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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.3 no.2 São Paulo Dec. 2002

 

ARTIGOS

 

Tão longe, tão perto: andarilhos de estrada e a vivência do distanciamento familiar

 

 

Rodrigo Sanches Peres *

Universidade Estadual Paulista - Assis

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudos indicam que as desavenças familiares são um dos principais fatores associados ao rompimento com os referenciais sociais característico do estilo de vida dos andarilhos de estrada. Com o objetivo de investigar a personalidade desses sujeitos, uma bateria de técnicas projetivas gráficas foi aplicada em 23 andarilhos albergados em uma instituição assistencial. No presente estudo serão apresentados os dados obtidos por meio do Desenho da Família, um instrumento que permite a expressão das percepções e dos sentimentos de um sujeito acerca dos re-lacionamentos familiares. A análise das produções coletadas indica que os andarilhos pesquisados possuem sentimentos de hostilidade e agressividade em relação à família, tendência à evasão, inibição, retraimento e autodesvalorização e encontram grandes dificuldades nos contatos sociais. Tais resultados não são conclusivos, mas fornecem subsídios para uma melhor compreensão desses sujeitos e, conseqüentemente, o aprimoramento das estratégias de intervenção voltadas a essa população socialmente marginalizada. Por fim, são apresentadas algumas considerações sobre a necessidade de formulações de mais pesquisas que venham auxiliar o tratamento de uma doença crônica de difícil adesão, como o Diabetes, promovendo a escuta em sua demanda.

Palavras-chave: Andarilhos de estrada, Família, Técnicas projetivas gráficas, Desenho da Família.


ABSTRACT

Researches show that the familiar disagreements are one of the main motivations of the social rupture characteristic of the highway wanderers' life style. With the purpose of investigate this subjects' personality, a battery of graphic projective techniques was applied in 23 highway wanderers hosteled in a assistantial institution. In this work will be presented the data obtained with the Family Drawing, a technique that allows the expression of feelings and perceptions about the familiar relationships. The colected production analysis indicates that the researched highway wanderers have feelings of hostility and agressivity with their families, tendency to escape, inhibition, restraint and self desvalorization and find severe dificulties to establish social contacts. These results aren't conclusives, but supply subsidies to a better comprehension of this subjects and, eventually, to improve the intervention' strategies directioned to this population. Finally, it presents some considerations on the necessity of doing more research to help the treatment of a chronic disease such as Diabetes, which is characterised by difficult adherence to treatment.

Keywords: Highway wanderers, Family, Graphic projective techniques, Family Drawing.


 

 

Introdução

Andarilhos de estrada são sujeitos que vivem nos acostamentos de rodovias, caminhando solitariamente e sem destino, carregando num saco ou mochila puída todos os seus pertences. A presença cada vez mais notável desses indivíduos nas vias de transporte terrestre brasileiras evidencia a intensidade do fenômeno da movimentação de nômades e errantes nos dias de hoje. No entanto, de acordo com Justo (1998), a circulação do homem pelo mundo não é característica apenas da contemporaneidade. Trata-se, na verdade, de um fenômeno que já atravessou todos os espaços temporais e geográficos já ocupados.

Os andarilhos de estrada, segundo Snow e Anderson (1998), seguem um estilo de vida baseado na tríade bebida, migração e trabalhos temporários e eventuais. A sobrevivência no "trecho" é geralmente permeada por um sentimento constante de incerteza, decorrente da precariedade, desassistência e isolamento característicos dessa situação. Quando não trabalham, os andarilhos adotam a mendicância como meio de subsistência sem, no entanto, ficar muito tempo parados em um só lugar. A desconfiança e insegurança dominam esse universo, de modo semelhante ao que se observa na sociedade contemporânea, em decorrência de um vagaroso, porém gradual, processo de instalação de uma nova realidade social, que implanta o provisório como modo de existência. O andarilho, desse modo, não por excesso de investimentos subjetivos, mas sim por falta de referências, torna-se um sujeito altamente individualizado, que não pertence a ninguém, a não ser a si mesmo, e por isso não consegue se inserir efetivamente em espécie alguma de coletividade (Castel, 1998).

