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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.4 no.2 São Paulo Dec. 2003

 

ARTIGOS

 

Estudo da validade de um método projetivo -Teste de Zulliger - por meio de parâmetros psicométricos

 

 

Deuslira M. de Araújo Candiani *; Ana Maria Reis de Souza **; Débora Camilo ***; Talitah Michel Candiani I ****

I Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo comprovar a validade do Teste de Zulliger comparando seus resultados aos do Teste Eqüicultural de Cattell e Cattell (1968). Cinqüenta sujeitos submeteram-se aos dois instrumentos e seus dados pareados foram analisados segundo métodos estatísticos (Wilcoxon Signed Rank Test: Diferença e o Teste de Validade de Diagnóstico) determinando as propriedades sensibilidade, especificidade e acurácia. Os resultados confirmaram a validade do Zulliger ao nível de significância de 0,05 com intervalo de confiança de 95%.

Palavras-chave: Validade e inteligência no teste de Zulliger.


ABSTRACT

The present article aims to prove the validity of Zulliger Test, by comparing its results to the Equicultural of Catell and Catell Test. Fifty subjects were submitted to both instuments and the results were analysed according to statistics methods (Wilcoxon Signed Rank Test: Difference and the Validity Test of Diagnostic), determining its sensivity, specificity and acuracy. The results have confirmed the validity of Zulliger Test in a significant level of 0,05 with confidence interval of 95%.

Keywords: Validity and intelligence in the Zulliger Test.


 

 

Introdução

Atualmente em decorrência de questionamentos na mídia e do mal-estar sentido pelos psicólogos quando precisam usar instrumentos psicológicos mal fundamentados, o Conselho Federal de Psicologia vem dando uma atenção especial à Área de Avaliação psicológica, fazendo com que a mesma passe a ocupar um papel mais relevante do que ocupava nos últimos 40 anos. Isso também vem motivando professores e profissionais que sempre perceberam a utilidade dos testes projetivos em sua prática profissional a tentar a efetiva integração dessa prática com a Ciência.

Respondendo a essa demanda, para validar o teste de Zulliger, este trabalho se propõe comparar indicadores de inteligência nele apontados com os resultados obtidos pelos sujeitos no teste Eqüicultural de Cattell e Cattell (1968), que foi escolhido como parâmetro por trazer em seu manual estudos significativos de Validade e Precisão. Ele será tomado como "padrão ouro" de comparação psicométrica. O eqüicultural será denominado "Teste 1" e o Zulliger, "Teste 2". O método será o de dados pareados, em que o sujeito serve de controle para si próprio.

O construto "inteligência" vem passando por muitas mudanças no decorrer dos estudos feitos sobre ele. Segundo Ricardo Primi (2003) no artigo Inteligência: avanços nos modelos teóricos e nos instrumentos de Medida, podemos observar três fases no desenvolvimento do conceito. A primeira delas, na primeira metade do século passado quando os estudos fatoriais da inteligência debatiam a estrutura e definição das capacidades intelectuais.

Os representantes paradigmáticos dessa fase são, segundo Primi (2003): Sperman (1927) dizendo que toda a atividade intelectual exprime-se num fator geral (G) e Thurstone (1938) defendendo a teoria das aptidões primárias e a inexistência do fator geral em cujo lugar apresentou um conjunto de habilidades básicas ou primárias.

A segunda fase pode ser identificada na segunda metade do século passado, percebida por Primi (2003), no mesmo artigo como uma reação à anterior concepção polarizada, evoluindo para um modelo integrado hierárquico chamado teoria Gf-Gc (Inteligência fluida e cristalizada), iniciada por Cattell (1941-1971), desenvolvida e aprimorada por Horn, em 1991, e Carroll, em 1993.

Cattlell em seu teste "Equicultural" assim define o que entende por habilidade geral "fluida e cristalizada":

1. Habilidade geral fluida: o que da influencia cultural se revela nos testes escritos:

o aplicados com limite de tempo;

o atingindo mais cedo um platô na curva de crescimento;

o declínio com a idade (20 a 23 anos);

o alta determinação hereditária e ou fisiológica;

o proeminência em todos os tipos de desempenho que exigem adaptação a situações novas.

