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Semina: Ciências Sociais e Humanas

On-line version ISSN 1679-0383

Semin., Ciênc. Soc. Hum. vol.40 no.1 Londrina Jan./June 2019

 

Resenha

Aprendendo a viver ao longo da vida: desafios de pesquisa sobre a construção da pessoa

Learning to live throughout life: research challenges on the construction of the person

 

BERGER, K. S. O desenvolvimento da pessoa: do nascimento à terceira idade. Rio de Janeiro: LTC, 2017.

 

Edna Lúcia Tinoco Ponciano1; Xênia Domith2; Eduardo Esteves3; Fabio Souza Ramos4; Ludmilla Furtado5; Rafael Pires Leite6; Filipe Tomé7; Katherine Rodrigues da Silva8

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Um livro denso escrito por uma única autora demanda muito estudo e trabalho de análise, refletindo uma longa e rica trajetória, que se expressa em 666 páginas. Kathleen Stassen Berger, que atua principalmente na área de educação e possui vários artigos e estudos sobre o desenvolvimento psicológico, em todas as fases do ciclo de vida, escreveu um livro que acompanha as vidas das pessoas que pesquisam e das que são pesquisadas. Certamente, não é à toa que o termo aprendizagem é utilizado logo no prefácio, para ressaltar que aprendemos ao longo da vida. Aprender a partir de uma disciplina como a do Psicologia do Desenvolvimento ajuda a ter “respostas sábias”, ressalta a autora, ao afirmar que podemos fazer isso juntos, para espalhar o bem. É um livro com um tom pessoal, relatando histórias reais, ao mesmo tempo que enfatiza a importância do conhecimento científico, estabelecendo conexões entre as teorias, as pesquisas e a vida. Em um formato didático, procura abranger uma diversidade cultural reconhecendo as diferenças individuais, que se apresentam ao longo do tempo. Apresenta, dessa forma, uma proposta desafiadora que abarca uma compreensão de que o desenvolvimento, apesar de ser estudado em fases, deve ser visto como um todo.

A parte I apresenta a base conceitual do livro. Introduz as definições de desenvolvimento, o debate sobre hereditariedade e ambiente e o período pré-natal. Menciona que, apesar de haver previsibilidade, há espaço para surpresas em que emoções, cognições e relações são misturadas nas experiências individuais, caracterizando o crescimento como multidirecional, multicontextual, multidisciplinar e plástico, ao se aproximar de uma visão dos sistemas dinâmicos e enfatizar o caráter interacional (BALTES, 1987; FOGEL, 1993). O conhecimento, fundamentado por uma concepção positivista da ciência, é enfatizado, com muito mais espaço para exemplificações de pesquisas quantitativas do que qualitativas. Este destaque é uma contradição do texto, uma vez que a experiência é valorizada, mas dados qualitativos, que estariam mais próximos da experiência subjetiva, não são apresentados (REY, 2002).

Apresenta as teorias tradicionais de desenvolvimento, sendo importante mencionar que a teorização seria diferente se fosse discutida a restrição a um grupo social ou a um determinado tipo de experiência, já que a maior parte do conhecimento nesse campo tem se baseado em um contexto específico, generalizando de uma parte para o todo (ARNETT, 2008). Diferentemente, o debate entre genética e ambiente foca a interação, não havendo uma sobreposição gênica sobre o ambiente, nem ao contrário, e sim há influência mútua. Desse modo, o resultado nunca é predeterminado, e em qualquer idade existe o movimento de ajustes dinâmicos entre o acaso e o possível, em contextos específicos e diferenciados, ao considerar que é necessário observar as especificidades da interação genética e ambiente, que incluem as variedades culturais.