A errância, na atualidade, é um evento impulsionado por uma intricada multifatorialidade, em que há uma densa interação entre os vários acontecimentos que podem atuar como motivadores da decisão de abandonar os referenciais da vida em sociedade. Verificamos em um estudo anterior (Peres, 2001) que os andarilhos apontam como os principais fatores associados à iniciação no "trecho" questões psicológicas, tais como as desavenças familiares, por um lado, e questões socioeconômicas, como o desemprego e a pauperização, por outro. Tais fatores, a despeito de distintos, parecem, em última análise, possuir uma íntima vinculação à realidade social do mundo contemporâneo, que exige uma readaptação incessante a novos paradigmas e torna cada vez mais efêmeros os relacionamentos afetivos e emocionais e as fixações sociais e geográficas (Castel, 1998; Justo, 1998).

Diversos trabalhos têm sido realizados com andarilhos de estrada, enfatizando vários aspectos dessa problemática (Justo, 1998; Castel, 1998; Snow & Anderson, 1998; França, 1999; Nascimento & Justo, 2000; Peres, 2001, entre outros), mas pouco enfoque tem sido dado às características psicológicas desses sujeitos. Acreditamos, entretanto, que é preciso dedicar maior atenção a essa questão para que se compreenda de um modo mais abrangente esse complexo fenômeno que é a errância. Além disso, parece que somente dessa forma será possível o aprimoramento das estraté-gias de intervenção dedicadas a essa população, visto que as políticas adotadas pela maioria dos governos capitalistas com o intuito de reinserir socialmente sujeitos marginalizados não tem alcançado resultados efetivos, pois não levam em conta o caráter heterogêneo dos diferentes grupos de "excluídos" (Castel, 1998).

Tendo em vista esse propósito, realizamos uma pesquisa com andarilhos de estrada mediante a aplicação de técnicas projetivas, uma vez que os instrumentos dessa categoria são considerados os mais valiosos do método clínico, visto que possibilitam uma investigação psicológica dinâmica e global (Anzieu, 1978). Cientes de que a comunicação verbal desses sujeitos é extremamente estereotipada e marcada pela insinceridade, evasão, desconfiança e utilização intensa de mecanismos de defesa (Peres, 2001; Nascimento & Justo, 2000), as técnicas gráficas nos pareceram o tipo de instrumento projetivo mais apropriado, pois empregam como forma principal de comunicação não a fala, mas sim desenhos e grafismos (Trinca, 1987). Assim sendo, adotou-se nesta pesquisa uma bateria de técnicas composta pelo Desenho da Família (DF), House-Tree-Person (HTP) e Desenho da Figura Humana (DFH). O presente estudo se insere nesta pesquisa, mas visa exclusivamente à apresentação dos resultados oriundos do emprego de uma das técnicas utilizadas: o Desenho da Família (DF).

 

Objetivo

O presente estudo focaliza especificamente a investigação das percepções e sentimentos que os andarilhos de estrada possuem em relação a suas famílias e ao papel que ocupam nesse grupo. Tal investigação justifica-se se considerarmos que esses sujeitos praticamente romperam os vínculos com seus entes e apontam as desavenças familiares como um dos principais motivos do abandono das malhas da rede social.

 

Desenvolvimento

Sujeitos

Foram tomados como sujeitos deste estudo vinte e um (21) andarilhos de estrada do sexo masculino espontanea-mente albergados em uma instituição assistencial da cidade de São Carlos (SP). Todos assumidamente consomem bebidas alcoólicas e não possuem residência fixa. O tamanho relativamente pequeno da amostra justifica-se devido à dificuldade de encontrar sujeitos dispostos a colaborar com o estudo, o que pode ser entendido como um reflexo da tendência ao retraimento e isolamento que parecem caracterizar essa população. A faixa etária dos sujeitos variou de 19 a 63 anos e o tempo no "trecho" de 6 meses a 18 anos.

Instrumento

O Desenho da Família (DF) é uma técnica projetiva gráfica que surgiu em meados de 1940 e expandiu-se rapidamente, de modo que não há um consenso quanto a sua origem e seu criador (Ortega, 1981; Trinca et al., 1981). Trata-se de um instrumento especialmente útil quando se procura captar a percepção que o sujeito tem de si mesmo e das relações que estabelece com o meio familiar (Hammer, 1981; Cunha, Freitas & Raymundo, 1986; Ortega, 1981).

