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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.4 no.1 São Paulo June 2003

 

ARTIGOS

 

Aplicação do teste verbal Zulliger (forma individual) em pessoas surdas

 

 

Sandra Nunes Angelini I; Rejane Veiga Oliveira II

I Escola para Surdos Frei Pacífico e Centro Interdisciplinarde Saúde Mental (CISAME)
II ULBRA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar a possibilidade da avaliação de pessoas surdas com teste verbal de personalidade. Foi avaliado se existe a necessidade de algumas adaptações das normas e regras de aplicação, bem como do levantamento dos dados do teste e foi investigado a existência de características comuns de personalidade. Participaram deste estudo 10 pessoas surdas, na faixa etária entre 21 e 33 anos, com perdas profundas de audição, filhos de pais ouvintes, cursando ou já tendo cursado o Ensino Médio em Escola Especial ou Regular, com ocupação profissional, freqüentando a Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul (SSRS). Foi utilizado o Teste de Zulliger aplicado individualmente em cada sujeito. Os dados coletados indicaram a viabilidade da aplicação da Técnica de Zulliger em pessoas surdas por um profissional especialista na língua de sinais. No grupo estudado algumas características de personalidade foram evidenciadas, tais como: boa capacidade de produção, necessidade de carinho, afeto e apoio, baixo controle geral sobre seus dinamismos psíquicos e reações afetivo-emocionais, ansiedade situacional e depressão.

Palavras-chave: Surdez, LIBRAS, Teste de Zulliger.


ABSTRACT

The objective of this study was to investigate the possibility of assessment of deaf people with a verbal test of personality. It was evaluated if there is the need of adaptation of the rules and norms of application as well as the data collected in the test and we also investigated the existence of common traits of personality. Participated of this study ten (10) deaf people, with ages from twenty one (21) to thirty three (33) years old, with severe losses of the hearing capacity, sons of hearing parents, who have coursed or is coursing high school in a special high school or a regular one, with professional occupation, frequenting the Society of Deaf People of Rio Grande do Sul (SSRS). It was used the Zulliger test applied individually on each subject. The data collected indicated the viability of the application of the Zulliger technique on deaf people by a specialist in the language of signs. In the studied group some characteristics of personality were found, such as: good capacity of production, necessity of affection, kindness and support, low control over their psychic dynamism and affective-emotional reactions, situational anxiety and depression.

Keywords: Deafness, Brazilian language of signs, Zulliger test.


 

 

Introdução

A proposta deste estudo foi investigar, por meio da experimentação, a possibilidade de aplicação de um teste verbal em pessoas surdas. Trataremos nesta pesquisa dos aspectos relevantes que envolvem a surdez na atualidade. Sabemos que os surdos enfrentam dificuldades no que se refere à comunicação devido à utilização de uma língua diferente da usada pela maioria das pessoas. Por isso é imprescindível que profissionais das diversas áreas reconheçam a importância da Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS) para o desenvolvimento da linguagem de pessoas surdas.

Como é notada a ausência de publicações que delimitam métodos ou técnicas de avaliação psicológica de pessoas surdas, pensamos em aplicar a Técnica de Zulliger para investigar se são necessárias algumas adaptações em sua aplicação.

Revisão Teórica

A Surdez

A surdez tem sido tradicionalmente considerada apenas como uma perda da percepção normal dos sons (Couto,1985; Toaldo, 1987). Porém, outros autores encaram a surdez como uma síndrome, desvinculando do chamado ouvido patológico, e que traz inúmeras implicações com relação ao desenvolvimento social, emocional e educacional do indivíduo (Ciccone, 1990; Costa,1991).

A perda da audição pode ser congênita ou adquirida. A primeira tem sua origem em causas endógenas ou exógenas e a segunda pode ser devido à causas patológicas ou traumáticas. Definem-se as causas endógenas pela proveniência da herança genética, no momento da concepção; as causas exógenas não são ocasionadas por fatores hereditários, mas determinadas por condicionadores que provocam a alteração do meio intra-uterino principalmente nos três primeiros meses (Fernandes, 1990).

