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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.3 n.1 São Paulo jun. 2002

 

ARTIGOS

 

O uso do desenho da Figura Humana e da Figura Humana com Tema na investigação psicológica do paciente com diabetes em grupo psicoeducativo no contexto hospitalar

 

 

Eloisa Helena Araujo da Costa

USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho procura investigar, visualizar e compreender aspectos psicodinâmicos do paciente com Diabetes, inserido no contexto hospitalar do Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo, por meio da técnica projetiva do Desenho da Figura Humana (DFH) e Desenho da Figura Humana com Tema (DFH-T), baseado nos procedimentos do Desenho-Estória1 com Tema. No primeiro item aborda algumas considerações sobre o Diabetes Mellitus no que diz respeito aos seus aspectos fisiopato-lógicos, a adesão ao esquema terapêutico; bem como, uma das atividades aliadas ao tratamento, que é a educação em diabetes, diante da experiência da formação de um Grupo Psicoeducativo. Paralelamente, faz um estudo da literatura científica, apresentando a relevância do estudo do Diabetes, desde as considerações da medicina psicossomática, passando pela leitura psicodinâmica na avaliação da saúde emocional, e a aplicação de testes e inventários como técnica de investigação, incluindo também a justificativa do uso dos procedimentos do DFH e DFH-T, para alcançar o objetivo proposto pela pesquisa; utilizando para isso o método de estudo de caso, com um enfoque clínico de análise. Em seguida, procura investigar onde e como a técnica projetiva pode auxiliar num contexto tão específico, com análise dos aspectos formais e de conteúdos do material coletado de 02 pacientes participantes do Grupo Psicoeducativo em Diabetes - HC/FMUSP. E finalmente apresenta algumas considerações sobre a necessidade de formulações de mais pesquisas que venham auxiliar o tratamento de uma doença crônica de difícil adesão, como o Diabetes, promovendo a escuta em sua demanda.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus, Grupo psicoeducativo, Avaliação psicológica, Desenho da Figura Humana (DFH).


ABSTRACT

This present work intends to investigate, visualise and understand the psychodynamic aspects of the outpatient who suffers from Diabetes and is being treated in the Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo, through the projective technique of the Drawing of the Human Figure (DHF) and the Drawing of the Human Figure with a Theme (DHF-T), based on the procedures of the Drawing-Story with a Theme. In the first item, some considerations are made about physiopathological aspects and adherence to treatment of Diabetes Mellitus, as well as about activities that go together with the treatment, such as education in diabetes in an experience with a newly created Psychoeducational Group. At the same time, a study of the scientific literature is presented, demonstrating the importance of studying Diabetes. This begins with the considerations on psychosomatic medicine, going through the psychodynamic interpretation of the emotional health, and the submittal of tests and inventories, for purposes of technical investigation. It includes a justification for using the procedures of the DHF and DHF-T, to reach the objectives of the research, using for this purpose the method of case history, with a clinical analysis focus. Next, the study investigates how and where the projective technique can help in such a specific context, with the analysis of the formal aspects and the information collected from two outpatients of the Diabetes Psychoeducational Group in the HC/FMUSP. Finally, it presents some considerations on the necessity of doing more research to help the treatment of a chronic disease like Diabetes, which is characterised by difficult adherence to treatment.

Keywords: Diabetes Mellitus, Dsychoeducational group, Psychological evaluation, Psichologic Drawing of the Human Figure (DHF).


 

 

Introdução

1. Diabetes Mellitus: Aspectos fisiopatológico e educativo

O Diabetes Mellitus (do grego "diabaino": "eu cruzo, atravesso, passo"; e do latim, "mellis": "doce"), ocorre em resultado da diminuição ou ausência da insulina - hormônio cuja principal função é regular o fluxo da glicose trazida pelo sangue às células - fornecida pelo pâncreas, mais especificamente, pelas células beta das ilhotas de Langenhans.

Se ocorrer a completa e rápida atrofia dessas células, provavelmente em crianças e adolescentes2, não há produção de insulina, e o paciente apresenta sensações de fraqueza, perda de apetite, o que pode levar à morte, pois a glicose não consegue penetrar nas células e se acumula no sangue, não gerando energia vital para sobrevivência do organismo; logo, o paciente precisará fazer uso da insulina permanentemente, um quadro clínico característico do Diabetes Tipo 1 ou Insulino-Dependente ou Infanto-Juvenil.

No entanto, em pessoas de meia-idade e idosas, o organismo consegue produzir insulina, mesmo que insuficiente em relação ao total de tecidos a serem supridos, principalmente associado à obesidade, ou ainda quando existe uma deficiência parcial do pâncreas, condição que recebe a denominação de Diabetes Tipo 2 ou Não-Insulino-Dependente ou do Adulto, podendo controlar as taxas de glicemia com medicação oral, os chamados hipoglicemiantes, dieta e exercício físico, podendo eventualmente precisar de aplicações de insulina. (veja comparação no quadro 1 do anexo1)

Com a deficiência parcial ou total do pâncreas, e a glicose acumulada no sangue sem utilidade, imagina-se que o paciente com Diabetes apresenta cons-tantemente nível alto de açúcar, no entanto o organismo, para compensar, tenta eliminar o excesso através da urina, por isso ora pode estar alto, chamado Hiperglicemia, ora pode estar baixo, o que caracteriza a Hipoglicemia. (vide quadro 2 do anexo 1)

A taxa considerada normal de glicose no sangue é, em jejum, de até 120mg%, e, a qualquer hora o dia; entre 60mg% e 160mg%. E a glicose só é detectada na urina quando os níveis de glicemia atingem 180-200mg% ou mais.