As partes II, III e IV apresentam os dois primeiros anos, a primeira e a meia infância, abordando três dimensões: biossocial, cognitivo e psicossocial. A relação com os(as) cuidadores(as) é destacada, considerando a influência sobre as trajetórias desenvolvimentais. No momento inicial, a qualidade dos cuidados parentais diários (alimentação, higiene, sono, etc.) é essencial para o desenvolvimento saudável, especialmente o físico, tendo consequências para o desenvolvimento do self e a exploração do contexto, apoiado em um processo interacional, influenciado pela cultura (KELLER, 2007). No domínio de habilidades motoras, por exemplo, a relação entre o desenvolvimento do cérebro e a importância da interação com outras crianças e adultos, que possam instruí-los, é importante para o desenvolvimento de outras habilidades relevantes para um bom desempenho de atividades futuras e para o crescimento intelectual, levando a destacar a aprendizagem como um fenômeno interacional, que se articula com fatores físicos e ambientais. Nesse sentido, destaca-se o meio familiar, em que são transmitidas e aprendidas as primeiras normas sociais e desenvolvidas as bases principais do comportamento. Um ambiente seguro, a exemplo do que a família pode ser, é determinante para o amadurecimento de estruturas fundamentais do sistema nervoso central e para o desenvolvimento da Regulação Emocional, além de influenciar o engajamento social posterior (PORGES, 2012).

As partes V e VI abordam a adolescência e a adultez emergente. O desabrochar da adolescência, com a puberdade, é destacado pela autora como um período que apresenta a interação de fatores biológicos e culturais. O corpo se transforma gradualmente, mas, muitas vezes, é percebido como uma mudança abrupta, pois as primeiras transformações ocorrem de forma silenciosa e invisível. Os padrões biológicos e as relações familiares possuem grande influência, antecipando a puberdade em meninas, cujo ambiente familiar é estressante, por exemplo.

O controle emocional ainda está em desenvolvimento, com os jovens tendendo à excitação elevada nos centros de recompensa, levando-os à busca de aventura e de prazer, especialmente na relação com os pares (JENSEN; NUTT, 2016). A atividade sexual é um dos aspectos provocativos, estando diretamente relacionado à biologia e à cultura. A autora demonstra diferenças de gênero, com maior influência dos aspectos hormonais para os meninos e de condicionantes culturais para as meninas. A relação com os pais pode passar por momentos difíceis, com uma dificuldade de compreensão de que os filhos estão crescendo e que o padrão de relação deve mudar (FARIA; PONCIANO, 2016; SIEGEL, 2016).

A partir dos 20 anos, destaca-se a discussão sobre o desenvolvimento cognitivo com base nos estágios de Piaget, chamando essa fase de pós-formal. A relação entre o pensamento objetivo e o subjetivo é discutida como característica deste momento, mas com forte concepção positivista, de primazia da razão sobre a emoção. Jovens e velhos são comparados, a fim de demonstrar as diferenças de “equilíbrio” nas respostas e tomadas de decisão, conforme pesquisas quantitativas. A única pesquisa qualitativa apresentada foi sobre a “cola” nas salas de aula, que teve como consequência um melhor entendimento e modificou a forma que os professores encaravam essa situação, considerando outros aspectos, para além do desenvolvimento cognitivo, como por exemplo, a cooperação entre os pares. Esse é um bom exemplo de como a pesquisa qualitativa pode trazer dados diferenciados, a partir da compreensão da experiência dos(as) pesquisados(as).

As partes VII e VIII abordam a adultez. Na meia-idade, o desenvolvimento é abordado com aspectos relacionados aos sentidos (audição e visão), à saúde corporal, à capacidade de lidar com enfermidades e ao sistema reprodutor, com destaque para a questão da menopausa. São enfatizados os hábitos saudáveis, como fazer exercícios, ter uma alimentação balanceada, não fumar e beber moderadamente, além dos impactos e diferenças de etnia, cor, classe, gênero e local de moradia para o estado de saúde. Há de se destacar positivamente a menção de que a biologia por si só não consegue explicar as diferenças sexuais nos gêneros, e pesquisas devem considerar fatores sociais. São discutidas as mudanças na vida familiar e social, tais como relacionamentos com os filhos adolescentes, jovens, netos (em alguns casos) e cuidado com os pais em idade mais avançada. O relacionamento íntimo no casamento pode alcançar um nível satisfatório, embora outras questões sejam pontuadas como a reavaliação do relacionamento conjugal, que pode levar ao divórcio. São mencionadas questões hormonais que reestruturam o corpo e influenciam na vivência da sexualidade. No aspecto psicológico, a crise da meia-idade é identificada, sendo destacado o possível alcance da estabilidade no mercado de trabalho, negociação da carga horária e menor adesão às pressões laborais.

