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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.7 n.2 São Paulo dez. 2006

 

ARTIGOS

 

Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras: normatização e validação

 

Word and Pseudoword Reading Competence Test: standardization and validity

 

Test de competencia de lectura de palabras y pseudopalabras: baremación y validación

 

 

Fernando César Capovilla I, 1; Cristina Varanda II, 2; Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla III, 3

I Universidade de São Paulo
II Secretaria Municipal da Educação do Município de Santos
III Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras e Pseudopalavras (TCLPP) avalia processos de reconhecimento e decodificação na leitura silenciosa de itens isolados. O padrão de resposta permite identificar o estágio de desenvolvimento da leitura ao longo das etapas logográfica, alfabética e ortográfica. Este estudo objetivou derivar tabelas de dados normativos para o TCLPP e seus sete subtestes, bem como correlacionar os desempenhos no TCLPP, em termos de escore total e em cada subteste, com Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças, Teste de Vocabulário por Figuras USP e Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral. Participaram 725 estudantes de 1ª a 3ª séries do ensino fundamental. Os escores total e em cada subteste do TCLPP aumentaram de forma significativa ao longo das três séries escolares. Houve também correlações positivas significativas entre escores no TCLPP e nos demais testes, evidenciando a validade do teste para essa faixa de escolaridade.

Palavras-chave: Leitura, Avaliação, Vocabulário, Fonologia.


ABSTRACT

Word-Pseudoword Reading Competence Test (WPRCT) evaluates visual recognition and decoding processes during silent reading of isolated items. Error distribution among seven subtests permits classifying reading development in terms of logographic, alphabetical and orthographic stages. This standardization study was conducted with 725 elementary school students from 1st to 3rd grades. Besides producing normative data for WPRCT and its seven subtests, this study also assessed intercorrelation patterns involving scores in WPRCT, in its seven subtests, and in three other instruments: Sentence Reading Comprehension Test, University of São Paulo Picture Vocabulary Test, and Phonological Awareness test. Results showed significant increases in WPRCT scores as well as in its seven subtest scores as a function of school grade. Pairwise comparisons revealed that scores increased systematically from 1st grade to 3rd grade. There were also positive intercorrelations involving WPRCT and all three tests. This study corroborated WPRCT validity for assessing reading competence from 1st-3rd elementary school grades.

Keywords: Reading, Assessment, Vocabulary, Phonology.


RESUMEN

El test de Competencia de Lectura Silenciosa de Palabras y Pseudopalabras (TCLPP) evalúa procesos de reconocimiento y decodificación en la lectura silenciosa de ítems solitarios. El patrón de respuesta permite identificar el período de desarrollo de la lectura a lo largo de las etapas logográfica, alfabética y ortográfica. Este estudio ha tenido como objetivo obtener tablas con datos de baremación para el TCLPP y sus siete sub-tests, así como correlacionar los desempeños en el TCLPP, en el escore total y en cada sub-test, con el Test de Comprensión de Lectura se Sentencias, Test de Vocabulario por Figuras USP y Prueba de Consciencia Fonológica por Producción Oral. Han participado 725 estudiantes del primero al tercero grado de enseñanza primaria. Los escores total y en cada sub-test del TCLPP han aumentado significativamente a lo largo de los tres grados escolares. También ha habido correlaciones positivas y significativas entre escores en el TCLPP y los demás tests, mostrando la validez del test para esas escolaridades.

Palabras clave: Lectura, Evaluación, Vocabulario, Fonología.


 

 

Introdução

O modelo de desenvolvimento da linguagem escrita de Frith (1990) identifica três estágios na alfabetização, durante os quais se desenvolvem diferentes rotas ou estratégias de leitura. No primeiro, o logográfico, desenvolve-se a estratégia logográfica. A criança faz reconhecimento visual direto de certas propriedades gerais da palavra escrita com base no contexto, na forma e na cor, mas não atenta à composição precisa das letras que formam a palavra, exceto usualmente pela primeira letra. Por exemplo, se forem trocadas as letras D por B, N por M, e D por P na palavra escrita McDonald's, a criança não tenderá a notar a troca, desde que haja arcos dourados sobre fundo vermelho. A criança trata as palavras escritas como se fossem desenhos e só consegue reconhecer palavras com as quais está bastante familiarizada, sendo incapaz de penetrar na composição grafêmica das palavras ou de ler palavras novas. Tal leitura de natureza icônica e ideográfica limita-se ao reconhecimento do aspecto geral de palavras muito familiares.

