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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.5 n.1 São Paulo jun. 2004

 

ARTIGOS

 

Contribuições do Teste de Relações Objetais de Phillipson para o diagnóstico do funcionamento mental de pacientes com transtorno de pânico

 

Contribution of the Phillipson's Object Relations to the mental functioning of patients with panic disorder

 

 

Jussara Van De Velde da Silva I, 1; José Tolentino Rosa I, 2; Isabel Cristina Paegle 3; Marlene A. S. Braunholz 4; Maryrose Fernandes Bolgar 5

Universidade Metodista de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

É um estudo dos aspectos psicodinâmicos de pacientes recomendados à psicoterapia, com hipótese diagnóstica médica F 41.0, referida na CID-10. O estudo tem por ebjetivo analisar os recursos egóicos diante da: separação dos primeiros objetos amados; situação de ameaça e indiferença perante os dados de realidade; qualidade do vínculo emocional com os objetos e suas vicissitudes. É um estudo de caso com participação de cinco pacientes de classe social média, da região metropolitana de São Paulo. Foram avaliados pela entrevista clínica e aplicação das 13 lâminas do Teste de Relações Objetais de Phillipson (TRO). A interpretação das respostas ao TRO seguiu a orientação do autor, acrescida com os estudos de Berstein e Rosa. Na análise das histórias ao TRO constatou-se que na série A, os pacientes não mantém o equilíbrio adaptativo do ego diante da separação do objeto amado, indicando movimentos típicos da constelação esquizoparanóide, com indícios de recuo à posição viscocárica. Os controles egóicos amadurecidos exigidos na série B ficaram recuados, afetando o manejo dos dados da realidade. A síntese dos aspectos emocionais evocados pelas lâminas da série C indicou distorções na apreensão da realidade emocional. Essas dificuldades no mundo psíquico devem ser consideradas na indicação de psicoterapia e evolução clínica.

Palavras-chave: Transtorno de pânico, Teste das Relações Objetais de Phillipson, psicanálise, Klein, M.


ABSTRACT

The paper reports an investigation of psychoanalytic aspects of panic disorder patients to whom was prescribed psychoanalytic psychotherapy. The aim was related to resource analysis of the ego, facing: beloved object, and dependence, separation anxiety; indifference situation and threat towards reality; emotional attachment degree with early objects, and its difficulties. It´s a case study of five patients, all subjects were ranked as middle class, living in metropolitan area of São Paulo. They were evaluated with clinical interview and Phillipson's Object Relations Test (ORT) application. The ORT interpretation followed the author's orientation, and with Rosa's modifications. In the stories related to the A Series plates, patients have not been able to keep the ego adaptive balance facing the separation anxiety of beloved object, showing typical schizoparanoid phantasy; and also presenting viscumcarica position. The more mature ego controls, demanded by the B series plate's stimuli, have stepped back, with more anxiety in dealing with external reality. The C series plates indicating distortion in reality apprehension evoked attachment, hostility and human intimacy. Psychoanalytic psychotherapy prescription must be considered during the diagnosis interview.

Keywords: Panic disorder, Phillipson's ORT Test, psychoanalysis, Klein, M.


 

 

Introdução

Devido à prevalência relativamente alta de encaminhamentos, feitos por clínicos, psiquiatras (de pacientes com diagnóstico de transtorno de pânico) e consultórios psicológicos, procurou-se fazer um estudo clínico com o TRO para a compreensão psicodinâmica desses pacientes.

Segundo a mitologia grega:

O termo pânico deriva do nome do deus grego Pã, o qual era filho do deus Hermes e de Dryone (filha do rei Dryops) ou Penélope. A descrição do deus Pã fala de uma mistura de forma humana e de bode. Era barbudo, chifrudo, peludo, vivo, ágil, rápido e dissimulado, ele exprime a astúcia bestial. Pã era tão feio que ao nascer sua mãe correu assustada. Ele viveu confinado nas montanhas da Arcádia e divertia-se aparecendo subitamente aos despreocupados viajantes, os quais tinham uma reação de susto (medo), que era designada como pânico. O povo de Atenas erigiu um santuário a Pã, perto do lugar aberto que era o mercado público principal de Atenas. Algumas pessoas tinham medo (phobos) de freqüentar o lugar público (Agora), derivando daí o termo agorafobia, para designar uma das reações que acompanha o pânico. Busca as ninfas e os jovens, que assalta sem escrúpulos; mas sua fome sexual é insaciável e ele pratica também a "masturbação solitária. Ele deu o seu nome à palavra pânico, esse terror que se espalha em toda natureza e em todo ser, ao sentir a presença desse deus que perturba o espírito e enlouquece os sentidos". (Caetano, 1987, p. 15)

Pã se personifica no Grande Todo, o todo de um determinado ser; filósofos neoplatônicos e cristãos farão dele a síntese do paganismo. Plutarco relata uma lenda: vozes misteriosas, ouvidas por um navegador, anunciavam em pleno mar a morte do Grande Pã. Era a morte dos deuses pagãos, resumidos em uma só pessoa, que as lamentações do mar prenunciavam, com o início da nova era e que gelava de espanto o mundo greco-romano. O Grande Pã morreu, era o fim de uma sociedade. As sombras dos heróis se lamentam e os infernos tremem. Pã morreu, a sociedade cai em dissolução. A morte de Pã simboliza o fim das instituições, curiosa evolução de um símbolo que passa do desbragamento sexual a uma ordem social, cujo desaparecimento mergulha no desespero por ter ele perdido sua energia vital (Chevalier & Gheerbrant, 2002).

A palavra pânico quer dizer susto sem motivo, temor infundado. Contudo, o medo, esse temor infundado é um sentimento. O que diferencia a doença do pânico de reações agudas é que essas últimas são motivadas por estímulos externos, como incêndios em cinema. Já o medo é um sentimento que se origina do mundo interno do indivíduo, não existindo contra quem (ou o quê) lutar ou fugir, pois a ameaça está dentro do próprio indivíduo. O caráter internalizado do perigo caracteriza uma situação de ataque de pânico ou crise de pânico

O transtorno de pânico está inserido na categoria de transtornos de ansiedade, juntamente com as fobias, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de ansiedade generalizada, segundo a Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV, 1994).

De acordo com Gabard (1998, p. 377), o transtorno de pânico foi categorizado como uma subdivisão dos transtornos de ansiedade, denominado por Freud há aproximadamente cem anos como neurose de ansiedade. O autor esclareceu que embora os ataques de pânico durem alguns minutos produzem um considerável desconforto no paciente. Além dos sintomas fisiológicos alarmantes, como sufocação, tontura, sudorese, tremores e taquicardia, os pacientes freqüentemente apresentam sensação de morte iminente, conforme critérios para ataques de pânico DSM-IV. A maioria manifesta agorafobia, isto é, tem medo de estar em local ou situação da qual seria muito difícil ou embaraçoso sair; reduz viagens para tentar controlar a terrível situação de ter um ataque de pânico num local do qual não possa sair facilmente. Descreve que uma fonte de ansiedade mais primitiva em termos de desenvolvimento é a possibilidade da perda não apenas do amor do objeto, mas também do próprio objeto - o que geralmente é chamado de ansiedade de separação. As formas mais primitivas de ansiedade são a ansiedade persecutória e a ansiedade de desintegração. A primeira tem origem na posição esquizoparanóide, descrita por Melanie Klein (1946/1991), na qual a ansiedade primária é a de que objetos perseguidores externos vão invadir e aniquilar o paciente. A ansiedade de desintegração pode ter origem tanto no medo da perda do sentido ou dos limites do self por meio da fusão com um objeto, ou na preocupação de que o self da pessoa vá se fragmentar e perder sua integridade na ausência de espelhamento ou respostas idealizadas dos outros no ambiente.

Sobre as origens da ansiedade, Freud (1925 ou 1926/1976), em seu trabalho Inibições, Sintomas e Ansiedade, descreve o sintoma como um substituto da satisfação instintual, sendo resultado do processo de repressão:

A repressão se processa a partir do ego quando este - pode ser por ordem do superego - se recusa a associar-se com uma catexia instintual que foi provocada no id. O ego é capaz por meio da repressão, de conservar a idéia que é o veículo do impulso repreensível a partir do tornar-se inconsciente [...] como resultado da repressão, o pretendido curso do processo excitatório no id não ocorre de modo algum; o ego consegue inibi-lo ou defleti-lo" (p. 112).