Técnica de coleta dos desenhos

A aplicação do instrumento foi realizada individualmente, em uma sala reservada na própria instituição, e os materiais empregados foram lápis preto, folhas de papel em branco e eventualmente borracha. Os desenhos foram coletados de acordo com a técnica proposta por Corman (1967), de modo que os sujeitos foram orientados a desenhar uma família, e não a sua própria família, como sugerem outros pesquisadores. Optou-se por essa técnica de coleta dos desenhos considerando-se que a ambigüidade da instrução conduz o examinando a uma projeção mais profunda, o que torna o emprego do instrumento mais revelador e proveitoso.

Corman (1967) propõe ainda a utilização de um inquérito padronizado posterior aos desenhos, com o intuito de esclarecer alguns aspectos das produções gráficas. A intenção inicial no presente estudo era empregar o inquérito, mas os sujeitos não demonstraram disponibilidade para tanto. De qualquer forma, a fala, na maioria das situações, é mais suscetível à utilização de mecanismos de defesas inconscientes do que a linguagem gráfica, e essa regra geral parece ainda mais evidente com os andarilhos (Peres, 2001). Assim sendo, acreditamos que o fato de termos priorizado a linguagem gráfica não invalida as interpretações oriundas da análise dos desenhos. Além disso, vale destacar que, a despeito de não termos utilizado o inquérito de Corman (1967), a linguagem verbal não foi dispensada em absoluto, pois foram feitas aos examinandos algumas perguntas quando eventuais esclarecimentos em relação aos desenhos se fizeram necessários.

Técnica de análise dos desenhos

Não se encontrou na literatura científica consultada nenhuma proposta sistemática de avaliação do DF, uma vez que a maior parte dos estudos que empregam essa técnica como instrumento de investigação prioriza um exame predominantemente intuitivo e subjetivo dos desenhos. Desse modo, elaborou-se especialmente para esta pesquisa um protocolo de avaliação, composto por 32 indicadores, tomando-se como base para tanto os estudos de Corman (1967), Cunha, Freitas e Raymundo (1986), Ortega (1981), Hammer (1981), Campos (1998), Van Kolck (1984) e Santos (1997).

No que diz respeito às interpretações dos desenhos, empregou-se uma abordagem qualitativa de análise, visto que a maioria dos pesquisadores considera esse sistema mais profundo e revelador, ainda que menos objetivo e sistemático do que a análise quantitativa. Em virtude da inexistência de pesquisas voltadas à padronização e normatização do DF em populações brasileiras, as interpretações foram baseadas em uma série de obras que, apesar de não apresentarem um sistema ordenado e metódico de análise, fornecem subsídios para a atribuição de significados a diversos aspectos das produções, tais como as de Machover (1962, 1967), Levy (1967), Portuondo (1973), Hammer (1981) e Van Kolck (1984). Vale ressaltar, por fim, que, com o intuito de conferir maior precisão e fidedignidade às interpretações, considerou-se a convergência de indícios e a avaliação global das produções, pois um único aspecto de um desenho jamais possui, por si só, apenas um significado específico e nem tampouco reflete necessariamente traços da personalidade do sujeito que o executou (Di Leo, 1991).

 

Resultados

Por uma questão meramente didática, os resultados serão apresentados em função das hipóteses formuladas a partir da análise dos aspectos gerais, formais e de conteúdo dos desenhos. Devido a esse mesmo motivo também serão especificados entre parênteses os autores que fornecem os subsídios para a elaboração de tais hipóteses. Além disso, apresentar-se-ão alguns dos indicadores mais ilustrativos que foram verificados na avaliação das produções, com o intuito de esclarecer para o leitor a "origem" de algumas das interpretações, que dizem respeito ao conjunto das principais características presentes na maioria das produções.