No segundo estágio, o alfabético, desenvolve-se a rota ou estratégia fonológica. A criança aprende a fazer decodificação grafofonêmica e passa a decodificar pseudopalavras e palavras novas, cuja forma ortográfica ainda não é familiar. Contudo, a criança só pode ter sucesso no uso dessa estratégia se dominar a habilidade de decodificação grafofonêmica e se as palavras a serem lidas forem grafofonemicamente regulares, de modo que a imagem fonológica resultante da decodificação soe familiar à criança, como mais uma das palavras conhecidas já armazenadas em seu léxico auditivo lingüístico (isto é, léxico fonológico). A decodificação de palavras grafofonemicamente irregulares tende a produzir erros de regularização fonológica e falhas de compreensão de leitura. Crianças com dislexia fonológica mostram grande dificuldade em empreender decodificação grafofonêmica competente, o que ocorre em 67% dos casos de dislexia do desenvolvimento (F. Capovilla & Capovilla, 2004), e usualmente tentam adivinhar o que está escrito, cometendo freqüentes paralexias.

No terceiro estágio, o ortográfico, desenvolve-se a rota ou estratégia lexical. A criança aprende a ler lexicalmente, fazendo reconhecimento visual direto da forma ortográfica das palavras, e torna-se capaz de ler palavras grafofonemicamente irregulares, não mais cometendo erros de regularização grafofonêmica, desde que as palavras a serem lidas sejam comuns e familiares para a criança. Crianças com dislexia morfêmica têm dificuldade em fazer esse reconhecimento visual direto da forma ortográfica das palavras, o que ocorre em cerca de 10% dos casos de dislexia.

Para Frith (1990), a dislexia do desenvolvimento pode ser compreendida como uma espécie de interrupção na progressão de uma a outra fase ao longo do desenvolvimento da leitura. Tal interrupção pode ocorrer já na passagem do estágio logográfico para o alfabético, como na dislexia fonológica; ou apenas na passagem do alfabético para o ortográfico, como na assim chamada da dislexia morfêmica. A dislexia fonológica constitui um distúrbio de desenvolvimento propriamente dito, caracterizado por disfunção fonológica com substrato constitucional definido. Já a dislexia morfêmica constitui apenas atraso de desenvolvimento e não distúrbio, e seu prognóstico é consideravelmente melhor (Capovilla & Capovilla, 2004).

O Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras (TCLPP: Capovilla & Capovilla, 2004; Capovilla & Capovilla, 2001) avalia o estágio de desenvolvimento da leitura ao longo das etapas logográfica, alfabética e ortográfica de crianças em idade escolar. Trata-se de instrumento psicométrico e neuropsicológico cognitivo. Como teste psicométrico, é acompanhado de tabelas de normatização que permitem avaliar o grau de desvio entre o padrão de leitura de um examinando e o de seu grupo de referência conforme idade e nível de escolaridade. Como teste neuropsicológico cognitivo, permite interpretar o padrão de leitura específico de uma criança segundo modelo cognitivo de desenvolvimento de leitura e escrita, e inferir o estágio de desenvolvimento (isto é, logográfico, alfabético, ortográfico) dessa criança, bem como as estratégias de leitura (isto é, ideovisual ou logográfica, perilexical ou fonológica, lexical) que prevalecem em seu desempenho. Fornece visão integrada e aprofundada do grau de desenvolvimento e preservação dos diferentes mecanismos, rotas e estratégias envolvidos na leitura competente, lançando luz sobre a natureza da dificuldade específica do examinando.