O Diabetes não controlado pode levar a sérias complicações como:

o retinopatia diabética: a alta glicemia provoca lesões nos vasos capilares da retina, formando pequenas feridas, podendo levar à cegueira;

o neuropatia periférica: distúrbios nas terminações nervosas (braços e pernas), fraqueza e paralisia - Incapacidade de ereção ou diarréia persistente. As veias e artérias ficando prejudicadas, afetam a circulação sangüínea, podendo ocorrer choques levando à hipertensão e até infarto;

o infecções de pele, vaginites, furúnculos, tuberculose;

o doenças renais: insuficiência renal crônica, uremia, isto é com a glicose alta, os rins têm a função de se livrar do excesso de açúcar; trabalhando exaustivamente, pode levar à insuficiência renal crônica, e como trata-mento coadjuvante a hemodiálise.

A maioria dos pacientes recebe o diagnóstico quase que "ocasionalmente" em exames de rotina ou quando procuram auxílio médico já em decorrência das complicações. Considera-se assim uma "doença silenciosa", pois não produz sintomas significativos ou diferenciados, havendo portanto dificuldades na mudança de hábitos e comportamentos (principalmente alimentares), uma questão também cultural no cultivo de hábitos saudáveis, antes de ocorrer sérias complicações.

O Diabetes Mellitus é importante problema de saúde pública uma vez que é freqüente, está associado a complicações que comprometem a produtividade, qualidade de vida e sobrevida dos indivíduos, além de envolver altos custos no seu tratamento e das suas complicações. Medidas de prevenção do DM assim como das complicações são eficazes em reduzir o impacto desfavorável sobre morbimortalidade desses pacientes. Tal impacto pode ser avaliado através de dados obtidos de fontes do Ministério da Saúde3, levantamentos regionais e de outras associações4:

o Diabetes Mellitus como o diagnóstico primário de internação hospitalar aparece como a sexta causa mais freqüente e contribui de forma significativa (30 a 50%) para outras causas como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, colecistopatias, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial;

o Pacientes diabéticos representam cerca de 30% dos pacientes que se internam em unidades coronarianas intensivas com dor precordial;

o Diabetes é a principal causa de amputações de membros inferiores;

o É, a principal causa de cegueira adquirida;

o Cerca de 26% dos pacientes que ingressam em programas de diálise são diabéticos.

É em virtude deste aspecto que a proposta dos programas educativos em Diabetes, têm um caráter informativo e preventivo, com objetivos bem definidos, de forma que se construam instrumentos voltados para sua efetivação, fazendo surgir sujeitos responsáveis pelo seu próprio tratamento e cidadãos questionadores. (vide anexo 2 - Instrumento de Coleta de Dados em Programas Educativos)

No que diz respeito à adesão ao esquema terapêutico, esses programas procuram auxiliar o paciente "...a conhecer melhor suas próprias condições de saúde, de modo que, a partir das informações possam se transformar em gentes interessados em promover seu próprio desenvolvimento, em vez de representarem meros receptores passivos da ajuda veiculadas por outros." (sic)5

A formação de grupos com caráter psicoeducativo em Diabetes, de acordo com a experiência formada no Hospital das Clínicas da FMUSP em maio de 2000, é efetivamente mais que troca de informações e experiências nesse processo "saúde x doença"; vai além: o psicólogo, com uma escuta diferenciada, observa conteúdos subjetivos, temores, frustrações, ansiedades, inerentes ao adoecer, e como, a partir da informação, poder viver de uma forma mais saudável, considerando a saúde não como ausência de doença, mas viver com uma certa qualidade de vida, pessoal e subjetiva, enfrentando situações, mesmo que di-fíceis, com respeito a suas limitações.

Sendo para isso utilizados, além da escuta clínica do psicólogo, recursos audiovisuais, resumidos num folheto explicativo, entregues no final o programa com informações acessíveis aos pacientes sobre o Diabetes, e num caderno de Receitas. (vide anexo 3 e 4 respectivamente)

2. Consideração da Medicina Psicossomática e Leitura Psicodinâmica

O Diabetes Mellitus, é caracterizado como uma doença crônica. Não podemos deixar de evidenciar questões atuais em psicossomática, como ideologia sobre a saúde, o adoecer, as práticas de saúde. Trata-se de um campo de pesquisa que vem revelar a prática de uma medicina Integral, a qual considera o ser humano em sua totalidade, voltando olhares não mais para doença ou sintoma e sim para o paciente.

Segundo o endocrinologista Ruy Lyra, representante da Sociedade Brasileira de Diabetes em Pernambuco, o Diabetes não pode ser ocasionado por razões emocionais, porém se observa um aumento dos níveis glicêmicos em resposta ao estresse emocional, em indivíduos já diabéticos ou propensos à doença, onde nesta situação são liberados alguns hormônios que têm a capacidade de elevar a glicose.

Cremerius (et al., 1956) investigou em suas pesquisas os aspectos psicossomáticos do Diabetes Mellitus; e junto com outros autores fez contribuições da Medicina Psicossomática para a terapia do Diabetes. Kaemmerer (1981) incentivou essas pesquisas. Rozenshy (et al., 1991) investigou as implicações clínicas emocionais da área como: adaptação, depressão, ajustamento familiar, obesidade, hipertensão, disfunção sexual, interpretação de sintomas, fobias, por meio de um estudo de caso.

E ainda publicações brasileiras como Chiozza (et al., 1997) apresentando os afetos ocultos em doenças como a asma, diabetes, cefaléias. Debray (1995), com tradução de Werneck, apresenta O equilíbrio psicossomático: e um estudo sobre diabéticos, mostrando as contribuições das provas projetivas: o TAT, a figura complexa de Rey e o desenho de uma pessoa, na compreensão da auto-imagem e da organização do esquema corporal de pacientes com Diabetes, no Instituto de Psicossomática de Paris (IPSO).

