto, hoje existe o tipo de contaminação que é o vírus. Porque a navalha, você não pode passar de um pro outro porque é tipo de sangue, e nossa religião exige esse tipo de ritual. Então, tendo navalha individual, não existe contaminação de vírus, de doenças que possa contaminar uma roça toda como já teve em salvador que o pai de Santo contaminou a roça toda no ritual de sexta feira da paixão porque abriu a cura do Yawo que estava com o vírus da AIDS e abriu de todo mundo com a mesma.

Ele vai sair dali com o que ele sair. Se ele sair doente é sua responsabilidade (sic).

O Pai/Mãe de Santo tem um papel de máxima importância dentro de uma Egbé, visto que esse desempenha papel centralizador e distribuidor de Axé, bem como de responsabilidades sobre o sucesso ou não de todos os rituais. Santos (2011, p. 36) conceitua que:

A Yalorixá é a força da ligação espiritual do Axé, tem por missão perpetuar os ensinamentos da religião de forma disciplinada para seus sucessores, é um cargo complexo, visto que a mãe-de-santo, muitas vezes desempenha o papel da mãe, da mãe espiritual, da sacerdotisa, da administradora, da conciliadora, da mulher que vence pela força, pelo carisma e pela disciplina os entraves sociais, econômicos, pessoais e culturais, do cargo que lhe foi herdado e que esta, ao ter compromisso e consciência da sua missão dentro do Axé, sabe que deve desempenhá-lo com disciplina e respeito, pois o compromisso com os orixás é um compromisso que esta deve honrá-lo, até os últimos dias da sua vida terrena.

Desvela-se, também, que para os participantes da pesquisa, o pai e mãe de santo precisam compreender como os processos devem ser vivenciados na atualidade e deve adequar o ritual aos novos cuidados, conforme expressa a fala de Xangô nos trechos a seguir:

As coisas modificaram muito e é preciso todo um cuidado para que o Yawo não fique doente da sua referida “Ferida? Ferimbuá?

Então se você está com a luva, você está protegido. Quando for para fazer o Ritual de Abertura de Cura, tem que ser feita com aparelho descartável, individual, cada um tem que ter o seu. Porque hoje não é mais como antigamente (sic).

Apresenta-se nesse aspecto, a compreensão das transformações históricas no campo religioso. No contexto das grandes cidades, reduto de pluralismo religioso, as trocas simbólicas da sociabilidade religiosa acionam um fluxo de relações que geram aproximação e afastamento, seja dentro de uma religião ou entre religiões. Essas relações ocorrem de acordo com a apresentação de novas situações frente as quais os religiosos precisam se reorganizar (GOMES, 2009).

Os pais/mães de santos apresentam, portanto, a importância de seu papel enquanto componente de uma rede de cuidado entre adeptos, clientes e comunidade em geral. Mauss (2008) compreende que a estrutura religiosa se configura como uma esfera de interação social, rede de vínculos afetivos, econômicos e políticos, construção de identidade e de concepção de mundo. Segundo este autor, a troca de dons, dádivas, favores, serviços, malefícios e benesses, dão vida e valor ao ato e ao bem permutado. Aquilo que é abandonado pelo doador em favor de outro não deixa de pertencer àquele que deu. Ao passo que o ato de dar e receber transformase num ritual de ligação entre os sujeitos, que os conecta para sempre.

Através do fenômeno social de dar, receber e retribuir que os sujeitos vão, aos poucos, criando redes, seja de afinidades ou de desafetos, formais e informais (MAUSS, 2008). As trocas objetivas e subjetivas desenvolvem um sentimento de obrigação entre as partes, sustentando relações de reciprocidade. Esta atmosfera de domínio sobre o outro permanece na vida social como aspecto que influencia as futuras interações, como ocorre a responsabilidade do pai de santo pelos religiosos de seu convívio.