O ego é a sede da ansiedade e sua influência na inibição ou defleção do processo excitatório no id se deve às ligações do ego com o sistema perceptual, as quais embasam sua diferenciação do id. Sob intensa pressão do id, ocorre como resultado a formação de um processo mental independente: sintoma. Este último pode impor certa retração da capacidade servindo às exigências do superego mesmo para a recusa de reivindicação do mundo exterior. Freud, ao examinar, em conjunto, a neurose obsessiva, a histeria e as fobias, constatou como resultado a destruição do complexo de Édipo ao lado da força motora da oposição do ego, isto é, o medo da castração. Acrescentou que as experiências diárias das fezes e o desmame podem dar a dimensão da analogia entre o medo da morte e o medo da castração: separações do corpo. Esse tipo de ansiedade tem correspondente a sinal afetivo de perigo. São de suma importância nesse processo: a imagem mnêmica da criança e a ansiedade primeva do nascimento. O conceito do perigo de desamparo psíquico é apropriado ao perigo de vida quando o ego do indivíduo é imaturo: o perigo da perda do objeto até a primeira infância, o perigo de castração até a fase fálica e o medo de seu superego até o período de latência; vários deles podem ocorrer em período ulterior do desenvolvimento psíquico além da possibilidade da simultaneidade.

Infere-se que a formação do sintoma, segundo Freud, acaba com a situação de perigo e tem dois aspectos, quais sejam: ser oculto da visão, implicando a alteração do id, pela qual o ego é afastado do perigo; o outro aspecto, apresentado abertamente, mostra aquilo que se criou no lugar do processo instintual que foi afetado, ou seja, a formação substitutiva.

Conforme Klein (1946/1991), a ansiedade surge da operação da pulsão de morte dentro do organismo, é sentida como medo de aniquilamento (morte) e toma forma de medo de perseguição. O medo do impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um objeto, ou melhor, é vivenciado como medo de um incontrolável objeto dominador. Outras fontes importantes da ansiedade primária são o trauma do nascimento (ansiedade de separação) e a frustração de necessidades corporais; essas experiências são sentidas desde o início, causadas por objetos. Mesmo se esses objetos são sentidos como externos, por meio de introjeção eles se tornam perseguidores internos e assim reforçam o medo do impulso destrutivo interno. Enumerou várias defesas típicas do ego arcaico, tais como os mecanismos de cisão de objetos e de impulsos, idealização, negação da realidade interna e externa e abafamento de emoções e sentimentos, como o medo de ser envenenado e devorado. O primeiro objeto bom, atuando como um ponto focal no ego, equilibra os processos de cisão e dispersão sendo responsável pela coesão, integração e construção do ego. O sentimento do bebê de ter dentro de si um seio bom e inteiro pode ser abalado pela frustração e ansiedade, o que dificulta a distância entre o seio bom e o mau podendo provocar o sentimento de que o seio bom está despedaçado.

O objeto frustrador e perseguidor é mantido completamente separado do objeto idealizado. Sua própria existência é negada, assim como são negados toda a situação de frustração e os maus sentimentos (dor) a que a frustração dá origem. Isso se relaciona com a negação da realidade psíquica. A negação da realidade só é possível através de fortes sentimentos de onipotência, uma característica essencial da mentalidade arcaica" (Klein, 1946, p. 27).

Os sentimentos de luto e culpa implicam progressos vitais na vida emocional e intelectual do bebê e vão depender da síntese entre os aspectos amados e odiados do objeto completo, total. Este constitui um ponto crucial para a escolha da neurose ou psicose.

Em 1948, Klein afirmou que parece haver estados transitórios de integração, mesmo em bebês muito pequenos, o que mostra a possibilidade da cisão entre o seio bom e o mau ser menos acentuada. Essas pequenas sínteses preparam caminho para o surgimento da ansiedade depressiva, a culpa e o desejo de reparar o objeto amado danificado - em primeiro lugar, o seio bom que nos outros momentos dirigia-se aos objetos parciais.

"A diferenciação entre personalidade psicótica e a personalidade não psicótica depende de uma cisão, em fragmentos mínimos, de toda aquela parte da personalidade relacionada à percepção da realidade interna e externa, e da expulsão destes fragmentos, de modo que eles ou entram em seus objetos ou os engolfam". (Bion, 1955/1991, p.69). Concordou com as idéias de Klein (1946/1991) e complementou o conceito da identificação projetiva esclarecendo que o paciente excinde uma parte da sua personalidade e a projeta para dentro do objeto onde se instala, por vezes como um perseguidor, deixando correspondentemente empobrecida a psique da qual foi excindida. Descreveu quatro traços essências que caracterizam a personalidade psicótica: "uma preponderância tão grande de impulsos destrutivos, que mesmo o impulso de amor é inundado por eles e transformado em sadismo; um ódio a realidade, interna e externa, que se estende a tudo que contribui para a percepção dela; um terror de aniquilação iminente (Klein, 1946) e, finalmente, uma formação prematura e precipitada de relações de objeto - entre as quais está em primeiro lugar a transferência - cuja fragilidade contrasta acentuadamente com a tenacidade com que são mantidas." (Bion, 1955/1991, p. 70). Segundo ele, essas características constituem um dote que faz com que seu possuidor atravesse as posições esquizoparanóide e depressiva de um modo acentuadamente diverso de quem não é assim dotado.

A realização deste estudo para compreensão psicodinâmica desses pacientes se faz necessária garantindo atualizações clínicas e melhorias na qualidade dos atendimentos embasando-se na teoria psicanalítica.

Estudos realizados têm demonstrado a eficácia das contribuições da Psicanálise para a compreensão e o atendimento desse grupo de pacientes portadores do transtorno de pânico.

Sarvasi (2000) relatou um estudo de caso de uma paciente com transtorno de pânico, do diagnóstico à psicoterapia. A partir das respostas ao Teste de Rorschach Temático e a Teoria das Relações Objetais de Klein, para a apreciação dos desejos inconscientes, dos sentimentos, dos medos e dos mecanismos de defesa da paciente, verificou que sob a estimulação do Rorschach e durante o processo de psicoterapia houve a manifestação de forte regressão às fases mais arcaicas do desenvolvimento mental; uma predominância da posição viscocárica inferindo um núcleo aglutinado (simbiose) que oscilava entre a posição esquizoparanóide e a posição depressiva. A autora constatou que após alguns meses de psicoterapia de orientação psicanalítica, a paciente encontrou melhor equilíbrio emocional e capacidade de investimento em suas potencialidades criadoras.

No transtorno de pânico existem fatores neurofisiológicos significativos, as crises são desencadeadas por fatores psicodinâmicos e, assim sendo, os pacientes respondem às intervenções psicoterápicas (Torres, Lima & Ramos-Cerqueira, 2001). Descreveram a importância do tratamento não só farmacológico, como também a eficácia de psicoterapia de grupo, como um compartilhar de experiências e sofrimentos comuns, propiciando a rápida coesão e suporte grupal, melhora da capacidade de expressar sentimentos e da auto-estima e o aprimoramento de papeis sociais. Além da melhora dos sintomas, possibilitou o equilíbrio das forças psicológicas em vários setores da vida como o orgânico, social, produtivo e os impulsos amorosos.

A investigação principal do presente trabalho foi gerada pelo número de encaminhamentos feitos para os consultórios de psicologia, por clínicos e psiquiatras, de pacientes com diagnóstico de transtorno de pânico.

A escolha do Teste de Relações Objetais de Phillipson (TRO), como técnica projetiva, foi definida com base em trabalhos recentes que ratificaram e ampliaram a proposta original de seu autor (Phillipson, 1981, 1983, Ocampo, 1981, Vertheliy, 1983, Rosa, 1995, Grassano, 1996).

