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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.4 n.2 São Paulo dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Interesses em adolescentes que procuram orientação profissional

 

 

Lucy Leal Melo-Silva*; Mariana Araujo Noce **; Patrícia Pasqua Andrade ***

Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A avaliação de instrumentos utilizados nas práticas psicológicas, assim como dos interesses de pessoas que procuram Orientação Profissional, tem sido considerada relevante objetivando o planejamento de intervenções eficazes. Esta pesquisa tem como objetivo caracterizar e analisar a estrutura de inclinação profissional de adolescentes que procuraram espontaneamente um serviço de uma universidade pública de uma cidade de porte médio. A amostra foi composta por 136 orientandos (39 do sexo masculino e 97 do sexo feminino), entre 16 e 20 anos, provenientes de escolas particulares e públicas, que foram atendidos nos anos de 1997 e 1998. Os adolescentes participaram de cerca de 12 sessões de atendimentos. Em uma delas foi aplicado o Teste de Fotos de Profissões (BBT Berufsbilder Test), de Achtnich, formas masculina e feminina. O presente estudo sistematiza os dados quantitativos obtidos pelo do BBT: a produtividade, os interesses primários e secundários (positivos e negativos), as fotos mais escolhidas e mais rejeitadas. Os resultados dos grupos masculino e feminino foram comparados, sendo evidenciadas semelhanças e diferenças entre os mesmos. Os referidos resultados também foram analisados e discutidos com base na padronização para a população brasileira da versão original da técnica e em dados obtidos na amostra suíça. São levantadas hipóteses explicativas para os resultados encontrados.

Palavras-chave: Teste de Fotos de Profissões (BBT), Inclinação profissional, Teste de interesse, Orientação profissional, Avaliação de interesse.


ABSTRACT

The evaluation of instruments used in Psychology practices, as well as, of the interests by people requesting occupational guidance have been considered relevant in order to plan quality intervention. This study aims to charactering and analyzing the prevalent interests shown by adolescents who requested spontaneously the services from a state university. The sample consisted of 136 clients (39 male and 97 female), aged between 16 and 20 years old, studying in private and state schools and attended during 1997 and 1998. The adolescents attended about 12 sessions. In one session the Achtnich Test of Photos of Occupations (BBT - Berufsbilder Test) was applied. This study systematizes the quantitative data gathered from the BBT, namely: productive, primary and secondary interests, positive and negative interests, most chosen photos and most rejected photos. The results for the male and female groups were compared outlining the similarities and divergences. The results were also analyzed and discussed in relation both to the Brazilian pattern and original Swiss pattern. Hypotheses are made to explain the results found.

Keywords: Test of Photos of Occupations (BBT), Prevailing interests, Occupational guidance, Evaluation of interests.


 

 

Introdução

É senso comum que na adolescência - período no qual ocorrem modificações biológicas e psicológicas - o jovem busca definir sua identidade, adquirir a imagem corporal e consolidar sua personalidade (Osório, 1989). O adolescente tem, portanto, como tarefa primordial, nessa etapa da vida, a definição de identidade pessoal: sexual, ideológica, religiosa e profissional (Erickson, 1987).

O momento da tomada de decisão em relação a que profissão seguir pode gerar muita ansiedade, pois envolve aliar: interesses, aspirações, medos, exigências familiares, sociais e do mercado de trabalho. Nesse sentido, a escolha da profissão adquire relevância e requer, muitas vezes, a intervenção de profissionais especializados. Assim sendo, a Orientação Vocacional/Profissional configura-se como o campo de atividades que dispõe de conhecimentos teóricos e práticos destinados a facilitar o processo de "escolha" profissional e elaboração de projetos futuros, sobretudo, do adolescente.

Além disso, o mundo está passando por profundas transformações geopolíticas, temas como: guerras, terrorismo, corrupção, fome, desemprego estrutural e violência de diferentes tipos são veiculados cotidianamente pelos meios de comunicação, gerando angústia em adultos e, sobretudo, em jovens na fase da adolescência e definição da identidade. Como planejar o futuro e como definir um projeto de vida em uma sociedade, que de certa forma está caótica, são questões colocadas na ordem do dia por adolescentes, familiares e orientadores profissionais.