Dentro desse aspecto, a importância dos pais/ mães de santo também se insere nos processos de cura. Csordas (2008), em seu estudo sobre cura religiosa, aponta para existência de três tipos de cura carismática que partem do conceito tripartite de pessoa. Uma dela é a cura física, tratamento que conjugado ao apoio médico o sujeito se livraria de alguma doença do corpo físico. A outra, cura interior, trata das aflições promovidas por perturbações emocionais e deve ser realizada com ajuda do sacerdote. Finalmente, a Libertação, quando o sujeito é libertado de efeitos causados por espíritos malignos, com ajuda de um sacerdote especializado nesse tipo de procedimento. Aqui podemos encontrar algumas analogias com níveis de cura que acontecem no candomblé. Por exemplo, encontramos no candomblé alguns trabalhos de cura e prevenção que objetivam o cuidado com o corpo físico da pessoa, mesmo que não exclusivamente (MOTA; LEITE, 2011).

Seja do ponto de vista biomédico, seja do religioso, é geralmente aceito que, para eficácia de um tratamento, são indispensáveis o apoio emocional do indivíduo que sofre e sua socialização na comunidade. A cura depende de fatores exógenos e endógenos. No primeiro tipo, trata-se de um discurso convincente – o que Rabelo, Alves e Souza (1999) intitulam como retórica – a partir do qual haverá uma ressignificação da experiência do indivíduo em situação de aflição.

Contaminação como uma ameaça à casa de santo

Essa categoria compõe-se da compreensão de que pode existir contaminação durante o ritual por alguma doença que o Yawó já tivesse trazido e caso isso aconteça, pode prejudicar toda a casa de santo, conforme nos mostra Yansã em sua fala:

Mas geralmente quando vem pra minha casa para fazer santo, obrigação, geralmente vai pro médico. Você há de convir comigo que pode ocasionar. E se a pessoa já tem problema [...] antigamente não era assim tão arriscado certas coisas, mas com a contaminação que existe fora do candomblé, essas doenças, sabe, fora o HIV, tudo que pode ocasionar. Eu me precavenho quanto a esses assuntos. Principalmente saúde, porque pode já vir com a doença, sair com a doença e dizer que veio da casa de santo. (sic).

A fala de Yansã demonstra a ameaça que uma contaminação pode representar à casa de santo está além da aquisição da doença. A ameaça principal é a ameaça à imagem do Ilé, que pode ser vista como a disseminadora do vírus HIV. É sabido que as religiões de matriz africana não são bem vistas pela maioria das pessoas, que associam a crenças demonizadas. A contaminação ocorrida no interior de uma casa de santo é, portanto, mais uma possibilidade de negativar a imagem da casa e, em larga escala, da religião.

É perceptível também que a AIDS apresenta ainda uma forte imagem negativa, carregada de preconceito e de estigma. Isso acontece, segundo Guerra e Seidl (2009), porque além das questões biomédicas decorrentes da AIDS, ainda se constata a presença de desafios na esfera psicossocial de ter essa doença, como o estigma e preconceito a ela relacionado.

A Aids, segundo Silva (1991), mesmo antes de se tornar numericamente expressiva no país, rapidamente tornou-se assunto de conversação cotidiana, provocando enorme mobilização, fortemente emocional. Lidando com questões complexas nas áreas da sexualidade e da morte, o assunto conseguiu incendiar a imaginação popular. Por esse motivo, foi foco de produção de preconceitos. Desse modo, há já um conhecimento muito difundido da doença, no qual algumas informações básicas se organizam num corpo de preconceitos, dando origem frequentemente a atitudes discriminatórias.

Além disso, Ribeiro (1990) menciona que o consenso social identifica diferenças qualitativas quando se trata de doentes infantis ou adultos homossexuais ou não, empresários, mães de família ou prostitutas, chefes de família ou travestis, hemofílicos, promíscuos. Ou seja, pontua atributos articulados de modo a ordenar e agrupar o universo dos considerados numa nova taxionomia social: vítimas inocentes ou culpadas.

