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Psic: revista da Vetor Editora

Print version ISSN 1676-7314

Psic vol.5 no.1 São Paulo June 2004

 

ARTIGOS

 

O Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social e o APOIAR: fundamentos e propostas

 

Mental Heath and Social Clinic Psychologic Laboratory and APOIAR: foundations and proposes

 

 

Leila Cury Tardivo 1

Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora apresenta neste artigo o serviço APOAIR, inserido no Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social da Universidade de São Paulo. Partindo da fundamentação teórica psicanaliticamente orientada winnicottiana, o APOIAR busca desenvolver atendimentos diferenciados. Também são adotadas as concepções de sofrimento de Jacqueline Barus-Michel (2001) que são apresentadas de forma sucinta no artigo. A autora ainda se refere ao papel do psicólogo a partir da obra de Bleger, (1984) que fundamenta o trabalho em saúde mental em prevenção e intervenção. A autora cita projetos de pesquisa e intervenção em Psicologia Clínica Social, que visam a estudar e intervir nas pessoas em situação de sofrimento e que são desenvolvidos em parcerias estabelecidas com o Laboratório. Os projetos se referem a trabalhos com pessoas com deficiência, vítimas de violência, com doenças orgânicas e mentais, além de indígenas guaranis do município de São Paulo. O laboratório, em especial o APOIAR, visa a desenvolver o tripé que fundamenta a universidade pública: docência, pesquisa e assistência à comunidade.

Palavras-chave: Psicologia clínica social, Sofrimento psíquico, Saúde mental, Pesquisa e intervenção.


ABSTRACT

This article presents the APOIAR project, that is inserted in Mental Health and Social Clinic Psychologic Laboratory of University of São Paulo. This project is based on the psychoanalitic concepts by Winnicott aims to develop distinguished attendance. Also the project adopts concepts of suffering, based on Jacqueline Barus-Michel (2001). The article also refers to the psychologist’s role based on the Bleger’s work. The article mentions projects of research and intervention in Social Clinic Psychology, that aims to study and help people that is in a suffering condition. These projects are developed in association with the Lab and are developed with people with impairment, violence victims, people with organic and mental diseases, as well as Guaranis indians of the city of São Paulo city. The lab, particularly the APOIAR, aims to develop the tripod that support the public university: teaching, research and attendance to community.

Keywords: Social clinic psychology, Psychological suffering, Mental health, Researche and intervention.


 

 

[...] se estamos a favor da vida e não da morte, da eqüidade e não da justiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não da sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim à distância entre o que dizemos e o que fazemos. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estaremos ajudando nossos filhos a serem sérios, justos e amorosos da vida e dos outros2.

Escolhi iniciar a apresentação desta proposta de trabalho em Psicologia Clínica pela frase de um grande brasileiro, não psicólogo, educador; mais do que isto uma pessoa que soube expressar tão bem nossa missão de trabalhar na formação e no desenvolvimento das pessoas. Ele era como outros mestres que nos inspiram, assim como nós, pessoas implicadas com a realidade em que vivemos. Essas palavras se mostram muito adequadas à proposta de compreender, incluir e apoiar, no sentido winnicottiano (da sustentação), os princípios que norteiam o trabalho do APOIAR.

Esse artigo visa a apresentar para a comunidade de psicólogos, estudantes de Psicologia e outros profissionais e estudantes interessados no tema da Psicologia Clínica Social, as propostas do APOIAR (Tardivo et al., 2003).

Trata-se de um serviço abrigado no Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social da Universidade de São Paulo (USP), que objetiva a constituição de um espaço interinstitucional propiciador de estudos e pesquisas voltadas para a formação do psicólogo clínico como trabalhador de saúde mental em equipamentos de saúde, além de propor atendimentos clínicos diferenciados, sob uma perspectiva psicanaliticamente orientada.

O Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social já existe há anos e ficou conhecido pelo nome “Ser e Fazer” - Oficinas Terapêuticas de Criação, coordenado pela Professora Livre Docente Tânia Aielo Vaisberg. Esse trabalho original, criativo vem trazendo enormes benefícios para as pessoas que dele participam, sendo oportunidade de desenvolvimento e crescimento para os estudantes que nele estagiam. Vale acrescentar ainda, que muitos trabalho científicos da autoria da Coordenadora e de seus orientandos foram produzidos, configurando-se assim, em produção de conhecimento significativa na área da Psicologia Clínica Social. Tais Oficinas continuam sob a supervisão da agora, professora aposentada Tânia Vaisberg, a qual se mantém no Laboratório como Consultora.