A análise dos aspectos gerais dos desenhos indica que a maior parte das produções coletadas possui tamanho médio (47,6%), foi executada com a folha de papel na posição horizontal (52,3%) e com linhas médias e contínuas (71,4%). Tais características, contudo, não possuem nenhuma interpretação específica (Van Kolck, 1984; Campos, 1998; Hammer, 1981). A ocorrência de resistências para desenhar foi o único indicador significativo relativo aos aspectos gerais das produções: uma parcela considerável de sujeitos (47,6%) recusou-se, a princípio, a executar a tarefa, mas acabou consentindo após ter-lhes sido novamente assegurado, assim como fora feito no início da aplicação, que a habilidade para desenhar não era importante. Essa rejeição inicial possivelmente está associada a sentimentos de inadequação e inferioridade, como se os sujeitos preferissem não se expor para não serem julgados por suas eventuais imperfeições (Van Kolck, 1984).

Os aspectos formais das produções coletadas revelam indícios de insegurança, insatisfação, instabilidade emocional, conflitos sexuais, sentimentos de inadequação corporal e tendência ao isolamento e retraimento nos contatos sociais, uma vez que a maior parte dos sujeitos produziu desenhos simetricamente inadequados (85,7%), com pouquíssimos detalhes (76,1%) e complementos (85,7%), dispensou um tratamento gráfico demasiadamente diferenciado ao contorno do tronco, dos braços e da área genital dos personagens e omitiu mãos e pernas das figuras (Hammer, 1981; Van Kolck, 1984; Campos, 1998; Machover, 1962, 1967).

A análise dos aspectos de conteúdo dos desenhos será apresentada de uma forma mais detalhada, visto que mostrou-se mais profícua. Considerando-se que o personagem masculino adulto foi desenhado em primeiro lugar na maioria (90,4%) dos casos, pode-se supor que a figura paterna é a que recebe o maior investimento afetivo dos sujeitos (Campos, 1998). Levando-se em conta ainda que esse mesmo personagem também foi o mais valorizado graficamente por 66,6% dos sujeitos, essa hipótese parece efetivamente confirmar-se, pois, conforme Corman (1967), a figura mais elaborada, com maiores detalhes ou destacada positivamente de qualquer outra forma, diz respeito àquela mais admirada e considerada importante pelo indivíduo.

Por outro lado, as figuras infantis foram as menos valorizadas em 71,4% dos desenhos, pois além de serem desproporcional e exageradamente menores do que as figuras adultas, são mais pobres em detalhes e desintegradas. Tal característica pode estar associada à rivalidade fraterna ou ainda a um possível sentimento de depreciação e rejeição, por parte dos sujeitos, em relação a crianças de um modo geral (Cunha, Freitas & Raymundo, 1986; Ortega, 1981).

Nas produções de 61,9% dos sujeitos as figuras possuem entre si uma proximidade razoavelmente adequada. Tal característica, se erroneamente analisada por si só, poderia ser considerada um vestígio da existência de trocas afetivas significativas entre os membros da família. No entanto, sabe-se que o rompimento com os familiares é uma das características definidoras dessa população (Peres, 2001; Nascimento & Justo, 2000; França, 1999), o que permite supor que, em relação a esse aspecto do desenho, a maior parte dos sujeitos empregou como mecanismo de defesa a negação por um lado e a fantasia compensatória por outro, para mascarar esse distanciamento e forjar simbolicamente uma proximidade familiar que é inexistente na realidade (Corman, 1967). Ademais, a análise global dos desenhos não transmite uma impressão de integração familiar, pois, apesar de próximas umas das outras, as figuras paradoxalmente parecem distantes e até mesmo isoladas em alguns casos, considerando-se a postura e disposição espacial dos personagens e o posicionamento de seus braços (quando presentes). Tais indícios sugerem que não há comprometimento algum entre os sujeitos que produziram esse tipo de desenho e seus familiares (Cunha, Freitas & Raymundo, 1986; Piccolo, 1981). Por fim, parece razoável ainda pensar que a proximidade gráfica verificada entre os personagens do desenho indica que, a despeito da ruptura fami-liar, a presença dos entes é constante no pensamento dos andarilhos (Di Leo, 1991).