O teste é composto de 13 lâminas dispostas em três séries A, B e C e à semelhança do Teste de Apercepção Temática (TAT), com uma lâmina branca oferecida ao paciente ao final da tarefa proposta. Em cada série há estímulo contendo um, dois, três e um grupo de personagens. As lâminas da série A se apresentam com estimulação ambígua, sombreada de claro e escuro. As lâminas da série B se caracterizam com o contraste branco-preto e as da série C introduzem o elemento cor, semelhante às pranchas do Rorschach. A percepção de figuras humanas estáticas ou em movimento e outras como animais, seres inanimados, dependerão exclusivamente das projeções realizadas pelos pacientes.

 

Método

Utilizou-se do delineamento clínico de estudo de caso, sob leitura psicanalítica.

Casuística

Foram selecionados cinco pacientes, sendo quatro do sexo feminino e um do sexo masculino, mediante o consentimento informado, preservando-se dados identificatórios. Os pacientes cederam seus protocolos de resposta diante das lâminas do Teste de Relações Objetais de Phillipson e dos dados da entrevista clínica.

Procuravam psicoterapia sob recomendação médica e iniciavam tratamento medicamentoso para alívio dos sintomas; a hipótese diagnóstica indicava a CID-10, 41.O.

Dentre as mulheres com idades variando de 21 a 25 anos, havia uma acima dos 50 anos que não exercia atividade remunerada e as demais trabalhavam na área de Administração. O homem, de 30 anos de idade exercia atividade profissional na área de Relações Humanas. Todos eram provenientes de classe social média da região metropolitana de São Paulo; os consultórios de psicologia procurados, também da mesma região.

Procedimento

O estudo desenvolveu-se em três etapas.

O primeiro contato foi realizado por meio do médico psiquiatra devido ao encaminhamento para avaliação psicológica.

Os atendimentos foram feitos em sala de psicoterapia psicanalítica, forma individual. A entrevista clínica semidirigida e a aplicação das 13 lâminas do Teste de Phillipson foram realizadas pelo mesmo profissional que posteriormente atendeu o paciente em psicoterapia.

A avaliação dos protocolos foi realizada por diferentes psicólogos, daqueles que entrevistaram e aplicaram os testes, com o objetivo de aumentar a validade preditiva dos instrumentos.

1. Diagnóstico psicológico e instrumentos

Usaram-se a entrevista clínica e aplicação das 13 lâminas do teste de Phillipson, de acordo com o manual proposto pelo autor. A entrevista devolutiva, a indicação de psicoterapia e o contrato de trabalho foram realizados pelo profissional que atendia os pacientes.

2. Seleção da amostra para o estudo

O consentimento para cessão dos protocolos foi apresentado antes do início do processo psicoterapêutico e caso afirmativo, estes foram recolhidos e conduzidos para o grupo de estudo.

3. Estudo dos protocolos

O material cedido pelos pacientes compreendia: registro das histórias às 13 lâminas do teste de Phillipson, protocolo preenchido de acordo com o proposto pelo autor. O grupo de trabalho não teve acesso à entrevista clínica completa antes do término da discussão da interpretação das 13 lâminas. O método de avaliação "às cegas" garantiu a preservação dos conceitos teóricos e permitiu que as dúvidas fossem solucionadas por consenso. A análise do sistema tensional inconsciente dominante foi realizada à luz da Teoria de Relações de Objeto de Melanie Klein e avaliada pela escala ordinal proposta por Rosa (1995). Essa escala graduada entre 1 e 7 pontos permite avaliar os recursos da pessoa para o desenvolvimento de relações interpessoais. Partindo do limite inferior, o ponto 1 refere-se às relações predominantemente hostis, marcadas pela rigidez e destrutividade, indo até o ponto 7, que indica uma maior liberdade para o estabelecimento de relações objetais predominantemente positivas e amorosas.

Objetivos

O TRO, fundamentado na teoria das relações de objeto de Melanie Klein, possibilita a investigação clínica destas em suas manifestações na realidade e o reconhecimento das ansiedades predominantes das constelações esquizoparanóide e depressiva. Para melhor compreensão da psicodinâmica apresentada por pacientes portadores do Transtorno de Pânico, este trabalho se propõe a:

1. investigar as relações interpessoais por meio do exame das respostas às lâminas do Teste de Relações Objetais de Phillipson;

2. verificar o equilíbrio adaptativo do ego perante: situações de separação do objeto de dependência, esforços egóicos sob clima de ameaça e indiferença, vinculo emocional com os objetos e suas vicissitudes;

3. conjugar os dados da entrevista clínica e da análise do teste projetivo.

 

Resultados

Nessa seção os resultados serão apresentados em torno da investigação principal (análise das respostas às lâminas do TRO) e os dados da entrevista clínica selecionados de acordo com o significado emocional relatado pelos pacientes participantes do estudo.

Por meio da análise e interpretação das histórias, pôde-se constatar, numa síntese global que a psicodinâmica desses pacientes moveu-se dentre sentimentos, desejos e defesas predominantemente típicos da constelação esquizoparanóide, nas três séries de lâminas.

A Figura 1 ilustra a pontuação das histórias realizada de acordo com a escala de classificação e seriação do equilíbrio adaptativo no TRO (Rosa, 1995); os pacientes obtiveram média igual a 2,15 na Série A; 2,35 na série B e 2,15 na série C, indicando-nos "equilíbrio não mantido, predominando a ansiedade, com relações de objeto negativas".

A comparação das médias entre as séries apontou A < B > C, significando grande dificuldade na separação dos primeiros objetos e elaboração do luto (natureza patológica), prejudicando o desenvolvimento mental (Série A), predominância de relações hostis sobre as amorosas e fragilidade do ego diante de demandas do id e do superego.

 

 

Respostas às Lâminas da Série A

Na série A predominam os tons de cinza, com sombreados claros. Os elementos humanos são vagos e os ambientes não são detalhados. Os estímulos dessa série de lâminas evocam sentimentos relativos à necessidade de relações objetais primitivas e recursos para a satisfação dessa necessidade. As respostas podem indicar o equilíbrio adaptativo do ego diante de situações de dependência, separação do objeto amado e solidão. Há mobilização de sentimentos, desejos e defesas da posição esquizoparanoide. Os esforços defensivos mais amadurecidos revelam a passagem para a posição depressiva, com sucesso. A Figura 2 indica a pouca flexibilidade do ego ao enfrentar as primitivas relações de objeto.

. Aspectos Manifestos

A percepção do conteúdo humano apresentou-se com distorções, tais como alteração do sexo dos personagens, visualização de silhuetas, casal de amigos. As relações verificadas foram predominantemente hostis, idealizadas ou narcíseas. A percepção do conteúdo de realidade foi adequada no que se refere ao cenário, tendo sido percebido pela maioria dos pacientes como ambientes internos ou externos definidos (p. ex., igreja, rua). Os detalhes, porém são demasiadamente escassos.

. Sistema Tensional Inconsciente Dominante

Os pacientes evidenciaram o desejo de evitar a separação do objeto amado, o abandono e de confundir-se com o objeto. Essa primitiva e distorcida forma de relação objetal utilizada pelos pacientes em todas as situações de relações humanas, aliada às perdas reais ou fantasiadas, levam esses pacientes a uma dificuldade na elaboração do luto, bem como podem levar à regressão à posição viscocárica. Os esforços defensivos revelados para dar conta desses sentimentos foram a identificação projetiva, negação da realidade interna/externa, idealização e angústia confusional. O mecanismo da repressão surgiu quando houve uma tendência adaptativa na elaboração de perdas objetais, pois uma parte do ego foi capaz de sentir tristeza.

 

 

Klein (1946/1991) enumerou várias defesas típicas do ego arcaico, tais como os mecanismos de cisão de objetos e de impulsos, idealização, negação da realidade interna e externa e abafamento das emoções; indicam que os medos persecutórios foram muito intensos, e o bebê não pode elaborar a posição esquizoparanóide, ficando impedida a elaboração da posição depressiva. Tal fracasso pode levar a um reforço regressivo dos medos persecutórios e fortalecer os pontos de fixação para as psicoses graves.