Quanto aos aspectos psicodinâmicos do Diabetes, muito se tem investigado a respeito. Inicialmente, Benedek (1948) apresentou o método psicanalítico como técnica terapêutica e de pesquisa em Diabetes. Rudoef (1970) analisando os aspectos psicodinâmicos e psicopatológicos do Diabetes Mellitus. Schweitzer (1981) investigou os efeitos do Diabetes sobre o desenvolvimento da personalidade. Tobin (1993) apresentou um estudo de caso auxiliado por um tratamento da psicoterapia psicodinâmica. E mais recentemente, entre outras, a investigação de estrutura da personalidade narcisista em doenças crônicas, mais especificamente em pacientes com Diabetes Tipo II, incluindo o instrumento Duesseldorf Questionnaire for Narcissistic Regulation in Chonic Disease. (Kruse et al., 2000)

Particularmente, o uso de instrumentos na investigação psicológica de pacientes com doenças crônicas tem crescido na comunidade científica. Dunbar (1943) no diagnóstico psicossomático, inclui uma avaliação do teste de Rorschach; Bradley (1979) pesquisa sobre os eventos de vida e o controle do Diabetes através do Inventário Maudsley Personality; Bucher (et al., 1981) investiga os aspectos psicopatológicos e psicodinâmicos do Diabetes na América Latina, utilizando como instrumento um questionário de identificação e o Teste Szondi, como teste projetivo na investigação da estrutura psicodinâmica, sintomas psicossomáticos e mecanismos de defesa.

Lobon (et al., 1995), em sua pesquisa, faz uso dos testes: os Inventários Bell Adjustment e o Beck de Depressão com pacientes de Diabetes Tipo I. E ainda, Garduño (et al., 1998) verifica a freqüência de depressão em pacientes com Diabetes tipo II por meio da escala de Beck; e Figueroa (et al., 1995) procurando identificar fatores psicológicos através do Inventário de Ansiedade IDARE, da Escala de Tennessee e uma entrevista dirigida, como pesquisas de referência na América Latina.

A psicossomática, como uma disciplina distinta da medicina e da psicanálise, embora se encontre estreitamente ligada a ambas, procura abranger todo conjunto de fenômenos relacionados com o adoecer, formas subjetivas desse processo; pois "escolhemos" ou não a doença, da mesma forma que "escolhemos" ou não a cura. Isso depende de cada pessoa com sua história de vida e de sua vontade subjetiva de viver; que corresponde a funcionalidade do ser ou do organismo, onde a eminência de perda (doença) altera o indivíduo em todos os seus aspectos: biológico, psicológico, social e histórico; de forma interdependente, caracterizando sua saúde integral, influenciando o processo doença - cura. Estar doente implica perda da funcionalidade que organiza esse organismo; e a cura, a restituição desta. Por isso, o processo que o envolve perpassa pela subjetividade na afirmação ou negação da cura de sua doença.

Se a doença expressa e revela a forma de uma pessoa viver e sua interação com o mundo, melhorar a qualidade de vida é também auxiliar a funcionalidade desse organismo em todos os seus aspectos físicos, sociais e emocionais.

A Psicologia, enquanto ciência, numa prática hospitalar humanizada, procura compreender o paciente com sua personalidade e suas experiências de vida: como ele está reagindo diante do tratamento, sua responsabilidade e participação no mesmo.

3. Avaliação Psicológica - Técnicas Projetivas Gráficas e Verbais

A avaliação psicológica de um paciente procura a compreensão sobre o fenômeno psíquico. E como investigar esse fenômeno?

Safra6 refere que "para que um cliente possa expressar uma comunicação verbal direta de suas dificuldades, é necessário que haja capacidade de representar simbolicamente essas dificuldades", por isso a tentativa de se investigar esse fenômeno, aparentemente inacessível, mas que se revela em sua conduta.

De acordo com Trinca7 "o primeiro estudioso a aplicar o método psicanalítico na investigação do inconsciente relativo de produções culturais e artísticas foi o próprio Freud", de cujo método somos aprendizes, e particularmente através dos procedimentos do Desenho-Estória (D-E), como técnica de investigação clínica de aspectos da dinâmica da personalidade, especialmente quando esta apresenta comportamento emocional, reunindo informações oriundas de técnicas gráficas e temáticas.

O D-E tem se mostrado um método, que fornece de forma clara uma síntese dos aspectos fundamentais do funcionamento mental dos sujeitos, e por isso muito utilizado em pesquisas em diversas áreas. Particularmente na saúde tem-se revelado um valioso instrumento, como nos apresenta Ana Maria Trinca (in Trinca, W., 1997, p.51):

Em 1982, Mestriner lidou com pacientes esquizofrênicos hospitalizados; Al'Osta (1984) trabalhou com pacientes hospitalizados com psicose maníaco-depressiva; Flores(1984) atendeu crianças leucêmicas hospitali-zadas e terminais; nós focalizamos a atenção em crianças que estavam no período pré-cirúrgico (Trinca, A.M., 1987); Gianotti-Hallage (1988) pesquisou a população portadora de cardiopatias congênitas; crianças asmáticas foram estudadas por Mestriner (1989); a hiperatividade foi objeto de estudo de pesquisa por Gorodscy (1990); Castro (1990) trabalhou com mulheres estéreis com quadro clínico de edometriose; mulheres que sofreram mastectomia por câncer de mama foram estudadas por Barbosa (1988). Em 1992, foram abordados problemas de úlcera pépticas em crianças, por Hames; o câncer infantil e as fases finais da vida da criança, por Perina (1992); e a questão da deficiência visual foi focalizada por Amiralian (1992). Nesse sentido, é relevante a contribuição do D-E à área da saúde... nas mais diversas especialidades: pediatria, foniatria, oncologia, clínica médica etc.

