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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.3 no.2 São Paulo Dec. 2002

 

ARTIGOS

 

Nada será como antes - o discurso do sujeito coletivo hanseniano

 

 

Marisa Fumiko Nakae

Hospital das Clínicas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A hanseníase, apesar de ser uma doença antiga, ainda representa um problema de saúde pública. Segregação e preconceito fizeram parte de seu histórico que, sob influência religiosa, era explicada como punição divina resultante de um pecado. Na década de 60, numa tentativa de desestigmatização, travou-se uma luta para mudança do nome lepra para hanseníase. Este trabalho objetivou a construção dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSC) para que assim, pudessem ser acessadas as representações sociais que os pacientes-sujeitos desta pesquisa possuíam em relação à sua doença, bem como verificar a contribuição que o acompanhamento psicológico pode oferecer a esses pacientes. Foram entrevistados sete pacientes em tratamento ambulatorial, e levantando-se dados acerca da história da doença e de vida, foi possível extrair as categorias que compuseram onze DSCs. Por meio da análise desses discursos, foi verificado a força que o estigma possui, fazendo com que, no imaginário coletivo, haja uma mistura entre ciência e crença. Foi observado que, por mais que o paciente tenha acesso às informações técnicas, algo não se encaixa com o que vivencia, há um sentimento de desamparo diante das não-respostas ao corpo que parece não ser mais o seu. Na fala dos sujeitos houve um pedido claro e manifesto da escuta de suas dores psíquicas, assim, o papel do psicólogo na equipe multidisciplinar torna-se importante na medida em que abre uma saída para esse desamparo, possibilitando que o desconhecido se torne conhecido ao nomear essas não-respostas, permitindo que o paciente se reorganize e se reposicione no mundo e, com isso, construa uma nova história.

Palavras-chave: Hanseníase, Discurso do sujeito coletivo, Representação social.


ABSTRACT

Hansen disease, instead of being a very ancient disease, still represents a public health problem. Its history was made by segregation and prejudice that, under religious explanation, was a punishment for a sin. In 60'decade, trying not to stigmatize, some people fight to change the name lepra to Hansen disease. This present research motivated the construction of Collective Subject Speech (CSS) to reach patients-subjects socials representations of their illness and verify psychological contribution they will get. Seven patients that had been treated in an ambulatory way were interviewed and done data about their illness and lives. It was possible to estimate the categories that compounded eleven CSSs. After the speech analysis, it was verified how strong the stigma is, doing a collective illusory sum of science and faith. It was noted that, instead of patient technical information, something doesn't get with their way of living. He patient feels destitution because the non-answers of the body that is not his anymore. In the subjects speech there were an obvious and clear demand of need to someone to hear his psychological pain. So that, the presence of a psychologist in the multidisciplinary team is important because it open an outlet to this destitution, turning possible that the unknown came known when he will able to nominate this non-answers, permitting the patient reorganization and new positioning in the world and, with this, the construction of a new history.

Keywords: Hansen disease, Collective Subject Speech, Social representation.


 

 

Introdução

A hanseníase, antes denominada lepra, parece ser uma das mais antigas doenças que acometem o homem e, ainda hoje, continua a representar um problema de saúde pública mundial. O Brasil ocupa o 2º lugar no mundo em número absoluto de casos, sendo superado apenas pela Índia.

A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa que tem por agente causal a micobactéria denominada Mycobacterium leprae (M. leprae), descoberta em 1873 pelo pesquisador norueguês Gerhardt Henrik Armanuer Hansen.

A M. leprae, tem por característica a multiplicação lenta e baixa patogenicidade, ou seja, o bacilo tem a capacidade de infectar grande número de indivíduos, mas poucos adoecem porque a maioria das pessoas tem resistência ao bacilo (Arruda, 1981; Ventura, 1998; Ministério da Saúde, 2002). A transmissão ocorre provavelmente por via aérea superior, pelo contato interpessoal prolongado com pacientes contagiantes (Levinson & Jawetz, 1998). Sua incidência pode estar relacionada às más condições de alimentação e higiene domiciliar e pessoal, falta de saneamento básico, tipo de habitação inadequada, uma vez que o domicílio é tido como importante espaço de transmissão da doença (Ministério da Saúde, 2002), sendo mais predominante nos grupos socioeconômico-culturais mais carentes da população (Lessa, 1986; Dias, 1997).

A hanseníase sempre lesa os nervos periféricos e é esse dano que causa a maior parte das deformidades que ocorrem na doença (Arruda, 1981; Sato, 1999). Os distúrbios neurológicos manifestam-se na forma de infiltração e espessamento dos nervos, com conseqüente anestesia, neurite, parestesia, úlceras tróficas, reabsorção óssea e encurtamento dos dedos (Brooks, Butel & Ornston, 1998).

Os primeiros sinais ou sintomas no início da doença são manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, com diminuição ou ausência de sensibilidade térmica, tátil ou dolorosa. Após o contato do bacilo com o organismo humano até o surgimento dos primeiros sinais ou sintomas, pode-se passar de 2 a 4 anos o período de incubação. Após esse período, a infecção evolui de maneiras diversas, dependendo das características imunológicas do hospedeiro. Parte dos indivíduos evolui para a forma indeterminada e não contagiosa da doença (grupo paucibacilar: Indeterminada e Tuberculóide), que é quando a doença está no começo e, se tratada, pode evoluir para a cura em 75% dos casos (Pinho & Andrade Jr, 2001); outra parte desenvolve-se para as formas contagiosas da doença (grupo multibacilar: Dimorfa e Virchowiana), mantendo-se com esse caráter contagiante até que lhes seja iniciado o tratamento específico.

A hanseníase tem cura e o tratamento tende a diminuir e a eliminar a infecciosidade dos pacientes. Hoje normalmente o tratamento é ambulatorial, independentemente da forma clínica da doença, sendo administrada a poliquimioterapia, que é uma combinação de medicamentos (Ventura, 1998), usando principalmente dapsona, rifampicina, clofazimina e tioamida (Pinho & Andrade Jr, 2001).

Oliveira (1990) aponta que o trabalho de prevenção na hanseníase, seja físico ou mental, deve ser iniciado no momento da confirmação do diagnóstico clínico, sendo importante haver uma linguagem comum por todos os profissio-nais de saúde, garantindo um tratamento adequado e melhora da auto-estima do paciente (Secretaria de Estado da Saúde, 1999). Dessa forma, somente a ação interdisciplinar entre médico, fisioterapeuta, assistente social e psicólogo poderá conduzir o paciente à aceitação da terapia, uma vez que "as estatísticas comprovam que a doença acomete indivíduos em que o nível cultural é sempre muito baixo [...] o que dificulta a compreensão das justificativas terapêuticas" (Santos, 1990, p. 107).