Assim sendo, a tomada de decisão que sempre foi um processo complexo no contexto atual parece ainda mais difícil, uma vez que é preciso "escolher" uma carreira em um mundo de incertezas e inversão de valores. Torna-se cada vez mais necessário aprender a tomar decisões e fazer transições manejando situações diversas e inesperadas na vida, o que é válido para adolescentes e adultos. E é para intervir nessas situações que o orientador profissional deve estar preparado, deve desenvolver sua capacidade repensar sua própria carreira e também procurar aperfeiçoar-se, ou seja, buscar educação continuada.

Novos paradigmas estão sendo debatidos, tendo em vista a preparação do ser humano para o desenvolvimento de novas habilidades, de novas aprendizagens, ou seja, aprender a aprender sempre, a fim de equilibrar trabalho com valores e vida pessoal. Qual é o significado do trabalho para cada orientando e orientador profissional em nossa realidade?

A Orientação Profissional como área das ciências humanas precisa dispor cada vez mais de conhecimento teórico e prático em cada contexto social, político e econômico, considerando as diferentes de situações. As estratégias utilizadas nos procedimentos de intervenção, assim como a avaliação dos instrumentos, dos processos e dos resultados, requerem pesquisas contínuas e divulgação das mesmas no âmbito científico e, principalmente, no prático.

Na intervenção o orientador pode utilizar-se de diversos recursos, objetivando facilitar a reflexão e a tomada de consciência, por parte do orientando, das condições internas e externas que influenciam a "escolha" de uma profissão, assim como os graus de liberdade dessas escolhas (Ferretti, 1988). Técnicas de entrevistas, técnicas psicodramáticas, de grupo operativo, entre outras técnicas grupais, podem ser utilizadas de acordo com o referencial teórico e prático que fundamenta a intervenção. Instrumentos de avaliação, tais como inventários de interesse, baterias de aptidões, testes de inteligência e de personalidade, técnicas gráficas, projetivas e expressivas também podem ser utilizados como recursos complementares tendo em vista a facilitação da escolha e desde que os profissionais conheçam os construtos teóricos e as normas para aplicação e interpretação dos resultados obtidos por meio dos instrumentos. Mas, principalmente, que tenham a clareza do porquê, com quem e em que momento inserir alguma técnica, teste ou escala. Os benefícios para o cliente estão acima do interesse do orientador profissional em utilizar certos recursos. O uso de testes, escalas e outros instrumentos de avaliação é recomendado apenas em processos dinâmicos de Orientação Profissional, que abordam questões como: (1) "escolha" da carreira; (2) influências sociais, educacionais, familiares, econômicas e políticas na tomada de decisão; (3) informações sobre as carreiras; (4) significado do trabalho e do mercado de trabalho, entre outros temas emergentes.

Um dos instrumentos utilizados para conscientização de aspectos envolvidos na escolha profissional e conseqüente facilitação dessa decisão dentro de processos de Orientação Profissional desenvolvidos no Serviço de Orientação Profissional (SOP), do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da FFCLRP-USP, desde 1994, é o Teste de Fotos de Profissões - BBT (Berufsbilder Test): método projetivo para a clarificação da inclinação profissional1.

Na elaboração dessa técnica projetiva, Martin Achtnich (1991) partiu dos princípios da teoria pulsional de Szondi (1971). Apresentado em duas versões Forma Feminina (1971) e Forma Masculina (1973), o BBT é baseado em oito fatores de inclinação que se combinam de maneiras múltiplas, resultando em uma determinada estrutura de interesses que motivará a escolha de uma atividade profissional. Os fatores propostos por Achtnich são:

o Fator W - relacionado à: ternura, feminilidade, sensibilidade e necessidade de tocar.

o Fator K - relacionado à força física, dureza e agressividade.

o Fator S - subdividido em: Sh - disponibilidade em ajudar, curar, interesse pelo outro e Se - energia, dinamismo, necessidade de movimento, coragem.

o Fator Z - necessidade de mostrar (a si e ao produto de seu trabalho), de representar, de admirar a beleza e a estética.

o Fator V - relacionado à razão, inteligência, objetividade e necessidade de conhecimento.

o Fator G - intuição, criatividades, idéia, imaginação.

o Fator M - relacionado à matéria, à substância e posse (afetiva e material).

o Fator O - subdividido em Or (necessidade de falar e de comunicar) e On (necessidade de nutrir, alimentar).