O APOIAR, abriga diversas propostas de atendimento, no próprio Instituto de Psicologia, e faz convênios com instituições que necessitam do suporte psicológico.

Como docente e pesquisadora do Departamento de Psicologia Clínica da USP, venho desenvolvendo projetos de pesquisa, sempre reunidos nesta mesma linha: estudo e compreensão de indivíduos em sofrimento, e as possíveis intervenções que podem ser desenvolvidas a partir de uma Proposta de Psicologia Clínica Social.

Todas as propostas e atividades de pesquisa estão sempre vinculadas de forma Psicologia Clínica; essas formas de atuações estão sempre ligadas indissociadas à prática clínica.

O Laboratório conta com a participação de docentes do instituto, de estudantes de pós-graduação e graduação e colaboradores, e a partir deste semestre abriga ainda os estágios obrigatórios de Psicopatologia Geral.

Nesta apresentação, inicialmente refiro-me ao conceito de sofrimento, advindo da obra de Barus-Michel, do laboratoire de Psycholgie Clinique Social e da Universidade de Paris 7, com o qual o Laboratóriomantendo contato, desde a coordenação da professora Associada Tânia Aiello Vaisberg e venho buscando manter uma profícua parceria. Busco tambem fundamentar o trabalho a partir do papel do psicólogo clínico como pesquisador e um interventor na realidade social que se apresenta. Finalmente apresento a proposta mais ampla deste Laboratório, com seus projetos de pesquisa, e menciono os objetivos geral e específico desses trabalhos do Instituto de Psicologia da USP.

Barus-Michel (2001) afirma, com relação à noção de sofrimento, que as qualidades atribuídas ao sofrimento são diversas e esclarecedoras: ele pode ser como a dor, agudo, vivo, dilacerante, fulgurante, lancinante, surdo, atroz, intolerável, extremo... Os sinônimos para esses termos apresentam toda a infelicidade do mundo: aflições, pesar, luto, tormento, desgosto, tristeza, angústia, infelicidade, dilaceração, abandono, mal-estar, miséria, feridas... Assim o sofrimento pode ser tanto físico quanto moral. No entanto, esta autora deixa a palavra dor para o que remete à dimensão física, e sofrimento se refere “moral”.

Ainda seguindo a mesma autora, tentamos a tentativa de definir sofrimento (moral) como: sensação penosa, emoção desagradável, sentimento de infelicidade num grau mais ou menos intenso, com uma certa duração, ligada a uma representação difícil ou impossível de suportar. Mesmo sendo obscuro, indefinido ou até ignorado, supõe-se sempre que o sofrimento tenha uma causa, esteja ligado a uma experiência, a um acontecimento que causou ferimento, abalando o equilíbrio psíquico, afetando-o negativamente. O sofrimento afeta o sujeito (a subjetividade) em sua unidade e integridade, sua coesão e coerência. Corresponde ao que a Psicanálise atribui ao ego de instância reguladora, preservando, nas ambivalências e contradições (a divisão do sujeito) e sob a pressão da realidade e das outras instâncias (id e superego), uma unidade de identidade e uma estabilidade emocional. O mal-estar, a doença, o patológico, literalmente o que é sofrido, são uma ruptura ou desestabilização dessa unidade e desse equilíbrio. Essa ruptura é experimentada como difícil de suportar, causando sensações desagradáveis, equivalentes, no plano psíquico, à dor física, podendo a dor psíquica e a dor física converterem-se uma na outra ou se sobreporem uma à outra. Dessa forma, desenvolvemos projetos no Laboratório que consideram essa inter-relação tão intensa, como nos projetos com pacientes orgânicos advindos da parceria com hospital geral e o serviço que estamos criando em parceria com a Associação Brasileira de esclerose Lateral Amiotrófica (ABRELA), aos quais me referirei mais adiante.

O sofrimento, de acordo com a autora, também é um excesso emocional que acompanha uma interrupção do sentido ou uma representação difícil de se entender. Qualquer que seja o recurso ao qual recorremos ou a qual nos direcionamos, ele tem a função de rearticular.