1. Hanseníase: sua história e sua sina

É difícil precisar a época de seu surgimento, sendo conhecida por várias terminologias, tais como lepra, Mal-de-Hansen ou M.H., morféia, mal-de-lázaro, gafa, elefantíase-dos-gregos, entre outras. Há referências bíblicas da descrição da lepra - infelizmente, sempre com conotação de malignidade - e do processo de segregação e preconceito que os indivíduos acometidos pelo mal eram submetidos, como podemos perceber pela passagem:

O sacerdote lhe examinará a praga na pele; se o pêlo na praga se tornou branco, e a praga parecer mais profunda do que a pele da sua carne, é praga de lepra; o sacerdote o examinará, e o declarará imundo. Será imundo durante os dias em que a praga estiver nele; é imundo, habitará só: a sua habitação será fora do arraial. (Levítico, 14, 3)

Com o aumento da incidência da lepra por toda a Europa durante a Idade Média, foram adotadas medidas de isolamento do doente como profilaxia da doença. O "leproso" era excluído do convívio com a sociedade dita saudável, passando a residir em locais especiais (Lazaretos) mas lhe era permitido o trânsito nas ruas, desde que usasse vestimentas características e fizesse soar uma sineta para avisar os sadios de sua aproximação (Dias, 1997; Ornellas, 1997).

Ornellas (1997) coloca que a influência religiosa, que explicava a lepra como punição divina resultante de uma conduta pecaminosa, deu à medida de expulsão dos leprosos das cidades não só um caráter profilático, mas também um significado de punição pelas faltas cometidas pela pessoa. Para Lessa (1986) o diagnóstico de leproso equivalia à morte civil para o doente diante da marginalização e da perda de seus direitos de cidadania.

No Brasil, os primeiros casos de hanseníase datam de 1600, na cidade do Rio de Janeiro, com a chegada dos colonizadores portugueses. Nessa mesma cidade foi criado o primeiro "Lazareto" brasileiro (Ministério da Saúde, 1989).

Em 1756 um decreto-lei tornava obrigatório o isolamento de todo hanseniano em colônias, primeiramente no Rio de Janeiro, estendendo-se mais tarde a todo país. Em 1883, o governo federal proibiu, por meio de um decreto-lei também, o exercício profissional aos leprosos, o que lhes castrou o direito de ir e vir, além do direito ao trabalho.

Em 1962 foi abolido o isolamento compulsório dos doentes, mas na prática continuou e continua até hoje, uma vez que os pacientes encontram dificuldades de inserção, seja por condições financeiras desfavoráveis ou problemas psicossociais.

O tratamento passou a ser ambulatorial na década de 80, a partir da adoção do esquema terapêutico poliquimioterápico, que reduziu a duração do tratamento de 5 para 2 anos, ou até 6 meses nos casos menos graves.

2. De Lepra para Hanseníase: tentativa de desestigmatização

Em homenagem ao descobridor de seu agente causal, Dr. Hansen, a lepra passou a ser denominada Doença de Hansen. Na década de 60 deu-se início à luta para que o nome lepra, que ainda era utilizado - considerado repulsivo, repleto de preconceitos e que dificultava a educação em Saúde - fosse substituído pelo nome hanseníase. A substituição da nomenclatura foi uma "tentativa de neutralizar o impacto estigmatizante do nome lepra" (Ornellas, 1997, p. 84). Opromolla (2002) afirma que se tornou mais fácil comunicar o diagnóstico de hanseníase, pois esse nome não está associado aos conceitos de maldição ou castigo e quando indagado pelo paciente, o médico pode explicar que é uma doença causada por um micróbio que ataca a pele e os nervos, que é curável e pode, às vezes, ser transmitida à outra pessoa. No entanto, a alteração do nome para evitar o preconceito resultou em outro problema: "hoje poucos conhecem a hanseníase; não sabem que tem cura. Poucos sabem que é uma doença contagiosa e debilitante e quase ninguém sabe que seu tratamento é simples, gratuito e que pode ser feito sem internação" (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde [CONASEMS], 1999). Claro (1995) encontrou em seu estudo uma freqüente manifestação de dúvida, entre os sujeitos, se os dois termos significavam a mesma coisa.

Há campanhas educativas promovidas pelo Ministério da Saúde com recursos audiovisuais como televisão, rádio, revistas, cartazes, etc. que visam ao diagnóstico precoce e à eliminação do preconceito. No entanto, segundo Bakirtzief (1994), as campanhas nem sempre utilizam uma linguagem simples e acessível à população de baixa escolaridade, população esta mais acometida pela doença, podendo levá-la a recorrer aos conteúdos compartilhados no imaginário social (mito da lepra) ou, simplesmente, ignorá-la.

Mesmo que há 129 anos o agente causador tenha sido descoberto, até hoje a hanseníase é vista com um ar de mistério, uma vez que para muitos não é clara a explicação e o entendimento de como se dá a sua disseminação, o seu contágio. Para essa análise devemos levar em conta a complexidade que o tema traz para o paciente, em que muitas vezes sequer consegue pronunciar a palavra hanseníase corretamente, como observou Bakirtzief (1994).

Goffman (1978) traz que os gregos criaram o termo estigma para "se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava" (Goffman, 1978, p. 11).

Para Ornellas (1997, p. 62) o estigma,

uma vez fixado em uma cultura, permanece incorporado aos sentimentos e modos de pensar de um grupo, mesmo quando a condição que o gerou deixou de existir. [...] E, mesmo quando os 'outros' não percebem os sinais da lepra, o leproso, sabedor de sua condição de portador de um atributo estigmatizante, assume essa condição.

Claro (1995), pesquisando a questão da estigmatização social em pacientes acometidos pela hanseníase, não encontrou dados significativos que mostrassem ser essa questão um problema importante para a maioria dos pacientes por ela entrevistados ao contrário, a auto-estigmatização se fez mais presente em função:

a) das representações sobre a lepra cultivadas pelo estereótipo da doença em fases avançadas e sem tratamento;

b) dos prejuízos trazidos à aparência física, relacionada não só à auto-imagem, como também à percepção de reações negativas ou de evitação por parte de outras pessoas;

c) da ocorrência de deformidades e incapacidades.

Oliveira (1990) levantou as reações emocionais dos hansenianos, em tratamento ambulatorial, portadores de deformidade física. Seu estudo revelou ser esta uma população inconformada com suas deformidades, apresentando vários sintomas emocionais (entendido pela autora como sendo da ordem "eu me sinto..."), tais como: tristeza, ao mesmo tempo, raiva, revolta, culpa, destruição e vergonha do seu aspecto horripilante; angústia relacionada aos diversos medos de enfrentar os olhares dos outros, do futuro, da mutilação e da doença, de ser abandonado pela família, da rejeição e da solidão; preocupação com a expectativa quanto ao futuro; insegurança relacionada com a perda da convivência familiar e social, bem como o sentimento de inutilidade, uma vez que as deformidades limitam as atividades laborais.

Em relação ao medo da rejeição - manifestado pelo desejo de se isolar e sumir - e da solidão, os entrevistados de Oliveira (1990) revelaram indignos de poder viver com outras pessoas, revelando o seu próprio preconceito quanto à doença, dados que corroboram o estudo de Claro (1995).

Para Bechelli (1987), estigmatização e rejeição afetam o programa de controle da hanseníase, uma vez que retardam a procura do médico pelo receio do diagnóstico.