2. Habilidade geral cristalizada: é vista como fator mensurável com mais precisão por meio de procedimentos adquiridos,

o com curva ascendente com pico mais acentuado e prolongado pelos anos escolares;

o sem limites de tempo, não apresentando declínio de idade em anos mais avançados;

o sujeita a perdas em áreas mais específicas por lesão cerebral e menor correlação com adaptação social;

Ainda, segundo esse autor, haveria na história da evolução do conceito, um terceiro momento em que se prioriza a integração: cognição emoção ou "inteligência emocional", conceito criado por Salovey, John Mayer (1990, 1999 apud Primi 2003).

Uma definição de inteligência emocional bastante ampla é a que afirma ser ela a capacidade de se adaptar ao meio. Nesse sentido a inteligência cristalizada elevada está associada ao maior conhecimento de informações sobre a cultura, o que facilita muito a adaptação. A inteligência fluida elevada associa-se à capacidade de resolver problemas por meio da descoberta de relações entre várias informações disponíveis, facilitando a compreensão de eventos complexos, proporcionando ao indivíduo uma vantagem adaptativa.

Segundo Ledoux (1996 apud Primi, 2003), a psicologia cognitiva adotou um enfoque frio da cognição procurando compreender como ocorre o processamento de informações sem prestar muita atenção nos aspectos afetivos. Havia até uma compreensão das emoções como fatores desorganizadores da atividade cognitiva, acarretando falta de clareza ao raciocínio. Emoção e razão eram vistas como duas entidades competindo pelo controle da mente.

As emoções têm efeitos importantes na adaptação e, sobretudo, nos processos de pensamento, no modo como pensamos e no que pensamos, ou seja, efeitos na cognição. Esta é a teoria que fundamenta os testes projetivos: os aspectos cognitivos são inseparáveis dos aspectos afetivos (Rorschach 1932, Zulliger 1957). Isso vem sendo confirmado agora pelos experimentos sobre a interação entre cognição-emoção e as descobertas sobre as bases neurais destes eventos, que vem sendo publicadas a partir da década de 90.

Levenson (1999), Mayer e Salovey (1991), citados por Primi (2003), afirmam que no aspecto cognitivo as emoções alteram o foco da atenção para aspectos mais importantes e ativam lembranças relevantes nas redes neurais da memória de longo prazo. Nisso encontramos ressonância nas afirmações de Rorschach e Zulliger de que as manchas em seus testes funcionam como estímulos eliciadores de emoções e vivências anteriores, muitas vezes recalcadas no inconsciente e que são projetadas pelas repostas do sujeito.

Recentemente Ledoux (1996), citado em Primi (2003), ao estudar o processamento do medo e a produção da resposta "luta ou fuga", mostrou que o processamento emocional ocorre paralelamente em dois níveis. Um deles é mais veloz, automático e sensorial, não muito preciso e dispara as reações de medo. Outro é mais conceitual e associativo modula posteriormente a reação que foi disparada e também faz um processamento mais complexo do estímulo. É o que parece ocorrer nos testes de mancha.

Em síntese, do que até aqui foi colocado, pode-se definir a inteligência como uma capacidade geral de adaptação.

Sabemos que as pessoas possuem maior ou menor capacidade para lidar com as informações emocionais no processo adaptativo. Isso é o que está na base da inteligência emocional: "capacidade de identificar e perceber emoções, de usá las para facilitar o pensamento, usar o conhecimento emocional e de regular as emoções em si e nos outros" (Primi 2003, p. 77).

Nossa hipótese de trabalho é que a integração dos fatores no Zulliger permite a avaliação da inteligência numa visão bem ampla e integrada, "emoção razão", que nos instiga a realizar este estudo.

 

Método

Sujeitos

Em 2003, 50 sujeitos se submeteram ao Eqüicultural (Teste 1) e ao Zulliger coletivo (Teste 2) numa empresa de Recursos Humanos de Belo Horizonte. É praxe na empresa pedir autorização por escrito, aos sujeitos para utilização dos resultados em pesquisas ulteriores, sem os dados de identificação. Suas características podem ser visualizadas na tabela 1.