Ainda, segundo a mesma autora, a surdez congênita ou adquirida pode ser assim classificada: a) deficiência de condução, resultado de alterações do ouvido médio ou externo que consistem na dificuldade ou impedimento da passagem das vibrações sonoras para o ouvido interno; b) deficiência sensório-neural, que se origina no ouvido interno, órgão de Corti e nervo auditivo; c) deficiência mista, que apresenta lesões ou alterações associadas dos ouvidos médio e interno; d) deficiência central, causada pela disfunção ou mau desenvolvimento das vias auditivas do sistema nervoso central.

Para Telford e Sawrey (1984) os surdos são pessoas em que o sentido da audição não é funcional para as finalidades comuns. Assim as definições das perdas auditivas podem ser representadas por: a) perdas leves (20 a 30 db) - as pessoas nessa faixa aprendem a falar de ouvido, ficando no limite entre as de audição difícil e as normais; b) perdas marginais (30 a 40 db) - as pessoas nessa faixa apresentam dificuldades em ouvir a fala a alguma distância, não impedindo de aprendê-la de ouvido; c) perdas moderadas (40 a 60 db) - a capacidade para aprender a falar já depende de amplificação do som com a assistência da visão; d) perdas graves (60 a 75 db) - as pessoas nessa faixa não adquirirão a fala sem o uso de técnicas especializadas. São os indivíduos limítrofes entre os de audição difícil e os surdos; e) perdas profundas (superiores a 75 db) - as pessoas nessa faixa de audição raramente aprendem a linguagem apenas de ouvido, mesmo com amplificação máxima do som.

O estabelecimento dos grupos decorre da incapacidade auditiva com grau de perda de audição, audiometricamente medida em termos de decibéis (db), que é a medida de variação de intensidade do som (Telford & Sawrey, 1984).

A surdez é uma deficiência não visível fisicamente e se limita a atingir uma pequena parte da anatomia do indivíduo. Entre os portadores de outras deficiências, os surdos formam um grupo que apresenta uma característica específica com relação a comunicação (Fernandes, 1990).

Antigamente usava-se o termo "surdo-mudo" para designar pessoas surdas, referindo-se a uma suposta incapacidade dos que nasciam surdos para falar. Sacks (1990) destaca que esta é uma forma incorreta de se referir às pessoas surdas que, se trabalhadas precocemente, são capazes de falar, pois possuem o mesmo aparelho para a fala que qualquer um. Carecem é de feedback auditivo para poder controlar seu som pelo ouvido.

Skliar (1998) destaca que Wrigley nos propõe pensar a surdez não como questão de audiologia, mas em nível epistemológico, no que se refere a análise das relações entre o conhecimento e o poder. Isso não exclui a existência de representações sobre as quais a surdez possa ser entendida como privação sensorial, como um mundo e uma vida marcados pela ausência de sons.

Atualmente sabemos que os estudos em torno da surdez têm utilizado o conceito de diferença, não como um termo a mais, mas sim como significação política em que as identidades, as línguas, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e entendidas. É nesse sentido que Skliar (1998) se interessa em criticar os discursos clínicos visando a mudar as concepções sobre o sujeito surdo, que muitas vezes são definidos a partir de supostos traços negativos, percebidos como exemplos de um desvio de normalidade.

Segundo o mesmo autor, as representações dos ouvintes sobre a surdez continuam sendo discursos hegemônicos em diferentes partes do mundo. Ainda se tem a intenção de que as crianças surdas sejam adultos ouvintes, originando assim um doloroso jogo de ficção nas identificações e nas identidades surdas. Pois nesse jogo os surdos podem acabar sendo considerados autistas, psicóticos, deficientes mentais e até mesmo esquizofrênicos.

Skliar (1998) comenta que a comunidade surda é definida como uma minoria lingüística, baseando-se no fato de que a língua de sinais é utilizada por um grupo restrito de usuários que vivem uma situação de desvantagem social participando de forma limitada na vida da sociedade.

Língua de Sinais

O maior problema enfrentado pelos surdos é o da comunicação, destaca Godinho (1982), visto que a linguagem é constituidora do pensamento e é por meio dela que se ampliam os círculos sociais. É pela linguagem que o processo de socialização vai exercer sua influência permanente por toda a vida do indivíduo.