Claro (1995) cita o trabalho desenvolvido por Hasselblad em 1975, no qual analisou os aspectos psicossociais da hanseníase e traz os vários tipos de reações psicológicas que surgem diante do seu diagnóstico. Uma delas é a negação da presença da doença, fazendo com que, muitas vezes, o paciente evite o tratamento. Outra reação é a ocultação do diagnóstico ou dos sinais da doença aos demais, temendo as reações negativas ou discriminatórias destes. O terceiro tipo é a revelação do diagnóstico, caso em que o paciente terá de enfrentar as possíveis reações sociais negativas; assim, pode ocorrer de revelar a alguns e esconder de outros.

 

Objetivo

Este trabalho teve por objetivo a construção dos Discursos do Sujeito Coletivo dos hansenianos e, assim, acessar as representações sociais que os pacientes-sujeitos desta pesquisa possuíam em relação à sua doença, bem como verificar a contribuição que o acompanhamento psicológico pode oferecer a esses pacientes.

 

Método

1. Sujeitos

Foram entrevistados sete pacientes em tratamento no Ambulatório de Hanseníase de um município da Grande São Paulo, independentemente de sexo, idade, estado civil, forma clínica da doença e tempo de tratamento.

Características da população amostral:

 

 

 

 

 

Quanto ao diagnóstico clínico, cinco sujeitos (71%) eram portadores da forma clínica virchowiana e os demais, com um sujeito cada, da forma tuberculóide (14%) e dimorfa (14%).

2. Instrumento

Para a pesquisa foi utilizado o método clínico. Tal método tem origem na área médica, a partir dos estudos de Jean Piaget num hospital psiquiátrico, tendo como princípio básico o de "aceitar o modo de falar do doente, seguindo o curso de seu pensamento, sem interferên-cias do clínico" (Triviños, 1987, p. 167), procurando assim, descobrir a lógica interna do pensamento do doente. Para Amiralian (1997, p. 159), "o método clínico parte da suposição básica de que as respostas do sujeito não são produzidas por mero acaso, mas pelo contrário, são determinadas pelas condições psicológicas da pessoa."

As entrevistas foram semi-estruturadas, escolhendo-se perguntas-chave de acordo com o que se propunha investigar, considerando-se a técnica de organização e tabulação de dados discursivos em pesquisa qualitativa do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), de Lefèvre, F., Lefèvre, A. M. C. & Teixeira, (2000). O DSC busca "resgatar o discurso como signo de conhecimento dos próprios discursos" (Lefèvre et al, 2000, p. 19), permitindo, por meio do discurso, o acesso a dados de realidade de caráter subjetivo.

A construção do DSC implica nos seguintes conceitos-base :

a) Expressões-chave: é o resgate da literalidade do depoimento a partir das transcrições literais de partes ou segmentos, contínuos ou descontínuos do discurso, que revelam a essência do discurso ou a teoria subjacente .

b) Idéias centrais: consiste nas afirmações que permitem traduzir o sentido e o tema das expressões-chave de cada um dos discursos analisados.

c) Discurso do Sujeito Coletivo (DSC): é a construção de um ou vários discursos comuns, abstratos, composto de vários discursos individuais desparticularizados, ou seja, é a reunião de todas as possibilidades imaginárias oferecidas por uma dada cultura, num dado momento, para pensar num determinado tema.

Para Lefèvre (2000), um discurso desparticularizado é uma forma prática de acessar a representação social, pois ele representa uma fala do social.

3. Procedimento

Para a coleta dos dados foram realizadas entrevistas em duas sessões, com exceção de um dos sujeitos, que é atendido mensalmente e então foi feita a entrevista numa única sessão.

Levantando dados acerca da história da doença e de vida dos sujeitos, bem como questões ligadas ao preconceito, foi possível compreender as representações do sujeito coletivo. Para que fosse possível o resgate da literalidade dos depoimentos, as entrevistas foram gravadas e transcritas, extraindo-se assim as categorias que constituíram os DSCs.

 

Resultados

Análise e discussão dos dados

1. Discursos do Sujeito Coletivo

a) Como tudo começou...

Aí começou uma coceira nos braços, comecei a sentir coceira nas costas (...) dores nos nervos, encolheu os braços, as pernas; qualquer coisa que pegava caía da mão, não tinha sensibilidade, a mão ficava formigando, queimava a mão (...) e não sabia. Saía umas pelotas aqui assim e expremia, só que ficava buraco e não cicatrizava, entendeu? Apareceu muitas bolhas, o corpo todo. Sentia febre, muita febre.

As formas como a hanseníase se manifesta é bastante complexa, ora por sinais e/ou por sintomas e ambos tão presentes em outras doenças, faz com que a hanseníase tenha várias "caras" e, assim, seja difícil saber o que afinal o doente tem. É a não-explicação, a não-resposta concreta que torna essa doença um mistério para quem a contrai, aliás, o como se pega, a curabilidade ou não, por exemplo, também deixam pairar no ar a dúvida, as lendas e crendices sobre ela, em que tudo passa a ser válido e ao mesmo tempo, inválido, uma vez que as explicações teóricas sobre a hanseníase muitas vezes se mostram tão incoerentes para o paciente na prática...

b) A busca da solução nos tratamentos

alternativos:

Minha mãe passava remédio pensando que era alergia. Fiquei um bom tempo tratando sem saber o que tinha. O que eu pus de remédio aqui... eu saía pro meio do mato e é capim-gordura, arranha-gato... melhorava na hora, refrescava, mas o ferimento continuava... eu já usei tudo, tudo o que me mandaram fazer, eu já fiz. Mamãe ia muito em curandeiro e ele disse: "você não tem essa doença, não é lepra não, o negócio seu é ter esse fígado todo intoxicado". E daí mandou limpar o fígado, tomei remédio, tomei monte de coisa e aí começou a ficar mais corado e aí nunca mais voltei nesses médicos.

A maioria dos entrevistados por Bakirtzief (1994), em seu estudo, revelarou não compreender o tratamento. Diante do desconhecimento da relação tratamento-doença, a autora aponta que a busca de controle da doença pode levar o paciente às práticas da medicina popular ou alternativas, como rezas e benzeduras.

Como diz o ditado "de médico e louco todo mundo tem um pouco", recorre-se a qualquer coisa que dizem ser bom, na ânsia de afastar o sofrimento, mesmo que de forma efêmera. Tais medidas fazem com que haja uma procura tardia, por parte do indivíduo por um tratamento adequado, o que explica o predomínio de formas contagiantes nos casos novos de hanseníase e a dificuldade de controle da doença.

Ainda hoje há uma cultura não preventiva de qualquer doença, assim, quando surgem os primeiros sinais ou sintomas, o que se percebe é que as pessoas geralmente fazem uso de receitas caseiras, como pudemos observar no discurso ou "deixam pra lá" na esperança que desapareçam por si só, negando que algo mais grave possa estar ocorrendo. Não quero com isso desmerecer a eficácia que os remédios caseiros possuem, porém os chamados "remédios naturais" também apresentam suas restrições, limitações e alcances, devendo ter os mesmos cuidados que os medicamentos farmacoterápicos.

Nesse ponto também podemos considerar a relação médico-paciente porque, se proliferam as medicinas alternativas, quer dizer que a medicina tradicional tem algo que não responde e que está ligada à distância que tomou ao olhar a doença e não o doente. A questão da relação médico-paciente poderá ser melhor entendida do DSC "sentimento de desamparo".

c) O que afinal eu tenho?