Cada foto representa uma combinação entre dois dos oito fatores, sendo composta por um fator primário (identificado com letra maiúscula) relacionado à atividade desempenhada na foto, e um fator secundário (identificado com letra minúscula), que se refere aos demais aspectos presentes na imagem (ambiente profissional, local, objetos de trabalho, etc.).

A estrutura de interesses é obtida da análise da classificação, feita pelo orientando, das 96 imagens de situações profissionais componentes do BBT, em: 1) fotos que agradam (fotos positivas: "+"); 2) fotos que não agradam (fotos negativas: "-") e 3) fotos que deixam o orientando indiferente ou indeciso (fotos neutras: "0"). São calculadas as freqüências de escolha e rejeição por fator primário e secundário, obtendo-se, respectivamente, a estrutura de inclinação profissional positiva e a estrutura de inclinação profissional negativa do indivíduo. O perfil de interesses de um indivíduo permite a visualização de como ele organiza suas escolhas e hierarquiza suas preferências e rejeições profissionais, dados que podem ser trabalhados durante o processo de Orientação Vocacional/Profissional.

Quando se trabalha com um grupo de indivíduos, como no caso de pesquisas normativas e de investigações de grupos com características ou em situações específicas (mesmo curso universitário, mesma profissão/ocupação, em processos de intervenção), os dados provenientes da aplicação do BBT podem ser analisados conjuntamente, estabelecendo-se os perfis de inclinação do grupo, os dados de produtividade, as fotos mais escolhidas e as mais rejeitadas. Tal forma de análise é importante para caracterização do grupo que se pretende estudar e possibilita, ainda, o estabelecimento de parâmetros de comparação para outros indivíduos com características semelhantes. Estudos que se utilizam desse método de análise têm evidenciado a sensibilidade do BBT em discriminar grupos com características distintas, o que oferece indícios sobre a validade e a eficácia de sua utilização (Jacquemin, 2000; Jacquemin et al., 2003)

Além da análise quantitativa dos dados individuais e/ou grupais obtidos, o BBT permite também uma análise qualitativa. Essa análise é realizada a partir do conjunto das associações solicitadas ao sujeito, durante a aplicação do instrumento, sobre fotos e grupos de fotos preferidas e rejeitadas, revelando outros aspectos, além dos evidenciados na estrutura de interesses. Assim, as verbalizações do orientando sobre suas escolhas e rejeições auxiliam tanto o orientador quanto o próprio orientando no esclarecimento de representações e formas de organização de: profissões, ocupações, mundo e mercado de trabalho, possibilidades e limites à satisfação das necessidades, atividades de lazer, dificuldades e conflitos vivenciados no processo de escolha, etc.

A partir de sua divulgação inicial no Brasil (Jacquemin, 1982), diversas pesquisas foram realizadas enfocando aspectos teóricos e práticos do BBT, tais como: Jacquemin e Nunes (1985), Nunes (1989), Melo-Silva e Jacquemin (1995, 1997), Sbardelini (1997), Jacquemin et al. (1998), Melo-Silva e Santos (1998), Ribeiro (1998), Bernardes (2000), Melo-Silva (2000), Welter (2000 a e b), Melo-Silva, Assoni e Bonfim (2001), Noce (2002).

Destacam-se os esforços do Prof. Dr. André Jacquemin e de sua equipe de pesquisadores (Centro de Pesquisas em Psicodiagnóstico, USP de Ribeirão Preto) nos estudos de adaptação das Formas Feminina e Masculina do BBT para o contexto sociocultural brasileiro, incluindo as fases de verificação de validade interna, de reelaboração dos estímulos (fotos) e de composição de padrões normativos para estudantes do ensino médio e universitário (Jacquemin et al., 1998; Jacquemin, 2000; Jacquemin et al., 2003). A forma masculina adaptada para o contexto brasileiro (BBT-Br), com o manual contendo dados normativos foi lançada no mercado brasileiro em 2000 (Jacquemin, 2000; Jacquemin, Noce & Assoni, 2000) e a forma feminina encontra-se em fase de elaboração final para disponibilização aos profissionais de nosso contexto (Jacquemin, et al., 2003).

