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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.7 n.1 São Paulo jun. 2006

 

RESENHA

 

Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental

 

 

Monalisa Muniz Nascimento1

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 

Valladares, A. C. A. (Org.) (2004). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, p. 209.

A Reforma Psiquiátrica no Brasil e no mundo trouxe e traz mudanças na percepção e intervenção dos profissionais da saúde em relação à doença e ao doente mental. A Reforma tem como base a reabilitação psicossocial da pessoa com sofrimento mental, propondo práticas mais humanizadas que visam à reintegração desse indivíduo à sociedade. A arteterapia e outras técnicas expressivas são consideradas intervenções importantes dentro desse novo enfoque mais humano.

O livro "Arteterapia: no novo paradigma de atenção em saúde mental", organizado por Ana Cláudia Afonso Valladares, tem a finalidade de mostrar ao leitor a importância da arteterapia e de outras técnicas expressivas para a reabilitação psicossocial da pessoa com sofrimento mental. Procurando contextualizar o leitor tanto no que se refere à historicidade e às mudanças na área da doença mental, quanto no que se relaciona às técnicas expressivas, em especial a arteterapia, o livro é dividido em dez capítulos, cada qual escrito por autores diferentes, que contribuem com seus saberes teóricos e práticos.

O primeiro capítulo, intitulado "O cuidado em saúde mental no contexto da reforma psiquiátrica" escrito por Luciane Prado Kantorski, retoma os dados históricos que desencadearam o atual contexto da área da saúde mental propiciados pela Reforma Psiquiátrica. A autora também propõe uma reflexão sobre a reabilitação psicossocial, argumentando que o sofrimento mental é mais um dado na história do sujeito, de tal forma que faz-se necessário levar em consideração toda história de vida que essa pessoa já construiu. O sofrimento mental tem que ser adaptado à essa história que é composta de relações sociais.

O autor Thomas Josué Silva escreveu o capítulo dois, "Caleidoscópias narrativas: a outra desinstitucionalização da loucura", narrando sua experiência de trabalho com doentes mentais em um atelier de expressão, ou seja, expressões por meio de desenhos, modelagem em argila, bordados, entre outras técnicas manuais. O objetivo do capítulo é atentar para a importância dos trabalhos de reabilitação, como o atelier de expressão, fora da institucionalização e também mostrar que essas técnicas expressivas explicitam o diálogo entre a pessoa com sofrimento mental e suas angústias, seu mundo social e sua biografia. No entanto, esse diálogo não deve ser visto apenas como um diagnóstico clínico, pois ele é uma forma de compreender a pessoa com sofrimento mental como um todo, ou seja, nas suas esferas biológicas, psicológicas e sociais.

"Da vida sem arte à arte como promoção da vida: momentos da arte na psiquiatria", é o título do capítulo três de Cláudia Mara de Melo Tavares que discorre sobre três formas de perceber a arte como técnica de intervenção para o tratamento do doente mental. A primeira, que a autora chama de arte hospitalizada, tem a função de combater a ociosidade dos internados, até mesmo propondo atividades laborais para a manutenção das instituições, ou seja, colocar esses internos para trabalhar em serviços, como por exemplo a limpeza do hospital. O segundo tipo de concepção vem em decorrência da Reforma Psiquiátrica nas oficinas dos Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), fora de hospitais, nas quais a arte é vista como um instrumento de enriquecimento dos sujeitos, valorização de expressão e descobertas de potenciais singulares. Já a terceira maneira de perceber a arte é usando-a para tornar esses indivíduos com sofrimento mental ativos no mundo social, possibilitando ações e reinvenção do cotidiano.

O quarto capítulo é de autoria de Denize Bouttelet Munari e chama-se "Arte, arteiros e artistas: uma reflexão acerca da arte como instrumento de cuidado humano em saúde mental". Embasada em suas práticas profissionais em hospitais psiquiátricos, a autora discute sobre a função da arte, justificando que além de permitir que os doentes se expressem livremente e de modo criativo, também possibilita uma comunicação melhor entre paciente e profissional. Mas, para isso, o profissional precisa perceber o paciente de maneira mais global (bio-psico-social), tendo um olhar mais humano e menos acadêmico e não apenas rotulá-lo e diagnosticá-lo. Ainda para a autora é imprescindível que haja profissionais capacitados para intervir com essas técnicas expressivas, sendo elas têm como o propósito a aproximação do indivíduo doente ao mundo social. A autora também ressalta que é preciso mudar o modo de ver, sentir e agir com o sofrimento mental e que o profissional faz parte do processo de reabilitação, não podendo atuar apenas como um mero observador.