A baixa pontuação desse grupo de pacientes, na série A, merece atenção, uma vez que ocorre nessa série possibilidade de dissociação do ego evidenciade pelo tipo de defesas mais arcaicas.

Nesse ponto, Bion (1955/1991) chama a atenção para o movimento analítico que pode apresentar o fenômeno da cisão da personalidade e a projeção dos fragmentos para dentro do analista (identificação projetiva) com os conseqüentes estados confusionais. Atormentado pelas mutilações e lutando por escapar dos estados confusionais, o paciente poderá retornar para uma relação restrita, e essa oscilação indicará a tentativa de ampliar o contato e de restringi-lo.

Por isso enfatiza-se a importância do trabalho psicoterápico com os pacientes portadores do transtorno de pânico, como recomendaram Sarvasi (2000), Torres, Lima e Ramos-Cerqueira (2002), revelando que os sentimentos de desamparo, insegurança, fragilidade e medo se manifestam com certa freqüência.

A1 (1)

Diante de situações de dependência e solidão os pacientes mobilizaram predominantemente ansiedades e defesas da posição esquizoparanóide, quais sejam: desejo de dependência, medo do abandono, do aniquilamento. Para proteger o ego diante de tais desejos e sentimentos, recorreram à negação e à identificação projetiva. Por se tratar da primeira lâmina apresentada ao paciente, demonstra a maneira como ele se sente e reage perante o desconhecido.

Pelos desejos de dependência e de ficar unido ao objeto manifestados pelos pacientes, podemos prever que isso ocorrerá na relação transferencial com o psicoterapeuta, sendo este um aspecto favorável ou não à vinculação.

A média de 2,25 pontos obtidos pelos pacientes revelou que na situação de solidão, não conseguem manter o equilíbrio adaptativo do ego, predominando relações de objeto negativas. A paciente Isabela obteve 1 ponto, na seguinte história relatada:

Título: Abandono

Duas pessoas estavam juntas, uma se levanta e deixa a outra sozinha. Sentimento de abandono.

Inquérito:

Juntas, onde? Uma praia.

O que são uma da outra? De nada.

Para onde foi a que levantou? A impressão que dá e que está uma do lado da outra, uma em pé e a outra sentada, olhando para uma cachorra, sei lá. A que está sentada foi para... não sei se é uma separação... Só Deus sabe. Todas são esfumaçadas? Pausa. (afastou a lâmina, ficou olhando e solicitou ver a próxima).

A2 (2)

Os sentimentos e os recursos utilizados pelos pacientes nessa lâmina, que estimula a projeção do par internalizado, bem como a relação interna bissexual apontou para o desejo de controlar o par unido, controlar/evitar a sexualidade, medo da exclusão do par. Para proteger o ego diante desses sentimentos, os pacientes utilizaram os mecanismos de negação e identificação projetiva, pertinente à constelação esquizoparanóide.

A média de 2,25 pontos nessa lâmina nos indica que os pacientes não conseguem manter o equilíbrio adaptativo do ego, nas situações que envolvem o par unido e a sexualidade, predominando relações de objeto negativas. A história relatada por Isabel foi pontuada com 2 pontos:

Título: Almas gêmeas

Almas gêmeas... Que se encontraram depois de muita procura, ansiedade. Estão assim muito felizes, é o que transmite para mim.

A silhueta de um homem e de uma mulher, figura feminina e figura masculina. Parece ser um encontro, estão transmitindo paz e tranqüilidade, como se estivessem vivendo um momento eterno que não tivesse mais fim para eles. Encontro de duas almas gêmeas.

Inquérito:

Onde estão? (pausa) O que são um do outro? (pausa) O que estão fazendo? (pausa) Só tem silhuetas.

A3 (8)

Os sentimentos e recursos evocados nessa lâmina são resultado de projeções da conflitiva edipiana associada à separação do par. As respostas dos pacientes revelaram ansiedades persecutórias e sádicas, acompanhadas de fantasias de morte, mobilizando defesas como negação e identificação projetiva, típicas da constelação esquizoparanóide.

A média de 2 pontos mostrou que os pacientes não conseguem manter o equilíbrio adaptativo do ego, predominando relações de objeto negativas. A história da paciente Júlia ilustra essa pontuação:

Título: O quarto

Um quarto, uma porta aberta, uma pessoa subindo a escada, o quarto é escuro. Acho que ela vai dormir.

Inquérito:

Dorme bem? Parece que está tarde, vai dormir na cama, vai pensar na vida, vira de um lado para o outro até que o sono chega e ela vai dormir.

AG (5)

São apreciadas as reações do ego diante das perdas reais ou fantasiadas do objeto primário e a capacidade de elaborar luto. As ansiedades do tipo depressiva e a capacidade egóica mais amadurecida são importantes para o recuo do controle narcíseo sobre o objeto.

Nessa situação, três dos pacientes, Isabela, João e Rose, apresentaram desejo de controlar/evitar a perda do objeto e impotência diante da perda. Os 2 pontos obtidos por esses pacientes mostraram que diante de perdas o ego fica fragilizado, fracassando na busca de relações de objeto mais positivas. A história de Rose ilustra essa pontuação:

Título: Não sei

Nossa! Aqui não sei se por causa da minha formação meio Kardecista, aqui parece que são pessoas que estão na igreja rezando, que estão sentindo falta de alguém e aqui são as pessoas que não estão mais, que não fazem mais parte desse mundo que elas ficam observando o sofrimento, ou então a reza, né? Eles estão sentindo a falta, eles estão percebendo o sentimento deles, sentindo a falta, tentando entender os porquês, eles estão observando, eu sinto calma aqui.

É... acho que é mais uma, uma calma, os questionamentos do porquê, será que existe? O titulo para isso? Acho que seria mais outras vidas, essa intuição, acho que seria isso, lembra muito que a gente aprende. O que a gente vê.

Inquérito:

Como se sentem? Perderam alguém. Estão tentando entender, se realmente existe o que se aprende no espiritismo.

Marilda e Júlia apresentaram melhor solução egóica diante da perda, esboçando capacidade de enfrentar o sentimento de tristeza. Os 3 pontos da escala que foram atribuídos, marcaram tendência adaptativa, embora com resultante negativa. A história de Marilda ilustra essa pontuação:

Título: A multidão

São várias pessoas sentadas, algumas estão em... é olhando a situação, elas estão com uma má postura, triste e as outras três em pé estão querendo saber o motivo de tanta tristeza. Parecem deprimidos, esperando uma notícia muito ruim, tentando se preparar para o pior. Mas tem um deles que é um pouco mais positivo e está tentando ajudá-los a sair dessa depressão, dando coragem e força para enfrentar o problema e parece que a situação já está sendo controlada.

Inquérito:

Onde estão? Sentadas numas pedras olhando o mar.

Por que estavam tristes? Tem alguém muito doente, são dois irmãos e a outra pessoa tentando ajudar, consolar. Um primo. A pessoa está com a doença, mas não teve uma cura.

Respostas às Lâminas da Série B

Na série B predominam o contraste claro/escuro e matizes de cinza. Os elementos humanos são mais definidos, assim como os objetos. A nitidez do contorno dos estímulos não dá margem aos pacientes, para outras interpretações que não sejam aquelas que as lâminas pretender suscitar. Por esse motivo, avalia-se aqui, mais acentuadamente do que nas outras séries, a capacidade do ego de lidar com a realidade. Os estímulos dão ênfase a um clima de ameaça e indiferença nas situações de relação da pessoa com ela mesma, de par, situação triangular e de grupo.

. Aspectos Manifestos

Nessa série, a maioria dos pacientes percebeu e conservou os elementos humanos pertinentes a cada lâmina. Apareceram relações amorosas, bem como relações hostis ou uma forma solitária de se relacionar com o ambiente, por parte dos personagens. Os pacientes tiveram uma percepção adequada do conteúdo de realidade quanto ao cenário, porém apresentaram uma pobre percepção de detalhes.