De maneira geral, a preocupação inicial dos pesquisadores consistiu na exploração de aspectos teóricos e práticos do BBT, nas possibilidades e nos limites de sua utilização no contexto brasileiro, com resultados positivos relatados e divulgados. Pode-se observar que a maioria das investigações foi realizada com grupos específicos de indivíduos objetivando interesses fundamentalmente voltados para o desenvolvimento de pesquisas científicas.

 

Objetivo

O presente estudo insere-se no contexto de análise sobre os resultados obtidos com o BBT em grupos de adolescentes que procuraram espontaneamente atendimento e participaram de processos de Orientação Vocacional/Profissional em situação clínica. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivos: caracterizar e analisar a estrutura de inclinação profissional de adolescentes atendidos no Serviço de Orientação Profissional do Centro de Psicologia Aplicada da FFCLRP-USP, nos anos de 1997 e 1998, que realizaram o Teste de Fotos de Profissões (BBT), método projetivo para a clarificação da inclinação profissional, de Martin Achtnich, em sua versão original. A presente investigação integra uma série de trabalhos nos quais serão analisadas as respostas ao BBT dos adolescentes que participaram de processos de Orientação Profissional ao longo de vários anos no SOP, enfocando, principalmente, variáveis quantitativas.

 

Método

A amostra foi composta por 136 orientandos de ambos os sexos, sendo 39 do sexo masculino e 97 do sexo feminino, na faixa etária de 16 a 20 anos, provenientes de escolas públicas e particulares do ensino médio de Ribeirão Preto (SP). Os orientados participaram de atendimento em Orientação Profissional, predominantemente na modalidade grupal, no Serviço de Orientação Profissional do Centro de Psicologia Aplicada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), durante os anos de 1997 e 1998.

Utilizou-se como fonte de dados os protocolos do Teste de Fotos de Profissões (BBT) - Formas Feminina e Masculina. A aplicação do teste em todos os sujeitos foi realizada durante o processo de Orientação Profissional, em grupo ou individual (duração média de 12 encontros), sob a coordenação de estagiários e profissionais colaboradores do SOP, incluindo as pesquisadoras. Ao término do atendimento foi feita uma entrevista final com cada sujeito para análise e reflexões sobre os resultados obtidos em todo o processo, na perspectiva tanto do orientador, quanto do orientando. Salienta-se que foi utilizada a versão original do BBT, uma vez que as versões adaptadas encontravam-se em processo de elaboração.

Os dados individuais foram digitados em programa especializado de computador, resultando em relatórios quantitativos das estruturas de inclinação primária e secundária das fotos mais escolhidas e rejeitadas e da produtividade dos grupos estudados.

Os resultados foram sistematizados, analisados quantitativa e qualitativamente e discutidos com base na padronização preliminar da versão original da técnica para a população brasileira (Jacquemin & Pasian, 1991) e suíça (Achtnich, 1991).

 

Resultados

O primeiro item a ser analisado na avaliação dos resultados do BBT é a produtividade, ou seja, o número médio de fotos escolhidas, rejeitadas e neutras. Esses índices podem trazer indicações sobre a facilidade/dificuldade de identificação com as fotos e com a situação de escolha profissional sobre a variedade de interesses profissionais e sobre o grau de abertura ou restrição dos horizontes de trabalho.

Para ambos os grupos, o número médio de escolhas positivas foi de 25 fotos. As escolhas do Grupo Feminino corresponderam à média de estudos realizados com a população brasileira (M = 23-24), enquanto as do Grupo Masculino situaram-se abaixo da normatização (M = 31-32). Quando o número de fotos escolhidas fica abaixo da média de escolhas esperadas, pode-se pensar tanto em um certo direcionamento da escolha profissional, quanto em estreiteza no universo das profissões. O Grupo Masculino, nesse caso, parece apresentar-se como mais decidido quanto às suas escolhas profissionais.

