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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.3 no.1 São Paulo June 2002

 

ARTIGOS

 

A reabilitação criminal no passado e no presente: uma visão histórico-jurídica

 

 

Marco Antônio de Menezes *

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor apresenta um amplo panorama da reabilitação criminal, no Brasil e no mundo, sob o ponto de vista histórico e jurídico. Além das conceituações legais estritas, são apresentadas as visões históricas que contextualizaram internacionalmente o sentido da reabilitação legal e sua aplicação social contemporânea. Da mesma forma, discute-se as questões processuais, o norteamento do instituto da reabilitação na atual legislação brasileira e as perspectivas da reinserção social do indivíduo egresso do sistema prisional.

Palavras-chave: Reabilitação criminal, História da reabilitação, Direito penal, Reinserção social.


ABSTRACT

The author put forward an extensive view of criminal rehabilitation, under the historical and juridical point of view. Resides the legal and strict conceptions, were exposed historical views, which brought into the international context, the signification of legal rehabilitation and its contemporary social application. In the same way, are considered issues related to a legal process, guidance of the rehabilitation in the present Brazilian legislation and the perspectives of social insertion of the person who egresses from the penitentiary system.

Keywords: Criminal rehabilitation, History of rehabilitation, Social insertion, Penal law.


 

 

Introdução

Reabilitação é a declaração judicial de que o condenado cumpriu (ou foi julgada extinta por outra forma) a sua condenação, estando apto a viver em sociedade, devendo desaparecer os efeitos decorrentes da sentença criminal e ser imposto sigilo sobre os registro dos antecedentes criminais.

A reabilitação tende a devolver, ao que foi condenado, a capacidade para o exercício de cargos, direitos, honrarias, dignidades ou profissões das quais foi privado, como conseqüência da condenação imposta.

Aparece como um compromisso bilateral: de um lado, concede-se o cancelamento (não a extinção) dos antecedentes penais e, de outro, exige-se o transcurso de um tempo após a pena (dois anos, entre nós), para que fique efetivamente demonstrada a emenda do delinqüente.

Constitui, também, uma espécie de reafirmação de que a pena cumpriu seus almejados efeitos, principais e secundários, podendo, esses últimos, constituir-se numa carga, às vezes mais onerosa que a pena principal para o sentenciado, dados suas deletérias conseqüências.

O sujeito da reabilitação é o condenado por sentença transitada em julgado, cuja pena tenha sido executada ou extinta por qualquer outra forma.

O objeto da reabilitação varia conforme a legislação; mas, de qualquer forma, pode-se afirmar que alcança quaisquer penas impostas, as penas acessórias (se previstas), os efeitos da condenação (incapacidades, perda de empregos ou cargos, etc.) e as anotações dos registros.

Segundo Hans-Heinrich Jescheck,

Reabilitação significa restabelecer juridicamente o prestígio social de um condenado dentro da comunidade1.

Mas a melhor definição do instituto pode ser obtida consultando-se a Exposição de Motivos do Código Penal, item 83, verbis:

A reabilitação não tem, apenas, o efeito de assegurar o sigilo dos registros sobre o processo e a condenação do reabilitado, mas consiste, também, em declaração judicial de que o condenado cumpriu a pena imposta ou esta foi extinta, e de que, durante dois anos após o cumprimento ou extinção da pena, teve bom comportamento e ressarciu o dano causado, ou não o fez porque não podia fazê-lo. Tal declaração judicial reabilita o condenado, significando que ele está em plenas condições de voltar ao convívio da sociedade, sem nenhuma restrição ao exercício de seus direitos2.

 

Desenvolvimento

Natureza e formas da reabilitação

Quanto à sua natureza, a reabilitação é vista como graça, direito do condenado ou como complemento dos sistemas penitenciários.

Como graça, é ato de liberalidade e de clemência do Chefe de Estado; como direito subjetivo, consiste na declaração da regeneração, desde que presentes os requisitos exigidos em lei; por fim, encarada como complemento dos sistemas penitenciários, é vista como o último estágio do regime progressivo de cumprimento de penas. Discute-se, também, se se trata de instituto de direito penal ou de direito processual penal.

Hodiernamente, a doutrina majoritária entende que se trata de instituto de natureza penal, ainda que possa estar ligado a regras processuais.