A reinscrição em um contexto significativo permite assimilar novamente o sofrimento e mesmo destituí-lo, devolvendo os investimentos que ele drenou ao serviço de uma dinâmica viva e coerente. O sujeito recupera-se mais ou menos de acordo com o grau de interiorização e adesão. Dessa forma, seguindo essas colocações, em nosso Laboratório, visamos a essa reinscrição dos indivíduos com quem desenvolvemos nossos projetos, em função da situação em que se encontram.

Assim, refiro-me à noção de transferência advinda da psicanálise a partir da qual se pode estabelecer intervenções terapêuticas. A relação terapêutica que permite a comunicação, e na qual o paciente se sinta entendido e recuperado.

São estes os conceitos que norteiam e fundamentam nossa leitura do que é sofrimento e dos indivíduos e grupos que vivem essa condição. E, ao mesmo tempo, o que justifica nesta pesquisa a busca de possibilidades mutativas.

Nos últimos anos tem-se observado um interesse crescente pela pesquisa de formas de auxílio psicoterapêutico que atendam às necessidades e possibilidades de uma parcela mais ampla da população. Esse interesse é em parte mobilizado pelas condições de vida atuais nos grandes centros urbanos, que envolvem cada vez mais restrições econômicas de tempo e espaço. Em nossa realidade, sabidamente carente de recursos para o atendimento à saúde, e especialmente à saúde psíquica, a busca por essas alternativas assume ainda maior importância. Nossas instituições se vêem às voltas com uma demanda extremamente elevada, à qual os escassos recursos disponíveis não conseguem corresponder, o que resulta em longas filas de espera por atendimento e numa peregrinação dos pacientes de uma instituição a outra, muitas vezes sem que consigam ter acesso aos serviços psicológicos de que necessitam.

Dentro desse contexto as formas tradicionais de atendimento (individuais e com longa duração) se mostram limitadas, na medida em que representam um custo elevado e restringem o número de pessoas assistidas. Faz-se necessária, então, a busca por alternativas que possam promover uma melhora na qualidade de vida com menor ônus, permitindo a ampliação da capacidade de atendimento.

Assim os projetos que estão em desenvolvimento no Laboratório dirigem-se a algumas parcelas de nossa população que têm sido alvo de menor atenção em pesquisas e trabalhos de intervenção, muitas vezes, visando a contribuir para a construção de novas possibilidades de atender a suas necessidades.

Outra vertente essencial no Laboratório diz respeito à identidade profissional do psicólogo ou do futuro psicólogo que desenvolve seus projetos de pesquisa e intervenção no exercício da Clínica. Clínica esta que transcende a ação de um profissional agindo na intimidade de um consultório, para se voltar a uma atividade mais além do caráter interventivo ao qual me referi anteriormente, ou seja voltando-se para o caráter preventivo no seio da família, dos grupos humanos e de suas instituições.

Dessa forma, como vemos em Bleger (1984) estas propostas implicam em “re-situar” o psicólogo em sua função profissional. Iniciando numa mudança de paradigma que tem origem já na formação do profissional, na própria Universidade. Daí o Laboratório abrigar o trabalho de estudantes de pós-graduação e de graduação, em especial, abrigando, inclusive os estágios obrigatórios da disciplina de Psicologia Geral do Instituto de Psicologia, uma vez que se está buscando essa ampliação na formação do futuro profissional. Não se põe em cheque o estudo e a formação do psicólogo como investigador de processos psicológicos que ocorrem no campo individual, os quais não podem ser desconsiderados. Porém, o que se tem por objetivo é uma transcendência em que se procure também conhecer os processos que ocorrem nos campos institucional e social, em constante interação com o profissional de saúde mental. Estou me referindo à Psicologia Clínica Social e ao trabalho em saúde Mental num modelo que não se “espere” que a pessoa adoeça para “curá-la”. Estamos implicados numa busca de evitar a doença e promover um melhor nível da saúde.

No Laboratório temos esses princípios a nortear a pesquisa e as intervenções. Naturalmente, estamos empenhados em buscar o diagnóstico precoce, e assim desenvolvemos um Projeto de Entrevistas Iniciais, ou seja, as primeiras entrevistas dos pacientes são realizadas de forma a conhecer e já intervir de forma mais precoce possível, tão logo a pessoa nos procure. Ademais temos as propostas de tratamentos diferenciados como se tornará expresso nas propostas de psicoterapia breve e das oficinas terapêuticas, que ocorrem em diferentes contextos.