O número médio de fotos rejeitadas foi de 47 no Grupo Feminino, sendo levemente superior ao mesmo índice obtido em estudos realizados anteriormente no Brasil (M = 43-44). No Grupo Masculino, o número de fotos rejeitadas pelos adolescentes foi de 50, superior ao verificado na padronização (M = 40-41). O aumento do número médio de fotos negativas sinaliza maior decisão, o que confirma a hipótese anteriormente citada a respeito das escolhas do grupo masculino.

A estrutura de inclinação do Grupo Feminino, apresentada na Tabela 1, evidencia que os fatores mais escolhidos positivamente pelo grupo feminino foram S', G', O e S. A alta escolha dos fatores S' e S mostra o interesse das adolescentes por atividades sociais, principalmente relacionadas a aspectos como: a ajuda (Sh), a cura e o cuidado com o outro. O fator G' acrescenta o interesse pela pesquisa e estudo, aliado à valorização da intuição e da imaginação criadora, do mundo das idéias. Por se tratarem de fatores "linha" (S' e G'), pode-se pensar, ainda, na valorização de atividades mais intelectualizadas, com prestígio social. Tais fatores requerem estudos, principalmente os relacionados aos cursos universitários, o que era esperado considerando o interesse da amostra pelos exames vestibulares.

A presença do fator O demonstra o interesse pela oralidade, presente tanto em atividades que envolvem a comunicação, quanto naquelas em que a alimentação e a nutrição estão presentes. Em ambos os casos percebem-se a valorização e a disponibilidade para o contato com o outro, presente nas jovens.

 

 

Os fatores secundários reforçam as tendências observadas na estrutura de fatores primários, com a alta escolha dos fatores s e g, indicando interesse por ambientes, instrumentos e objetos de trabalho relacionados à ajuda e aos estudos. Entretanto, esses fatores secundários foram superados pelo fator w, relacionado a ambientes ternos, afetuosos e a objetos de trabalho macios, suaves ou relacionados ao erotismo. A escolha do fator w é esperada em amostras de sujeitos do sexo feminino.

Um dado interessante a ser evidenciado consistiu na presença do fator W entre os fatores intermediários, na estrutura primária, para o Grupo Feminino, o que sinaliza pouca priorização ou certa rejeição da sensibilidade e do contato direto com o outro por meio do toque em atividades ocupacionais. A hipótese é de que isso tenha ocorrido em decorrência tanto da desvalorização das atividades relativas ao referido fator na sociedade brasileira quanto da "suposta igualdade" entre os sexos preconizada no mundo do trabalho, que é associado ao universo masculino. No entanto, ele foi o mais escolhido como fator secundário, sinalizando a necessidade de satisfação da mulher no papel expressivo feminino, esperado socialmente.

Os fatores mais recusados por esse grupo foram K, V e M. A rejeição dos fatores K (agressividade, força física) e M (matéria, posse) relaciona-se a recusas de atividades pouco especializadas, mais manuais e, muitas vezes, depreciadas em nossa sociedade. A rejeição do fator V parece revelar, ainda, um desejo de fuga de situações em que é exigido o uso de racionalidade e objetividade, geralmente envolvendo exatidão e precisão.

Sete das oito fotos mais escolhidas - Mãe com criança, Professora maternal, Enfermeira Pediatra, Pediatra, Psicoterapeuta, Assistente Social e Cooperante ao desenvolvimento - são representativas dos fatores mais escolhidos, enfatizando principalmente a ajuda, o contato e o cuidado com o outro como necessidades a serem satisfeitas tanto profissionalmente quanto pessoalmente no papel de mãe e ou "cuidadora". Dentre as fotos rejeitadas, sete referem-se a profissões manuais, desvalorizadas socialmente e relacionadas à utilização de força e desgaste físico. São elas: Mecânica de automóveis, Encarregada de lavanderia, Amoladora, Açougueira, Torneadora, Motorista de taxi e Policial de trânsito.

As fotos positivas e negativas assinaladas com asterisco (*) na tabela correspondem às principais escolhas e rejeições também da amostra suíça (faixa etária: 13 a 16 anos), sinalizando necessidades e rejeições que podem ser consideradas universais em grupos do sexo feminino, independentemente de variáveis como idade e nacionalidade.