Sánchez (1990, p. 17) refere que "a comunicação humana é essencialmente diferente e superior a toda outra forma de comunicação conhecida. Todos os seres humanos nascem com os mecanismos da linguagem específicos da espécie, e todos os desenvolvem normalmente, independentemente de qualquer fator racial, social ou cultural".

Segundo Lebedeff (2000), para suprir essa necessidade de comunicação surgiram diversas metodologias que procuram ensinar o surdo a se comunicar e estão divididas em duas grandes correntes: a oralista e a não oralista. Nas oralistas, as metodologias requerem a audição ou a leitura labial para processar a linguagem falada e a expressão oral. Já as não oralistas incluem tanto as línguas de sinais como os sistemas de comunicação concebidos com finalidade locomotiva.

Quadros (1997) aponta que a postura educacional perante a língua de sinais interferiu no processo histórico das comunidades surdas. As línguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente das línguas orais; são línguas espaço-visuais, ou seja, a realização dessas línguas é estabelecida por meio da visão e da utilização do espaço. São sis-temas lingüísticos independentes dos sistemas das línguas orais e se desenvolvem naturalmente no meio em que vivem as comunidades surdas.

Segundo a mesma autora, outro aspecto fundamental é que tais línguas são naturais interna e externamente, pois refletem a capacidade psicobiológica humana para a linguagem e surgiram da mesma forma que as orais. As línguas de sinais são sistemas lingüísticos que passaram de geração para geração entre as pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade lingüística.

Skliar (1998) afirma também que os surdos criaram, desenvolveram e transmitiram de geração para geração uma língua cuja modalidade de recepção e produção é visogestual. Numerosas pesquisas já têm demonstrado que as línguas de sinais cumprem com todas as funções descritas para as línguas naturais, não podendo ser desvalorizadas e nem tratadas como mescla de pantomima e de sinais icônicos. Língua natural, nesse caso, deve ser entendida como uma língua que foi criada e é utilizada por uma comunidade específica de usuários e que muda com o passar do tempo, tanto estrutural como funcionalmente.

A quantidade de trabalhos produzidos nessas últimas décadas mostra que a língua de sinais conquistou um espaço na lingüística e, portanto, um reconhecimento como língua, segundo Souza (1998).

Aquisição da linguagem em pessoas surdas

As crianças surdas, assim como as crianças ouvintes, aprendem a língua nos três primeiros anos de vida, mais ou menos. A perda da audição não é em si um bloqueio para o desenvolvimento da língua, todavia os métodos e conselhos poderão tornar-se obstáculos para o crescimento da língua da criança. Isso faz com que seja necessária a busca de informações por parte dos pais com profissionais que informem a existência da Língua de Sinais para que estes possam se familiarizar com a comunidade surda. Pois, a partir daí, os bebês surdos poderão embarcar numa jornada bilíngüe (Skliar,1999).

A surdez de um filho causa reações diversas nas atitudes dos pais, que influenciam na utilização de recursos comunicativos favorecendo ou não uma autonomia pessoal. O fato de os pais serem surdos ou ouvintes é um diferencial importante. Pois os pais surdos aceitam com mais facilidade a surdez de seu filho, compreendem melhor sua situação e oferecem à criança a linguagem de sinais naturalmente, permitindo que ela estruture intercâmbios comunicativos mais fluentes e satisfatórios. Os pais ouvintes, que são cerca de 90% do total, estão na grande maioria mais voltados para a aquisição da linguagem oral, que acaba causando maiores dificuldades para encontrar o modo de comunicação adequado e para compreender as experiências vividas pela criança surda (Marchesi, 1995).

Segundo Dorziat (1999), os profissionais que consideravam os surdos deficientes, procuravam normalizá-los com treinamentos para a aquisição da linguagem oral. Com os estudos envolvendo as áreas da lingüística, psicologia e sociologia, atualmente se aponta a importância da linguagem natural para a vida e para o desenvolvimento do ser humano.

Fonseca (2001) ressalta que, ao adquirir linguagem com competência, ocorre a inserção em um novo mundo de sofisticadas redes simbólicas que sustentam os laços que levam a conexão com o mundo interno de seus semelhantes. A linguagem pode ser considerada como uma função que está envolvida na elaboração e transformação das emoções em estado bruto. É nesse sentido que as questões que envolvem o papel da linguagem na estruturação e no funcionamento do mundo interno merecem cada vez mais pesquisas.