O TCLPP é composto de 78 itens (oito de treino e 70 de teste), cada qual composto de figura e elemento escrito, que pode ser palavra ou pseudopalavra. Pseudopalavras são seqüências de caracteres que compõem um todo pronunciável, mas carente de significado. A escrita é apresentada em maiúsculas para permitir manipular o efeito da similaridade visual. A tarefa é circundar os itens corretos e cruzar (isto é, assinalar com um "X") os incorretos, ou seja, aqueles em que há disparidade semântica entre figura e elemento escrito ou incorreção ortográfica na escrita.

O TCPP contém sete subtestes, cada qual com dez itens, todos distribuídos aleatoriamente no teste: 1) Aceitação de palavras corretas regulares (CR): palavras ortograficamente corretas, semanticamente corretas e grafofonemicamente regulares, a serem aceitas, como a palavra escrita FADA sob a figura de fada; 2) Aceitação de palavras corretas irregulares (CI): palavras ortograficamente corretas, semanticamente corretas e grafofonemicamente irregulares, a serem aceitas, como a palavra escrita TÁXI sob figura de táxi; 3) Rejeição de palavras vizinhas semânticas (VS): palavras ortograficamente corretas, mas semanticamente incorretas, a serem rejeitadas, como a palavra escrita CACHORRO sob figura de rato; 4) Rejeição de pseudopalavras vizinhas visuais (VV): pseudopalavras ortograficamente incorretas, com trocas visuais, a serem rejeitadas, como a pseudopalavra escrita CAEBÇA sob figura de cabeça; 5) Rejeição de pseudopalavras vizinhas fonológicas (VF): pseudopalavras ortograficamente incorretas, com trocas fonológicas, a serem rejeitadas, como a pseudopalavra escrita MÁCHICO sob figura de mágico; 6) Rejeição de pseudopalavras homófonas (PH): Pseudopalavras ortograficamente incorretas a serem rejeitadas, embora homófonas a palavras semanticamente corretas, como a pseudopalavra escrita PÁÇARU sob figura de pássaro; 7) Rejeição de pseudopalavras estranhas (PE): pseudopalavras ortograficamente incorretas e estranhas, tanto fonologicamente quanto visualmente, a serem rejeitadas, como a pseudopalavra escrita XUNVACO sob figura de sanfona.

Os pares figura-escrita compostos de palavras ortograficamente corretas e semanticamente corretas, tanto grafofonemicamente regulares (CR) quanto irregulares (CI), devem ser aceitos (isto é, circulados com lápis), ao passo que os pares compostos de palavras com incorreção semântica (VS) ou de pseudopalavras (VV, VF, PH, PE) devem ser rejeitados (isto é, cruzados com "X"). O padrão de distribuição dos tipos de erros revela a natureza específica do processamento cognitivo do examinando e indica as estratégias de leitura que ele consegue usar e aquelas com que tem dificuldade. Assim, esse padrão tem elevado valor informativo para caracterizar a natureza particular da dificuldade de leitura de um determinado examinando.

O erro de rejeitar pares com palavras corretas irregulares (CI) pode indicar dificuldade com o processamento lexical ou falta dele. O erro de deixar de rejeitar pseudopalavras homófonas (PH) também pode indicar dificuldade no processamento lexical, porém em nível mais acentuado, com uso exclusivo da rota fonológica. O erro de deixar de rejeitar pseudopalavras com trocas fonológicas (VF) pode indicar que a criança está tentando ler exclusivamente pela rota fonológica, ou seja, pela decodificação grafofonêmica estrita, sem fazer uso da rota lexical, mas com o agravante de dificuldades com o processamento fonológico. O erro de deixar de rejeitar palavras semanticamente incorretas (VS) indica que a criança não está fazendo acesso ao léxico semântico. O erro de deixar de rejeitar pseudopalavras com trocas visuais (VV) pode indicar dificuldade com o processamento fonológico e recurso à estratégia de leitura logográfica. Finalmente, o erro de deixar de rejeitar pseudopalavras estranhas (PE) pode indicar sérios problemas de leitura (com ausência de processamento lexical, fonológico e, mesmo, logográfico) ou de atenção.