No caso da possível transmissão na casa de santo, o preconceito parece ser agravado por conta da combinação de dois preconceitos, tanto o que se refere à doença quanto à religião. O pai de santo, que já tem que superar os preconceitos quanto a sua religião, não quer que seja associada a ela mais um aspecto negativo, que é o de ser a transmissora de tal doença. Portanto, a ideia de cuidado atrelado a pureza é bastante significativa no discurso dos pais e mãe de santos. Partindo da ideia de Douglas (1966), observou-se a preocupação classificações simbólicas atribuídas a práticas sociais de iniciação no candomblé de nação Ketu, para que as situações que fazem sentido para o sistema social estabelecido, não os insira numa ordem hierárquica subalterna, perigosa e impura.

Devido à grande valorização do conhecimento científico ocidental, a sabedoria popular relativa à saúde e as formas de diagnóstico e tratamento da doença só têm sido mais valorizadas quando compatíveis às da ciência. É possível que alguns procedimentos usados pelos pajés e curadores negros nunca possam ser valorizados pela medicina científica. Por outro lado, a fala dos pais e mães de santo apresentam outra concepção acerca da medicina convencional. Não a compreendem como opostas, mas como complementares no cuidado ao ser humano. É interessante, no entanto, que se desenvolva a concepção dos centros religiosos afro-brasileiros como comunidades promotoras de saúde, como propõe o documento da política para a população negra do Ministério da Saúde, atendendo às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à valorização da medicina tradicional e complementar/alternativa. Entre estas práticas destaca-se as terapias medicamentosas (uso de fitoterapia, parte de animais e/ou minerais) e não-medicamentosas (terapias manuais e/ou espirituais) (ALVES; SEMINOTTI, 2009).

Considerações Finais

Este artigo se propôs a apresentar e discutir a produção de significados sobre práticas de cuidados em saúde por pais/mães de santo dentro dos rituais iniciatórios no candomblé de nação Ketu. Considera-se que a população pesquisada mostra ter concepções múltiplas acerca de cuidado em saúde, em especial se relacionada ao ritual de iniciação em Ketu. Dentre as diversas compreensões, a primeira está vinculada à limpeza, pautada numa perspectiva higienista, mas como uma estratégia de legitimação em nossa sociedade e a outra compreensão é que eles concebem o cuidado como resultado dinâmico da evolução histórica e dos saberes da sociedade, dos pais de santo e das religiões de um modo geral. Para eles, é dever dos pais de santo ter conhecimento acerca dos cuidados necessários que possam garantir a saúde dos iniciados e de todos os religiosos que frequentam a roça.

Quanto aos cuidados em saúde, considerase que os pais/mães de santo foram aderiram às técnicas de biossegurança em busca do cuidado de si. Foi solicitada, pelos participantes, a inserção da universidade a partir de práticas de educação em saúde como possibilidade de esclarecimentos e promoção de troca de experiências para o cuidado em saúde entre candomblecistas e profissionais da saúde e/ou-universitários.

As práticas de cuidado em saúde vivenciadas durante os rituais de iniciação são compostas por ações de prevenção e promoção da saúde fundamentadas em uma cosmologia que integra o mundo físico e o espiritual. Percebe-se que essas dimensões coexistem no exercício da prática dos pais/mães de santo, atuando de forma interdependentes e complementares. Delineia-se, deste modo, a concepção de mundo, de ser humano, de cuidado em saúde. É nessa perspectiva que os significados sobre cuidados em saúde se inserem nos rituais de iniciação do Candomblé de Ketu.

No ritual de iniciação, a prática dos pais/ mães de santo se relaciona com uma concepção de cuidado em saúde que é produzida na relação entre os conhecimentos tradicionais-ancestrais e os técnico-científicos, o simbólico e o concreto, o natural e o tecnológico, o mítico e o empírico que se complementam e constituem o sentido de integralidade vivido nessa comunidade.