. Sistema Tensional Inconsciente Dominante

Os pacientes evidenciaram conflito com a própria identidade (dificuldade na elaboração da sexualidade), sentimento de ameaça e desproteção do par internalizado, medo da exclusão do par, dificuldade na elaboração da situação triangular, temor da rejeição e exclusão do grupo. Diante dos sentimentos gerados por essas situações apareceram predominantemente como esforços defensivos, identificação projetiva, negação da realidade e de sentimentos, idealização, cisão, controle onipotente. A repressão apareceu diante do desejo de refazer o vínculo.

 

 

Klein (1946) observou que à medida que as ansiedades vão perdendo a força, os objetos tornam-se menos idealizados e mais realistas, unificando mais o ego. A repressão anuncia a possibilidade de relação de objeto total e o ego mais coeso e integrado se prepara para elaborar a posição depressiva.

A Figura 3 representa as tendências da manutenção do equilíbrio adaptativo do ego nessa série.

B1 (6)

Diante da estimulação de sentimentos associados à privação e solidão, as respostas dos pacientes indicaram ansiedade do tipo paranóide, na impossibilidade de estar só consigo mesmo, em contato com o seu mundo interno. Isso pode representar uma dificuldade em permitir que o psicoterapeuta acesse esse aspecto do mundo interno; por outro lado, há indícios de enfrentar os conteúdos internos.

A pontuação obtida pelos pacientes (média igual a 2 pontos) reflete o predomínio das relações de objeto negativas, a tendência para idealizar um continente auxiliar para "pensar e enfrentar os conteúdos", como nos mostra a história de Júlia:

Título: O quarto

Um quarto, uma porta aberta, uma pessoa subindo a escada, o quarto é escuro. Acho que ela vai dormir.

Inquérito:

Dorme bem?Parece que está tarde, vai dormir na cama, vai pensar na vida, vira de um lado para o outro até que o sono chega e ela vai dormir.

B2 (9)

Os temas mais comuns nessa lâmina apontam para uma relação heterossexual (duas figuras sob a árvore) e, ao fundo, o prédio representando o par que acolhe ou exclui.

Na interpretação das respostas, evidenciou-se ansiedade paranóide, predominando a hostilidade, isto é, desejo de evitar ou controlar o par unido; medo da exclusão e controle do par. Os mecanismos de defesa usados pelo ego: negação, identificação projetiva e idealização. Com a análise das histórias, verificou-se dificuldade em estabelecer vínculos adultos/amorosos/construtivos, sendo este um dado desfavorável para a aliança terapêutica.

Os dois pontos obtidos pelas pacientes Marilda e Rose nessa lâmina indicam uma condição egóica hostil, relações de objeto negativas, inferindo-se difícil trânsito dos impulsos amorosos. Isso nos mostra a história de Rose:

Título:

É um bairro calmo, fica embaixo de uma árvore grande, bonita, uma macieira, Eles estão conversando, discutindo. A impressão que dá é que eles não querem ser vistos, uma coisa discreta, eles se encontraram discretamente e estão discutindo algo em comum, precisam tomar uma decisão a respeito de uma coisa importante. É isso. E acabam não tomando decisão nenhuma e cada um vai para o seu rumo. Um lugar, a impressão que dá que é à vista de todo mundo, mas eles estão tomando discrição é como assim... ou ele deve ter alguma coisa, pessoas casadas, se você for fazer alguma coisa errada, você faz escondidinho, as pessoas falam, mas se está coisa aberta, conversando, é como se você estivesse batendo papo com um amigo, é isso. Um encontro escondido deles, né?

Os pacientes João, Isabela e Júlia obtiveram 3 pontos nessa lâmina, o que nos mostra uma tendência adaptativa do ego, pelo desejo de refazer vínculo, porém com resultante negativa, como nos mostra a história de João:

Título: A rua

Legal! Interessante, muito embora falte cores. Duas pessoas embaixo da árvore e do outro lado têm casas, só falta as cores para se tornar mais interessante, mas tem nitidez e consigo identificar melhor as coisas.

É como se elas estivessem ao ar livre porque querem, mas podem entrar naquela casa. Têm opções. E o legal é que não está sozinha. Podem entrar num acordo e entrar lá dentro. São amigos.

Inquérito:

Onde Estão? É como se elas estivessem ao ar livre porque querem, mas podem entrar naquela casa. Têm opções. E o legal é que não está sozinha. Podem entrar num acordo e entrar lá dentro.

O que são? Amigos, dois amigos.

B3 (4)

Essa lâmina apresenta claramente uma situação triangular e nos diz sobre a maneira como o paciente lida com esse tipo de relação objetal (conflito edípico). Permite a projeção do vínculo de olhar e ser olhado ou espiar e ser espiado, pela maneira como inclui ou exclui o terceiro, diante do par unido.

Nesse grupo de pacientes, foram mobilizadas predominantemente ansiedades da posição esquizoparanoide, como o desejo de evitar a exclusão, controlar de forma hostil o par unido, intenso medo do abandono e do aniquilamento. Os esforços defensivos mais usados pelo ego foram a identificação projetiva, cisão e negação da realidade interna. As pacientes Júlia Marilda e Rose tiveram suas histórias pontuadas com 3 pontos, indicando uma tendência adaptativa do ego, envolvendo a terceira pessoa, porém os esforços na solução edípica ficaram associados com sentimentos hostis, portanto, com resultante negativa. A história relatada por Júlia ilustra essa pontuação:

Parece que está muito suspeito (passou o dedo sobre a figura da criança).

Título: O suspeito

Parece uma porta, duas pessoas abraçadas, uma criança olhando. Uma sala escura. Parece que a criança está muito escondida olhando.

Inquérito:

O que são? Marido e mulher, a criança é o filho, olhando o pai e a mãe. Só não entendi porque ele estava escondido no escuro, olhando. Acho que estão conversando sobre algum problema da criança e ela não poderia ouvir e estar ouvindo.

BG (10)

São evocados sentimentos de aceitação, rejeição ou indiferença, que o indivíduo projeta no grupo. Revela recursos para psicoterapia de grupo e sentimentos relacionados à autoridade.

Foram mobilizados sentimentos de ser aceito e de proteger o ego. Temor dos impulsos do id, sadismo do superego, rejeição/exclusão do grupo. Os mecanismos de defesa predominantes foram a negação e a identificação projetiva.

A média 2, obtida pelos pacientes nessa lâmina, nos indica que diante da situação de grupo não conseguem manter o equilíbrio adaptativo do ego, com predomínio de relações de objeto negativas. O paciente João relatou a seguinte história pontuada com 3 pontos:

Muito incompleta... Porque está faltando uma continuação, mas vejo uma pessoa sozinha na passagem e outras pessoas juntas, mas é uma cena muito perdida no espaço incompleta. Esta sensação que existe um espaço tão grande por lá, é muito desanimador. Preferia se tivesse um acabamento para torná-la mais cheia. Não gostei.

Inquérito:

Como se sente a pessoa sozinha? Triste. Ela se separou porque não se sentiu aceita no grupo, o grupo não estava interessante. O que colocaria neste vazio?

Algo que se desse para entender melhor, qual seria esse espaço, não gosto desse entender, se é um castelo antigo, ou ruínas, etc.

Respostas às Lâminas da Série C

A série C caracteriza-se pela introdução da cor de duas maneiras: intrusiva e esfumaçada, favorecendo a verificação do tipo de vínculo emocional que o indivíduo estabelece com seus objetos. Os elementos humanos são mais realistas, os ambientes mais detalhados. A definição dos elementos é menor do que na série B, porém maior do que na série A.

Os estímulos dessa série também favorecem o surgimento de controles desde adaptativos até onipotentes. As fantasias de perda e elaboração do luto são comuns, assim como sentimentos diante do conflito edipiano, que propiciam dissociações.

. Aspectos Manifestos

Verificou-se no conteúdo humano dessa série a adição de personagens. Predominaram as relações hostis. O conteúdo de realidade foi percebido adequadamente, porém com pobreza de detalhes. Observa-se o choque cromático e a negação da cor, confirmando o clima de hostilidade em relação aos objetos internos, mobilizados pela cor.