A Tabela 2 mostra que os fatores mais escolhidos pelo Grupo Masculino foram S', G', S e V', mostrando o interesse por atividades que envolvem o senso social e a pesquisa/estudos. Observam-se, no entanto, diferenças em relação às escolhas do Grupo Feminino, uma vez que o fator S presente no grupo masculino envolve, além da ajuda ao outro (Sh), o dinamismo e o movimento da tendência Se. A presença do fator V' como um dos mais escolhidos pelos jovens indica interesse pela racionalidade, atividades exatas e precisas e pela busca de conhecimento.

 

 

Os fatores secundários mais escolhidos (g e s) reforçam os fatores primários e indicam preferência por ambientes e objetos de trabalho que envolvem a ajuda e a pesquisa. É interessante notar a ausência do fator K na estrutura de inclinação primária positiva, sinalizando rejeição por atividades desgastantes que exijam força física, como evidenciado na estrutura de escolhas negativas, e a forte presença desse fator na estrutura positiva secundária, representando o interesse por ambientes e contextos em que imperam a força física. Segundo Achtnich (1991) a reversão nesse fator indica que a agressão foi transformada em interesse, o que pode ser exemplificado pela procura de malfeitores, o interesse pela guerra, pela polêmica e pela política. Aqui, como na amostra feminina, foi possível observar a desvalorização social induzindo à rejeição do fator K (primário) como atividade profissional. No entanto, ele está entre os mais escolhidos como fator secundário sinalizando a necessidade de satisfação do homem no papel instrumental masculino, esperado em uma sociedade na qual predominam as relações patriarcais.

Entre os fatores primários mais rejeitados estão K e M, o que permite a mesma interpretação já mencionada na análise dos resultados do Grupo Feminino, ou seja, há rejeição de atividades que envolvem desgaste físico ou aquelas relacionadas à matéria e à sujeira. A forte rejeição do fator W, relacionado com a ternura, o toque, a sensibilidade e a feminilidade, correspondeu ao esperado como em outras amostras do sexo masculino (Achtnich, 1991; Jacquemin & Pasian, 1991).

Entre as fotos mais escolhidas pela amostra masculina, apresentada na Tabela 2, nove são representativas dos fatores principais da estrutura de inclinação positiva, assim como as fotos mais rejeitadas relacionam-se com a respectiva estrutura de inclinação primária. As fotos assinaladas com asterisco (*) correspondem à alta freqüência de escolha ou rejeição da amostra suíça, sinalizando características comuns entre os dois grupos.

Os dois primeiros fatores mais escolhidos são os mesmos no Grupo Masculino e Feminino: S' e G'. Isso indica que o senso social (ajuda e dinamismo), pesquisa, criatividade e estudos são considerados importantes pelos jovens na escolha da profissão. Além disso, parece haver valorização de atividades que envolvam o ensino superior, o estudo e a especialização, o que está de acordo com a demanda da população estudada, de auxílio na escolha de um curso superior.

Pode-se pensar também que, por se tratar de pessoas que procuraram um serviço de Orientação Profissional e estão participando de um processo que se insere em um contexto de ajuda (atendimento psicológico), ocorra uma maior valorização do aspecto social de uma atividade profissional.

O que parece diferenciar os grupos estudados é a forte presença do fator O no Grupo Feminino e do fator V' no Grupo Masculino. O fator O reforça, no Grupo Feminino, a disponibilidade para entrar em contato com o outro, por meio principalmente da expressão verbal e da comunicação. Já o fator V mostra tendências à racionalidade e objetividade no Grupo Masculino. Também ocorreram diferenças com relação aos fatores secundários mais escolhidos, uma vez que o fator w (ambientes e objetos de trabalho relacionados à ternura, ao toque e à sensibilidade) foi o mais escolhido pelo Grupo Feminino e o fator k (relacionado à força física e de idéias e à agressividade) esteve entre os mais escolhidos pela amostra Masculina. Tais escolhas evidenciam diferenças de gênero na escolha profissional que refletem expectativas de papéis sócio-historicamente construídos.