Trinca (1987) nos apresenta que "são raras as citações, na literatura especializada, do uso de estórias associadas a testes gráficos" - embora, historicamente as estórias tem-se apresentado na forma de "inquérito", ou seja, um conjunto de perguntas, padronizadas ou não, para esclarecimentos a respeito do grafismo, do sujeito e de outros componentes da situação de teste, aplicado na prática clínica do Desenho da Figura Humana, de Machover (1949), Desenho da Família (Hammer, 1969), Teste da Árvore, de Kock (1958), Técnica do Desenho de Oito Folhas, de Caligor (1951), e Técnica Projetiva do HTP, de Buck (1948).

Karen Machover (1949) publicou de forma pioneira o teste do desenho da figura humana (DFH) sob um enfoque projetivo. Partindo da noção de imagem corporal, para a autora a figura representa a própria pessoa que desenha; e o papel, o seu ambiente; ou seja, no significado psicológico do DFH, tendo suas bases na imagem corporal, o sujeito projeta na figura humana o conceito de seus próprios aspectos.

Hammer (1981) apresenta que "o uso dos desenhos projetivos da figura humana pode constituir uma fonte de informação e compreensão da personalidade tão frutífera, econômica e profunda". E segundo Van Kolck (1984), o DFH na avaliação de aspectos da estrutura e dinâmica da personalidade é caracterizada como a prova de mais completo desenvolvimento e amplo emprego, além de ser uma das técnicas projetivas mais utilizadas na pesquisa e na prática clínica, colocando-se após o Rorschach e o TAT na liderança das técnicas mais freqüentemente usadas.

Por isso, na tentativa de aliar as técnicas dos Procedimentos de D-E com a análise da Figura Humana de Machover, na investigação clínica psicodinâmica dos traços de personalidade de paciente com Diabetes em Grupo Psicoeducatico no contexto hospitalar, surge a proposta de uso do Desenho da Figura Humana com Tema (DFH-T), substituindo o inquérito pela estória.

 

Objetivo

Investigar traços da personalidade de pacientes com Diabetes, na tentativa de auxiliar o tratamento psicológico em grupo psicoeducativo na adesão ao esquema terapêutico, a partir do método do Estudo de Caso, em um enfoque clínico, buscando uma compreensão mais profunda do funcionamento psicodinâmico dos mesmos.

E assim, levantar hipóteses acerca das relações entre a Diabetes e os aspectos psicodinâmicos a serem testados em estudos mais amplos.

 

Método

Categoria: Estudo de caso

Sujeitos: 2 pacientes participantes do Grupo Psicoeducativo em Diabetes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Sujeito 1 (S1)

54 anos, sexo masculino, professor de música, formação universitária, solteiro, IMC - indica obesidade moderada; há 16 anos sabe seu diagnóstico, ou seja, tinha 38 anos quando descobriu a doença; mora atualmente com a irmã, tem noções básicas relativas ao tratamento e complicações, realiza monitorização e caminhada regularmente como exercício físico, faz uso da insulina (auto-aplicação) e medicação oral, relata ser do Tipo 2. Tem uma vida atarefada como professor de português durante a semana para alunos de Quinta Série, e nos fins de semana procura relaxar ouvindo músicas clássicas e dando aula de piano. Gosta de tocar piano, viajar, visitar amigos e ouvir música. Das recomendações médicas, refere-se à dieta e à atividade física como as mais difíceis de seguir. Associa o aparecimento do Diabetes com o falecimento de sua mãe.

Sujeito 2 (S2)

55 anos, sexo masculino, trabalha em uma lanchonete escolar (Segundo Grau), casado, IMC - indica obesidade; há 8 anos sabe seu diagnóstico, isto é, tinha 47 anos quando descobriu a doença; mora atualmente com sua esposa, tem noções básicas relativas ao tratamento e complicações, realiza monitorização e caminhada (às vezes) como exercício físico, faz uso da insulina (esposa aplica) e medicação oral, relata ser do Tipo 2. Gosta de jogar baralho, ler, dançar... e "largou a chupeta e pegou no cigarro". Das recomendações médicas se refere à dieta como a mais difícil de seguir. Associa o aparecimento do Diabetes com o falecimento de sua filha em acidente... "uma experiência contrária às leis da natureza".

Técnica de Coleta de Dados

Questionário, Observação Clínica e Teste Projetivo.

Instrumentos

Questionário: "Avaliação do Repertório de Informações sobre o Diabetes"; o procedimento do Desenho da Figura Humana (DFH) e o Desenho da Figura Humana com Tema (DFH-T).

Procedimentos

Em se tratando de uma pesquisa baseada em dados científicos, auxiliada por fontes bibliográficas da literatura, as informações que os pacientes compreendiam acerca do Diabetes foram obtidas no primeiro de cinco encontros do Programa, pelo Instrumento de Coleta de Dados do Programa Psicoeducativos do HC/FMUSP: "Avaliação do Repertório de Informações sobre o Diabetes". (vide anexo 2)

Durante o Programa Psicoeducativo em Diabetes (5 encontros, 2 horas semanais) foram realizadas atividades informativas, necessárias ao tratamento, caracterizadas como autocuidado, bem como os esclarecimentos para promoção da adesão ao esquema terapêutico, utilizando recursos audiovisuais, entregues de forma reduzida através do "Folheto Explicativo" e "Caderno de Receitas" (anexo 3 e 4), auxiliados por uma escuta e observação clínica do ponto de vista emocional.