. Sistema Tensional Inconsciente

Dominante

A Figura 4 ilustra a pontuação do equilíbrio adaptativo do ego realizado com a análise das histórias dessa série. Pode-se observar na lâmina de uma pessoa, o movimento de controlar/evitar contato com conteúdos internos e desorganização interna. Na situação de relação objetal envolvendo um par, aparecem desejos de controlar a perda/evitar a cena primária e a exclusão, temor do sadismo do par unido e do superego. Pelo conteúdo das histórias, na situação que coloca o grupo diante de uma figura de autoridade e pela qual podemos verificar como o ego faz a intermediação das demandas do id e superego, observamos que os pacientes demonstraram desejos de controlar/aplacar impulsos do id e superego, medo do aniquilamento e fragilidade do ego diante de pressões internas e externas. Como mecanismos de defesa foram utilizados predominantemente identificação projetiva, negação, negação maníaca da realidade, controle onipotente.

Conforme Klein (1948/1991, p. 55):

Cheguei à conclusão de que a ansiedade persecutória se relaciona predominantemente ao aniquilamento do ego; a ansiedade depressiva está vinculada predominantemente ao dano feito aos objetos amados, internos e externos, pelos impulsos destrutivos do sujeito. A ansiedade depressiva tem variados conteúdos, tais como: o objeto bom está ferido, está sofrendo, está num estado de deterioração; transformou-se num objeto mau; está aniquilado, está perdido e nunca mais estará presente. Também concluí que a ansiedade depressiva se acha estreitamente ligada à culpa e à tendência a fazer reparação.

As dificuldades da pessoa em apreender os dados do mundo externo foi descrito por Bion (1955/1991) quando referiu o aparelho da percepção da realidade, o que possibilita que o ego se liberte da sensação de aprisionamento, que na personalidade não psicótica os objetos primitivos são próprios da matéria, dos objetos anais, do sensório, das idéias e do superego.

 

 

C1 (12)

Pela diversidade de estímulos dessa lâmina, ela possibilita a projeção de fantasias orais, anais, genitais, favorecendo a apreciação do tipo de vínculo com o objeto. A cor também nos dá a conotação de calor humano ou agressividade.

Diante dos estímulos dessa lâmina os pacientes manifestaram sentimentos e defesas típicos da constelação esquizoparanóide, como controlar/evitar contato com os conteúdos internos, desorganização interna, como propôs o autor, foi percebida com sentimentos de desconfiança.

Com a análise das histórias, inferiu-se que os pacientes estão fixados na fase oral do desenvolvimento psicossexual.

O equilíbrio adaptativo do ego não pode ser mantido, predominando relações de objeto negativas; a média da pontuação foi igual a 2 pontos. A história relatada por Rose ilustra a dificuldade demonstrada:

Título: A casa bagunçada

Já tô acostumada com o barulho de alarme (comenta sobre o som ouvido fora do consultório). Alguém preparou um jantar ou um café de manhã, e tava com intuito de fazer alguma coisa legal, mas precisou sair às pressas, pôs os pratos de qualquer jeito. A mesa tá posta, mas ao mesmo tempo as cadeiras tão puxadas, ela precisou abandonar o que estava fazendo.

O titulo é Pressa?

Inquérito:

O que aconteceu que ela precisou sair correndo? Uma pessoa precisando de ajuda, um acidente. Aqui tem um observador (apontando para a janela), que pode estar a espera de quem sair.

C2 (11)

Essa lâmina bipessoal desperta temas sobre morte, doença e velhice, sobretudo pela figura de uma cama e cor amarelada. A análise das histórias possibilita verificar se o luto se refere ao passado (objetos primários), presente ou a projetos de vida futuros. Indica a capacidade egóica de reparação do objeto.

Nessa lâmina predominam sentimentos e defesas da posição esquizoparanóide: desejos de controlar a perda, manter o objeto vivo, retaliação do objeto de identificação, fracasso reparatório; esforços defensivos principais como a identificação projetiva, negação, cisão. A elaboração do luto por objetos primários pareceu prejudicada e a média de 2 pontos atribuída indicou fracasso reparatório. O ego não pode lidar na situação de perda de forma mais amadurecida, predominando a hostilidade, como nos mostra a história contada por Isabela:

Título: Parece solidão

(Comentários: Semana que vem eu volto? Não vai me abandonar no meio do caminho).

Pausa

Tem uma pessoa, a porta de um quarto, uma pessoa dormindo e a pessoa que está observando se sente muito sozinha e abandonada.

Inquérito:

Por que está dormindo? Porque está doente.

Por que se sente sozinha a pessoa que está observando? Com receio que esta que está doente parta. Por isso sente-se sozinha e abandonada.

C3 (3)

Essa lâmina mobiliza sentimentos relativos ao conflito edipiano. Apresenta de forma clara e diferenciada três figuras humanas. A cor intrusiva e difusa permite verificar a adaptação dos afetos. Os sentimentos projetados na cena primária permitem inferências sobre partes adultas da personalidade.

Os sentimentos e defesas projetados foram da constelação esquizoparanóide: evitar/controlar cena primária, medo da exclusão associado ao sadismo do par unido, crueldade do superego; a identificação projetiva e a negação dos sentimentos e da realidade foram mobilizados para proteger o ego.

As pacientes Marilda, Rose e Júlia, obtiveram 3 pontos nas histórias contadas. Os pacientes Isabela e João obtiveram 2 pontos. A média de 2,75 mostrou que os sentimentos relacionados ao conflito edipiano são usados com resultante negativa para o ego, pois o mesmo não se mantém com solução neurótica na situação triangular.

A seguinte história ilustra os dois pontos obtidos por João.

Título: Não tem título

Essa figura é assim mesmo? (Virou a lâmina, sorriu.)

Ela é muito abstrata, parece que existe várias formas de vê-las, mas o que vejo de imediato é um homem, ele está fazendo algo, pegando ou dando alguma coisa para um animal, é diferente porque traz algumas cores (virou a lâmina e passou a mão no vermelho). É isso.

Inquérito

Essa tonalidade de vermelho é diferente, um lustre alguma coisa assim.

O homem está sozinho? Não. Ela é muito estranha, doente, mas se ver de outra forma vou perder a imagem principal. Aqui parece uma mulher e aqui, lado esquerdo parece uma pessoa deitada doente. Eu gastaria muito tempo olhando. O homem de costas com o braço estendido querendo tocar num gesto, numa gaiola.

Qual relação? Distantes. É como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra.

Na história relatada por Marilda (3 pontos):

Título: Na mesa de um bar

Hum... Parece dois amigos conversando, tomando um chá, me parece que estão analisando uma outra pessoa que está no balcão comentando sobre a pessoa que também tem uma sombra muito escura.

Parece um rapaz, uma pessoa mais velha, um pai e filho, e começaram a criticar essa pessoa que está em pé, era um jovem, pedindo alguma coisa no balcão, não tinha dinheiro para pagar. Estavam comentando sobre a situação, se a pessoa estava mal vestida e viu uma maçã que estava no balcão que era para fazer um suco, ele pediu a maçã e o rapaz deu. Estavam tomando chá quando é muito raro hoje em dia e comentando que ainda existem pessoas boas neste mundo.

Inquérito:

Analisando esta pessoa? Situação do país, se o rapaz ia ser gentil ou escorraçar o homem.

Devido ao mundo como está, não se sabe se está fazendo um mal ou um bem. Se ela está sendo sincera.

CG (7)

Essa lâmina coloca o grupo diante de um indivíduo com traços de autoridade. Permite a investigação das reações dos pacientes com relação à autoridade interna e externa. Verifica-se o movimento do ego no atendimento das demandas do id e do superego e qual instância triunfa nessa luta. Essa lâmina estimula sentimentos de agressividade e competitividade.

Os pacientes projetaram sentimentos e defesas da constelação esquizoparanóide, como controlar/aplacar impulsos do id e superego; medo do aniquilamento, fragilidade do ego diante de pressões internas e externas; identificação projetiva, negação e idealização. A pontuação dois pontos mostrou que na apreensão dos dados de realidade, autoridade interna e externa fica confundida, aumentando a tensão do ego, como indicada na história de Rose:

Aqui tenho dúvida, não sei se é uma represa ou se é uma estrada. Acho que é uma represa, tem aqui... parece que é uma represa.