Considerando a proposta bilíngüe, Quadros (1997) acredita que a criança surda brasileira deve aprender a LIBRAS como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua, visto que devido às condições físicas dessas crianças, qualquer língua oral exigirá procedimentos sistemáticos e formais para ser adquirida por uma pessoa surda.

Goldfeld (1997) comenta que diversos autores, afirmam que a criança surda, ao sofrer atraso de linguagem, mesmo aprendendo a língua tardiamente, terá como conseqüência problemas emocionais, sociais e cognitivos.

Avaliação Psicológica de pessoas surdas

Anastasi e Urbina (2000) afirmam que crianças com prejuízos auditivos normalmente têm desvantagens nos testes verbais, mesmo quando o conteúdo verbal é apresentado visualmente. A testagem de crianças surdas foi o principal objetivo no desenvolvimento de algumas das primeiras escalas de desempenho. As escalas Wechsler são empregadas com freqüência e com algumas adaptações na testagem de pessoas surdas.

A maioria dos testes foi padronizada com pessoas que escutam. Anastasi e Urbina, (2000) afirmam que Sullivan e Burley destacam que o Teste Hiskey-Nebraska de Aptidão para Aprendizagem foi desenvolvido e padronizado com crianças surdas e pode ser aplicado individualmente entre as idades de 3 e 17 anos. As instruções são comunicadas por pantomima e exercícios práticos. Mas, mesmo que as normas do teste sejam obsoletas, é ainda considerado um dos melhores testes para o uso com crianças com problemas de audição.

Com a evolução do conhecimento sobre a surdez, Braden descreve muitos achados em seus estudos, apontam Anastasi e Urbina (2000). Entre eles está o fato de que as crianças surdas, que têm pais surdos, obtêm escores acima dos normais para as crianças sem prejuízos nos testes de desempenho. Muitos são os fatores que interagem e contribuem para o desempenho cognitivo diferencial dessa população. Entre eles está principalmente o modo de comunicação.

Em pesquisa sobre a evolução do grafismo em crianças pré-escolares defi-cientes auditivas, Corrêa (1993) constatou que crianças surdas, sem outros comprometimentos, têm a mesma capacidade e potencial para alcançar os níveis de maturação e desenvolvimento que uma criança ouvinte. Sendo que desde cedo devem ser estimuladas para que isso ocorra, para não haver diferenças no grau de evolução do grafismo.

Psicólogos que atendem pacientes surdos, mostram que vários recursos são utilizados para a avaliação. Destacam-se, entre os outros instrumentos, a entrevista diagnóstica e a busca de dados com a família. Os testes são bastante utilizados. Porém, alguns deixam dúvidas sobre sua fidedignidade quanto a adequação de aplicação e análise dos dados (Almeida & Silva, 2001).

Z - Teste: Técnica de Zulliger

O Z-Teste é uma técnica e não uma unidade de estímulo padrão para obtenção de resposta padrão, destaca Vaz (1998). A Técnica de Zulliger teve como base o psicodiagnóstico de Rorschach e foi validada entre os anos 50 e 60 em amostras de sujeitos e estudantes de di-versas profissões. Trata-se de uma técni-ca consistente e de grande importância na avaliação da personalidade, pois leva algumas vantagens no que se refere ao tempo e aplicação com relação ao Rorschach.

Segundo Vaz (1998), as manchas não estruturadas levantam situações que de uma forma ou outra vêm associadas às situações internas do examinando. Essa técnica é capaz de avaliar a personalidade do indivíduo quanto a capacidade de produção, desempenho e adaptação à tarefa, a capacidade de dar e receber afeto de forma adequada, o controle geral sobre os impulsos e as reações afetivo-emocionais, o nível de ansiedade (se traço ou situacional), a existência de características depressivas, etc.

 

Método

Sujeitos participantes

Participaram desse estudo 10 pessoas surdas, sendo 5 mulheres e 5 homens com faixa etária entre 21 e 33 anos, com perdas profundas de audição, ou seja, surdos sem restos auditivos, filhos de pais ouvintes, cursando ou já tendo cursado o Ensino Médio em Escola Especial ou regular, com ocupação profissional, freqüentando a Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul (SSRS). Foram fatores de exclusão desss estudo a presença de problemas comprometedores de personalidade e histórico de depressão.