1. Formas de reabilitação

a) Reabilitação como graça: teve lugar no direito antigo e sua outorga depende do exercício do direito subjetivo de quem a concede e não de quem a solicita. Trata-se de uma forma de clemência, de expressão da vontade do soberano, competindo sua concessão ao chefe de Estado, como ato de benevolência. Aparece, nessa forma, no Código Penal do Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Chile, Panamá e México.

b) Reabilitação legal ou de direito: é aquela obtida tão só pelo decurso do tempo assinalado na lei, sendo, então, concedida pelo poder legislativo.

Essa denominação, legal, decorre do fato de ser concedida automaticamente, ex lege, condicionada apenas ao decurso de certos prazos.

Tal forma de reabilitação tem sofrido críticas, visto que o fundamento do instituto é a correção do condenado e sua adaptação à vida em sociedade, o que implica numa vida honrada e dedicada ao trabalho honesto, o que não pode ser depreendido do simples decurso de um prazo. Entretanto, responde-se a isso com a afirmação de que a ressocialização e a reabilitação do delinqüente aparecem como fins da pena e não seria normal impor-se ao condenado, uma vez cumprida a pena, que ainda carregue seus efeitos. É a forma adotada na França.

c) Reabilitação judicial: é assim denominada por competir à autoridade judicial o seu exame e aplicação. A sua concessão está subordinada ao cumprimento (ou extinção por outra forma) da pena imposta, além da observância de requisitos fixados na lei, tais como: a boa conduta, o trabalho honesto, a reparação do dano, quando possível.

Nisso reside a diferença em relação à reabilitação legal ou de direito, pois essa última forma não se preocupa com a regeneração efetiva do condenado: ela se contenta com uma presunção de boa conduta, decorrente da ausência de uma nova condenação.

Essa forma de reabilitação foi introduzida na França, pela lei de 14 de agosto de 1885, que aperfeiçoou a legislação de 18 de abril de 1848. É considerada a forma mais perfeita de todas as conhecidas até agora, sendo adotada pelas legislações mais progressistas, tratando-se de poderoso instrumento de política criminal, sendo a forma adotada no Brasil.

Apresenta vantagens sobre as demais formas existentes, vantagens que consistem

nas melhores garantias que oferecem a concessão ou denegação da reabilitação; e, além do mais, é o Poder Judiciário quem, em definitivo, faz cessar a privação de direitos que ele em virtude de sentença firme, havia imposto3.

Seu fundamento reside na boa conduta comprovada pelo reabilitando. Por isso, tem recebido aplausos da doutrina, enquanto que as outras recebem censuras, porque lhes falta essa condição essencial: a emenda do condenado comprovada pelo proceder reto, durante lapso temporal que a lei estabelece.

2. Notícia histórica da reabilitação:

Esse instituto não tem origem recente. Suas raízes estão deitadas no direito romano, na restitutio in integrum, a qual se destinava a cancelar integralmente os efeitos da condenação e restituir ao condenado todos os direitos e dignidades subtraídas pela sentença condenatória.

Manzini lembra que:

O instituto da reabilitação se vincula, historicamente, à restitutio in integrum dos romanos e precisamente à indulgentia (individual) do Príncipe. Essa tinha um conteúdo mais amplo que a atual reabilitação e que não era, então, outra coisa mais que um efeito da graça4.

Por seu turno, Nelson Hungria preleciona que:

De fato, alguns trechos do Digesto e do Código (no título: "De sententiam passis et restitutis"), fazem referência ao caso da restituição do condenado aos direitos e dignidades de que a sentença o privara. O cancelamento dos efeitos da condenação podia ser parcial ou total, chamando-se, nesse último caso, "restitutio in integrum"". É fora de dúvida, porém, que a reabilitação não teve, no direito romano, o caráter de instituto sistematizado com que se apresenta na atualidade5.

2.1 - Reabilitação no direito comparado:

a) Na França: a legislação francesa foi a porta de entrada do instituto no direito moderno: ingressou pela Ordenação Real de 1670, que mencionava em seu Título XVI as lettres de réhabilitatíon. Embora dependesse da benevolência real, a Ordenança estabelecia regras mínimas para a concessão do benefício, sendo aceita pela doutrina moderna como o mais remoto antecedente do benefício, tal como o conhecemos nos dias atuais. Seus fundamentos ainda são os mesmos (basicamente) que foram adotados, depois, pela Revolução Francesa e inscritos no Código Penal francês de 1791. Seu grande suporte continua sendo a prova da emenda do condenado, demonstrada pela boa conduta mantida por certo período.