Além disso, as diferenças encontradas entre os grupos estão de acordo com outros dados relatados na literatura (Achtnich, 1991; Jacquemin & Pasian, 1991) e sinalizam para a sensibilidade do instrumento na identificação de especificidades motivacionais de diferentes grupos de indivíduos, contribuindo para os estudos com a técnica

 

Conclusão

O BBT, como instrumento para auxiliar o orientando em seu processo de tomada de consciência e elaboração de conflitos vocacionais, mostra-se cada vez mais útil em sua tarefa de facilitar a escolha do jovem, funcionando como um exercício de classificação e especificação permitindo uma visualização das atividades preferidas e rejeitadas, além da compreensão das ocupações sob vários aspectos: denominação profissional, atividades, objetos de trabalho, instrumentos, locais de atuação profissional e objetivos profissionais.

Ao orientador permite avaliação do posicionamento do orientando perante o conflito profissional, verificando áreas de maior ou menor dificuldade. Ao orientando permite a clarificação de seus interesses vocacionais e profissionais, uma vez que o teste se configura como um método de intervenção. O próprio manuseio do material facilita a tomada de decisão por tornar explícitos os interesses tanto conscientes como inconscientes do adolescente.

O presente estudo contribuiu no sentido de caracterizar a estrutura de inclinação de adolescentes que se encontram na fase de acesso ao mundo adulto via curso universitário, buscando a definição da identidade profissional. Foi possível verificar semelhanças na estrutura de interesse, em ambos os sexos, por atividades retratadas pelos fatores S' (senso social: ajuda e dinamismo) e G' (idéia, imaginação), evidenciando assim o perfil profissiográfico dos adolescentes em geral. As diferenças entre os sexos foram observadas em decorrência de as escolhas do Grupo Feminino privilegiarem o fator O (necessidade de comunicar e nutrir) e as do Grupo Masculino, o fator V (razão, objetividade). Também foram evidenciadas diferenças em relação à freqüência de escolha de alguns fatores secundários. Em relação às fotos mais escolhidas e mais rejeitadas, foi possível identificar preferências e rejeições dos grupos estudados em relação ao mundo ocupacional e observar similaridades com a população suíça, evidenciando alguns aspectos comuns aos adolescentes de ambas as amostras.

Conforme destacado anteriormente, salienta-se a necessidade de realização de estudos que caracterizam populações que freqüentemente têm buscado auxílio de profissionais da área de Orientação Vocacional/Profissional, contribuindo para o maior entendimento de suas necessidades, assim como sobre instrumentos utilizados nas práticas, ampliando-se, assim, as possibilidades de intervenção do orientador profissional com qualidade técnica e científica.

 

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Endereço para correspondência
Lucy Leal Melo-Silva
E-mail: lucileal@ffclrp.br

Mariana Araujo Noce
E-mail: marinoce@usp.br

Encaminhado em 27/06/03
Revisado em 21/11/03
Aceito em 30/12/03

 

 

Sobre os autores:

* Lucy Leal Melo-Silva é Profa. Dra. do Departamento de Psicologia e Educação FFCLRP-USP.
** Mariana Araujo Noce é Pesquisadora colaboradora do Centro de Pesquisas em Psicodiagnóstico da FFCLRP-USP.
*** Patrícia Pasqua Andrade é Psicóloga colaboradora do Programa Vita e do Serviço de Orientação Profissional/FFCLRP-USP
1 Os autores recomendam a consulta ao Manual original do BBT de Martin Achtnich (1979), cuja tradução brasileira foi publicada em 1991 e contém elementos descritivos do método, sua história, sua utilização técnica (normas de aplicação, de avaliação e de interpretação), sua aplicabilidade e seus limites. Recomenda-se também a consulta ao Manual do BBT-Br - Normas, adaptação brasileira - estudos de casos, de André Jacquemin, e o Dicionário de atividades profissionais, de André Jacquemin, Mariana de Araújo Noce e Renata de Fátima Assoni, publicado em 2000 pelo Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia (CETEPP). Diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado foram defendidas utilizando-se de pesquisas sobre e com o BBT; além disso, artigos, livros e capítulos de livros também foram publicados, ampliando as possibilidades de pesquisas e de utilização do referido instrumento na prática profissional.