Porém no APOIAR, como espaço de vida e desenvolvimento de psicólogos clínicos, estamos implicados na profilaxia ou prevenção das doenças mentais, buscando agir antes que estas possam aparecer.

Podemos ainda mencionar outra vertente no trabalho o psicólogo clínico, que já não se refere tão somente à doença ou à sua profilaxia mas também à promoção de um maior equilíbrio, de um melhor nível de saúde da população, como bem estabelece Bleger (1984). Dessa maneira, para o que dedicamos nossos esforços e nossa dedicação não se resume à ausência da doença, mas também ao desenvolvimento pleno do indivíduo e da comunidade total. Vemos assim a ênfase mudando da doença para a saúde e, com isso, à atenção da vida cotidiana dos seres humanos. E isto é, para nós, de vital importância e interesse.

Bleger (1984) afirma que nossa arma profilática mais poderosa no presente é de caráter inespecífico: a proteção da saúde e conseqüentemente a promoção de melhores condições de vida. Esse compromisso poderá ser notado também em nossos projetos. Podemos observar esse viés no trabalho com deficientes e seus familiares, por exemplo, como no APOIAS, ou no Projeto Pestalozzi, ou ainda com crianças abrigadas. Estamos implicados no desenvolvimento mais amplo das condições de vida dessas pessoas, enquanto psicólogos clínicos.

Antes de mencionar os objetivos do laboratório, gostaria de citar algumas reflexões a respeito deste profissional que buscamos ser ou melhor, estamos sempre tentando vir a ser. São palavras muito bem escritas por Bleger (1984, p. 52):

O psicólogo clínico deve ocupar um lugar em toda equipe da saúde pública, em qualquer e em todos os objetivos da saúde mental, nos quais tem funções específicas para cumprir [...]
O psicólogo clínico deve, no campo da saúde mental, aplicar o princípio de que indagação e ação são inseparáveis e que ambas se enriquecem reciprocamente no processo de uma práxis. Isto não constitui uma manifestação de desejos e sim uma condição fundamental para operar corretamente. Todos os fatores que compreendem a investigação e a ação devem ser incluídos como variáveis do fenômeno mesmo que se estuda e que se vai modificando enquanto se estuda.

Dessa forma, desenvolvemos nossas pesquisas, sempre ligadas à ação. Trata-se de investigar e intervir em contínuo processo que visa à compreensão e, se possível, à transformação da realidade dos indivíduos, considerando os mais diversos níveis.

O “cliente” do psicólogo clínico ainda é aquele que nos procura, mas é essencialmente, sob esse ponto de vista, a pessoa no curso de sua vida. Segundo Bleger (1984), o grande passo consiste nisto: não esperar que a pessoa doente venha se consultar e sim sair a tratar e a intervir nos processos psicológicos que gravitam e afetam a estrutura da personalidade.

Esse autor descreve de forma sucinta tipos de situação nas quais o psicólogo deve interferir. Ele se refere a:

1. momentos ou períodos do desenvolvimento ou da evolução normal: gravidez, parto, lactância, infância, puberdade, juventude, maturidade, idade crítica, velhice. Como se verá temos projetos em andamento e outros em formação buscando dar conta destas situações;

2. momentos de mudança ou de crise, como se pode notar em sujeitos vítimas de enfermidades orgânicas sérias e limitantes e seus familiares;

3. situações de tensão normal ou anormal nas relações humanas: como nas famílias. Vale destacar a relevância e o alcance do trabalho com pessoas vítimas de violência, vitimização esta que ocorre em geral no seio da família. Sendo este um projeto que tem já resultados e vem se expandindo dentro do APOIAR.

4. organização e dinâmica de instituições sociais;

5. problemas que criam ansiedade em momentos ou períodos mais específicos da vida.

Como se pode notar estamos buscando desenvolver o trabalho numa abordagem que Psicologia Clínica Social, comprometida com o sofrimento psíquico em suas mais variadas manifestações.

No APOIAR os atendimentos terapêuticos têm sido direcionados de acordo com o supervisor responsável, mas todos eles psicanaliticamente orientados. Nossa tendência de trabalho leva a uma conduta clínica que não se limita a estratégias rígidas e preestabelecidas, mas a um atendimento no qual a demanda surge como elemento primordial a ser pensado dentro do contexto social e institucional.