Devido às relações intrínsecas aos sete tipos de pares figura-escrita, é possível fazer checagem das conclusões e validação cruzada das evidências fornecidas em cada tipo de par figura-escrita do TCLPP. Este estudo oferece tabelas de dados normativos para o TCLPP e seus sete subtestes, bem como dados de validação do TCLPP e de seus subtestes por comparação com quatro testes de compreensão de leitura de sentenças, vocabulário auditivo e consciência fonológica por produção oral.

 

Método

Participantes

Participaram 725 alunos (362 meninos e 363 meninas) de 1ª a 3ª séries (ou 2º ao 4º ano, na nova nomenclatura, segundo Lei Federal 10.172/2001 do Plano Nacional de Educação), dos quais 275 da 1ª série (132 meninos e 143 meninas) com idade média de 7 anos e 7 meses (variando de 6 anos e 10 meses a 12 anos e 7 meses, com DP de 8 meses); 213 da 2ª série (115 meninos e 98 meninas) com idade média de 8 anos e 8 meses (variando de 7 anos e 10 meses a 13 anos e 2 meses, com DP de 9 meses); e 237 da 3ª série (115 meninos e 122 meninas) com idade média de 9 anos e 7 meses (variando de 8 anos e 10 meses a 13 anos e 5 meses, com DP de 9 meses). Tais dados encontram-se sumariados na Tabela 1.

A escola municipal avaliada situa-se na periferia do município de Santos, SP, e atende apenas alunos de 1ª a 4ª séries. O alunado é oriundo de famílias de baixa renda compostas em sua maioria de pais analfabetos que sobrevivem de subemprego. Freqüentemente, os pais trabalham como pintor, pedreiro, catador e vendedor de latinhas e papelão; e as mães, como empregadas domésticas ou diaristas. Grande parte dos alunos tem pais separados e convivem com cinco a seis irmãos. Devido à indefinição do pátrio poder, as crianças mudam da casa do pai para a mãe, e vice-versa, o que resulta em alto número de transferências.

 

 

Há muitos casos de alunos oriundos de famílias com pais alcoólatras, usuários de drogas, com envolvimento na criminalidade e tráfico de drogas. Há também casos de crianças molestadas, violentadas por pais, padrastos e outros. Algumas mães são vitimadas pelos companheiros. O lazer desse alunado consiste em brincar na rua, jogar bola, andar de bicicleta, assistir televisão ou nadar na maré. Alguns alunos freqüentam um centro de convivência mantido pela prefeitura, que atende crianças de 6 anos em diante em horário complementar ao da escola. Nenhum dos alunos avaliados participa de qualquer projeto oferecido pela Secretaria Municipal de Educação na área da alfabetização. Todos encontravam-se regularmente matriculados em classes comuns.

Cerca de 15% do alunado avaliado reside no Morro do Ilhéu Alto e Baixo, um conjunto de apartamentos com instalações satisfatórias; 30% residem na Vila Telma e Mangue Seco, em palafitas sem saneamento básico e com iluminação clandestina. Os alunos que residiam nas cercanias da unidade escolar moram em palafitas e somente alguns em casa de alvenaria. Os alunos do Ilhéu Alto, Baixo, Vila Telma e Mangue Seco fazem uso do transporte escolar cedido pela Prefeitura, totalizando 350 alunos atendidos por dia.

Segundo dados oficiais do Ministério da Educação (2005), no sítio do Sistema de Avaliação de Ensino Básico (Saeb) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2004, a escola municipal avaliada neste estudo teve aprovação de 88,2% (contra 91,1% do município de Santos, 90,5% do estado de São Paulo e 84,4% do Brasil), reprovação de 11,1% contra 8,3% do município, 8,7% do estado e 11,2% (do Brasil), e evasão de 0,7% (contra 0,6% do município, 0,8% do estado e 4,4% do Brasil). Portanto, a escola tem aprovação inferior às médias municipal e estadual, mas superior à média brasileira; reprovação superior às médias municipal e estadual, mas praticamente equivalente à brasileira; e evasão levemente superior à média municipal, levemente inferior à estadual e bem inferior à brasileira.