Instrumentos

Teste de Zulliger (Z-Teste): Este instrumento avalia a personalidade e tem como base o psicodiagnóstico de Rorschach. Conforme Vaz (1998), a técnica de Rorschach possibilita fazer a avaliação dos elementos psicodinâmicos da pessoa de um modo abrangente e global, uma vez que por meio dela podemos avaliar a estrutura da personalidade e o funcionamento do indivíduo. Tanto o Rorschach quanto o Z-Teste apresentam categorias altamente quantificáveis e, conseqüentemente, possibilitam algumas comparações e correlações. Entretanto, como destaca o mesmo autor não se deve deixar de lado as variáveis do meio grupal e cultural do examinando.

Para esta pesquisa tomamos como base os seguintes elementos da Técnica de Zulliger, segundo Vaz (1998):

a) o número de respostas (R) por protocolo para avaliarmos a capacidade de produção e desempenho, bem como de adaptação à tarefa;

b) o índice de respostas de Cor Cromática (FC, CF, C), e de Movimento Humano (åM, M+%, M-%, M±% para avaliarmos a capacidade de dar e receber afeto de forma adequada;

c) o índice de respostas de Forma (åF) para avaliarmos o controle geral sobre os impulsos e reações afetivo-emocionais;

d) o índice de respostas de Sombreado Radiológico (Fk, kF, k), Sombreado de Perspectiva e Profundidade (FK, KF, K), respostas de espaço em branco (S) para avaliarmos o nível de ansiedade (traço/situacional);

e) o índice de respostas de Cor Acromática (FC', C'F, C') para avaliarmos características depressivas.

Procedimentos

Para realização dessa pesquisa fez-se necessário entrar em contato com os membros da diretoria da SSRS. (Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul) a fim de solicitar o consentimento destes para sua realização. Foi realizado um levantamento dos sócios que apresentam as características necessárias para participação nesse estudo. Com a indicação para a testagem, foi realizado o convite a essas pessoas para que participassem da pesquisa, bem como o esclarecimento sobre os objetivos do presente estudo, para que pudessem estar motivados a contribuir. A testagem realizou-se de forma individual em uma das salas reservadas para esse fim dentro da Sociedade dos Surdos.

Em primeiro lugar, procedeu-se a assinatura do termo de consentimento informado, depois foi preenchido um protocolo com os dados sociosdemográficos dos sujeitos e, em seguida, começou-se a aplicação do Z-Teste.

O levantamento dos resultados do Z-Teste foi realizado segundo Vaz (1998) considerando-se a categoria estudante.

 

Resultados

Quanto à aplicação de teste verbal em pessoas surdas

Todos os sujeitos contatados concordaram em participar, demonstrando interesse em contribuir para o estudo, colocando na maioria das vezes sua opinião sobre a importância de se ter um profissional com conhecimento da LIBRAS para que o entendimento fosse de ambas as partes. Alguns dos sujeitos já estiveram em atendimento psicoterápico, demonstrando descontentamento pelo fato de o profissional não utilizar a língua de sinais.

No momento em que foi realizado o rapport, a grande maioria dos sujeitos aproveitou para falar um pouco de sua vida, salientando as dificuldades enfrentadas. Constatou-se que poucos sabiam sobre a aplicação de testes psicológicos, pois nunca haviam sido avaliados com tais instrumentos. Em razão disso foi necessária uma explicação mais complexa sobre a avaliação psicológica e em especial sobre o teste a ser aplicado.

As instruções foram realizadas de acordo com o padronizado para a aplicação em pessoas ouvintes, mas traduzidas para a língua de sinais. Os participantes facilmente compreenderam as ordens dadas, não necessitando a repetição. Mas alguns repetiam a sinalização das instruções dadas pelo examinador buscando se certificar se haviam compreendido a tarefa.

A fase da aplicação propriamente dita e o inquérito transcorreram normalmente. Todos aparentemente estavam sentindo-se à vontade para a realização do teste. Alguns, ao receberem os cartões, manifestaram certo espanto, comentando que era difícil identificar algo nas manchas, demonstrando sentimentos de incapacidade diante do desconhecido, mas, respondendo a todos os cartões, sem nenhuma rejeição.