O médico só olhou e disse que não era hanseníase, disse que era alergia, começou a tratar como alergia e não melhorou. Depois descobri que o que tava sentindo não era alergia, tinha pessoas que falavam que era reumatismo, fiz tratamento de reumatismo.
Tinha um médico que falou um dia "isso aí é câncer de pele", mas de câncer de pele pra hansenia (sic)... eu não sei qual é a diferença de um pro outro, mas... (outro médico) "você tá com diabete e esse negócio na sua perna é trombose", (e o outro) sabe o que ele falava pra mim? "você não precisa tomar nada, você tá bom, passa só essa pomada aqui." Só quando fez a biopssa (sic) e constatou que era hansenia (sic)... aquilo ali foi... como se tivesse dado uma bordoada na minha cabeça.

Seja por desconhecimento por parte do paciente, seja por parte dos profissionais da saúde, a hanseníase é uma doença que, por possuir formas diferenciadas de sinais e sintomas iniciais, confunde-se com outras doenças. Daí as dificuldades do diagnóstico precoce, o que pode comprometer futuramente o prognóstico e a vida do paciente, levando-o a pensar e até mesmo a culpar, porque não dizer, o profissional que o atendeu primeiramente e ter sempre presente no seu imaginário que as seqüelas que carrega hoje, poderiam ser muito diferentes, o que pode ser verdade.

Há uma frase em um dos cartazes do Programa de Controle da Hanseníase que diz: "... procure o serviço de saúde. Ele tem que estar preparado para orientar você", na Legislação sobre o Controle da Hanseníase no Brasil (Ministério da Saúde, 2000) há uma instrução normativa que diz respeito à descentralização das ações de controle da hanseníase, na qual coloca como principal diretriz para o alcance da meta de eliminação da hanseníase, como problema de saúde pública, a implantação das ações de controle em todas as unidades de saúde da rede básica, competindo às esferas federal, estadual e municipal ações específicas em cada âmbito. No entanto, observamos no DSC acima indícios de despreparo dos profissionais. O tempo de tratamento dos casos que possibilitaram a construção do DSC é variável, o que nos leva a pensar que esse despreparo há muito vem persistindo nesse meio.

d) Do diagnóstico confuso às

conseqüências disso:

Naquela época se tivessem falado claramente "você precisa fazer tratamento de hansenia (sic)" (...) talvez hoje eu não tivesse como estou hoje, fiquei com um pouco de seqüelas nas mãos. No começo não tinha nada, se tivesse começado antes acredito que não tinha nenhum problema, tinha estado normal.
Eu poderia já ser tratado quando surgiu os primeiros sintomas (...) mas não confirmou (...) Como o médico via que não dava resultado e não entendia, mandou pro Hospital das Clínicas, daí foi que descobriu.
Primeiro foi as feridas, depois já deu negócio (...) mas não tinha informação, depois já veio seqüelas, afetou a mão, mas até aí não sabia, hoje eu sei que era da doença. É vergonha dizer que tem a hansenia, dizem que é seqüela, mas isso é também (...) marca alguma coisa, né.

Os pacientes delegam suas seqüelas à falta de tratamento adequado, de fato sabe-se que quanto mais tardio o diagnóstico e tratamento, mais comprometimentos a pessoa pode vir a ter. No entanto, dependendo da forma clínica da doença, há uma tendência de atingir mais esta ou aquela região do corpo, trazendo uma evolução diferente de um caso para outro. A essa informação parece que os pacientes não tiveram acesso ou, se tiveram, foi feita de forma que não estivesse ao alcance da compreensão do paciente. Pensando a partir de um referencial psicanalítico, culpar o outro passa a ser uma tentativa de diminuir a angústia e o sofrimento diante daquilo que a vida lhe oferece.

O sentimento de impotência desses pacientes diante da incerteza do diagnóstico e do não-saber médico parece ser muito intenso, o que aumenta a dor e o sofrimento. Schiller (1991) coloca que o paciente deseja saber o diagnóstico, pois este tem a função simbólica da nomeação e, por pior que seja o prognóstico, há palavras que nomeiam seus sintomas. Com isso o grau de angústia desencadeado pela doença pode ser suavizado, uma vez que ela comporta dois pontos: o sofrimento causado pela doença em si e o sofrimento causado pelo não saber sobre o que se tem.

Em relação à percepção de controle sobre a saúde, os resultados da análise de Bakirtzief (1994) mostraram haver um sentimento generalizado de impotência diante da doença entre os sujeitos não aderentes ao tratamento. Já entre os pacientes aderentes, encontrou alguma referência a práticas preventivas de doença em geral ou de evolução da própria hanseníase.

f) Mas como eu peguei isso?

Eu queria saber como peguei essa doença. O médico disse: "isso aí é de família, passa de pai pra filho." Eles falam que é de família, que vem de avô, de avó, de não sei, mas o W [outro paciente] fala que na família dele não conhece ninguém e eu também não!
Era considerada uma doença contagiosa, contagiava os outros da família, mas não é verdade. Acho que não vem de ninguém, vem da gente a própria doença. Os mais antigos falavam que essa doença aparece quando tem um problema grave, que mexe com o sangue, por exemplo, muita carne de porco. Pessoal falava isso, mas também não acredito (...)
Quando criança não usava calçado (...) , anda no curral de porco e se você se corta, pode entrar qualquer coisa e você não descobre. Antes falavam que era doença de sapo, que, tipo assim, sai o couro (...) Falavam que pega da espuma do sapo e a gente brincava muito em água que tinha essas espuma. Agora não sei da onde vem, da onde vai (...) pode vir do vento também.
Acho que nem o médico não vai saber explicar porque é coisa só pra Deus mesmo saber. A gente não sabe da onde veio e nem pra onde vai. A gente tem a sina dessa doença né. Cada um, quando nasce, acho que Deus já te dá aquela sina que você vai passar (...) se você tem a sina de ser uma pessoa sofrida, vai ser sofrida.

Como disse no primeiro DSC, o ar misterioso que a hanseníase é tomada leva o imaginário da pessoa a circular por várias dimensões, tentando retomar o passado em busca de uma explicação que lhe seja concreta, uma vez que o acesso às informações corretas acabam ficando muitas vezes distantes. Como a doença apresenta formas contagiantes e não contagiantes, muitas dúvidas sobre a contagiosidade ou não da doença acabam surgindo no geral, assim como a forma de contágio, fazendo com que sejam levantadas inúmeras possibilidades de se contrair tal doença, reforçando os mitos que a permeiam.

Zimerman (1992) coloca que o surgimento de uma doença orgânica fica acrescido de profundos significados simbólicos de ordem psíquica, em que o pa-ciente pode ser invadido por sentimentos de desamparo, solidão, culpa, vergonha e até sentimento de humilhação por ter "fraquejado" ao ter adoecido. No caso dos hansenianos, o trauma por saber fazer parte da parcela dos indivíduos não resistentes ao bacilo de Hansen pode levá-los à negação dessa condição e das situações que porventura ficaram expostos, imputando às leis divinas o fato de terem contraído a doença.