Procuramos também expandir a investigação e pesquisa científica. Desse modo, alguns pacientes, cuja problemática ou faixa etária se enquadra em uma das linhas de pesquisa, já são encaminhados para o aluno de pós-graduação que se interessa pelo tema e está procurando aprimorar sua formação teórica e especialização clínica. Esse aspecto deu origem a vários projetos específicos, com o objetivo de ampliar e propor atendimentos clínicos diferenciados e inovadores, nas áreas de psicodiagnóstico, intervenção e prevenção psicológica.

Um de nossos princípios é manter a ligação entre a experiência, observação clínica e teoria psicanalítica, visando ao desenvolvimento de novas alternativas de atendimento institucional, cientificamente fundamentadas; à transmissão de conhecimento aos alunos em formação e ao aprimoramento do trabalho oferecido ao cuidado da saúde psíquica da população.

O objetivo principal desses Projetos é buscar modelos de intervenção psicoterapêuticas e atuação preventiva e de promoção de melhores condições de vida que possam ser utilizados com parcelas especificas da população, visando a compreender e minimizar o sofrimento destes e melhorar sua qualidade de vida.

Dessa forma, os Projetos do Laboratório são voltados para crianças e adolescentes com condições e vida mais difíceis, provenientes de camadas mais humildes de nossa população, crianças abrigadas, crianças e jovens surdos e seus familiares; crianças e mulheres vítimas de Violência Doméstica; e outras populações especificas no contexto institucional, destacando-se sujeitos com enfermidades orgânicas, adolescentes e adultos portadores de necessidades especiais, adultos deprimidos, doentes mentais e outros.

Passarei a descrever resumidamente alguns desses projetos que se encontram em andamento, todos firmados em parcerias do APOIAR, com outras instituições e com a comunidade em geral.

A busca por modelos de intervenção psicoterápica, de atuação preventiva e de promoção da qualidade de vida nos tem conduzido a uma ampliação cada vez maior do trabalho de pesquisa e prática clínica dirigido a pacientes orgânicos. Nesse contexto, foi firmada mais uma parceria entre o Setor de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e o APOIAR. Temos em andamento dois projetos: Depressão e Colesterol: Possibilidades de Diagnóstico e Intervenção e Depressão e Acidente Vascular Cerebral. Com o intuito de compreender melhor o sofrimento humano, têm-se buscado, no percurso desses anos, diferentes formas de abordagem e análise do psiquismo. O trabalho na área de interconsultas, em parceria com médicos psiquiatras e neurologistas, aliado ao grande interesse nas técnicas projetivas, fez surgir vários estudos e pesquisas com o objetivo de investigar aspectos da vida mental de pacientes no contexto hospitalar, em diversas especialidades médicas.

Com pacientes com enfermidades orgânicas, o APOIAR vem desenvolvendo outros projetos. Destaco os trabalhos desenvolvidos a partir da parceria entre a associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABRELA) e o APOIAR. Visamos a articular a formação teórica com pesquisa, atendimento aos pacientes, familiares e profissionais relacionados ao atendimento dos mesmos. Essa enfermidade – Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) – é uma doença degenerativa e progressiva. Desenvolvemos o projeto Avaliação, Compreensão e Formas de Intervenção: Cuidadores e Pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (Ela) – Estudo Compreensivo e Suporte Emocional que foi desdobrado em três subprojetos e que estarão alinhados na mesma perspectiva: estudo e compreensão de indivíduos em sofrimento e as possíveis intervenções que podem ser desenvolvidas, abrigando diversas propostas de pesquisa e atendimento. Uma delas é Pacientes Portadores da Ela. Nesse caso, os pacientes são visitados por estudantes de graduação em duplas (quando solicitam esse apoio psicológico), e estes recebem supervisão sistematicamente. O segundo sub projeto é Cuidadores de Pacientes Portadores de ELA O paciente pertence a um grupo social – a família – de uma maneira ou de outra, mesmo que esse grupo seja determinado pelas relações sociais e não pela consangüinidade. Conseqüentemente, a família também sofre o impacto da terminalidade e busca formas de apoio nesse enfrentamento. Nesse sentido, são feitas visitas domiciliares que visam também a dar essa continência aos familiares. O terceiro subprojeto é Acompanhantes dos Pacientes Portadores de ELA (Profissionais da ABRELA e Estudantes de Psicologia).