Na tentativa de investigar aspectos psicológicos ou estado emocional dos pacientes, fez-se uso dos procedimentos técnico e metodológico do Desenho da Figura Humana com Tema, na pesquisa projetiva da imagem corporal, com a análise dos aspectos formais da figura humana através dos esquemas de avaliação e interpretação proposto por Van Kolck (1984) e análise dos indicadores psicopatológicos proposto por Grassano (1996), tomando como base os procedimentos do Desenho-Estória, com referencial psicanalítico de análise proposto por Trinca8 (1976), com normas de avaliação realizado por Tardivo9, investigando seus temores, defesas, ansiedades e desejos.

Na técnica projetiva associada ao Questionário de Avaliação do Repertório de Informações sobre o Diabetes, observou-se o conteúdo consciente sobre o diagnóstico e as elucidações inconscientes transferidas para o material, principalmente nas estórias relativas a figura humana com diabetes, apresentando traços transferenciais de como os próprios pacientes lidam com seu diagnóstico e tratamento, auxiliando desta forma as intervenções necessárias para melhoria da qualidade de vida durante tratamento, promovendo a adesão terapêutica, em sua análise dos dados.

Os dados obtidos são apresentados qualitativamente com a análise de dois casos clínicos discutidos junto a orientação de pesquisa.

Desta forma, venho, junto ao Instituto de Psicologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, apresentar a presente monografia para obtenção do título de Especialização em Psicologia Hospitalar: "A Psicologia em Especialidades Médicas".

 

Resultados

No teste do desenho da figura humana a pessoa projeta sua imagem ou esquema corporal, seus impulsos, suas ansiedades e defesas, seus conflitos; enfim sua personalidade e sua interação com o meio ambiente. No entanto, a interpretação do material coletado, não pode ser mera análise de suas partes, e sim a transmissão geral transmitida pelo desenho, acompanhada de seus dados de história de vida, resumidos através de um estudo de caso e reunidos na discussão a seguir.

ESTUDO DO 1º. CASO

Sujeito 1 (S1)

Observações de seu comporta-mento preliminar: S1 se lançou à tarefa de modo confortável e confiante, autoconsciente, cauteloso e impulsivo. Realiza ambos os desenhos do sexo masculino.

Interpretação do Desenho (DFH-T)

 

 

 

Análise das Estórias

A análise das estórias parte de uma fundamentação psicanalítica proposta por Tardivo (1985) in Trinca (1997, p.116), organizados em Grupos (numerados de I a VII) e Traços (33 no total), para "orientar a interpretação clínica", como "uma forma de facilitação da análise; considerando sete das dez áreas indicadas por Trinca". (vide anexo 5)

S1-01 - 1ª. Figura com Estória. "Paulo é um rapaz muito esforçado nasceu de uma família humilde, seus pais eram pobres, porém deram-lhe uma boa formação, dentro das possibilidades econômicas que tinham. Lutou com muitas dificuldades, porém atingiu seus objetivos propostos. Apesar de problemas de saúde, venceu os empecilhos. Hoje tem sua vida sócio-econômica estabilizada e vive para sua família, feliz ao lado de todos quantos lhe são caros." (sic)

 

 

S1-02 - 2ª Figura - Pessoa com Diabetes e Estória. "João é um menino de 12 anos. Aos 03 anos, começou a sentir algumas coisas estranhas: muita sede, urinar muitas vezes ao dia, vistas turvas, etc... Seus pais levaram-no ao hospital. Após os exames clínicos (glicemia) e outros constataram que o seu problema era o Diabetes (Tipo 1 ou Juvenil). O médico responsável ... receitaram imediatamente insulina NPH 100 mista purificada [é a mesma que se refere ao seu tratamento]10 e a nutricionista do Hospital indicou e prescreveu a dieta a ser aplicada. Sua mãe levou muito a sério o seu tratamento e hoje João, apesar dos altos e baixos (hiperglicemia e hipo) vive uma vida regular. Estuda e alegra muito sua família." (sic)

OBS.: Parece ter utilizado os desenhos e estórias para contar sua própria experiência, mostrando dificuldade e possibilidade de vencer. Projeta na F1 sua situação atual; e na F2, quando criança.

 

 

ESTUDO DO 2º CASO

Sujeito 2 (S2)

Observações de seu comportamento preliminar: S2 apresentou dúvidas verbalmente acerca de sua habilidade para desenhar, apresentando traços de insegurança, bem-humorado, desenha alegremente com confabulações.

Interpretação do Desenho (DFH-T)

 

 

 

Análise das Estórias

S2-01 - 1ª. Figura com Estória. "Eu nunca gostei de desenhar as vezes que desenhei foi esta cabeça sempre com um cigarro na boca. Você perguntou quem é e eu nunca soube hoje achei parecido com meu irmão. OK. A outra é uma menina magrinha que eu não conheço.

Minha historinha. Assina." (sic)

OBS.: Falta vínculo, vida; desenha duas pessoas, mas não as correlaciona.

 

 

S2-02 - 2ª. Figura - Pessoa com Diabetes e Estória. "Amigo você não pode fumar, não pode beber, precisa fazer regime, tudo bem. Neste desenho vai ficar sem cabelo, sem olhos, porém se você melhorar, e fazer tudo direitinho, nós vamos terminar este desenho pode ser para melhor ou para pior você decide. É uma decisão só sua. Se você acha que compensa parabéns vai em frente, caso contrário você escolher fique na sua não prejudique ninguém, você já viveu tantos anos, o que é melhor pra você 80% viveu, tem + 20%, escolha.

Tchau. Seu amigo...

Assina e data."

 

 

OBS.: Faltam elementos de estruturação do ego: corpo e conteúdos faciais. Transmite um intenso conflito entre a vida e a morte.