No Z-Teste, assim como na Técnica de Rorschach, o registro das respostas deve ser realizado por escrito. Nesse caso, como a aplicação foi com pessoas surdas, não bastava apenas ser conhecedor da LIBRAS, porque no momento da escrita deve-se ter compreensão do todo para se poder colocar de forma correta o que está sendo dito. Os detalhes da sinalização não devem passar despercebidos, pois um gesto pode estar indicando um objeto, animal ou pessoa em pleno movimento.

Esse dado está em consonância com a literatura, uma vez que as línguas de sinais cumprem com todas as funções descritas para as línguas naturais. É preciso sempre salientar que essas línguas não podem mais ser desvalorizadas e nem inferiorizadas perante as línguas orais. O aspecto fundamental a ser destacado é que tais línguas são naturais internamente e externamente, pois refletem a capacidade psicobiológica humana para a linguagem, tendo surgido da mesma forma que as orais.

Foi evidenciado que a aplicação do teste verbal em pessoas surdas também é possível, o que demonstra a possibilidade de uso desse instrumento em uma avaliação psicológica. Cabe destacar que o profissional que fizer uso de um teste verbal em pessoas surdas deverá, não apenas ter fluência em língua de sinais, como também ter conhecimento para a sua tradução.

Quanto à necessidade de algumas adaptações

No momento do levantamento dos dados, foi possível observar que o tempo de duração das respostas foi geralmente maior do que a média esperada. Ocorreu, então, o que Vaz (1998) denomina de Choque de Duração. Provavelmente isso deve ter ocorrido porque as línguas de sinais se apresentam de um modo diferente das línguas orais. Elas são espaço-visuais, pois necessitam da visão e da utilização do espaço para se desenvolverem. Nesse sentido o tempo de sinalização difere do tempo da oralização.

Quanto às características comuns de personalidades encontradas

A partir da classificação e interpretação do Z-Teste, podemos destacar que os sujeitos participantes apresentaram boa capacidade de produção e desempenho, bem como adaptação à tarefa, uma vez que obtiveram um número de respostas (R) superior à média considerada normal (Tabela 1).

 

 

O índice de respostas Globais (G) apresenta-se dentro da média considerada normal, indicando adequada percepção de conjunto, senso de organização e inteligência voltada para o abstrato. Porém, o elevado índice de Detalhes Comuns (D) e Detalhes Incomuns (Dd) demonstra que há grande preocupação com minúcias, rigorosidade e exigência no modo de perceber o mundo em detrimento do real e da visão de conjunto (Tabela 1). Provavelmente pelo fato de que a surdez não é visível fisicamente, a sociedade pouco evoluiu para oferecer melhores condições para esse grupo. A intenção de torná-los ouvintes ainda está presente em diferentes lugares. Porém pesquisas apontam que a busca pela identidade surda favorece a superação de obstáculos para o crescimento pessoal e profissional. Em relação à adaptação ao meio em que estão inseridos ainda, carecem de informações, que só serão adquiridas quando houver diálogo com as pessoas à sua volta.

Quanto ao controle geral, o grupo apresentou baixo índice de respostas de Forma Pura ( F), indicando prejuízo do controle geral sobre seus dinamismos psíquicos, como instintos, reações afetivo-emocionais e impulsivas, e prejuízo da capacidade para perceber as coisas com objetividade, senso lógico, com influência prejudicial ou destorcida das emoções. No entanto, denotam raciocínio lógico preciso, coerente, bem ordenado e organizado, uma vez que apresentam um número de respostas de Forma de Boa Qualidade (F+) dentro da média considerada normal (Tabela 2).

Corroborando com esses dados, a literatura aponta que o atraso do desenvolvimento da linguagem pode causar problemas emocionais, sociais e cognitivos. Cada vez mais é apontada a importância da linguagem natural para a vida e o desenvolvimento do ser humano. Estudos indicam que as pessoas surdas tendem a ter um pensamento mais concreto e com menor capacidade de pensamento abstrato e hipotético, apresentando uma inteligência semelhante à dos ouvintes, no que se refere em conhecer como as coisas são feitas e adquirir novos conhecimentos, experiências e habilidades.