Essa parte do estudo visa a trabalhar com a equipe (e já iniciamos com estudantes de enfermagem). Buscamos, assim destacar o sentido de humanização, tão necessário e importante no resgate da ética, que é a base fundamental de conduta e que faz parte da historia na nossa condição de “ser humano”.

O APOIAR tem uma proposta de trabalho com adultos e adolescentes com deficiência mental: Deficiência Mental e Sofrimento Humano: Possibilidades de Intervenção Psicoterapêutica na Instituição. É comum, ainda hoje, o desconhecimento da grande maioria das pessoas com relação à deficiência mental. Há desinformação quanto à etiologia e quanto às reais limitações que a deficiência, em seus diferentes graus, impõe à pessoa do deficiente. Mais do que isso há preconceito e estigma para com o deficiente e sua família. Sobre alguns dos elementos que circundam, que “gravitam” em torno da deficiência, atuando sobre a pessoa deficiente, sua família e sobre os profissionais que trabalham com deficientes.

Com esse projeto, o APOIAR propõe atendimento ao deficiente mental na instituição e, ao mesmo tempo, pretende ampliar a produção de conhecimento nessa área.

Também na párea da deficiência, temos um amplo projeto de trabalho com surdos, que deu origem a um serviço denominado APOIAS, que também está inserido no Laboratório. Assim temos parceria com o Departamento de Fonoaudiologia da FMUSP, desde 1999, o que já se traduziu em trabalhos publicados em colaboração, participação em eventos e na elaboração de um Projeto de Atendimento Psicológico ao Surdo e a seu familiar, com caráter interdisciplinar.

O APOIAS é um programa de atendimento psicológico, de formação e de pesquisa na área da surdez.

Surgiu a necessidade de uma maior formação e preparo dos estagiários de Psicologia como uma forma de capacitá-los para a realização dos atendimentos, garantindo dessa forma uma maior qualidade e compromisso no atendimento ao paciente. Tudo isso foi feito tendo como norteadores os princípios éticos, tanto em relação aos alunos, como também para com os pacientes, considerando a especificidade que o atendimento psicológico ao surdo requer. O primeiro elemento dessa especificidade, crucial para que se possa oferecer um atendimento de qualidade, é o reconhecimento de que a língua materna para um surdo é a Língua de Sinais, que no caso do Brasil é a linguagem de sinais Brasileira, a LIBRAS. Nesse sentido, o APOIAS visa a proporcionar esse aprendizado.

O APOIAR tem pesquisadores, profissionais e estudantes voltados para o tema da violência e vitimização. Sendo assim, a equipe do APOIAR que se dedica especificamente a essa temática está desenvolvendo sob nossa coordenação um projeto de tradução e validação de um Inventário de Frases, criado e validado na Argentina por Agosta, Barilari e Colombo. Com o projeto Adaptação e Validação de um Inventário de Frases: Identificação de Casos de Vitimização em Crianças Brasileiras. Trata-se de projeto importante já que é necessário se dispor de instrumentos que auxiliem na identificação de casos, para a intervenção o mais precoce possível. Sabe-se também o quanto é difícil a identificação desses casos, uma vez que a criança é vitimizada na maioria das vezes dentro mesmo do ambiente familiar.

Dentro da mesma linha do projeto este trabalho será desenvolvido numa instituição da cidade de São Paulo, que se dedica ao atendimento de mulheres em situação de violência doméstica, em geral, praticada pelo companheiro. Nesse sentido, temos o projeto: Mulheres Vítimas de Violência e seus Filhos: Estudo Compreensivo e Interventivo

As mulheres são atendidas na Instituição e muitas vezes são abrigadas, quando estão em situação de risco. Temos uma parceria com a Instituição Eliane de Grammont, que presta esse atendimento. Nós do Laboratório que temos desenvolvido trabalhos com os filhos dessas mulheres, consideramos a necessidade de atender a crianças, uma vez que se sabe que, quando as mães são vítimas de violência, os filhos também sofrem importantes prejuízos em seu desenvolvimento.

Outra proposta contemplada no laboratório diz respeito ao atendimento a indígenas brasileiros. Tendo iniciado um trabalho com as populações do norte do Brasil (Amazonas); estamos iniciando um projeto com indígenas guaranis que vivem em nosso município. Temos desenvolvido o projeto: Alcoolismo e Processos de Deterioração entre Indígenas Guaranis do Município de São Paulo: uma Proposta de Compreensão e Intervenção Psicossocial.