Na vida adulta avançada, podem ocorrer discriminação sofrida por idosos e estereótipos negativos, provocando danos no envolvimento social e no envelhecimento saudável, enfatizando a dependência. No entanto, quando há envelhecimento saudável, a relação de tutela e de fragilidade devem ser relativizadas. Há uma diferenciação salientada entre envelhecimento primário, relacionado aos processos naturais do corpo, como mudanças na aparência e sentidos menos apurados, e envelhecimento secundário, relacionado à interação com ambiente, tais como hábitos prejudiciais à saúde e doenças provenientes, sendo este um processo reversível e não necessariamente vinculado à faixa etária. A aposentadoria pode significar também oportunidade de dar prosseguimento aos estudos, de desenvolver algum trabalho voluntário, de se tornar mais envolvido com a política, por exemplo. Os aposentados podem se dedicar mais ao lar e estabelecer melhor convivência social. São verificadas muitas distinções neste período, com pessoas de 70 e 80 anos participando de maratonas e outras que mal conseguem se movimentar, salientando, desse modo, a diversidade e a complexidade da experiência humana.

Kathleen termina o livro enfatizando que a morte, fim biológico, é acompanhada de esperança, sendo essa uma perspectiva encontrada em muitas culturas, que oferecem a possibilidade de um significado para a existência. Dependendo do momento do ciclo vital em que a morte ocorre, recebe diferentes significados e interpretações, mas em todas as fases tende a aproximar os membros da família. Dessa forma, há o sofrimento dos que ficam e precisam continuar a viver. Uma pesquisa sobre a morte do cônjuge, por exemplo, apresenta e discute a tendência de idealizar o casamento como uma forma de dar significado à experiência passada e seguir em frente com saúde psicológica, na viuvez. Essa é uma maneira de reconhecer que as diferentes experiências e as variadas interpretações podem ter efeitos positivos sobre a saúde, ainda que não correspondam a uma realidade objetiva. As diversas pesquisas, como essa última, confirmam que é possível aprender com a Psicologia do Desenvolvimento, encontrando “respostas sábias”, que podem nos ajudar a aprender e a viver melhor ao longo de toda a vida, até a morte. Esse livro, portanto, é uma rica fonte de discussão, a partir das pesquisas que apresenta, além de ser uma fonte de reflexão sobre o desenvolvimento da pessoa, considerando o melhor que se pode ser na interação entre vários elementos, como os biológicos e os culturais, que constituem a pessoa em suas relações dinâmicas.

Referências

ARNETT, J. J. The neglected 95%: why American psychology needs to become less American. American Psychologist, Washington, v. 63, n. 7, p. 602-614, Oct. 2008.         [ Links ]

BALTES, P. B. Theoretical propositions of life-span developmental psychology: on the dynamics between growth and decline. Developmental Psychology, Washington, v. 2, n. 5, p. 611-626, Sept. 1987.         [ Links ]

FARIA, A. P. S; PONCIANO, E. L. T. Relação pais e filho(as): identidade e apego na adolescência. In: PONCIANO, E. L. T.; SEIDL-DE-MOURA, M. L. S. (org.). Quem quer crescer? Relacionamento pais e filhos(as) da adolescência para a vida adulta. Curitiba: CRV, 2016. p. 85-110.         [ Links ]

FOGEL, A. Developing through relationships. Chicago: University of Chicago Press, 1993.         [ Links ]

JENSEN, F. E.; NUTT, A. E. O cérebro adolescente: guia de sobrevivência para criar adolescentes e jovens adultos. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.         [ Links ]

KELLER, H. Cultures of infancy. London: Lawrence Erlbaum Associates, 2007.         [ Links ]

PORGES, S. W. Teoria polivagal: fundamentos neurofisiológicos das emoções, apego, comunicação e auto-regulação. Rio de Janeiro: Senses Aprendizagem e Comunicação, 2012.         [ Links ]

REY, F. L. G. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Cengage Learning Editores, 2002.         [ Links ]

SIEGEL, D. J. Cérebro adolescente: o grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos. São Paulo: Versos, 2016.         [ Links ]

 

Tramitação

Recebido em: 19 dez. 2018

Aceito em: 31 jan. 2019

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