 

 

Quanto à capacidade de dar e receber afeto, observou-se que os sujeitos participantes deste estudo apresentam carências afetivas, demonstrando necessidade de carinho, afeto e apoio (Fc). Trata-se de um afeto imaturo, uma vez que mais buscam do que conseguem dar afeto às pessoas. Em função do baixo controle geral ( F), da baixa incidência de respostas de Movimento Humano ( M), associado ao elevado índice de respostas de Forma e Cor bem-definida (FC) e ao grande número de respostas de Cor Pura (C), fica evidenciado que essas pessoas apresentam dificuldade para estabelecer relações de empatia, tendendo a expressar reações emocionais intensas, descontroladas e antagônicas, que vão do ódio ao amor (Tabela 3). Possivelmente a atitude e a forma como os pais reagem perante a surdez do filho influencia no desenvolvimento emocional, prejudicando as relações futuras. As dificuldades de comunicação podem causar a não-integração do indivíduo ao meio, ocasionando frustrações difíceis de serem elaboradas.

 

 

Observando a Tabela 4, percebemos que o grupo fica ansioso diante de uma situação de tensão e pressão externa; mas tenta suportá-la demonstrando alguma capacidade de autocrítica. O elevado índice de respostas de Forma e Cor Acromática (FC') e a presença de respostas de Cor Acromática Pura (C') na proporção FC' > C'F + C' apontam para presença de características depressivas nesse grupo de pessoas. Estas são confirmadas pela presença de Fenômenos Especiais como Sentimentos de Incapacidade e Choque de Reação por Dilatação e Choque de Duração.

Provavelmente conseguem lidar melhor com as situações ansiogênicas devido as experiências vivenciadas, pois buscam na Sociedade dos Surdos um grupo com o qual possam se comunicar por meio da linguagem de sinais, realizar atividades de lazer e compartilhar os mesmos problemas. No entanto diante das expectativas dos pais ouvintes e sociedade ouvinte, as pessoas surdas sentem-se incapazes e diferenciadas. Não se sentindo acolhidas, acabam por demonstrar características depressivas, embora estas não constituam um Transtorno Depressivo. Mesmo com características depressivas, o grupo estudado pareceu integrado com seus iguais. Observou-se que a possibilidade de convivência propicia a superação de um possível isolamento.

 

 

Conclusão

O estudo realizado revela, a viabilidade da aplicação de um teste verbal em pessoas surdas, Z-Teste, por um profissional que tenha a fluência na Língua de Sinais Brasileira, e principalmente o conhecimento para sua tradução para a Língua Portuguesa.

O uso de um instrumento que complementa a avaliação psicológica de pessoas surdas possibilitará o entendimento desse grupo de pessoas, buscando priorizar a saúde mental. Sabe-se que dúvidas e incertezas tomam conta dos sentimentos dos profissionais que trabalham com surdos, pois ainda faltam estudos e publicações que atendam o anseio de compreender as diferenças existentes entre pessoas surdas e pessoas ouvintes. Pois as características comuns de personalidade desse grupo de pessoas surdas - boa capacidade de produção, desempenho e adaptação à tarefa, baixo controle geral de seus impulsos, instintos e reações afetivo-emocionais, presença de ansiedade situacional, carência afetiva, necessidade de carinho, afeto e apoio e características depressivas de personalidade - exigem um tratamento cuidadoso e atento.

É preciso lembrar que os resultados encontrados com a aplicação do Z-Teste foram baseados na validação do instrumento para pessoas ouvintes. Isso possibilitou a identificação de características comuns entre as pessoas que integravam este grupo. Entretanto não se deve deixar de lado as variáveis do meio grupal e cultural do examinando, bem como o número reduzido dos participantes deste estudo.

É de extrema importância que novas pesquisas sejam realizadas, envolvendo um número maior de pessoas, buscando a adaptação, validação e padronização de testes verbais em pessoas surdas a fim de possibilitar uma avaliação adequada e fidedigna desse grupo de pessoas tão carente de atendimento e entendimento. Uma vez que a surdez é vista no sentido patológico, isto quando não é totalmente desconhecida pelos profissionais da área.

 

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Endereço para correspondência:
sangeli@myway.com.br, rejaneveiga@aol.com

Encaminhado em 26/05/03
Aceito em 08/07/03