Note-se, entretanto, que, com a forma de reabilitação legal, foi introduzida nas leis francesas de 26 de março de 1881 e de 05 de agosto de 1889, recepcionada pela legislação italiana de 17 de maio de 1907, sendo também conhecida como reabilitação anglo-alemã, própria da Probation of Offenders Act de 1907 e da lei alemã de 09 de abril de 19206.

b) Na Suíça: a reabilitação já era referida no Código de Processo Penal de Genebra, desde 25 de outubro de 1884 e no de Neuchatel, de 25 de setembro de 1893; depois, com o novo código de 21 de dezembro de 1937, com as alterações sofridas por lei federal de 18 de março de 1971, apontando, como efeitos, a suspensão de todos os efeitos decorrentes da sentença condenatória e o cancelamento dos registros de antecedentes criminais.

c) Com caráter de concessão graciosa, ingressa no direito italiano, por lei de 07 de dezembro de 1810.

O Código Penal italiano de 1930 conserva a reabilitação judicial, suprimindo a legal, a qual foi introduzida no direito pela lei 197, de 07 de maio de 1906. Destina-se, naquele país, a extinguir as penas acessórias e todos os efeitos decorrentes da condenação, salvo se a lei tiver disposto de maneira diversa. O CP italiano prevê a revogação do benefício, se o reabilitado cometer novo delito, com pena de reclusão maior ou igual a três anos, dentro do prazo de cinco anos a partir da sentença.

d) Na Espanha, o instituto conheceu uma gradual evolução, partindo de uma restrição no alcance de seus efeitos, aumentando-se a sua amplitude, até o Código de 1978, no qual logrou-se a plenitude do instituto, com a extinção de todos os efeitos da condenação, consitutindo-se num direito do condenado, desde que sua responsabilidade tenha sido extinta.

3. Evolução histórica no direito brasileiro

Enquanto ato de clemência ou de perdão real, O instituto tem, nas Ordenações Filipinas, sua mais remota raiz.

Com efeito, o Título 130, número 3, do Livro V, das Ordenações, cuida do Perdão oferecido pelo Rei, enquanto que o Título 125, número 06, determina O registro dos livramentos e perdões, "ao pé de cada assento", constantes no "Livro Ordenado per Alfabeto". Assim determinado, fazia-se desaparecer os registros de antecedentes, cuja menção era possível apenas nas folhas corridas destinadas aos juízes, verbis:

E para os Scrivães com mais facilidade responderem ás folhas, fará cada hum, hum Livro Ordenado per Alfabeto, com os nomes dos culpados, e das culpas, e tempos dellas, e dos degredos; e ao pé de cada assento registrarão os livramentos e perdões, que os culpados houverem, e de todo farão declaração nas respostas, que derem ás folhas, para os Julgadores bem informados procederem como lhe parecer Justiça7. (sic)

A Constituição Política do Império do Brasil, oriunda da Carta de Lei de 25 de março de 1824, proclamava a edição de um Código Civil e de um Código Criminal. Em 16 de dezembro de 1830 surge o Código Criminal do Império do Brasil, que foi seguido pelo Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, não aparecendo, explicitamente, a reabilitação.

A Constituição de 1824, em seu artigo 101, § 8°, trata a reabilitação como forma de perdão e como faculdade do poder moderador exercido pelo monarca, transportando-se daí para o Código Criminal do Império, no artigo 66; verbis:

O perdão ou minoração das penas impostas aos réus com que os agraciar O poder moderador não os eximirá da obrigação de satisfazer o mal causado em toda a sua plenitude8.

O Código Penal de 1890, em seu artigo 72, § 3°, traz a rehabilitação (sic) como uma das causas de extinção da condenação, segundo terminologia consagrada naquele diploma, sendo que o instituto assim vem definido em seu artigo 86:

A rehabilitação consiste na reintegração do condemnado em todos os direitos que houver perdido pela condemnação, quando for declarado innocente pelo Supremo Tribunal Federal, em consequência de revisão extraordinária da sentença condemnatória9. (sic)

Portanto, o que na época se denominava de reabilitação, nada mais era do que um efeito do que hoje conhecemos como revisão criminal. Contudo, O grande mérito do Código Penal de 1890 foi introduzir a palavra "reabilitação" em nosso direito, ainda que para denominar matéria imprópria. De qualquer maneira, a partir de então, o assunto mereceria a atenção do legislador.