A literatura médica explica, como foi pontuado no Capítulo 2, sobre etiologia, epidemiologia, manifestações clínicas etc.; no entanto, a experiência apontada pelos sujeitos nos mostra que não basta exibir cartazes explicativos sobre a doença, o texto muitas vezes é de difícil compreensão para eles e a vergonha de pedir esclarecimentos ou a não-escuta dessa dificuldade por parte dos profissionais faz com que o paciente se torne objeto e não sujeito de sua condição. Isso tudo contribui para que a doença seja vista, ou melhor, não seja vista como uma doença e sim como um mal, que não pode sequer ser falado ou escrito. Não é hanseníase, é MH que vem escrito nos prontuários e relatórios das perícias e é um procedimento médico corriqueiro dar siglas às doenças, mas que pode ser vistos como formas depreciativas dependendo do olhar de cada um.

g) O medo diante da imagem mutilada:

Você olha o pessoal lá no Dr. Arnaldo (hospital) né (...) um sem a mão, sem o pé, aí eu pensava: será que vou ficar daquele jeito? Agora hoje tenho que usar a muleta, tem que (...) tá pisando com mais cuidado (...) Quer dizer que você tem que ter o controle de não se machucar, não se queimar, não se cortar, não isso, não aquilo.
Dizem que isso aqui dá gangrena, aí tem que cortar aqui [aponta a perna], cortar aqui [aponta a coxa], dá aquele medo na gente né. Será que vou ficar pior também? Fico sempre com esse medo (...) e isso me deixa com trauma porque você sabe que tem essa doença (...)
Tenho dó e tenho medo de chegar nesse ponto aí. O doutor disse que não chega, mas tenho medo, o medo é meu e tenho se quiser! Até hoje fico assustado com a idéia de acontecer essas coisa (...) é (...) mas tem que viver né [chora].
Você fica meio nervoso com a situação né, porque vai tratando, tratando e vai ficando assim os nervos, você quer fazer uma coisa e não pode. Puxa, e aí pra entrar na cabeça da gente que aquilo não vai acontecer (...) é complicado demais, aquele fantasma fica rondando, parece um zumbido no teu ouvido, no teu olho, na sua cabeça, na sua mente (...) é uma luta muito complicada (...) um sufoco aí que (...) que só de pensar que não posso trabalhar (...) aquilo pra mim é uma coisa muito complicada.

O histórico de segregação social da en-tão lepra, a idéia de incapacitação diante daquele que se apresenta portando a mesma doença, traz ao hanseniano a idéia de morte do ponto de vista social. No hospital Dr. Arnaldo, referido no discurso, existe uma colônia de pacientes hansenianos que permanecem morando lá em virtude de, principalmente, problemas financeiros que os impedem de sair. Lá eles recebem auxílio governamental para se manterem, e se saírem, não têm para onde ir ou a família não tem recursos para acolhê-los. São pacientes que estão internados há décadas e não conseguiram sua inserção na sociedade. O alto índice de mutilações decorre da época em que a doença causava mais incapacitações, sendo que hoje a terapêutica é mais atuante.

O preconceito - definido por Itani (1998) como sendo uma opinião já formada a respeito de determinado assunto, pessoa ou objeto - revela um imaginário social, no qual temos representações construídas a partir de um dado conhecimento, sendo que este conhecimento:

é uma construção social, ou seja, o indivíduo se apropria de conteúdos derivados do processo de socialização, de conteúdos compartilhados nas várias conversas do cotidiano, nas informações veiculadas pela mídia, nos bancos escolares, nos contatos com profissionais de saúde e outras fontes de informação ao seu alcance. (Bakirtzief, 1994, p. 89)

Assim, há uma idéia preconcebida sobre a doença a partir do conhecimento que se tem sobre ela, e a "morte social" vem principalmente com as seqüelas motoras que incapacitam o paciente a exercer certas atividades. O paciente convive com o medo da dor, da deterioração do corpo, da perda da identidade diante daquilo que ele vê nos outros e em si mesmo, e a expectativa da dor aumenta o sofrimento.

Lechat (apud Rocha, 1990) afirma que o efeito de aleijar liga a hanseníase a um medo quase "mitológico", levando a um temor permanente da piora da doença. No estudo de Oliveira (1990) também encontramos dados relacionados ao medo da mutilação e da "doença que vai arruinando aos poucos (...) num processo lento e contínuo" (Oliveira, 1990, p. 21), os entrevistados, portadores de deformidades físicas, apontaram ser vítimas da ciência que não evoluiu como deveria na área da hansenologia.

Oliveira (1990) aponta que as reações de tristeza, preocupação, insegurança, medos, entre outros, devem ser identificadas e compreendidas pelos profissionais que lidam com o hanseniano, bem como intervir e criar oportunidades para o paciente externar suas fantasias. Ao permitir que o paciente coloque os falsos conceitos que tem sobre a doença, o profissional pode esclarecer as dúvidas e diminuir a distância entre a crença e a ciência, construindo socialmente um novo conhecimento, pois Itani (1998, p. 127) nos lembra que "as representações sociais não são estáticas, a todo momento estamos reconstruindo as idéias e teorias ou estamos reelaborando as noções, valores e imagens como resultado das relações com o meio ambiente".

h) Hanseníase tem cura. Será?!?

Cura? Sinceramente? Só se pegar o caso começando, mas seqüela fica, não vou dizer que seqüela não fica, porque fica (...) Não concordo que hanseníase tem cura (...) eu nunca falhei no tratamento, nunca deixei de tomar os medicamentos e até hoje sou assim, mas não adianta discutir muito com a Medicina, a experiência da gente vai além das seqüelas que acontecem na ciência.
Tomei tudo certo, mas meu corpo não combateu a doença ainda (...) tem pessoa que o organismo reage melhor. Mas agora, dizer que tem cura? No meu caso então posso provar que não tem cura, não tem cura desde o momento que você descobre muito tarde, como eu. Pode parar onde tá, mas chegar a cura, a melhorar não. Isso aí eu não sou tão burro assim, diz que tem cura, mas eu acho que não tem cura porque se tivesse cura, tem muita gente que (...) era pro cara não ter mais caroços. Aí dizer que tem cura e tem que voltar? Fazer exame todo ano? Eu não sou contra os que falam que tem cura, porque sempre tem que ter alguém pra animar, né. Porque todos nós vivemos de ilusão, né.

A idéia de cura é vista não como a inatividade dos bacilos, mas como a volta ao estado anterior às manifestações clínicas, principalmente aqueles que ficaram com seqüelas físicas, e como as lesões neurais provocadas pela hansenía-se costumam deixar seqüelas irreversíveis, os pacientes acabam por duvidar da possibilidade de ficarem curados.

A ameaça de recidiva e o tratamento, muitas vezes contínuo das seqüelas, atribuem à doença um caráter de incurabilidade. Psicologicamente, ninguém sai igual depois de um diagnóstico de hanseníase, uma vez que a doença sempre se faz presente, seja pelas seqüelas físicas, seja pelos exames de controle feitos periodicamente, seja pela ameaça de reativação dos bacilos.

Amaral (1994), em "Pensar a diferença: deficiência", aponta o medo e a necessidade de fuga como sendo os grandes fenômenos atuantes em uma pessoa que se depara com uma situação de ameaça.

No caso da hanseníase, os aspectos ligados à perda ou à ameaça de perda são potencializados, sejam essas perdas relacionadas à independência física e/ou econômica, perda de status, perda do outro, do amor do outro, perda de objetivos e perspectivas. Essas perdas (ou ameaças) podem gerar profunda ansiedade, angústia e frustrações diante da falta de perspectiva de vir a deixar de ser "o doente". É como se toda sua totalidade está e estará enferma, totalidade em termos orgânicos e psíquicos, uma vez que não há cisão entre eles.

O hanseniano, sabedor de sua condição de predisposição a essa doença, traz uma marca e, como toda marca inscrita no aparelho psíquico, não há de ser apagada. São essas marcas inscritas que vão moldar a forma como nos relacionamos em si e com o mundo e na vivência que os pacientes têm em suas trajetórias por essa doença, a todo momento eles se deparam com uma atualização dessas marcas. Dentre os pacientes que fizeram parte deste estudo, dois tiveram reativação dos bacilos recentemente e seis fazem curativo ou fisioterapia há muitos anos. Um dos pacientes do ambulatório, que não participou desta pesquisa, teve uma das pernas amputada durante o período das entrevistas, causando um impacto entre eles e o medo de que isso possa lhes acontecer um dia. Mesmo que o médico informe que essa possibilidade não existe e, portanto, não é preciso temer, um dos sujeitos comentou que: "o medo é meu e eu tenho se quiser".

Nesse exemplo podemos observar a posição subjetiva daquele que se apresenta com um sofrimento, não basta a informação, há algo que vai além do discurso médico (teórico e técnico) para que o paciente possa, enfim, absorver, recodificar e reinterpretar sua doença.

i) Aquilo que consigo dizer ao outro:

o preconceito auto-imputado.

A gente também não pode falar que é a doença, se falar a pessoa se afasta da gente (...) esse é o pior ponto. Falava que era uma alergia, normal. As pessoas vendo que você tá com rosto inchado e daí as pessoas vinha com piada dizendo que tava bebendo, cada um falava uma gracinha (...) e ficar ouvindo aquilo (...) me sentia mal. Tem remédio que também muda a cor da pele, fica mais escura. Faltava no serviço porque não agüentava de dor e quando voltei, falavam que eu tinha ido pra praia. É fogo, né.
Minha mão é gelada, é fria e aí perguntam "o que você tem?". Digo que tenho problema de sangue, má circulação porque fumei muito tempo e o cigarro parou o sangue e o sangue não vai mais pra mão. Se perguntar "a doença sua não é tal coisa?", talvez eu conte, mas enquanto não perguntam nada, tá bom, tá tranqüilo. Não conto não, porque se não pergunta, não vou ficar falando, né.
Um dia no serviço uma mulher perguntou "você teve caso de paralisia infantil?", foi por causa do problema que tenho na mão, (ri) falei que sim (ri). Se a pessoa fica falando "o que você tem no pé?", eu falo "tenho ferida, tenho úlcera", né. Tanta gente tem, não é? e não tem nada haver com a doença... então muitas pessoas não sabem porque eu não fico espalhando porque acredito muito que ainda tem discriminação.
Nem todo mundo sabe o que eu tenho (...) vergonha deles saber que é (...) leproso. Coisa pessoal assim também não precisa explicar, né.

A identidade da pessoa só cabe a ela mostrar, é como se fosse um segredo que ela pode ou não revelar. Tendo a hanseníase, é como se a pessoa não tivesse essa opção de revelar ou não, ela simplesmente é forçada a mostrar esse segredo ao estampar no corpo o que lhe acontece no seu interior. A hanseníase, seja pelas reações hansênicas, seja pelas mãos atrofiadas e sem forças, seja pelas ulcerações... todas elas se manifestam, pulam aos olhos do outro e, mesmo que as marcas já não estejam na pele, como nos casos menos graves, elas permanecem na representação, no imaginário do sujeito.

Goffman (1978, p. 123) coloca que "surge no estigmatizado a sensação de não saber aquilo que os outros estão realmente pensando dele", é como se ele estivesse em exibição, mas como a hanseníase possui sinais e sintomas que também são encontrados em outras doenças, os pacientes tentam driblar o estigma de leproso/hanseniano, que é mais auto-imputado do que social, atribuindo suas seqüelas às outras condições médicas mais "aceitas" socialmente em seu imaginário, ocultando assim, o seu diagnóstico diante do temor e da aversão que sentem em relação à doença.

j) O sentimento de desamparo:

Igual ao médico da firma que disse: "você não comenta com ninguém". Ele não ajudou, nem quis saber, pensou na empresa, em mim não. Podia ter explicado, saber se eu já sabia, encaminhar pra tratamento e que assim não passava pra mais ninguém, mas não, não falou nada, só disse pra não comentar com ninguém.
Eu ficaria contente do médico falar pra mim a verdade. Ficaria melhor e talvez até a recuperação da gente (...) seria mais (...) dava mais força, mais ânimo pra você se recuperar (...) mas infelizmente o médico não fala a verdade pra gente, eu gostaria de saber a verdade (...) eu já perguntei pra todo médico que eu passo, eu pergunto (...) me ignoram. Eles acham que sou ignorante, mas não sou ignorante. É meu jeito de ser, né. Isso aqui mesmo não sei se é parte da doença, também nunca falei com o médico, porque um dia ele falou: "o meu negócio é pele, não tenho nada haver com outras coisas". Devia dizer "vamos ver, isso é do sangue, vou encaminhar você pro médico de sangue e tal, tal, tal". Ele devia contar o que fazer, né. O doente aqui, por exemplo, eu me sinto somente dele, não é qualquer médico que vou.
Então eu não sei se ele erra no modo de falar, não sei se tem modo diferente comigo ou se é com todo mundo. Um entende de um jeito, outro entende de outro, mas eu acho que ele devia de explicar melhor, sei lá.

Bakirtzief (1994) coloca que a peregrinação por serviços de saúde pode levar à frustração a ao abandono do tratamento.

Às vezes os profissionais podem não ter dito isso ou aquilo de tal forma, mas é como os pacientes percebem e apreendem o que lhes foi dito. Na comunicação humana sempre há reinterpretação da mensagem e, portanto, equívocos. Há fatores psíquicos importantes que devem ser levados em conta no contexto da doença e do doente, se o médico não considerar esses fatores, por mais avanço científico e tecnológico que houver, um "buraco" se forma no tratamento terapêutico, daí o sentimento de desamparo diante daquilo que o paciente não encontra respostas.

Quando doente, o corpo se mostra frágil, o que nos remete ao encontro com a finitude e daí, ao desamparo. As feridas reais marcadas no corpo hanseniano quebram a imagem corporal, o contorno que cada um cria para si mesmo, e mostra ao mundo essa fragilidade. A fala do médico é importante na medida em que ele dá elementos para que o paciente se reorganize e tenha de volta esse contorno para que possa se recolocar no mundo.

Se o médico se cala, o paciente fica sem rumo, sem elementos para reconstruir esse corpo que ele não mais reconhece como sendo seu. Esse silêncio pode ser decorrente de reiteradas tentativas de se explicar algo e o paciente não entender e, assim, o médico desiste, re-interpretando como ignorância do paciente. Acaba não nomeando aquilo que é desconhecido.

Assim, "o médico para ser terapêutico, precisará ter apreço pelo paciente, precisando algo mais do que fazer-lhe perguntas, examiná-lo e receitar-lhe medicamentos" (Sancovski, 2002, p. 31), afinal, com já dizia Balint (apud Zimerman 1992, p. 64), "o remédio mais usado em Medicina é o próprio médico, o qual, como os demais medicamentos, precisa ser conhecido em sua posologia, reações colaterais e toxicidade."

Sancovski (2002) observou que, para alguns médicos, falar em linguagem coloquial e natural não é tarefa fácil, parecendo-lhes ridículos ao não fazer o uso do palavrório técnico, o que nos mostra a distância estabelecida pela cientificidade. Para a autora, "o médico deve procurar dirigir um olho para cada lado; ou seja, um olho deve permanecer no aspecto objetivo formal e suas invariantes e o outro, no aspecto subjetivo informal e todas as suas variáveis" (Sancovski, 2002, pp. 148-149).

Cabe ao médico compreender o homem sempre como unidade biopsicossocial, percebendo a importância da história de vida e da personalidade do paciente em relação ao seu adoecer, bem como planejar a terapêutica conforme as necessidades globais do paciente como ser humano. Estes são alguns objetivos, descritos por Muniz e Chazan (1992), que contribuem para a prevenção da iatropatogenia.

Mesmo com essa visão do homem como ser biopsicossocial, a ordem médica pressupõe um discurso que produz fenômenos que não consegue tratar e é nesse ponto que o psicólogo contribui.

A integração do psicólogo na equipe multidisciplinar favorece o resgate da visão do indivíduo nessa integralidade biopsicossocial, trabalhando não só o paciente, mas também assistindo a família e a equipe profissional, obtendo uma compreensão dos aspectos doente-doença - meio em que emergem nas relações e auxiliando, assim, o indivíduo a resgatar sua condição humana. Se o médico desiste diante do não-entendimento que o paciente mostra em relação às suas explicações ao psicólogo cabe insistir em trazer essas não-respostas, nomeando o que é desconhecido para que o outro possa se posicionar no mundo novamente, oferecendo uma saída a esse desamparo e, com isso, construir uma história.

k) Quando se abre espaço para o falar:

Se você (a pesquisadora) pudesse arrumar um lugar pra você aqui, toda semana, seria bom pra você trabalhar aqui? Porque pra nós aqui é bom, pra nós que somos doente, ter com quem conversar é bom, você sabe, né. Puxa! É difcícil poder falar o que sinto pras pessoas, os médicos não estão só pra mim. Se tivesse uma psicóloga eu ia poder conversar mais, vou mais relaxado pra casa porque aí eu pude me abrir, desabafar. É uma dor dentro do peito (...) e essa dor é (...) vixe (...) não é fácil (olhos marejados). Até na minha casa (...) penso no meu futuro (...) se tivesse alguém pra escutar a gente (...) mas as pessoas não quer saber não, só é bom se tiver saúde e trabalhar. Doença assim, só quem sofre mesmo pra saber [silêncio] de repente fica inválido (...) a cabeça da pessoa (...) tem que ter alguém pra cuidar da cabeça também.
Às vezes pensava, eu mesmo que crio né, é o meu pensamento (...) que a pessoa tava com medo de mim (...) e não, depois que a gente conversou (...) eu consegui ver isso né (...) que não era as pessoa que tava recuado, era eu que tava trancado num quarto. Então tudo isso tem sentido daquilo que a gente conversou, daquilo que eu (...) falar o que eu sentia... foi muito importante e é muito importante pra mim (...) expor aquilo que tava sentindo, que tava preso (...) Achei bom, foi proveitoso porque a gente pode expor o que passou na vida (...) Não é qualquer pessoa que quer ouvir o que aconteceu com a gente (...) foi quase que um desabafo.

Escutar o paciente, no sentido mais amplo do que simplesmente ouvir o que ele tem a dizer. Ao me dispor a escutá-los sem o olhar de medo ou preconceito, abriu-se um espaço para compartilhar sua história, seus sonhos, fantasias e medos... Ser continente a essa angústia proporcionou-lhes um alívio, é como se tirasse um pouco do peso que carregam. E não foram necessárias muitas horas para isso, foram somente duas entrevistas de uma hora cada; no entanto, o efeito pareceu-lhes bastante positivo, haja visto o discurso acima.

Schiller (1991) aponta que muitos pacientes talvez não tivessem adquirido certas doenças se pudessem ter antes "falado" sobre o que sentiam, ou seja, o paciente quer falar sobre sua doença.

o espaço para sua fala é tudo de que o paciente precisa para poder encontrar suas respostas. Este discurso será assim verdadeiramente eficaz para resolver a angústia e o sofrimento (...) mais que orientações e conselhos, são inúmeros os pacientes que desejam apenas uma escuta atenta e que valorize suas palavras. (Schiller, 1991, p. 89)

Pensando na manifestação do sintoma da conversão histérica - onde a falta da palavra faz com que a marca apareça no corpo - podemos fazer uma analogia com o preconceito auto-imputado. Quando o sujeito coletivo pôde falar sobre ele, possibilitou uma ressignificação do seu estar-no-mundo.

O encontro de dois seres humanos, no qual um abre espaço para o outro expressar sua dor e falar de seu sofrimento é o que singulariza a escuta psicanalítica, em que o paciente é ajudado a ressimbolizar seu corpo, sua vida.

Por meio do conteúdo desse DSC, ficou ainda mais claro e manifesto o pedido de escuta às dores psíquicas, de onde podemos perceber a importância de se haver um suporte psicológico junto a estes pacientes.

 

Conclusão

Neste trabalho buscamos acessar a fala social do hanseniano por meio da construção de seus Discursos do Sujeito Coletivo. Para isso foi necessário conhecer técnica e cientificamente a evolução da doença, bem como resgatar sua própria história, tão cheia de mitos construídos ao longo de sua trajetória e que remontam, mesmo que em menor escala, até hoje. Há uma realidade engendrada entre o saber médico oficial e o imaginário coletivo.

Conhecendo a doença por meio da literatura médica, não temos condições de perceber a dimensão que a hanseníase toma em termos psicológicos, o quanto essa doença aflige a pessoa que é acometida por ela. Há um imaginário coletivo que faz com que ela se torne misteriosa, não é só o desconhecimento da doença em si, mas também das múltiplas facetas que ocupa em torno de suas características: desde a forma como se pega, passando pelos sintomas e reações emocionais diante do corpo que não mais é o corpo que antes se apresentava, até à confirmação de que se há cura realmente. Por mais que o paciente tenha acesso às informações, parece que tudo o que vem a saber não o convence diante da sua experiência vivida com a doença, algo não se encaixa com o que vivencia. Há uma mistura entre ciência e crença... e quando se trata de pessoas, precisamos "ler", escutar e compreender a doença a partir do paciente, a partir da representação que ele tem de seu corpo.

Com a doença, no caso a hanseníase, ele passa a não mais reconhecer esse corpo, que agora tem partes que não se pode controlar, sentir... Ao olhar-se no espelho há uma sensação de estranheza diante do que sobra - erupções, pele avermelhada, úlceras, atrofiamento e dor nos nervos - e do que falta - sobrancelhas, mãos e pés ágeis, emprego, companheirismo, espaço para falar, para chorar, para gritar de dor. Dor esta que pode ser física sim, mas não só e que é tão dolorida quanto; é a dor de se sentir discriminado, mesmo que isso não esteja acontecendo à vista do outro e daí torna-se fácil a auto-estigmatização, como podemos perceber pela fala de um dos entrevistados:

"no sistema social assim (...) até hoje sinto isso, parece mentira, mas acredito que as pessoas discriminam a gente. Percebe, parece que é pela (...) intuição, por exemplo, quando sento num lugar, a pessoa não senta do lado. Olha e senta longe, (...) acredito que hoje muita gente já sabe... pelo visual da gente, percebe que a gente tem problema (...) Eu me sinto discriminado, na minha cabeça ela sabe que a gente tem esse problema, que eu sou doente e, por intuição, vai sentar longe, do outro lado."

Se observarmos o comportamento das pessoas num ônibus, num restaurante, numa sala de espera de qualquer espe-cialidade ou qualquer outro lugar onde pessoas desconhecidas se agrupam, percebemos que é comum esse tipo de atitude, o de sentar-se longe um do outro quando se tem a opção de vários lugares vagos. No entanto, o entrevistado percebe esse comportamento como exclusivo a ele...

E aí vem a dor de sentir que não se é mais livre para trabalhar, para visitar os amigos, para falar o que acontece sem temer a reação do outro; é a dor de ouvir gozação pelo que falta ou pelo que sobra...

Nos estudos publicados sobre o tema e mencionados no capítulo introdutório deste trabalho, encontramos dados que corroboram com os Discursos do Sujeito Coletivo aqui construídos e que nos levam a pensar na importância desse recurso metodológico como representante da fala social, sendo uma forma prática de acessar a representação social de determinados temas. Observamos assim, que os dados dos estudos poderiam implementar os DSC, sem, contudo, alterar significativamente a análise dos mesmos.

Levando em conta o que Itani (1998) coloca sobre a mobilidade que as representações sociais apresentam, de acordo com a reconstrução de idéias e teorias a partir das relações do sujeito com o meio, pensamos na importância que a Educação em Saúde ocupa nesse contexto.

Segundo a Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde (1989, p. 16): "Educação em Saúde é uma ação planejada que visa criar condições para produzir mudanças comportamentais desejáveis em relação à saúde, as quais permitam garantir melhorias das condições de saúde da coletividade." Assim, a Educação em Saúde, entendida como uma prática transformadora, engloba as ações de controle da doença, os programas de divulgação e esclarecimento à população, bem como a participação do paciente, dos familiares e da comunidade no processo saúde-doença e na detecção de casos novos e no diagnóstico precoce, na prevenção e no tratamento de incapacidades físicas, no combate ao estigma e a manutenção do paciente no meio social (Ministério da Saúde, 2000).

Isso implica uma ação conjunta entre Saúde - Educação - Comunidade. Nakae (2002) observou, em seus entrevistados (alunos do ensino médio), uma predominância de respostas "não sei" com relação às características específicas da doença. A autora verificou que a informação que eles tiveram sobre a doença, por meio de aulas ou pelas campanhas veiculadas na televisão, acabaram por não esclarecer sobre a doença, percebendo assim, uma dificuldade em se aliar a teoria recebida à prática concreta do dia-a-dia das pessoas. Isso exposto, que medidas tomar?

Santos (1990) coloca como profilaxia o diagnóstico precoce, o controle dos comunicantes e a educação sanitária. Esta última diz respeito às instruções quanto à forma correta de higiene pessoal e domiciliar do paciente, orientações sobre formas de transmissão para evitar novas contaminações, além de preparo psicológico do doente e da família para aceitação e convivência com a doença.

Observamos haver dificuldades na relações familiares, no lazer e no trabalho desses pacientes. Dependendo da estrutura emocional, da personalidade e dos vínculos afetivos estabelecidos pelo paciente, este pode superar as dificuldades antes do diagnóstico de hanseníase; caso contrário, os aspectos psicológicos podem ser agravados. Cabe ao psicólogo ajudar o paciente a pensar, a adquirir conhecimento sobre si mesmo e se fortalecer em sua existência.

A escuta do psicólogo não deve se restringir apenas ao paciente, pois o desamparo e a angústia suscitadas extrapolam o individual; assim sendo, há de se fazer um trabalho com a família e equipe médica, atuando como facilitador da comunicação entre equipe médica-paciente ou paciente-família, auxiliando na leitura das dinâmicas das relações, enfim, tornando conhecido o desconhecido, nomeando o inominável ao fazer emergir as fantasias e angústias diante da vida e à morte (morte do ponto de vista não só da finitude concreta, mas de tantas outras "mortes" que encontramos na vida) não só do paciente como também dos que os cercam (família e equipe médica).

A contribuição maior do psicólogo numa equipe multidisciplinar é possibilitar que o paciente se reorganize para se recolocar no mundo, junto à fala do médico que dá de volta o contorno ao corpo do paciente, uma vez que este é o detentor do saber biológico. Ao que escapa, pois a fala transcende o biológico, o psicólogo tem condições de integrar o indivíduo, contornando o desconhecido por meio da nomeação, pois é preciso que seja dado um significado àquilo que se apresenta.

Na comunidade, é importante uma Educação Continuada que atue de forma que haja uma compreensão e aceitação, por parte de todos, do reconhecimento que a hanseníase tem cura, da importância da adesão ao tratamento e da absorção social e profissional do hanseniano.

Santos (1990) nos lembra que países que erradicaram a hanseníase combateram os fatores sociais, não sendo o tratamento com multidrogas o responsável pela sua erradicação, pois antes disso já apresentavam o controle da doença.

Para Amaral (1994), o desconhecimento é, ao mesmo tempo, matéria-prima e agente de manutenção do preconceito, uma vez que "um preconceito gera um estereótipo, que cristaliza o preconceito, que fortalece o estereótipo, que atualiza o preconceito" (Amaral, 1994, p. 40).

O preconceito remete ao meu próprio medo e os resultados de um processo de construção de conhecimento são a longo prazo, não se muda conceitos de um dia para o outro, é um movimento dialético em que há uma ressignificação, uma reconstrução do medo e das teorias que o mantém.

Há de se fazer uma ação conjunta entre os diversos campos de conhecimento e pensar a partir dos efeitos clínicos que as intervenções - sejam estas médicas ou não - podem produzir, sendo essencial uma rede de comunicação e informação interdisciplinar a fim de estabelecer uma reflexão crítica e contínua daquilo que sustenta a prática. Além dessa relação interdisciplinar abrir um espaço de discussão, de troca de informações e vivências entre paciente e equipe profissional, é fundamental para que estes possam se posicionar no mundo de outra forma.

Tal esforço não deve ser limitado à área médica, mas sim se alastrar às outras áreas do saber para que, numa só linguagem, o conhecimento, uma vez socialmente construído, possa de fato ser modificado para que a realidade da hanseníase - tanto em termos epidemiológicos como problema de saúde pública, como em termos de ser alvo de estigmatização - seja vista apenas como algo pertencente ao seu passado e não mais ao seu presente.

 

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Endereço para correspondência:
E-mail: marisanakae@uol.com.br

Encaminhado em 11/04/03
Aceito em 16/04/03