 

Discussão

1º. CASO CLÍNICO

Os resultados obtidos no primeiro caso clínico, os traços gráficos de S1 indicam a projeção de sua auto-imagem corporal atual (F1), apresentando tranqüilidade, apesar dos problemas de saúde; e jovem (F2) quando soube seu diagnóstico, aos 38 anos, embora com uma "idade emocional", trazida pela estória de 12 anos, assustado e inexperiente em relação a enfermidade. Confirmando as dificuldades na adaptação, mudança de hábitos e comportamentos enfrentadas por pacientes com doenças crônicas como o Diabetes.

No tratamento diferencial das duas figuras, a F2 é menor e menos elaborada, indicando depreciação, medo e hostilidade, ou seja a F1 apresenta traços mais detalhados em relação a F2, apresentando um decréscimo motor gráfico, o que pode sugerir fatigabilidade, mas segundo Hammer (1981) pode ser uma ansiedade "situacional".

Os traços de ambas apresentam-se mais em linhas retas, o que tende a ser mais afirmativo. Na F2, as linhas são esboçadas e enfatizadas refletindo ansiedade, timidez, falta de autoconfiança e hesitação no comportamento e ao se defrontar com situações novas; linhas de grande pressão usualmente produzidos por doentes orgânicos.

Na F2 há presença de desenhos rígidos que expressam uma atitude basicamente defensiva, presa e rigidamente controlada. Tal rigidez exclui a espontaneidade a auto-afirmação, o que permite uma atitude de "auto-indugência", podendo também expressar repressão e hiperintelectualização.

A análise dos aspectos de conteúdos das figuras apresenta-nos pequenos traços e sinais de conflitos com o controle corporal, indicando indício de perturbações somáticas, o que pode ser associado ao Diabetes, em uma postura defendida, rígida e de adaptação.

Em ambas as figuras traz botões na altura da cintura (cinto), indicando símbolo umbilical da dependência materna, o que pode ser confirmado, visto que associa o aparecimento do Diabetes com o falecimento de sua mãe, traz na estória S1-02, os cuidados maternos quando recebe o diagnóstico.

As estórias, como já mencionamos, parece que as utiliza para contar sua própria experiência, o enfrentamento das suas dificuldades com tendências construtivas e sentimentos derivados do instinto de vida.

Baseado na análise de Grassano (1996), S1 apresenta em suas produções características como a gestalt conservada, delimitação e qualidades centrais que caracterizam os objetos gráficos da figura humana na realidade; embora com poucos traços patológicos, ocorrendo dentro de uma totalidade que mantém a organização, os pontos de conflitos se justificam pela sua história pessoal: Diabetes e perda de pessoas significativas.

S1 apresenta os mecanismos mais evoluídos a serviço do ego: como racionalização e sublimação, apresenta dificuldades pela própria enfermidade, mas com possibilidades de vencer e ultrapassá-las, conhecendo e controlando o Diabetes, podendo ter uma vida mais saudável, confirmando que a saúde não é a ausência da doença, mas viver com uma certa qualidade de vida, enfrentando situações com respeito às limitações.

Melanie Klein vê na sublimação uma tendência para reparar e restruturar o "bom" objeto despedaçado pelas pulsões de destruição, trazida com o Diabetes. Sendo assim, "uma expressão positiva mais elaborada e socializada da pulsão, ou é um meio de defesa capaz de temperar os excessos e os extravasamentos da vida pulsional... ou ainda como uma defesa contra uma lembrança intolerável ao ego" (Nasio, 1988).

2º. CASO CLÍNICO

Na análise do segundo caso clínico, S2 em sua produção gráfica apresenta evasão, controle intelectual, rigidez de pensamento e tendência a ocultamento; traz sentimentos de insegurança, retraimento, isolamento e rejeição pelo ambiente.

Há em seus desenhos uma desorganização gestáltica, característica das produções psicóticas, onde a identificação projetiva é evacuativa, não apresenta vínculo entre as figuras, com graves alterações, ausência do corpo - enquanto estrutura do ego - e ambas as figuras postas de perfil, sugerindo, segundo análise de Grassano (1996), traços de uma personalidade esquisóide, do ponto de vista da percepção e estrutura.

No tratamento diferencial das duas figuras, a F2 (paciente com Diabetes) apresenta-se menos estruturada que a F1, com ausência e/ou omissão dos traços faciais, o que transmite sentimentos de vazio e de energia reduzida, característicos de sujeitos que empregam defesas de retraimento, e às vezes depressão.

S2 associa o aparecimento do Diabetes com o falecimento de sua filha, um evento de vida traumático, "contrário as leis da natureza" (sic), transmitindo nos traços gráficos um intenso conflito entre o viver e o morrer, uma evasão e dificuldade de lidar com a realidade e em lidar com essa perda, levando a desestruturação do ego.

A F2, apresentando-se pouco estruturada, sugere debilidade e baixa energia por razões físicas, provavelmente relacionado ao Diabetes, e psíquicas em relação a perda significativa sofrida em processo de luto.

As estórias confirmam os traços gráficos, com sentimentos derivados do instinto de morte, tendências destrutivas e paranóides em relação ao ego.

Os mecanismos de defesa são menos evoluídos como a negação, anulação e isolamento, trazendo sérias dificuldades no enfrentamento emocional, prejudicando seu funcionamento mental do ponto de vista psicodinâmico.

O drama que S2 representa em seu próprio corpo (físico com o diabetes e ausente no traço gráfico) pode ser comparado ao mito grego de Tântalo (vide análise a seguir), onde "sente que não empenhou seu esforço, sua energia, para lograr o que possui e, portanto, não sente o que tem como algo que lhe pertence". (Chiozza, 1997 p.130).