Um aspecto que consideramos importante ressaltar é o fato que ainda é bastante incipiente a produção sobre os povos de santo na cidade de Manaus. Esse fato representa o modo como essa população não encontra espaço de expressão de suas vivências, de sua cultura e não encontra legitimidade em suas práticas. No estado do Amazonas está localizada uma das casas de santo mais antigas do Brasil, Ilê Axé Arawé Ajúnsún, conhecido como o terreiro Seringal Mirim, que no dia nove de janeiro de 2018 completou 110 anos, e não existe nenhuma pesquisa que tenha sido desenvolvida sobre essa casa e seus frequentadores ou seus fundadores. Uma casa com tamanha história deves ser considerada patrimônio histórico do Estado, símbolo da luta de resistência negra, que encontrava espaço de acolhimento nessa casa. É preciso que haja a valorização e atenção para tal riqueza, bem como a aproximação da universidade desses campos de atuação.

 

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Tramitação

Recebido em: 19 maio 2018

Aceito em: 21 jun. 2018

 

 

Notas

1 AWO: Mistério, segredo.

2 EGBÉ: Sociedade, associação, clube, partido, comunidade.

3 Consiste em vinte e um dias de reclusão, e neste prazo são realizados banhos, boris, oferendas, ebós, todo o aprendizado começa, as rezas, as danças, as cantigas. É feita a raspagem dos cabelos (orô) e o abiã recebe o oxu (representa o canal de comunicação entre o iniciado e seu orixá) o kelê (colar que o filho de santo usará no pescoço por três meses. Confeccionado com “miçangas” fio de conta, intercalado com firmas de porcelana, pedras tipo ágata e cristal, terra cota, búzios, lagdba, até mesmo sementes. Sua cor varia de acordo com o orixá de cada iniciado na feitura de santo), os delogun (Geralmente, é feito de miçangas coloridas, sendo que a cor do colar indica o orixá, inquice ou vodum do seu usuário. Cada fio de conta tem um significado: através do fio de conta é que se pode saber o grau de iniciação de uma pessoa no candomblé e a que nação pertence), o mokan (colar feito de palha da costa (Ìkó), trançado, cujo fechos são como duas vassourinhas de palha, que se tem enfeites com miçangas do respectivo Òrìsà e por muitas vezes, pode ser enfeitada com búzios), o xaorô, os ikan (Palha da costa é a fibra de ráfia conhecida como ìko pelo povo do santo. É extraída de uma palmeira chamada Igí-Ògòrò pelo povo africano e que, no Brasil, recebe o nome de jupati, cujo nome científico é Raphia vinífera. É popularmente chamado de “contraegum”), o ikodidé (pena vermelha, extraida da cauda de um tipo de papagaio africano, chamado no Brasil de (papagaio do Gabão) ou papagaio-cinzento). O filho de santo passa por um ritual, que terá seu corpo pintado com giz, denominado efun. Ele deverá passar por este ritual de pintura por sete dias seguidos. O abiã terá agora que assentar seu Orixá e ofertar-lhe sacrifícios de animais de acordo com as características de cada um. Feito isso ele passa a se chamar yàwó. A festa ritualística que marca o término deste período é denominada Saída de Yàwó, neste momento ele será apresentado à comunidade. Ele será acompanhado por uma autoridade à frente de todos para que lhe sejam rendidas homenagens (GORSKI, 2012).

4 ABÉRÉ: Agulha (do árabe íbere) – no contexto refere-se às incisões realizadas com instrumento cortante.

5 Rios et al. (2013, p. 3656), por sua vez, ainda afirma que o sangue é a própria interioridade corporal humana são a fonte e/ou o suporte da vitalidade individual. Nessa linha, os adeptos concebem que os fluídos corporais podem levar axé de parte a parte. A saliva do sacerdote, elemento-chave em vários processos rituais, está carregada de axé, bem como o suor que desce da face dos filhos de santo em transe de orixá, os quais carinhosamente o passam, para transmiti-lhes benesses, no corpo de seus acólitos. Também o sêmen, resultante das transações sexuais, faz o axé caminhar de pessoa a pessoa.

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