 

 

Procedimento

Para compararmos o Teste de Zulliger (T2) com o Teste Eqüicultural (T1), priorizamos seis indicadores de inteligência no T2, apontados como relevantes para determiná-la, pelo seu próprio autor (Zulliger 1957). Os indicadores de inteligência receberam pesos de 1 a 5 atribuídos de acordo com sua relevância no processo. A distribuição das respostas encontradas em cada indicador foi separada em quartis. O ponto médio "3" corresponde à média esperada na Amostra Mineira. Sendo o 4 e 5, os quartis superiores e 1 e 2, os quartis inferiores.

 

 

Nesta tabela, de 1 a 5, o ponto médio foi determinado segundo a normalização do teste de Zulliger para a população mineira em O teste de Zulliger em Minas Gerais (em fase de elaboração)1.

 

 

 

Distribuição dos níveis de inteligência nos resultados pareados T1 e T2

 

 

Resultados

Comparação entre os dois testes

Realizou-se um teste de comparação de médias, não paramétrico, pois a distribuição da amostra não seguia a distribuição gaussiana. Foi usado o Wilcoxon Signed: Rank Test para pesquisar a significância da diferença entre os resultados pareados dos sujeitos em que:

H0 : T1 = T2 (Hipótese nula)

H1 : T1 = T2 (Hipótese alternativa)

Significância da diferença > 0,05

Wilcoxon = 58,0

P 0,402 > 0,05

O que atesta que não houve diferença significativa entre os dois instrumentos testados.

Em seguida foi feita uma análise de correlação entre os dois testes e as três variáveis pesquisadas no grupo: Sexo, Idade, Escolaridade.

Encontrou-se o seguinte resultado:

 

 

Os resultados indicaram não haver correlação significativa entre as variáveis. As correlações testadas são desprezíveis, ou seja, os resultados obtidos foram determinados somente pelos dois instrumentos testados, não sendo atribuídos a outras variáveis como sexo, idade e escolaridade.

Análise da validade dos testes diagnósticos.

Para determinar a sensibilidade e especificidade do Teste de Zulliger em relação ao padrão ouro considerado, Teste Eqüicultural, os resultados dos testes foram subdivididos em 2 grupos, de forma a discriminar os de inteligência alta dos de inteligência mediana a baixa, conforme a classificação abaixo:

a + resultados dos quartis 4 e 5, acima da média

b - resultados dos quartis 1, 2 e 3, resultados na média e abaixo dela

Os resultados encontrados indicam que o Zulliger e o Eqüicultural concordam em 85% quanto a detectar inteligência acima ou abaixo da média. Porém são mais específicos para detectar os melhores resultados (93%) do que os baixos resultados. A distribuição dos resultados pode ser visualizada na seguinte tabela:

 

 

A acurácia do teste, ou seja, a proporção de todos os resultados corretos de um teste diagnóstico, tanto positivo quanto negativo foi de 92%.

 

Conclusão

Os resultados encontrados no estudo feito indicam que o Teste de Zulliger mostrou-se válido para avaliar a inteligência quando comparado ao teste Eqüicultural e que as variáveis idade, sexo e escolaridade não interferem na comparação dos mesmos. Indicam ainda uma alta sensibilidade e especificidade do T2 comparado ao T1. A sua elevada acurácia acrescida dos outros testes de validação justificam sua utilização na prática na avaliação psicológica sendo respaldado pelos métodos estatísticos.

 

Referências

Primi, R. (2003). Inteligência: avanços nos modelos teóricos e nos instrumentos de medidas. Rev. Avaliação Psicológica, 1 (2), pp. 67-77.        [ Links ]

Rorschach, H. (1932). Psychodiagnostik. Berna, Suíça: Ed. Huber.        [ Links ]

Zulliger, H. (1957). Le test Zulliger collectif. Berna, Suíça: Ed. Huber.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: deusliracandiani@yahoo.com.br

Encaminhado em 27/08/03
Revisado em 26/11/03
Aceito em 23/12/03

 

 

Sobre os autores:

* Deuslira M. de Araújo Candiani é mestre em psicologia pela UFMG.
** Ana Maria Reis de Sousa é psicóloga, chege de recursos humanos da RHumos.
*** Débora Camilo é psicóloga com formação em recursos humanos.
**** Talitah Michel Candiani é médica pediatra, mestranda na faculdade de medicina da UFMG.
1 De autoria de D. Candiani e O. Candiani, a ser editado pela Vetor Editora.