Na mitologia grega, Tântalo é filho de Júpiter e da oceânide Pluto. O mito é referente a seus crimes e ao castigo... Conta-se que para agradar aos deuses assou o corpo de seu filho Pélope e o ofereceu como banquete. Avisados a tempo, ninguém comeu o horrível manjar...
...Tântalo foi condenado ao inferno, onde sofre perpetuamente sede e fome, submerso na água até a garganta, debaixo de uma árvore cheia de frutos. Mas quando quer beber e aproxima sua boca à água, esta baixa e seus lábios nunca a alcançam. Igualmente, os frutos se afastam de suas mãos quando os quer agarrar.
Os alimentos "doces" despertam nossas associações com a glicose que o diabético necessita e não logra utilizar. Do mesmo modo, a água na qual ele está submergido até a garganta e que não consegue beber pode ser interpretada como o símbolo inconsciente da perda de "suas águas" (poliúria) e da sua sede insaciável.
Tântalo é condenado pelos deuses a sofrer fome. Tem o que necessita ao alcance da mão, mas não pode obtê-lo. Este drama do mito que constitui a verdadeira essência do suplício, parece representar a intimidade do distúrbio diabético... E Tântalo incapaz de executar contra os deuses, oferece submissamente, como um "doce" manjar, seu próprio filho, que representa seus ideais...
Em termos estruturais, o drama de Tântalo consiste no fato de seu superego, devido a sua extrema debilidade egóica, se transformar em algo muito persecutório e tanático... oferecendo na figura de seu filho, uma renúncia masoquista de seus próprios ideais, através de uma ação tanática autodestrutiva...

Durante o Grupo Psicoeducativo em Diabetes

Ambos os pacientes participaram ativamente do programa, S2 promovendo questionamentos e S1 esclarecimentos, discutindo questões de ordem fisiopatológica, cuidados especiais, monitorização, atividade física, aspectos nutricionais e apoio emocional, auxiliando o grupo na compreensão do Diabetes e favorecendo o autocuidado, como também a postura responsável diante do próprio tratamento.

Particularmente, S2 pode dar vazão a conteúdos emocionais relacionados ao adoecer e aos cuidados pessoais, na procura de uma estruturação para enfrentar o diagnóstico e suas implicações, mas acima de tudo um sentido de vida. Levando em consideração os aspectos da medicina psicossomática, há um sentido de reparação diante da perda da funcionalidade do seu organismo.

A estória S2-02 acompanhada da pessoa com Diabetes lança uma proposta, mesmo diante de um conflito, e ao longo do programa S2 faz uma opção verbal de mudanças de hábitos alimentares e prática de exercício físico regular, em busca de melhoria de uma qualidade de vida. Embora, recomendado o acompanhamento psicológico, também como parte do tratamento.

Ambos os casos relatam ter Diabetes do Tipo 2, embora seu funcionamento seja do Tipo 1, visto que fazem aplicação da insulina diariamente, o que poderia ser eventual se houvesse adesão ao tratamento médico e nutricional recomendado, segundo dados teóricos expostos na introdução desta pesquisa.

Das recomendações médicas mais difíceis de seguir, predominantemente a dieta foi considerada, e durante o grupo pode-se esclarecer alguns aspectos nutricionais, como não haver absoluta restrição alimentar e favorecer a adesão de uma alimentação mais saudável e menos calórica, sempre considerando que uma alimentação equilibrada pode ser associada às preferências pessoais desde que se consulte sua nutricionista. Para isso, foi fornecido ao final do encontro um caderno de receitas próprio aos pacientes, com também contribuições dos mesmos, devidamente supervisionados e adaptados para sua realidade, bem como, uma degustação para familiarização no sabor dos alimentos, de uma das receitas do caderno oferecido.

O Diabetes, considerado uma "doença silenciosa", não havendo sintomas significativos ou diferenciados, e na maioria dos pacientes diagnosticado em decor-rência das complicações, confirma as dificuldades na mudança de hábitos e comportamentos com a análise dos 2 casos clínicos apresentados.

Os dados de pesquisas sobre a relação "eventos de vida x o surgimento e controle do diabetes" se confirmam com seus relatos: S1 com a perda significativa materna, e S2 de sua filha; embora considerando suas condutas subjetivas de reação e adaptação frente a perda e ao diagnóstico.

Segundo dados obtidos por Chiozza (1997) em relação aos aspectos psicodinâmicos do Diabetes, confirmam-se com os dois casos quando Mirsky (1939) sugere que nesses pacientes a enfermidade é o resultado de uma falha na adaptação psicofisiológica aos traumas sociais e que o estresse emocional é um mecanismo desencadeante num indivíduo predisposto por fatores constitucionais. E ainda que o Diabetes representa, inconscientemente, uma "perda" particular, caracterizado por um sentimento de "falta" (falta de glicose dentro das células, disposta na corrente sangüínea) de uma propriedade dos "meios" com os quais se vive.

No que diz respeito à adesão ao esquema terapêutico, Chiozza (1997) também formula algumas considerações, diante das pesquisas: Weizsaecker, 1950, em que se observa com freqüência no paciente diabético, o pouco cuidado consigo mesmo, por uma atitude de "abandonar-se" no transtorno de seu metabolismo; e Garma, 1975, onde o paciente mostra-se submisso frente a um superego que lhe exige, de certo modo, a sua própria morte.

A escuta de seus relatos, a promoção de um espaço e a troca de experiências, fizeram deste grupo mais que informativo, como era sua proposta; escutar se tornou um cuidar, um cuidar que também é terapêutico, o que nos remete ao referencial teórico como fundamental, mas insuficiente quando deixamos a margem uma certa atitude, a atitude humana na compreensão do adoecer. Uma experiência sem dúvida que nos faz repensar em nossa própria prática enquanto profissionais da área da saúde.