Esse projeto decorreu de um pedido de auxílio feito pelas lideranças da aldeia guarani do Morro da Saudade, localizada no município de São Paulo, em virtude dos crescentes índices de alcoolismo e a dependência alcoólica entre os índios Guarani da região de Parelheiros.

A partir de projeto iniciado, fomos procurados pelas lideranças da aldeia Krukutu (vizinha) para que também realizássemos um trabalho com eles. Partiu dessas lideranças a proposta de uma aproximação e de um conhecimento da realidade deles.

Diante do sofrimento expresso que vem se manifestando pelo uso abusivo do álcool, notamos a necessidade de contar com o apoio da universidade a que pertencemos para a realização desse projeto de pesquisa e as intervenções daí decorrentes.

O projeto foi encaminhado e recebeu a aprovação da Pré-Reitoria de Cultura e Extensão, e conta com a participação de estudantes de pós-graduação e de graduação do IP-USP.

Consideramos necessária e urgente a implementação de programas de intervenção psicossocial entre indígenas de nosso município. É importante salientar todo o cuidado tomado no que diz respeito aos aspectos antropológicos envolvidos neste projeto. O grupo está estudando e fazendo todos os contatos com os colegas da Antropologia que estudam a questão indígena de forma geral e a guarani em particular. Temos todo o apoio do Departamento de Assistência Comunitária do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da USP que estão em contato e desenvolvendo trabalhos com essas comunidades indígenas há anos.

Pretendemos compreender o sofrimento expresso por essa população de nosso País, buscando a convivência com seus valores culturais, na tentativa de preservá-los e buscando formas de intervenção que os auxilie nesse processo vital de sobrevivência. Para tanto estamos buscando conhecer e considerar as características individuais, familiares, étnicas e sociais desses indivíduos e de seu contexto sociocultural. Temos por objetivo propor medidas que levem informação a respeito do alcoolismo e do uso de drogas, em especial aos jovens das comunidades, e buscar o desenvolvimento de medidas interventivas, em especial oficinas terapêuticas baseadas em atividades por eles eleitas, como pintura, desenhos e artesanato visando a uma reestruturação dessa situação.

O laboratório estabeleceu recentemente convênios com o Instituto Charcot, onde estudantes de graduação, de pós-graduação e profissionais desenvolvem um amplo projeto de reinserção social de pacientes moradores. Trata-se do projeto: Reinserção ou Reabilitação Social de Pacientes Moradores em Instituição Psiquiátrica: um Desafio e uma Proposta de Trabalho na Área da Saúde Mental.

Esse projeto se reveste de uma relevância fundamental. Iniciou-se este ano, e vem sendo desenvolvido no Instituto Charcot, antiga e tradicional instituição psiquiátrica de nossa cidade. Esta vive uma fase de transformação sendo atualmente administrada por um novo grupo: Sistema Brasileiro de Saúde Mental que criou a Associação Amigos do Charcot, e com o qual estabelecemos a parceria.

A proposta do Projeto é como diz o título um desafio e ao mesmo tempo uma proposta de trabalho em saúde Mental. Contamos com a participação de estudantes de graduação, pós-graduação e colaboradores do laboratório, e a presença constante de toda a equipe técnica do Charcot.

Os alunos recebem assessoria sistemática, sendo acompanhados ao Charcot por toda a equipe. A proposta do projeto é desenvolver as condições e os recursos para que um número considerável de pacientes (aproximadamente 30), que são moradores da Instituição, possam voltar ao convívio da sociedade e da família. E ao mesmo tempo possam manter e continuar seu tratamento em outros equipamentos de saúde mental da comunidade (como CAPS ou Hospital-dia). São conhecidos os prejuízos que as internações prolongadas trazem ao doente mental e que acabam mesmo por inviabilizar que eles tenham uma vida digna. Esse projeto, assim, pretende ao mesmo tempo estimular o desenvolvimento dessa conquista para os pacientes e se constituir em experiência de crescimento e aprendizagem com alcances incríveis para os estudantes de Psicologia.