Com efeito, o instituto foi tratado em todos os projetos de Código Penal que tivemos.

O Projeto Galdino Siqueira, de 1913, repete as disposições do Código de 1890, fazendo da reabilitação um mero efeito da anulação da sentença criminal, pelo S.T.F., em virtude de erro judiciário.

O Projeto Virgílio de Sá Pereira consagra a autonomia do instituto, destinado a extinguir as interdições e incapacidades, bem como a cancelar o registro da sentença condenatória no prontuário do condenado.

A mesma finalidade foi dada ao instituto no Projeto Alcântara Machado, de 1938. Esse projeto foi de uma atualidade impressionante, pois impedia, por exemplo, a revogação da reabilitação em caso de cometimento de crime culposo, como ocorre na Itália.

Esse projeto, contudo, quanto à reabilitação, não foi aproveitado pela Comissão Revisora, que restringiu o alcance do instituto, prevendo a revogação quando houvesse condenação a pena privativa de liberdade, destinando-o apenas a extinguir penas acessórias.

Assim, quem era condenado apenas à pena principal, não podia se valer do instituto, que só alcançava os duplamente condenados (pena principal mais pena acessória), e só esses é que obtinham o sigilo de suas condenações. O Projeto Alcântara Machado, com o texto modificado pela Comissão Revisora, transformou-se no Código Penal de 1940.

O alcance do instituto, porém, foi sendo ampliado gradativamente pelos tribunais, o que provocou a edição da Lei 5.467, de 05 de julho de 1968, a qual estabeleceu que a reabilitação alcançaria quaisquer penas impostas por sentença definitiva.

O Código Penal de 1969 mantém a mesma redação, praticamente, do CP de 1940, com as alterações introduzidas pela Lei 5.467/68. Contudo, esse Código teve a sua vigência tantas vezes prorrogada que, afinal, foi revogado pela Lei 6.578, de 11 de outubro de 1978.

Pode-se concluir que o instituto foi tratado de forma tímida pelo legislador nos códigos anteriores ao atual. Seu pouco alcance, já que não reabilitava determinados crimes; os prazos demasiadamente longos e, sobretudo, o entendimento de que se tratava de causa extintiva da punibilidade, foram alvos de críticas das mais abalizadas opiniões jurídicas brasileiras.

4. A reabilitação penal na atualidade

Com o advento da Lei 7.209/84, reformando totalmente a Parte Geral do Código Penal, passou a vigorar O entendimento de que a reabilitação apenas suspende alguns efeitos da sentença penal condenatória, como se pode ver na Exposição de Motivos do Código Penal, item 82:

A reabilitação não é causa extintiva da punibilidade e, por isso, ao invés de estar disciplinada naquele Título, como no Código Vigente, ganhou Capítulo próprio, no Título V. Trata-se de instituto que não extingue, mas tão-somente suspende alguns efeitos penais da sentença condenatória, visto que a qualquer tempo, revogada a reabilitação, se restabelece o sfatu quo ante. Diferentemente, as causas extintivas da punibilidade operam efeitos irrevogáveis, fazendo cessar definitivamente a pretensão punitiva ou a executória.

4.1. Dispositivos legais sobre a reabilitação:

Transcrevemos, a seguir, os artigos do Código Penal e Lei de Execução Penal, concernentes ao tema em estudo, para maior facilidade dos leitores. Em seguida, analisaremos cada um deles.

Do Código Penal:

Capítulo VI

Dos efeitos da condenação

Efeitos genéricos e específicos

Art. 91. São efeitos da condenação:

I - Tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - Omissis

III - Omissis

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública;

b) Quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos, nos demais casos;

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso;

Parágrafo único - os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declara dos na sentença.

Capítulo VI

Da reabilitação

Art. 93. A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação.

Parágrafo único - a reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos r e II do mesmo artigo.

Art. 94. A reabilitação poderá ser requeri da, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado:

I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;

II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

Parágrafo único - negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.