A formação de grupos com caráter psicoeducativo em Diabetes, de acordo com a experiência formada no Hospital das Clínicas da FMUSP em maio de 2000, é efetivamente mais que troca de informações e experiências neste processo "saúde x doença"; Vai além: o psicólogo com uma escuta diferenciada, observa conteúdos subjetivos, temores, frustrações, ansiedades, inerentes ao adoecer, considerando a saúde não como ausência de doença, mas viver com uma certa qualidade de vida, o que é pessoal e subjetiva.

A motivação, o auxílio mútuo e a coragem no trabalho com grupos nos faz pensar que é característica dos seres humanos reunirem-se em grupos, criando juntos um alicerce social em suas atitudes, embora tenham uma característica comum: o Diabetes. Cada um, com seu pensar e agir, se faz diferente em sua histoória de vida; numa perspectiva mais ampla, utilizam o trabalho em grupo como um instrumento de aperfeiçoamento do seu próprio funcionamento, procurando melhoria de condições sociais humanas.

A formação de um grupo psicoeducativo em Diabetes no contexto hospitalar, como o HC/FMUSP, superando questões institucionais, pode, a partir de um planejamento supervisionado, discutir questões de ordem fisiopatológica, cuidados especiais, monitorização, atividade física, aspectos nutricionais e apoio emocional pertinentes ao tratamento do Diabetes.

Vale salientar que as limitações oriundas de nossa formação acadêmica mostram o desconhecimento de noções básicas não só médicas como também de enfermagem e nutrição, alusivas à patologia atendida. A compreensão da sintomatologia é parte integrante do trabalho a ser desenvolvido a nível hospitalar, uma vez que as reações emocionais podem ser conseqüência da própria enfermidade. Assim, pode-se perceber que a atuação, sendo multiprofissional, faria grupos educativos mais adequados em suas orientações.

No que se refere ao casos clínicos apresentados, observa-se que embora ambos sejam do sexo masculino, idades semelhantes, com Diabetes Tipo II e funcionamento Tipo I; apresentam traços gráficos e verbais, investigados pela análise do DFH e do DFH-T com estórias, muito diferentes, o que nos fornece base para compreensão de seu funcionamento mental peculiar a cada caso, justificado por história de vida pessoal, reação e adaptação frente ao diagnóstico, comprovando que a avaliação da saúde emocional de pacientes com Diabetes, já tão investigada na comunidade científica, venha contribuir aos esquemas terapêuticos de uma doença crônica de difícil adesão.

Na clínica médica o tratamento é baseado nos sintomas das considerações já descritas ao longo desse trabalho. No início de qualquer atendimento médico, nutricional ou físico, em relação ao Diabetes, é necessário coleta e análise de exames clínicos e dos hábitos pessoais para se estabelecer o diagnóstico e o tratamento mais adequado.

Na prática clínica psicanalítica, o profissional não se detém aos sintomas; sua avaliação é subjetiva e seus instrumentos são a escuta e a observação; a fala é primordial para se entender a falta, sendo assim um dos caminhos de acesso ao inconsciente para compreensão da problemática trazida pelo próprio paciente. O psicólogo não está a serviço da investigação de componentes emocionais da doença: não há investigação objetiva e sim objetivos de investigação definidos.

Não há relação causal direta entre um sintoma e um diagnóstico, do ponto de vista psicanalítico, nem foi nossa pretensão com a presente pesquisa, e sim observar o funcionamento mental de dois pacientes com Diabetes, auxiliando condutas terapêuticas em um grupo psicoeducativo, e assim estimular novas pesquisas na área. Há de se rever duas dimensões essenciais ao tratamento: a transferência e o sentido à escuta clínica, aliando-se assim Medicina, Psicanálise e Psicossomática.

Na atuação prática do psicólogo, em qualquer âmbito institucional em que esteja inserido, em análise clínica ou de pesquisa, há aspectos do ser humano que serão apenas compreendidos. No hospital mais especificamente devem ser: sua saúde e integridade, o estresse e a doença, suas transições e crises, seus conflitos e suas resoluções, suas conquistas de amor e preenchimento. Por isso este profissional - durante o atendimento de seus pacientes, ajudando o ser humano a organizar sua própria existência - o trabalho com seriedade, compromisso e comportamento ético torna-se imprescindível.

 

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Endereço para correspondência:
E-mail: eharaujo@uol.com.br

 

 

1 Ainda que alguns autores recomendem o emprego da palavra "história" quando se trata de narrativa de ficção, o uso consolidou a grafia "estória", que se incorporou à língua portuguesa.
2 Cf. Ball, John. Compreendendo as doenças: pequeno manual do profissional de saúde. São Paulo: Ágora, 1998.
3 Silvestre J.A. Hospitalizações SUS 1997. Coordenadoria da Atenção à Saúde do Idoso.
4 American Diabetes Association. Vital Statistics. 1999.
5 Quayle, J.R.B.; Lúcia, M.C.S.; Benute, G.R.G.; Santos, N.O.; Santos, R.M.R.; Rondon, F.C. A importância do psicólogo na criação e implantação dos programas educativos e de prevenção em saúde. (em prelo)
6 Safra, Gilberto. Procedimentos clínicos utilizados no psicodiagnóstico. In Trinca, Walter et al. Diagnóstico psicológico: A prática clínica, 1984.
7 Trinca, Walter. Formas de investigação clínica em Psicologia. São Paulo: Vetor, 1998.
8 Trinca, Walter. Investigação clínica da personalidade - O desenho livre como estímulo de apercepção temática. Belo Horizonte: Interlivros, 1976.
9 Tardivo, L. S. P. C. Normas para avaliação do procedimento de Desenho-Estória numa amostra de crianças paulistanas de 5 a 8 anos de idade. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 1985.
10 Nota da autora.