Segundo o mesmo sítio do Saeb, em 2005, a escola teve em média 4,8 horas-aula, que é idêntica à municipal mas levemente superior à estadual de 4,7 horas, e superior à brasileira de 4,3 horas e tem 72,7% de docentes com curso superior, menor que os 85,7% do município, semelhante aos 72,6% do estado e bem maior que os 56,8% do Brasil. Sua distorção série-idade (19 unidades) é maior que a do município (13,5 unidades) e do estado (11,1 unidades), mas menor que a do Brasil (27 unidades). Em língua portuguesa, a 4ª série dessa escola obteve média de 158,3 pontos. Tal pontuação foi inferior às médias das escolas estaduais no Brasil (176,1 pontos), das escolas municipais no Brasil (171,09 pontos) e ao total das escolas brasileiras (172,9 pontos). Tal pontuação também foi inferior às médias das escolas estaduais no estado de SP (180,1 pontos), das escolas municipais no estado de SP (176,6 pontos), e ao total das escolas no estado de SP (178,2 pontos). Tal pontuação também foi inferior às médias das escolas estaduais no município de Santos (164,2 pontos), das escolas municipais naquele município (169,4 pontos) e ao total das escolas naquele município (169,3 pontos).

Instrumentos

1) TCLPP: Teste de Competência de Leitura Silenciosa de Palavras e Pseudopalavras

Esse teste já foi descrito na Introdução.

2) TCLS1.1: Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças

O Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças (TCLS: Capovilla e cols., 2005) permite avaliar a compreensão de leitura de sentenças. Contém seis itens de treino e 40 itens de teste. Cada item é composto de uma sentença escrita, seguida de cinco figuras alternativas de escolha. A tarefa consiste em ler a sentença e escolher, assinalando, a figura que melhor corresponde a ela. As sentenças escritas têm extensão (isto é, número de palavras) e complexidade sintática e lexical (isto é, estrutura gramatical e variedade de palavras) crescentes.

Um bom desempenho no teste indica boa compreensão de leitura, com boas habilidades de reconhecimento visual de palavras e decodificação de palavras, bom vocabulário de leitura, boas habilidades de análise sintática e de síntese semântica e boa memória de trabalho. Entretanto, um desempenho insatisfatório pode decorrer de uma série de fatores, que requerem análise ulterior. Tais fatores podem envolver habilidades lingüísticas gerais relacionadas à compreensão de linguagem primária (isto é, compreensão de fala em Português), que são anteriores às habilidades lingüísticas secundárias relacionadas à compreensão da linguagem escrita, as quais são específicas à leitura.

3) TVF-Usp1.1: Teste de Vocabulário por Figuras USP

O Teste de Vocabulário por Figuras USP (TVF-Usp1.1: Capovilla & Prudêncio, no prelo) avalia o vocabulário auditivo em crianças em idade escolar, por meio da escolha de figuras. Seus resultados podem ser interpretados como indicativos do rendimento e aptidão escolástica. O teste consiste em um caderno de prova com 139 itens de teste e cinco itens de treino e produz um escore geral do vocabulário receptivo auditivo em Português que indica quão bem o examinando ouvinte compreende palavras do Português. A cada item, o avaliador pronuncia uma determinada palavra e os examinandos escolhem, entre quatro figuras alternativas aquela que corresponde à palavra falada pelo avaliador. Seu correspondente em Libras para surdos é o Teste de Vocabulário Receptivo de Sinais da Libras (TVRSL1.1: Capovilla e cols., 2004a).