Com vistas a responder sobre qual o papel das técnicas expressivas, especialmente da arteterapia, nesse novo contexto de acesso, qualidade e humanização de atenção à saúde mental. Ângela Philippine elaborou o capítulo "Arteterapia e outras terapias expressivas no novo paradigma de atenção em saúde mental". Fundamentada pela teoria Junguiana, a autora, que também é arteterapeuta, pontua a importância da arteterapia para a compreensão e para o tratamento do doente mental, apresentando também como o arteterapeuta deve agir nessas intervenções.

O sexto capítulo, intitulado "A arteterapia e a reabilitação psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico" é de autoria de Ana Cláudia Afonso Valladares. O manuscrito procura esclarecer e contextualizar o leitor, de forma breve e clara, sobre o que é arteterapia, qual a trajetória dessa técnica expressiva, quais as modalidades de arteterapia existentes, em quais contextos ela é utilizada, qual o público alvo da arteterapia, e os princípios norteadores da arteterapia na reabilitação psicossocial.

"Arte por dentro e por fora: da implantação à consolidação do projeto arteterapia" é o título do capítulo sete, elaborado por Carmem Lúcia Albuquerque de Santana. A autora relata como surgiu o Projeto Arteterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O projeto já existe há seis anos, com diversos tipos de atividades e pesquisas em andamento, assim como há três anos é exibida anualmente uma exposição para a comunidade dos trabalhos realizados no ateliê terapêutico pelos pacientes. A autora relata que a implantação do projeto foi possível, pois se pode mostrar com dados empíricos por meio de uma pesquisa realizada, também descrita no capítulo, a melhora clínica dos pacientes que fazem arteterapia.

As dinâmicas das sessões de arteterapia também foram abordadas no livro. O capítulo oito, intitulado "Saúde mental: uma vivência de arte e criatividade", escrito por Flora Elisa de Carvalho Fussi, além de reforçar a idéia da necessidade de compreender a pessoa com sofrimento mental como bio-psico-social e ter uma relação horizontal com ele, ou seja, sem haver superioridade, também descreve algumas dinâmicas ocorridas durante as sessões de arteterapia administradas por ela. Nesses relatos das sessões, a autora mostra como ela conduz uma sessão mediante as emoções que vão surgindo dos pacientas, assim como narra as modificações que ocorrem nos sentimentos. O capítulo traz reflexões sobre a eficácia da arteterapia para a reestruturação emocional desses indivíduos.

Sinval Avelino dos Santos escreveu o capítulo nove, "Atividade física: viabilidades e parcerias no contexto da saúde mental". Nesse capítulo, a técnica expressiva abordada é a atividade física, vista também como uma facilitadora do processo de reabilitação do indivíduo com sofrimento mental, que está alicerçada na visão do indivíduo como um todo (bio-psico-social). O autor faz um levantamento bibliográfico argumentando e pontuando os benefícios ocasionados aos doentes mentais em decorrência da atividade física. Como um dos exemplos, cita que atividades aeróbicas agem como antidepressivos em indivíduos que estão na fase inicial de um quadro depressivo. Posteriormente apresenta uma pesquisa que realizou para compreender melhor essa técnica da atividade física como recurso terapêutico ao paciente internado. Outro objetivo da pesquisa foi entender o que os profissionais da saúde que trabalham com esse tipo de população pensam a respeito da atividade física.

O décimo capítulo que fecha o livro é intitulado "Musicoterapia e saúde mental: um longo percurso" de autoria de Cláudia Regina de Oliveira Zanini. Esse capítulo trata especificamente da musicoterapia na saúde mental, também como uma técnica expressiva facilitadora do processo de reabilitação psicossocial. Para procurar mostrar a dimensão da importância dessa técnica, a autora retoma a historicidade da música associada à sua função terapêutica e ressaltando que, apesar de advir de uma longa história, a musicoterapia é uma ciência em emergência. A autora também relata a formação, o papel e as áreas de atuação, principalmente em saúde mental, dos musicoterapeutas.

Os dez capítulos do livro apresentam uma escrita de fácil compreensão, procurando ressaltar o novo paradigma para a área saúde mental proposto na Reforma Psiquiátrica, a qual enfatiza principalmente a humanização dessa área. Dessa forma, o livro é indicado não apenas para profissionais que atuam na área da saúde mental com técnicas expressivas. Qualquer pessoa que queira se interar melhor sobre esse novo contexto da saúde mental encontrará informações e reflexões interessantes sobre o assunto.

 

 

Endereço para correspondência
Rua Vicente José Alberti, 150 - Centro
13900-000 Amparo - SP

Recebido em: fevereiro/2006
Aprovado em: maio/2006

 

 

Sobre a autora:

1 Monalisa Muniz Nascimento é psicóloga e mestre em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco.