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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.4 no.1 São Paulo June 2003

 

ARTIGOS

 

O amor na relação terapêutica e no processo de cura

 

 

Marina Pereira Rojas Boccalandro

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No artigo a autora se propõe a falar do arquétipo do Amor na relação terapêutica e no processo de cura. Discorre sobre várias manifestações do amor, começando pelo amor a si mesmo até o amor a Deus, que a mesma considera a espiritualidade. Cita vários autores que em algum momento de suas obras falam sobre o amor. Discorre mais detalhadamente sobre o amor na relação terapêutica, enfatizando a importância do mesmo no processo de autoconhecimento e cura. A doença é encarada como um sinal que nos aponta para uma desarmonia interna, e entender o que ele está tentando nos dizer é fundamental para a volta ao equilíbrio. Os sintomas são vistos como expressões de necessidades não satisfeitas. Apresenta exercício de imaginação, cujo nome é um modelo para acolher a doença, e faz o relato de um caso em que essa técnica foi empregada. Termina colocando que é possível buscar alternativas mais amorosas para se lidar com a doença.

Palavras-chave: Amor, Relação terapêutica, Processo de cura.


ABSTRACT

In this article the writer propose to talk about the archetype of Love in the therapic relation and in the cure process. She describes some manifestations of love, starting by the love for yourself until the love for God, that she considers as the spiritualism. She refers to some writers that in some moment of their work talk about love. She describes more about love in the therapic relationship, emphasizing how important this is for the self-knowing and the cure process. The disease is faced as a sign that shows us a disharmony, and to understand what it is trying to say is fundamental for the return to the equilibrium. The symptoms are seen as expressions of the needs that weren't satisfied. She shows an imagination exercise whose name is a model to receive the disease and describes a case where this technique was applied. She finishes the article saying that it is possible to look for love alternatives to deal with the disease.

Keywords: Love, Therapic relation, Cure process.


 

 

Introdução

Neste artigo estou me propondo a falar de um arquétipo, talvez o mais importante da raça humana, se não o mais importante. Tarefa difícil, porque se muito tem se falado do Amor, e ele é difícil de ser explicado. Só uma pessoa que já sentiu em si alguma espécie de Amor poderá tentar vislumbrar qual o seu significado e sua grandeza.

O Amor como arquétipo é tão antigo quanto a nossa existência humana. O arquétipo do Amor é uma energia poderosa que se manifesta de várias formas no mundo, entre as quais podemos citar:

o o amor por si mesmo

o o amor erótico

o o amor sexual

o o amor romântico

o o amor materno e paterno

o o amor fraterno

o o amor a Deus (espiritualidade)

o e também o amor no contexto terapêutico que difere dos acima citados, mas também é uma manifestação dessa fonte primeira arquetípica.

Tentar definir o Amor é uma tarefa que a psicologia bem pouco tem se proposto a realizar. Alguns psicoterapeutas das linhas humanistas e transpessoal têm falado, de alguma forma, sobre o Amor, mas poucos têm tentado defini-lo, apesar de falarem em suas obras, da sua importância.

O amor tem sido cantado em verso e prosa, tem sido abordado pela filosofia, teologia, religiões em geral, em todas as manifestações da arte, pela ciência da Educação e por todas as áreas do relacionamento humano. Apesar disso ele permanece um enigma dentro da ciência.

 

Desenvolvimento

Quando resolvi falar sobre o Amor, percebi que pouco tinha refletido sobre o seu significado, apesar de sentir e vivenciar as suas mais diferentes formas de manifestação dentro de mim: amando a mim mesma, na minha condição de mãe, amiga, amante, como terapeuta e como ser espiritual que sou. Fui então buscar nos meus maiores mestres da Psicologia Jung e Assagioli, o que diziam a respeito e achei o seguinte:

Assagioli (1995, p. 29):

Todos estão interessados no Amor. É uma das palavras mais usadas talvez mais ainda que "eu" e "dinheiro"[...] Deve ser óbvio que saibamos o que é o Amor. Mas se fizermos uma pausa e realmente tentarmos pensar em seu significado, logo descobriremos para nosso embaraço e humilhação (se formos honestos com nós mesmos) que o Amor é incompreensível para nós, contraditório e misterioso; e se nos propusermos a dar uma definição exata do Amor, estaremos totalmente perdidos... Normalmente precisamos vivenciar em nós próprios alguma coisa sobre o Amor para poder reconhecê-lo.

Jung citado por Cardella (1994, p.15):

Falta-me a coragem de procurar a linguagem capaz de exprimir adequadamente o paradoxo infinito do Amor. Eros é um Kosmogonos, um criador, pai e mãe de toda a cons-ciência [...] Tanto a minha experiência médica como minha vida pessoal colocaram-me diante do mistério do Amor e nunca fui capaz de dar-lhe uma resposta válida [...] Não entendo por amor simplesmente um desejo, uma preferência, uma predileção ou anelo ou sentimentos semelhantes, mas um todo uno e indiviso que se impõe ao indivíduo ... o Amor nunca termina, quer o homem fale dele pela boca dos anjos ou persiga com uma meticulosidade científica, nos últimos recantos, a vida na célula

Encontrei ainda em Paz (2001, pp. 193-194, 196):

O amor pode ser agora, como foi no passado, uma via de reconciliação com a natureza [...] o amor é o mais próximo, nesta terra, à beatitude dos bem aventurados [...] Pelo amor deslumbramos, nesta vida, a outra [...] ao nascer, fomos arrancados da totalidade; no amor todos sentimos volta à totalidade original.

Em relação às manifestações do Amor vamos abordar as mais importantes:

o Amor por si mesmo: não falo aqui do amor narcísico, que isola e coloca aquele que o sente como diferente e melhor que o outro, mas o amor que reconhece a si mesmo como uma totalidade menor, dentro de uma totalidade maior. É o "ama o teu próximo como a ti mesmo" que pressupõe que em primeiro lugar se deve amar a si mesmo para depois poder amar ao outro.

o Amor erótico: dele temos representações poéticas as mais variadas e podemos citar como exemplo, de Fernando Pessoa (1958, p. 232-233), um poema lindíssimo: Eros e Psique, em que Eros buscando Psique, acaba descobrindo que ele é a própria Psique transfigurada em Amor:

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentando,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado,
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Aqui podemos ver que o amor nos faz um com o objeto amado.

o Amor sexual: de onde provém a perpetuação da raça humana. Sem ele a humanidade provavelmente já não mais existiria. Com certeza todos nós, ou quase todos já sabemos e já sentimos um impulso amoroso sexual por um companheiro ou companheira. É a manifestação de amor, talvez uma das mais fáceis de ser detectada.

o Amor materno e paterno: sem ele nós humanos não sobreviveríamos. Somos talvez, dentro da escala animal, os mais dependentes nos primeiros anos de vida. Sem o cuidado da mãe e do pai ou de algum substituto não conseguiríamos crescer e nos tornar adultos.

o Amor fraterno: a amizade é talvez a maior prova desse tipo de amor.

Benett (1993, p. 181) nos diz:

Amizade é mais que afinidade e envolve mais que afeição. As exigências da amizade - franqueza, sinceridade, aceitar com a mesma seriedade as críticas e os elogios do amigo, lealdade incondicional e auxílio a ponto do sacrifício - são estímulos poderosos para o amadurecimento normal e enobrecimento.
A amizade genuína, requer tempo, esforço e trabalho para ser mantida. A amizade é algo profundo. De fato é uma prova de amor.

Vamos agora falar do Amor no contexto terapêutico, e só depois, falaremos da espiritualidade, o Amor a Deus, ao Universo.

Vamos primeiro falar do termo "terapeuta":

O termo Terapeuta vem do grego therapeuin = servir, cuidar, servidores de Deus.

O eixo central da nossa profissão é servir ao próximo. O terapeuta deve acreditar que o homem seja capaz de crescer e se auto-realizar. Confiamos nas potencialidades de cada cliente, mesmo que estejam ocultas sob o desespero e a dor.

O psicoterapeuta deve possuir conhecimentos teóricos, filosóficos e técnicas para que a relação terapêutica seja caracterizada.

Segundo Cardella (1994, pp. 57-58):

Sinto e percebo em minha experiência profissional que o amor, no sentido de um estado e modo de ser 'acontece' no encontro com os clientes (...) O trabalho psicoterapêutico é uma prática do amor, pelo menos nas práticas humanistas e transpessoais.

Bonaventure citado por Porchat e Barros (1985, p. 86):

O ser humano permanece um mistério, assim como um encontro entre duas pessoas é um mistério ainda maior, o mistério do Amor. E cada novo encontro me faz relembrar isso de alguma maneira. Sem dúvida, não se pode ignorar o jogo das projeções e a importância da transferência e da contratransferência, mas existe algo maior nesses encontros [...] O amor é o evocador, é o princípio de todo trabalho terapêutico, sem ele nada acontece na vida. É ele que favorece a abertura, o diálogo, a vida, a verdade [...] o que impressiona e me assusta, é quando nós, terapeutas, temos medo do amor. Até aprendemos técnicas para nos protegermos. No entanto só o amor pode curar o amor ferido.

Martim Buber (1974, p. 17):

Os sentimentos, nós o possuímos, o Amor acontece... O Amor se realiza entre o Eu e o tudo... o Amor é uma força cósmica... o Amor é a responsabilidade do eu para com o tudo... aquele que habita e contempla no amor pode agir, ajudar, curar, educar, elevar e salvar.

Will Parfitt (1994, p. 123):

Quando compreendemos e expressamos a energia do amor, descobrimos suas qualidades incontáveis. O amor genuíno, seja de quem for, proporciona energia necessária à manifestação dos atos criativos, possibilita percepções apuradas e gera confiança, fortalece e alimenta a alma, e, além de tudo, leva-nos a descobrir diversos aspectos de nossa verdadeira essência interior.

Vitor Frankl (1993, p. 100):

O Amor é a única maneira de captar outro ser humano no íntimo da sua personalidade. Ninguém consegue ter consciência plena da essência última de outro ser humano sem amá-lo. Por seu amor a pessoa se torna capaz de ver os traços característicos e as feições essenciais do outro e mais ainda, ela vê o que está potencialmente contido nele, aquilo que ainda não está, mas deveria ser realizado […] conscientizando-a do que pode ser e o que pode vir a ser, aquele que ama faz com que essas potencialidades venham a se realizar.

O AMOR NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA pode acontecer quando o terapeuta já ama a si mesmo, isto é, já se aceita, conhece suas limitações, mas sabe que tem potenciais e talentos a serem desenvolvidos, já participou de processos de autoconhecimento durante sua formação e vida profissionais e é capaz de sentir amor fraterno em relação a outros indivíduos. À medida que o terapeuta aceita de forma incondicional o seu cliente, acredita no potencial dele, na sua criatividade para sair da mesmice e da repetição que o leva ao sofrimento e dor, ele "permite" que o cliente também aprenda a se respeitar e acreditar que ele pode mudar a sua vida e se responsabilizar por ela.

O amor terapêutico envolve aceitar o cliente tal como ele é, perceber as suas necessidades, sentimentos, crenças, valores, conflitos e dificuldades entre outras coisas. Na relação terapêutica amorosa, o terapeuta se permite discordar do cliente, frustrar manipulações e jogos de controle, estabelecer limites entre terapeuta e cliente, oferecer suporte para que o cliente experimente as próprias limitações e dificuldades, responsabilizando-se por elas. O terapeuta que ama seu cliente precisa ser muitas vezes firme e forte para evitar manipulações e ajudá-lo a assumir responsabilidades. Isso não quer dizer que ele deva ser rude, agressivo ou frio, o que não seria uma atitude amorosa.

A essência do Amor é o relacionamento. O amor é uma energia de cura muito poderosa e um agente catalizador muito potente para a transformação. A fonte da maioria das doenças está na nossa incapacidade de amar a nós mesmos ou de receber amor dos outros. Nossas dificuldades com o amor freqüentemente resultam de experiências ou de percepções de traições, abandono, humilhação ou rejeição, que já tivemos na mais tenra infância e que nos conduziram a sentimentos de demérito, vergonha e culpa. Esses sentimentos arraigados produzem uma sensação de separação do eu em relação às outras pessoas. Se essa separação inicialmente sentida pode ser um esforço da psique para defender-se do medo, do isolamento e do sofrimento, pode finalmente se tornar fonte de sentimentos continuados de separação, alienação e ansiedade.

Relacionar significa reunir. Relacionamento significa que o amor junta novamente aquilo que uma vez era um, mas aparentemente se separou. O amor é a sensação de saber que somos parte de tudo, um reconhecimento de que cada um de nós é parte de uma imensa ordem universal. Essas qualidades de união fazem do amor uma sutil e poderosa energia e é por isso que ele também se constitui num núcleo central de cura.

Segundo Laskow (1992, p. 61):

Conhecimento, habilidade, atitude, crença, intenção, vontade, riso, amor e solicitude humana podem facilitar o processo curativo. Assim, intensificamos ou interferimos no processo de cura intrínseco ao corpo. Na minha prática, tenho visto repetidamente como a energia do amor e a criação de um campo amoroso podem incrementar profundamente a cura, não apenas fisicamente, mas mental, emocional e espiritualmente. O amor não é apenas a inspiração dos poetas e místicos, é também uma energia palpável, transmissível, que pode curar.

Na Bíblia Sagrada, na Epístola de São Paulo aos Romanos (13, 8):

a ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor recíproco: porque aquele que ama ao seu próximo cumpriu toda a lei pois os preceitos não furtarás, não cobiçarás e ainda outros mandamentos que existam eles, se resumem nessa palavra amará ao teu próximo como a ti mesmo.

O meu trabalho como psicoterapeuta está embasado na Psicologia Profunda de Jung e a Psicossíntese de Roberto Assagioli. Na Psicossíntese o Amor é o arquétipo mais importante, juntamente com a Vontade. O Amor deve ser resgatado ao longo da vida. Se começamos a senti-lo, amando a nós mesmos, familiares, amigos, ele deve evoluir para um Amor Transpessoal (espitirualidade), onde toda a natureza e as criaturas possam ser abarcadas por esse sentimento. É esse Amor, que implica na aceitação incondicional e respeito na confiança e crença no lado luminoso do ser humano.

Gerald Epstein (2001, pp. 49-50):

O amor é a força que nutre a realidade invisível que torna a verdade e a moralidade possíveis, e, no alto desta realidade, está Deus. Amor, caindo de cima para baixo como num chuveiro, permite que o mundo criado da terra continue funcionando. Cada um de nós traz energia capacidade de perpetuar essa energia de vida, ajudando como seu agente aqui na terra […] É somente por amor que somos morais uns com os outros […] o amor é o ingrediente especial na medicina espiritual. É a força nutritiva do Universo e a emanação do coração de Deus.

Mas dentro da relação terapêutica o Amor deve estar aliado ao manejo habilidoso de uma técnica psicoterápica, a experiência e profundo conhecimento da teoria usada pelo terapeuta no processo de tratamento.

Ao cliente cabe aprender amar a si mesmo, perceber todo o seu potencial positivo e pô-lo em prática, na sua vida. A partir disso ele pode estender esse Amor aos seus familiares, amigos e ir ampliando cada vez mais este círculo amoroso, abrangendo cada vez mais toda a natureza.

Assim desenvolvemos o nosso ser ecológico, respeitando tanto as plantas, como os animais e os humanos.

Se considerarmos o Amor um padrão de energia ressonante, começaremos a reconhecê-lo como padrão energético que pode influenciar outras energias a se moverem em direção à totalidade e à cura.

Voltando a falar da relação terapêutica e de como por meio dela podemos ajudar o cliente a desenvolver o amor e como o amor é visto como uma energia ressonante de cura, vou colocar a seguir como a Psicossíntese, teoria na qual embaso meu trabalho como psicoterapeuta, encara a doença.

A doença é sempre encarada como um sinal, um sintoma de que algo não está bem em nossa vida. Ela em geral, nos aponta para uma desarmonia interna em um ou mais níveis do nosso ser, seja no nível físico, emocional ou mental. Portanto identificar a origem e o que ela está nos tentando dizer é fundamental para a volta ao equilíbrio.

Sintomas de doença são a maneira de o corpo pedir a nossa sabedoria interna, ao nosso terapeuta interno que se mova em direção à harmonia. Quando percebemos os sintomas como mensageiros, podemos aprender a responder de forma mais eficiente. Em geral, quando nosso equilíbrio é ameaçado respondemos com luta ou fuga. Tanto uma resposta quanto a outra pressupõe a presença de um adversário, de um inimigo.

A fuga pode nos levar a perder esperanças, deixar de descobrir alternativas, o medo toma conta de nós e a depressão se instala. Por outro lado a luta nos leva a destruir o inimigo, subjugá-lo até a morte ou então até sermos destruídos por ele. A tendência a ver a doença e seus sintomas como adversários reflete-se no linguajar: matar o vírus, guerrear com o câncer, lutar pela sanidade mental, batalhar contra a fibrose cística, erradicar a moléstia, etc. Nessa perspectiva o sintoma está separado de nós, ele é um invasor a ser expelido ou destruído.

Na Psicossíntese a tendência que tenho observado entre os autores que escrevem sobre como lidar com as doenças é que os sintomas têm que ser vistos como expressões de necessidades não satisfeitas. Os sintomas pedem que dediquemos mais tempo na avaliação dos mesmos, para readquirirmos a perspectiva e reajustarmos nossas atitudes.

Dentro da Psicossíntese acredita-se que a chave para transcender a doença é o amor.

Se o amor está bloqueado, contido ou restrito, nós permanecemos no nível do problema.

A inimizade por um sintoma fecha a porta da cura genuína. O amor precede a compreensão. Nós podemos escolher amar um sintoma mesmo antes de saber o que ele significa, dizendo à doença: "não importa o que você está tentando me dizer, eu escolho amar você porque você é parte de mim e porque você está tentando servir-me". A compreensão é uma conseqüência do amor que acolhe, não um pré-requisito para ele. Em vez de dizer à doença: "Eu vou amá-la depois que compreender o que você está tentando fazer por mim." Nós podemos dizer: "Eu amo você agora e estou querendo discernir seu significado."

Nós conscientemente escolhemos amar de modo que a mente inconsciente, buscando nos proteger daquilo que não queremos ouvir, possa revelar a mensagem em segurança. O inconsciente fala por meio de símbolos e, quando estamos preparados, nós vamos compreendê-los.

Em vez de células guerreiras matando, destruindo as células doentes, a tendência tem sido criar células amorosas que cuidam, saram e redirecionam as células doentes à cura.

Existem vários exercícios de imaginação para fazer esse trabalho. Um deles é o seguinte (de forma bem abreviada): O nome é: Um modelo para acolher a doença.

1. Identifique a área de dor ou insatisfação.

2. Permita que emerja uma imagem que represente esse sintoma ou problema. Desenhe ou descreva essa imagem.

3. Encare a imagem com uma intenção positiva e de braços abertos. Diga a ela que você está disposto a escutar o que ela tem a dizer. Assumir esse passo indica uma disposição para assumir a responsabilidade pelo sintoma e por descobrir a boa intenção por trás dele.

4. Reconheça que a imagem tem inteligência. O que ela gostaria de fazer? O que ela propõe fazer por você?

5. Identifique-se com a parte sábia, amorosa, efetiva do self - o self acolhedor - comece a visualizar modos alternativos de ser, modos que poderiam ir diretamente ao encontro das necessidades da imagem-sintoma.

6. Afirme as maneiras pelas quais você quer fazer mudanças em sua vida, indo mais claramente ao encontro da necessidade para a qual o sintoma está chamando sua atenção. De que maneira ele responde? Se, por exemplo, a imagem de seus sintomas for um dragão faminto, qual a mudança específica você gostaria de fazer para satisfazer sua voracidade? Talvez a necessidade seja por amizades mais profundas, pode ser uma fome por mais conhecimento, a necessidade pode ser por um trabalho com mais desafios ou por mais educação. Faça uma afirmação de vontade começando com: eu tenho vontade e vou conseguir... para demonstrar o seu comprometimento com a mudança.

7. Imagine que você esteja mantendo a imagem-sintoma a sua frente, em suas mãos ou braços. Plante seus pés firmemente no chão e sinta a luz do sol brilhando sobre você e a imagem que você está segurando. Permita que o brilho do sol penetre e aqueça você. Permaneça quietamente sem pensar, apenas sendo o self que acolhe o sintoma, o deus que abraça a moléstia. No silêncio, permita que a imagem seja transformada à medida que o sol brilha gentilmente sobre ela. Sinta que ela está se harmonizando com você. Lentamente traga a imagem transformada para o seu coração e permita que a imagem mergulhe em você. Antes separadas, agora vocês são uma só, com energia unificada servindo ao self total. Sinta amor pelo sintoma que veio para expandir a sua consciência, levá-la em direção à harmonia. Afirme essa nova percepção e continue a sentir que você está completo e livre de sintomas. Imagine sua vida diária com esse grau de integração e cura.

RELATO DE UM CASO

Uma cliente com doença auto-imune crônica.

Ela conta que alguns anos atrás quando começou a fazer visualizações, com orientação do seu terapeuta, ela via as células doentes como seres feios, andrajosos, esquálidos e que deveriam ser destruídos por um guerreiro romano, forte e jovem, vestido com roupas claras e dirigindo uma biga na arena de um coliseu.

Depois de alguns anos, apesar de bem melhor das crises, ela ainda sentia que os sintomas voltavam depois de situações de estresse, tensão e preocupações afetivas e mentais.

Quando teve conhecimento dos exercícios de cura pelo emprego do amor, da aceitação e posterior transformação, ela sentiu que as células doentes deveriam ser tratadas ou as que não mais tiveram cura deveriam ser enterradas.

Começou a visualizar que as células doentes eram recolhidas por ambulâncias e levadas fora do próprio corpo para um hospital, no mundo da sua imaginação para serem tratadas.

Ela começou a visualizar as células doentes saindo dos esconderijos e caminhando para a luz da arena buscando ajuda.

Elas eram transportadas amorosamente e cuidadas.

Passou a se visualizar identificada com o self luminoso e que uma luz se irradiava dele por toda a arena. Não havia raiva, nem desejo de destruição por parte do guerreiro romano. Não havia medo e nem desejo de se esconder por parte das células doentes.

Passou a se ver, na arena iluminada, segurando uma célula doente no colo. Quando a luz do Sol incidia sobre ela, a célula doente, esta ia se transformando em um menino louro, de olhos azuis, de cabelos encaracolados e pele muito clara. Os braços e as pernas que eram inicialmente esqueléticos, iam se enchendo de carne e músculos e todo o corpo ia se tornando saudável e perfeito.

Ela então, encostava a criança no coração e recolhia essa imagem dentro dela amorosamente.

Durante o processo vinham mensagens como:

o é necessário falar o que pensa.

o é necessário ampliar a vida intelectual, passando o conhecimento adquirido, a outras pessoas, por meio de anos de estudo.

 

Conclusão

Como vemos, é possível buscar alternativas mais amorosas para lidarmos com a doença. Os sintomas não precisam ser vistos sempre como algo a ser combatido. Podemos ver neles mestres que ampliam a nossa sabedoria e que nos ajudam no processo de cura, de individuação, de psicossíntese.

 

Referências

Assagioli, R. (1995). Os sete tipos humanos. São Paulo: Editora Totalidade.        [ Links ]

Bennett, W. J. (1993). O livro das virtudes. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.        [ Links ]

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Epstein, G. (2001). Curar para a imortalidade. Campinas, SP: Editora Libro Pleno.        [ Links ]

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Paz, O. (2001). A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Editora Siciliano.        [ Links ]

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Porchat, I. & Barros, P. (Orgs) (1985). Ser terapeuta. São Paulo: Editora Summus.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
boccalandro@terra.com.br

Encaminhado em 31/10/02
Aceito em 08/07/03