As produções de 90,4% dos sujeitos não apresentam nenhuma figura extra-familiar. Na verdade, membros básicos da família foram omitidos dos desenhos por uma porcentagem considerável (42,8%) dos indivíduos pesquisados. Tais características são indícios significativos de que os andarilhos possuem sentimentos de agressividade e hostilidade em relação a seus familiares, possivelmente por sentirem-se atualmente, ou terem se sentido durante o período em que mantinham um contato mais estreito com seus entes, excluídos, desvalorizados e inferiores (Corman, 1967).

Os poucos detalhes presentes nos personagens dos desenhos da família coletados, tais como bolsos nas camisas, linha mediana representada por botões, zíperes nas calças, cintos e tratamento diferenciado da parte genital, sugerem a existência de conflitos de ordem sexual, dependência, traços regressivos e dificuldades nos relacionamentos e no contato com o mundo exterior (Machover, 1962, 1967; Portuondo, 1973; Levy, 1967).

Além desses indicadores, é possível verificar que os desenhos são demasiadamente empobrecidos e suas partes consideravelmente desintegradas. Ademais, pouca atenção foi dispensada à diferenciação, tanto gráfica quanto espacial, dos personagens. Tais características são altamente significativas (Van Kolck, 1984; Hammer, 1981; Portuondo, 1973) e permitem supor que os sujeitos pesquisados possuem dificuldades nos relacionamentos sociais, sentimentos depreciativos em relação à família e de inadequação e desvalorização em relação a eles mesmos.

 

Conclusão

Faz-se necessário reconhecer que, por uma série de razões, as análises aqui apresentadas não possuem um caráter definitivo e conclusivo. Em primeiro lugar, o número de sujeitos pesquisados é relativamente reduzido, pois o contato com andarilhos, em virtude da tendência ao isolamento que os caracteriza, é extremamente custoso. Em segundo lugar, por essa mesma razão não foi possível combinar outros instrumentos com as técnicas gráficas utilizadas, o que possivelmente conferiria maior fidedignidade às interpretações elaboradas.

Em terceiro lugar, não se encontrou na literatura científica nenhuma pesquisa voltada à investigação psicológica dessa população mediante o emprego do DF, o que dificultou o processo de comparação dos dados obtidos. Em quarto lugar, é evidente a necessidade do desenvolvimento de estudos sistemáticos de padronização e normatização com populações brasileiras para que o DF - assim como outras técnicas gráficas - possa ser utilizado de maneira mais confiável, uma vez que a ausência de parâmetros para comparações transculturais contribui para o emprego inadequado e descontextualizado dos instrumentos gráficos (Hutz & Antoniazzi, 1995; Hutz & Bandeira, 1995). Além disso, a validade das interpretações de desenhos ainda é, em última instância, questionável e controversa (Maloney & Glasser, 1982), visto que até os dias de hoje "as tentativas de elevar o estudo dos desenhos à categoria de ciência (como conhecimento sistematizado, derivado da observação, experimentação e controle) são louváveis, mas ainda pouco convincentes" (Di Leo, 1991, p. 202).

De qualquer forma, o DF, a despeito de suas limitações, possui uma série de vantagens em relação a técnicas de outros tipos, considerando-se que é um instrumento de aplicação rápida e simples, capaz de superar dificuldades de comunicação verbal e subsidiar uma investigação psicológica global e profunda, uma vez que a sensibilidade e agudez clínica do instrumento são incontestáveis. No presente estudo, a utilização do DF viabilizou a expressão de importantes características psicológicas dos sujeitos pesquisados que não encontravam - talvez porque os próprios andarilhos não desejavam torná-las conhecidas ou porque sequer tinham consciência desses aspectos - uma forma mais direta de enunciação. Evidenciou-se, assim, que o distanciamento familiar é vivenciado pelos andarilhos de forma conflituosa, problemática e ambivalente, pois os desenhos coletados indicam que os sujeitos pesquisados, por um lado, possuem sentimentos de agressividade e hostilidade em relação a suas famílias, mas por outro lado parecem desejar uma reaproximação com seus entes.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
E-mail: rodrigo_sanches_peres@hotmail.com

Encaminhado em 22/01/03
Aceito em 12/03/03

 

 

Sobre o autor:

* Rodrigo Sanches Peres é graduando do curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista/UNESP Câmpus de Assis.