Além disso, o Laboratório fez uma parceria com o CAPS da Juventude de Santo Amaro. Os CAPS foram criados justamente para manter atendimento ao doente mental, de forma ambulatorial, com atividades que demandam toda a comunidade na recuperação e na integração do paciente, deixando a internação para casos absolutamente indispensáveis. Assim desenvolvemos o projeto Uma Proposta de Trabalho na Área da Saúde Mental: Observações Participantes no CAPS da Juventude de Santo Amaro. Esse projeto também é muito recente e como o anterior veio a complementar a proposta de oferecer os estágios curriculares da área de Psicopatologia. Também há a proposta de trabalho com jovens autistas e suas famílias. Esse tipo de atendimento não está nesse momento nas propostas desse CAPS e a equipe demonstra muito interesse em iniciar conosco um projeto nesse sentido.

Esses projetos e os serviços que a partir deles me proponho a desenvolver, em parceria com colegas, orientandos, alunos de graduação e pós-graduação e colaboradores, baseiam-se, dessa forma, nas colocações teóricas feitas anteriormente, ou seja, nas noções de sofrimento (Barus-Michel, 2001), no campo da Psicologia Clínica Social e na busca de enquadres diferenciados de atendimento (Winnicott, 1984). Buscamos, assim, enquadres diferenciados numa leitura psicanaliticamente orientada.

De fundamental importância é também o atendimento que o Laboratório oferece à comunidade que busca atendimento no próprio Instituto de Psicologia, no campus da Universidade de São Paulo. Já me referi ao Projeto de Entrevistas, onde recebemos os pacientes para consultas terapêuticas e temos como objetivo dar uma continência no momento da procura de atendimento, podendo assim manter o paciente em nosso serviço ou encaminhá-lo a serviços dentro do próprio Instituto de Psicologia ou para outros. Dessa forma, temos recebido pacientes com depressão, e projetos de atendimentos breves são realizados. Temos crianças abrigadas que são atendidas no laboratório, sendo que estamos em fase de implementação de atendimentos em grupo, considerando a grande demanda de crianças que chegam. Contamos com estudantes de graduação, de pós-graduação e profissionais voluntários nesse trabalho do APOIAR, sendo que os atendimentos são supervisionados por membros da equipe. Vale dizer, que além outros serviços abrigados no Instituto de Psicologia da USP, que prestam inegáveis serviços à comunidade, o APOIAR vem a somar esforços nessa direção. Os pacientes marcam as entrevistas por telefone e buscam espontaneamente ou são encaminhados por outros serviços, muitos dos quais advêm das parcerias que foram desenvolvidas com o laboratório (como os abrigos, o Hospital das Clínicas, entre outros). Gostaria ainda de acrescentar que contamos com a colaboração de profissionais de outras áreas, como um médico psiquiatra e uma fonoaudióloga que aceitam receber pacientes encaminhados pelo APOAIR, quando estes não conseguem esses atendimentos nas redes pública ou privada. Essa colaboração de profissionais de outras áreas se reveste de fundamental relevância, no que diz respeito ao caráter interdisciplinar no trabalho em Psicologia Clínica Social e na Pormoção de saúde mental.

O laboratório, em especial o APOIAR, tem por objetivo abrir e manter um espaço para diálogo e trocas tão essenciais à vida acadêmica e ao desenvolvimento do tripé que fundamenta a Universidade Pública: docência, pesquisa e assistência à comunidade.

 

Referências

Barus-Michel, J. (2001, março/abril). Soufrance, trajet, recours. Dimentions psychosociales de la souffrance humaine. Bulletin de Psychologie, 54 (2), 117-127.        [ Links ]

Bleger, J. (1984). Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.        [ Links ]

Freire, P. (1997, 11 de maio). Folha de S. Paulo (Caderno Cotidiano), p. 3.         [ Links ]

Tardivo, L. S. P. C. et al. Propostas de atendimento. In Anais, Jornada Apoiar, 2003, São Paulo. São Paulo:         [ Links ] Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social IP-USP.

Winnicott, D. W. (1984) Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco D - Cidade Universitária. CEP 05508-030, São Paulo-SP
E-mail: apoiar@leilatardivo.com.br

Encaminhado em 07/06/04
Revisado em 27/07/04
Aceito em 03/08/04

 

 

Sobre os autores:

1 Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo: Docente e pesquisadora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
2 Últimas linhas escritas pelo educador PAULO FREIRE, em 29/04/97, dias antes de sua morte (Freire, 1997, p. 3).