Fica num lugar, não é um lugar muito... que foi aproveitada para se transformar numa coisa útil, mas que eu não vejo tanta utilidade, acabou apagando um pouco, ta borrando, é grande mas tem um limite, ela é bloqueada. Às vezes sinto que tem tanta gente que quer ser tanta coisa, é tão grande, mas ao mesmo tempo não pode fazer nada, é tão limitado. Acho que seria uma coisa boa assim, limitação, é grande, mas é fechado, não tem muita vazão, vai transcorrendo como o homem quer... limitação.

Inquérito:

Explique um pouco melhor, o que era grande ficou pequeno...

É uma busca de saber o porque da barreira. O que era grande e forte tornou-se uma casca de ovo.

Lâmina Branca (13)

Essa lâmina é usada como no teste de Apercepção Temática (TAT). A pessoa é convidada a imaginar uma cena. Geralmente a história construída nos dá uma idéia de como seria o "mundo" desejado, formas de obtenção do máximo de gratificação em suas relações objetais e um mínimo de frustração e ansiedade, como ocorreu nas lâminas anteriores (Phillipson, 1981, 1983a, 1983b). Assim como foi analisada a relação transferencial com o psicólogo na lâmina A-1 (1), pode-se aplicar essa mesma análise (Ocampo, 1981; Arzeno, 1983; Silva, 1989).

. Aspectos Manifestos

Diferentemente das demais lâminas que ofereciam estímulos, a interpretação foi realizada sob o ângulo da construção da história como meio de obtenção de máxima gratificação e mínima frustração.

. Sistema Tensional Inconsciente

Dominante

Nesse grupo de pacientes, a pontuação do equilíbrio adaptativo do ego apontou solução psicótica diante do medo da separação do objeto amado. Surgiram desejos de fusão com o objeto e mecanismos defensivos por meio da idealização, como forma de garantir o objeto onipresente, onisciente.

A história relatada por Marilda teve o título, O mundo dos sonhos:

Estou imaginando um céu azul, com arco-íris, muitas pessoas, todo mundo feliz, estão num casamento e tem muita música, as pessoas estão dançando numa fazenda, o ar é puro, cheio de árvores, as pessoas parecem estar apaixonadas, com seus filhos, amando intensamente e respeitando a outra pessoa. Chegaram os noivos, cumprimentaram a todos os convidados, a noiva jogou o buquê e caiu numa senhora que sentiu muito feliz, que deu o buquê para a netinha que era o desejo dela, ver a neta casar e ver seus bisnetos. Os convidados aproveitaram a festa e todos voltaram para casa começando a vida e a rotina novamente.

Deduziu-se que nesse grupo de pacientes o desejo de não se separar do objeto gratificador indicou necessidade de psicoterapia como sendo uma oportunidade de interpretação de seu mundo narcíseo, povoado de angústia paranóide impedido de "ver o outro", de perceber a finitude das situações.

Conjugação dos dados da entrevista e as respostas ao TRO

Nesse segmento apresentamos os dados revelados como significativos pelos pacientes e suas ligações com algumas histórias produzidas diante das lâminas do TRO.

Dados da Entrevista Clínica:

Isabela

Infância: indicou o sentimento de medo em diversas situações, tais como ir para escola e dormir sozinha. Referiu-se a imagem de "histórias horríveis que causavam muito medo". Pensamentos de suicídio e choro compulsivo ao ver armas de qualquer natureza.

Adolescência: marcada por depressão e sentimentos correlatos. No rompimento com o primeiro namorado teve perda do apetite alimentar, perda de peso, transtorno do sono. Referiu-se aos sonhos de um grande romance "como nas revistas e nos filmes". Procurou sortilégios e teve uma profecia ruim "doença mental e acabaria num hospício". A morte prematura da mãe de Isabela levou-a a cuidar dos irmãos menores além de manter trabalho remunerado fora de casa; teve um quadro de estresse. Conserva imagem pouco afetiva dos pais.

Adulta: Casamento mal-sucedido e não correspondente aos seus sonhos da juventude. Relatou que coleciona embalagens pequenas e sem valor. Define-se como uma pessoa cheia de manias, insegura, deprimida e com o "transtorno do pânico, acho que vai acontecer a profecia".

Júlia

Infância: Relatou sobre uma experiência antes dos 4 anos de idade, em que a família passava férias numa casa de campo. A paciente dormia enquanto seus pais nadavam em águas próximas a uma represa; acordou gritando, com choro compulsivo e com sentimentos de que eles se afogavam. Foi cuidada e levada a um hospital próximo pois expelira um verme pela boca.

Adolescência: Antes do término do Ensino Médio, foi acometida pela primeira crise de transtorno de pânico, aguardando resultados de provas; sentiu desfalecimento, sufocamento, hipotermia e taquicardia; conservou brincadeira de boneca até esse período da vida.

Adulta: Mantém relacionamento amoroso estável, vida sexual inativa por crença moral e religiosa; vida familiar sem fortes conflitos, mas é vista como uma pessoa estressada; está afastada do trabalho remunerado pelo transtorno de pânico.

Marilda

Infância: Relatou que até aos 4 anos de idade tinha dificuldades nas relações interpessoais, não reagindo quando agredida; numa festa de confraternização sofreu um acidente com fogo, permanecendo em tratamento hospitalar por 40 dias. Teve conhecimento de problemas ao nascer.

Adolescência: Convive com sentimentos depressivos como outros membros da família; tem hipertensão arterial e "falta de ar". Decepção amorosa estável associada à aprovação no vestibular culminando numa "crise nervosa".

Adulta: Dificuldades em estar sozinha, de deslocamento para lugares distantes e desconhecidos; sensações de "formigamento", hipotermia, dores no peito.

João

Infância: Relatou sérios conflitos familiares como desemprego e desavenças entre os pais. Houve mudança de cidade por volta dos 6 anos de idade motivada pelas condições econômicas; muita dificuldade em ir para a escola (medos).

Adolescência: Recordou-se das primeiras crises do transtorno de pânico, não conseguindo ficar só, participar socialmente de atividades familiares e escolares. À noite, havia amplificação dos sintomas e após esses episódios a depressão se instalava com mais vigor.

Adulto: Convive com os pais, resgatando antigos conflitos. Relatou sobre a necessidade de alguns rituais noturnos, sobre a desconfiança que sente nas relações interpessoais. Mantém atividade profissional com dificuldades.

A paciente Isabela exibiu uma história de vida com sucessivas separações dos primeiros objetos sentidas como abandono. Desde a tenra idade se sentia sozinha e sem afeto por parte dos pais. Na adolescência se aproximou da mãe, situação esta de curta duração, pois ocorreu o falecimento da mãe e Isabela assumiu tarefas domésticas, educação dos irmãos menores e atividade remunerada fora de casa. Por ocasião da entrevista relatou sentir-se desprezada pelo companheiro. O exame das histórias diante do TRO apontou a força dos sentimentos de abandono e da hostilidade e o desejo de estar fundida ao objeto amado para garantir proteção ao seu mundo interno e externo e evitar a frustração na ausência do objeto. A partir das projeções da lâmina A-2 com o título Almas gêmeas, pode-se perceber os prejuízos nas relações interpessoais no "aqui-agora".

O paciente João revelou conflitos familiares intensos na infância e adolescência e indicou os primeiros sintomas do Transtorno do Pânico aos 13 anos de idade. Recordou-se da aflição sentida desde aquela época de sua vida não tolerando ficar só. As relações interpessoais descritas e sentidas com pouco afeto ficaram evidenciadas em suas histórias e com o comentário feito por ele: "Faltam cores." Nas lâminas da série B, João teve pouco sucesso ao enfrentar o clima de ameaça e indiferença suscitado pelos conteúdos demonstrando partes frágeis de seu ego e sua suscetibilidade aos sentimentos de exclusão, rejeição e desproteção.