Art. 95. A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja a de multa.

Observações:

1. Embora o art. 93 diga que a reabilitação alcança quaisquer penas, é preciso entender que o instituto não tem esse alcance (embora possa ser requerida em quaisquer crimes); o que ela garante é apenas o sigilo sobre o processo e a suspensão condicional dos efeitos da condenação, elencados no art. 92 do CP.

2. A reabilitação não rescinde, de forma alguma, as condenações anteriores de modo que, se o condenado vier a praticar novo delito dentro do prazo do art. 64, r, do CP, será considerado reincidente.

4.2 - Análise dos incisos do art. 92:

I - Perda de cargo, função pública, ou mandato eletivo.

Aqui, cumpre fazer uma distinção: somente nos delitos funcionais típicos, os chamados crimes de mão própria, isto é, aqueles descritos, dentre outros dispositivos, nos arts. 312 a 326 do Código Penal (v.g., peculato, concussão, prevaricação, etc.) praticados com violação funcional ou abuso de poder, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo decorre, automaticamente, da condenação a pena privativa de liberdade por tempo maior ou igual a 1 ano; nos demais casos, ou seja, nos crimes comuns que forem praticados por funcionários públicos (ex.: roubo, homicídio, etc.), a perda advém de condenação à pena privativa de liberdade, por tempo superior a 4 anos.

Nesses casos, pode o agente, após a reabilitação, voltar a exercer cargo, função ou mandato eletivo, estando vedada sua reintegração na situação anterior. A reintegração nessa hipótese é

A recondução do funcionário ao mesmo cargo de que fora demitido, com o pagamento integral dos vencimentos e vantagens do tempo em que esteve afastado10.

Dessa forma, na esfera penal não se impede que o reabilitado se candidate a novo cargo ou função pública, por concurso, ou se candidate ao exercício de mandato eletivo de qualquer natureza, vedando-se a sua volta ao cargo, função ou mandato que ocupava.

II - Incapacidade para o exercício de pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado.

Esse dispositivo deve ser entendido da seguinte forma: a perda do pátrio poder, etc. decorre do cometimento de crime doloso (exclui-se o culposo e a contravenção), sujeito à pena de reclusão (os sujeitos a detenção ou outra estão excluídos), no qual a vítima tenha sido o filho, tutelado ou curatelado, mas não de qualquer crime; apenas aqueles mais graves, dos quais resulte uma incompatibilidade com o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela ou um abuso de autoridade de parte do titular do poder, v.g., estupro, favorecimento à prostituição, maus-tratos com lesão corporal grave e outros.

Note-se que a incapacidade subsiste, ainda que o juiz substitua a pena de reclusão por outra. O artigo fala em "crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão" e não em "pena aplicada".

Em casos tais, a reabilitação restitui o exercício do pátrio poder, tutela e curatela apenas em relação aos filhos, tutelados e curatelados que não foram vítimas do crime, pois se trata de incapacidade permanente.

III - Inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Trata-se de um efeito da condenação também permanente, subsistindo enquanto não for concedida a reabilitação. Aplica-se naqueles casos em que o veículo foi utilizado como meio para a prática de crime doloso, não devendo ser confundida com a medida adotada no art. 292 da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro.

De se notar, ainda, que a expressão "veículo", empregada no inciso, é lato senso, abrangendo todo e qualquer veículo: aeronaves, motocicletas, etc.

4.3 - Art. 93, caput:

O sigilo, de que trata o art. 93, após o advento da Lei 7.210, de li de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), prescinde do pedido de reabilitação. Com efeito, o art. 202 da LEP assegura que

Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

De modo que o sigilo sobre os antecedentes, hoje, é automático.

4.4 - Art. 94:

- Caput: exige-se que a pena tenha sido cumprida ou extinta de qualquer outra forma, tal como a prescrição da pretensão executória, o indulto, etc., não sendo exigível o seu efetivo cumprimento. Tratando-se da pena de multa, é necessário o seu pagamento ou a declaração de sua extinção por algum dos motivos legais.

Observação a ser feita diz respeito ao art. 32 da Lei 6.368/76, que estabelece prazo diferente para a reabilitação dos crimes referentes a tóxicos. Esse artigo foi revogado pela reforma de 1984, dentro do princípio de que lex posterior derrogat lex anterior. Hoje o prazo é de dois anos para todos os casos, seja o delito apenado com reclusão ou detenção.

- Contagem do prazo de dois anos

a) Na extinção da pena: deverá ser feito a partir do dia em que, efetivamente, ocorreu a prescrição da pena, e não do ato de sua formal declaração.

b) Nosursis: não há carência para que o condenado possa requerer a reabilitação, podendo fazê-lo assim que cumprida a pena pelo sursis ou pelo livramento condicional. O prazo começa a fluir a partir da audiência admonitória.

c) Na medida de segurança: o termo inicial do lapso é contado do término da execução da medida de segurança detentiva eventualmente imposta.

- Inciso I, Domicílio no País: pode ser provado por todos os meios de prova, admitidos em Direito.

- Inciso II, bom comportamento: o instituto da reabilitação, como já assinalado, pode ser requerido e concedido seja qual for o crime cometido, presentes os requisitos legais. O bom comportamento deve ser comprovado pelas formas estatuídas no Código de Processo Penal, artigos 743 e seguintes, que não foram revogados: mediante certidões expedidas pelos órgãos públicos, mormente a polícia, dos locais onde o reabilitando tenha residido.

- Inciso III, prova do pagamento do prejuízo: esse requisito tem sido exigido com muita elasticidade pelos tribunais, haja vista que a grande maioria das vítimas não faz questão do ressarcimento, e os condenados são, em sua grande maioria, pobres.

4.5 - Art. 95, Revogação da reabilitação

Para que ocorra, é preciso que:

1 ° - O reabilitado seja condenado por sentença definitiva. Não basta a prática de nova infração, nem a denúncia ou o processo, mas sentença condenatória transitada em julgado.

2° - Que seja condenado a pena que não seja a de multa. Isto é, às penas privativas de liberdade, já que as restritivas de direitos não podem ser aplicadas ao réu reincidente, por força do art. 44, lI, do CP.

3° - Que o condenado seja reincidente. É preciso que o novo crime seja cometido dentro do prazo do art. 64, I, do CP: tempo menor ou igual a 5 anos desde a extinção da primeira pena, para que o condenado seja considerado reincidente.

Apenas quando estiverem presentes estes três requisitos, simultaneamente, será a reabilitação revogada.

- Efeitos da revogação: quando revogada a reabilitação, os efeitos suspensos voltam a operar normalmente, desaparecendo o sigilo dos registros, ocorrendo a perda do pátrio poder, tutela ou curatela, o cargo, a função pública ou o mandato eletivo, bem como a habilitação para dirigir veículos.

Revogada a reabilitação, nada impede que seja novamente requeri da, desde que sejam observados os requisitos do art. 94, CP.

5. Questões processuais referentes à reabilitação:

1. O pedido de reabilitação só pode ser formulado por quem tenha capacidade postulatória para estar em juízo (leia-se advogado regularmente inscrito na O.A.B.).

2. Só o sentenciado pode pleitear a reabilitação. Tratando-se de pleito personalíssimo. Falecendo aquele, o direito não se transmite a seus sucessores, como na revisão criminal.

3. A L.E.P. não revogou o art. 743 do Código de Processo Penal, de modo que a competência para apreciar o pedido de reabilitação continua sendo do juízo da condenação e não da execução penal.

4. A reabilitação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, cabendo recurso contra a decisão que a denegue. Na legislação anterior, o fundamento era o art. 581, IX, do Código de Processo Penal, já que era considerada causa extintiva da punibilidade. Diante da lei nova, que não mais a considera assim, mas como medida de política criminal, o recurso cabível é o de apelação.

6. Reabilitação e indulto, graça e anistia:

A graça é uma medida de caráter individual, devendo ser solicitada (art. 188 da LEP); o indulto é medida de caráter coletivo e espontâneo, podendo ser total, alcançando todas as sanções impostas, ou parcial, prevendo a redução ou substituição das sanções (comutação).

Em ambos os casos, extinguem a punibilidade, subsistindo o crime, a condenação irrecorrível e seus efeitos secundários (salvo no caso em que o indulto é concedido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória). Dessa forma, subsistindo aqueles efeitos, é cabível pleitear-se reabilitação, em caso de indulto ou graça.

A anistia, por seu turno, concedida em regra aos crimes políticos, extingue a punibilidade e demais conseqüências de natureza penal. Apaga o crime, rescinde a sentença penal. Nesse caso, entendo que não cabe o pedido de reabilitação, por ausência do que reabilitar.

 

Conclusão

A reabilitação é medida de política criminal, tratando-se de direito subjetivo do condenado, que visa colaborar na sua reinserção.

Apresentado o pedido ao juiz, caberá a ele examinar apenas os requisitos de tempo decorrido da extinção da pena e se o condenado comprovou, por documentos, o bom comportamento, sendo vedado ao magistrado tecer quaisquer comentários ou juízos a respeito da pessoa do reabilitando, sobre seu passado criminoso, elaborando hipóteses sobre sua reincidência.

O instituto tem um grande alcance, na medida em que garante o sigilo sobre os processos suportados pelo reabilitado, o que lhe assegura o direito à intimidade, protegendo-o da mácula de condenações que, certamente, poderiam tisnar-lhe o futuro, impedindo-o de se reintegrar à sociedade.

Entretanto, embora a melhor doutrina reconheça que a forma de reabilitação adotada em nosso ordenamento seja a mais avançada, ela peca por "lavar as mãos" do poder público, uma vez que, contentando-se com a mera comprovação de não delinqüência, o governo não se obriga a estabelecer uma efetiva política de reinserção em favor daquele.

O que o candidato à futura reabilitação vai fazer na sua vida para se manter é problema exclusivamente dele; vale tudo, da informal idade ao subemprego, desde que não resvale a reincidência.

De fato, quando um condenado deixa a prisão, só pode contar com sua sorte, para conseguir uma vaga no estreitíssimo mercado de trabalho globalizado. Considerando-se que a grande maioria dos condenados não tem qualificação profissional quando entram nos presídios e lá não a recebem, e que O efeito recuperativo da prisão é cada vez mais um ideal intangível, a vis atractiva do crime é muito grande, sobre os egressos do sistema prisional, atuando como verdadeiro fator de reincidência.

Ora, a própria ONU já determinou que a responsabilidade do Estado para com o preso não termina com sua libertação, devendo àquele assistir a este, para que não volte a delinqüir. Então, por que não criar mecanismos que possibilitem a real inserção do condenado no mercado de trabalho? A mesma sociedade que negou, ao condenado, os meios que lhe permitiriam viver condignamente, votando-o ao crime, criou formas de "reabilitar" quem já cumpriu pena, sem obrigá-la a aceitá-los, através da ausência de políticas públicas, de leis, nesse sentido.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
NUFOR-IPq-HCFMUSP. Av. Dr. Ovídio Pires de Campos, s/n - 3º andar
CEP 05403-010 - Cerqueira César - São Paulo-SP. Tel.: (11) 3069-6525

 

 

Sobre o autor:

* Marco Antônio de Menezes é Criminólogo, pesquisador em Ciências Penais e membro efetivo do Nufor.
1 Jescheck, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal: parte general. Trad.: Mir Puig & Mufíoz Conde, Barcelona, 1981, vol. lI, p.1247. In: Perez, Augusto Martinez. Reabilitação penal no direito brasileiro. São Paulo, USP, 1985. Dissertação de mestrado.
2 Diário do Congresso Nacional, Seco I, Brasília, 1° de julho de 1983.
3 Avallone, Vicente Baeza. p. l92 , apud Perez, Augusto Martinez. Op. cil.
4 Manzini, Vicenzo. Diritto penale italiano. Nuova Edizione, Torino, UTET, 1950, vol. III, p. 671.
5 Hungria, Nelson. Questões jurídico penais. Rio de Janeiro, Jacintho, 1940. p. 123.
6 Hemández, César Camargo. La rehabilitación. Barcelona, Bosch, 1960. p.62 e 64.
7 Pierangelli, Op. cit. p.174. apud Perez. Augusto Martinez. p.49.
8 Pierangelli, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica, p.122. In: Perez, Augusto Martinez. Reabilitação penal no direito brasileiro. São Paulo, USP, 1985. Dissertação de mestrado.
9 Pierangelli, José Henrique. Op. cit p.277.
10 Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 4 ed. São Paulo, Ed. RT, 1976. p. 420.