A paciente Júlia referiu-se a dificuldades de separações e enfrentar a ausência dos objetos de amor desde a mais tenra idade preocupando seus familiares com intensas fantasias de morte. Por ocasião da entrevista, relatou sobre sua dependência de outras pessoas e suas solicitações em "ser acompanhada" em diferentes locais. Fica impedida de sair sozinha e realizar atividades distantes do lar. Sua história contada diante da lâmina A-3 relaciona-se diretamente a uma situação real vivida pela paciente na infância.

A paciente Marilda recordou-se de dificuldades de separação desde muito jovem. Apresenta sentimentos depressivos como outros membros da família. Relações interpessoais com prejuízos a acompanham em todas as fases do desenvolvimento. Revelou aspectos sintomatoformes no transtorno de pânico denominado por ela com sendo "crise nervosa". Em suas histórias um ou mais personagens indica sentimento depressivo ou portador de uma doença não curável.

A paciente Rose elegeu a separação dos pais, ocorrida quando a mesma contava com 2 anos e meio de idade, como sendo o fato mais importante de sua vida. Recordou-se das lamentações e queixas da mãe sobre a desvalorização da figura paterna. Relatou sobre as visitas ao pai durante a infância ouvindo queixas deste em torno de má conduta moral da ex-esposa.Tempos após o falecimento da mãe, Rose a substituiu em suas funções exercidas no templo religioso e esse fato foi evocado pela lâmina A-G. Na situação colocada na lâmina B-2 houve manifestação das dificuldades na internalização de um par parental amoroso impedindo a construção e reconstrução de vínculos mais amorosos e positivos. Apontou prejuízos em suas relações interpessoais com forte dependência de acompanhantes em suas atividades de rotina.

 

Conclusão

De acordo com Ocampo (1981), Arzeno (1983) e Grassano (1996), o TRO utiliza situações de relações objetais de um, dois, três e vários personagens (grupo), como matrizes nas quais se realizam a aprendizagem de relações interpessoais e que são o núcleo de relações objetais no presente. Pode-se observar, com base na escala Classificação e Seriação do Equilíbrio adaptativo no TRO (Rosa, 1995), ilustrados pelas Figuras 1 a 4, que os pacientes obtiveram as médias 2,4 para as lâminas que evocam situações de uma pessoa, ou seja, da pessoa consigo mesma; 2,9 para as lâminas que suscitam respostas relativas ao par que a pessoa tem internalizado; 2,9 para as lâminas de 3 pessoas, que tratam da situação triangular e 2,7 nas lâminas que evocam situações do indivíduo em relação ao grupo.

Os resultados mostraram que o equilíbrio adaptativo do ego desses pacientes não se manteve na lâmina unipessoal (A-1, B-1 e C-1). O sentimento de estar só consigo mesmo, o enfrentamento da situação de solidão e a separação dos primeiros objetos movimentam o self e o ego para o desejo de fundir-se ao objeto presente e concreto.Nesse sentido, Gabbard (1998) descreveu relatos de pacientes indicando sensações de morte iminente, medo de perder o amor do objeto e o próprio objeto além da presença da ansiedade de desintegração. Caetano (1987) valendo-se da mitologia grega do deus Pã desvela as sensações de pânico, susto e medo apontados pelos pacientes na crise do pânico. Observou-se uma sutil melhora nos resultados referentes às lâminas de duas e de três pessoas. Isso nos leva a pensar que os pacientes com transtorno de pânico não toleram a separação do objeto amado e têm mais dificuldade na elaboração de lutos reais ou fantasiados, apresentando, diante dessas situações, tendência à regressão para a posição viscocárica (Bleger, 1977). Nessa mesma linha de compreensão, Sarvasi (2000) inferiu que, durante o processo de psicoterapia, ocorre forte regressão às fases mais arcaicas do desenvolvimento do ego oscilando entre as posições esquizoparanóide e depressiva e estados de simbiose com o objeto amado.

Os sentimentos constituem uma organização psicológica de forças poderosas que estão localizadas no aparelho psíquico, ego, id e superego. Verificamos neste trabalho, por meio das histórias contadas pelos pacientes a partir das lâminas do TRO, que os sentimentos como medo, angústias, sensações de persecutoriedade, depressão e confusão, são mecanismos de defesa para a avaliação do equilíbrio adaptativo do ego (Rosa, 1995). Quando essas forças estão em descontrole aparece a ansiedade e, quando patológica, desequilibra a força mediadora que é o ego, conseqüentemente interferindo nas funções do ego. Há indícios de regressão do ego a um núcleo enviscado, conforme descrito por Sarvasi (2000).

Os pacientes com transtorno de pânico freqüentemente necessitam da associação de medicamentos e psicoterapia. Mesmo quando os sintomas são controlados precisam da intervenção psicológica para superar o medo e gradativamente retornar as atividades que desempenhavam antes do aparecimento dos sintomas.

As observações teóricas relacionadas por Gabbard (1998) apontaram a importância para o exame etiológico da ansiedade em seus determinantes, múltiplos aspectos psicológicos. A avaliação de uma hierarquia evolutiva da ansiedade desde um nível mais maduro (proveniente do superego), até um nível mais primitivo, como resultante da posição esquizoparanóide amplia a compreensão desses pacientes.

Acrescentamos que houve manifestação da posição gliscrocárica (Bleger, 1977), denominada viscocárica (Rosa, 1995) de acordo com os resultados encontrados no presente estudo.

O modelo teórico psicanalítico postulado por Freud e seus seguidores acerca da ansiedade oferece suporte na compreensão desses estados.

O uso do Teste das Relações Objetais de Phillipson (TRO), como técnica projetiva, possibilitou a validação do mesmo no psicodiagnóstico de pacientes com Transtorno de Pânico, bem como a construção de estratégias para o desenvolvimento e acompanhamento psicoterapêuticos, com vistas à melhora dos sintomas e da capacidade adaptativa.

Nas histórias relatadas às lâminas da série A, constatou-se que esses pacientes não mantêm o equilíbrio adaptativo do ego diante da separação do objeto amado, mobilizando desejos, sentimentos e defesas típicas da constelação esquizoparanóide e apresentando indícios de recuo à posição viscocárica. A elaboração da perda e os lutos primários ficaram comprometidos pelo domínio da hostilidade.

Nas histórias relatadas às lâminas da série B, constatou-se medo do abandono, sentimentos de insegurança e desconfiança no mundo interno e externo, avivando o desejo de manter-se ligado aos primeiros objetos.

A síntese dos aspectos emocionais na distribuição da hostilidade e do calor humano, evocado por meio da série C, indicou distorções na apreensão da realidade. A falta de inibição da agressividade interrompe o processo normal de reparação do objeto.

A angústia ficou mais intensa diante da diminuição do número de personagens oferecidos pelas lâminas A-1, B-1 e C-1, ou seja, o sentimento de estar só aumenta a dor psíquica.

A análise da relação transferencial inferida por meio das histórias relatadas às lâminas A-1 (1) e Branca (13) confirmou a dificuldade de separação dos primeiros objetos amados, portanto há necessidade de planejamento de psicoterapia de orientação psicanalítica. A forma do melhor tipo de atendimento psicológico (individual ou de grupo) exige mais estudos com esse tipo de população.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Av. Lino Jardim, 967. CEP 09041-030 - Jd. Bela Vista - Sto. André, SP

Encaminhado em 09/06/04
Revisado em 27/07/04
Aceito em 04/08/04

 

 

Sobre os autores:

1 Jussara Cristina Van De Velde Vieira da Silva: Doutora em Ciências da Religião (Umesp); Mestre em Psicologia da Saúde (Umesp); Psicóloga Clínica e Membro Associado da Associação de Psicoterapia e Estudos Psicanalíticos (Apep), Santo André, São Paulo.
2 José Tolentino Rosa: Doutor em Psicologia; Professor do Programa de Graduação e Pós-graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Psicólogo Clínico; Membro Honorário da Apep.
3 Isabel Cristina Malischesqui Paegle: Psicóloga Clínica; Membro Associado da Apep.
4 Marlene Aparecida Satalo Braunholz: Psicóloga Clínica; Membro Associado da Apep.
5 Maryrose Fernandes Bolgar: Psicóloga Clínica; Membro Associado da Apep.