4) PCF-O: Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral

A Prova de Consciência Fonológica Oral ou PCF Oral (Capovilla & Capovilla, 2004a) avalia a habilidade das crianças de manipular os sons da fala. É composta por dez subtestes, sendo cada um deles composto por quatro itens. Cada subteste é composto ainda por dois exemplos iniciais em que o aplicador explica à criança o que deve ser feito e a corrige caso sua resposta seja incorreta. Os dez subtestes são: 1) Síntese Silábica: a criança une as sílabas faladas pelo avaliador, dizendo qual palavra resulta da união (ou seja, /ca/ - /ne/ - /ta/ ' /caneta/); 2) Síntese Fonêmica: a criança une os fonemas falados pelo avaliador, dizendo qual palavra resulta da união (ou seja, /s/ - /ó/ ' /só/); 3) Rima:a criança julga, dentre três palavras, quais são as duas que terminam com o mesmo som (ou seja, /queijo/,/moça/, /beijo/ ' /queijo/ e /beijo/); 4) Aliteração: a criança julga, dentre três palavras, quais são as duas que começam com o mesmo som (ou seja, /colar/, /fada/, /coelho/ ' / colar/ e /coelho/); 5) Segmentação Silábica: a criança separa uma palavra falada pelo avaliador nas suas sílabas componentes (ou seja, separar as sílabas de /fazenda/ ' /fa/ - /zen/ - /da/); 6) Segmentação Fonêmica: a criança separa uma palavra falada pelo avaliador nos seus fonemas componentes (ou seja, separar os fonemas de /pé/ ' /p/ - /é/); 7) Manipulação Silábica: a criança adiciona e subtrai sílabas de palavras dizendo a palavra formada (ou seja, adicionar /bo/ ao início de /neca/ ' /boneca/; subtrair /da/ de /salada/ ' /sala/); 8) Manipulação Fonêmica: a criança adiciona e subtrai fonemas de palavras dizendo a palavra formada (ou seja, subtrair /f/ de /falta/ ' /alta/; adicionar /l/ no início de /ouça/ ' /louça/); 9) Transposição Silábica: a criança inverte as sílabas de palavras dizendo a palavra formada (ou seja, inverter as sílabas de /lobo/ ' /bolo/); 10) Transposição Fonêmica: a criança inverte os fonemas de palavras dizendo a palavra formada (ou seja, inverter os fonemas de /olé/ ' /elo/).

Procedimento

Os alunos foram testados com os instrumentos assim ordenados: TCLPP, TCLS, TVF-Usp e PCF-O. O TCLPP foi aplicado a 725 alunos no período de 18 de setembro a 4 de outubro de 2003. A aplicação coletiva em sala de aula durava cerca de 30 minutos. O TCLS foi aplicado a 717 alunos de 23 de outubro a 17 de novembro de 2003. A aplicação coletiva em sala de aula durava de 45 a 60 minutos. O TVF-Usp foi aplicado a 629 alunos de 19 de novembro a 30 de novembro de 2003. A aplicação coletiva em sala de aula durava duas sessões de cerca de 45 minutos cada uma. A PCF-O foi aplicada a 88 alunos de 1 de dezembro a 14 de dezembro de 2003. A aplicação individual durava cerca de 20 minutos.

 

Resultados

Pontuação em TCLPP e seus sete subtestes: efeito de série escolar e normatização

A Tabela 2 sumaria média (M), desvio-padrão (DP) e erro-padrão (EP) em TCLPP e seus sete subtestes, ordenados por pontuação decrescente, para as três séries escolares conjunta e separadamente. Sumaria, também, a pontuação dos limites inferior e superior do intervalo das cinco classificações de pontuação nos subtestes para cada série escolar: muito rebaixada (ou seja, entre -3 e -2 DP), rebaixada (ou seja, entre -2 e -1 DP), média (ou seja, entre -1 e +1 DP), elevada (i.e., entre +1 e +2 DP) e muito elevada (ou seja, entre +2 e +3 DP). Os 725 estudantes testados no TCLPP pontuaram entre 18 e 70 pontos, com média M = 54,72 e desvio-padrão DP = 8,11. Como sumariado, os maiores acertos ocorreram nos subtestes que podem ser respondidos usando a estratégia logográfica típica do estágio logográfico: rejeição de pseudopalavras estranhas (PE: M = 9,47), rejeição de palavras com trocas semânticas (VS: M = 9,33), e aceitação de palavras corretas regulares (CR: M = 8,89). O acerto intermediário ocorreu no subteste que requer o uso de estratégia fonológica típica do estágio alfabético: rejeição de palavras com trocas visuais (VV: M = 7,86). Já os menores acertos ocorreram nos subtestes que requerem o uso de estratégia lexical típica do estágio ortográfico: aceitação de palavras corretas irregulares (CI: M = 7,52), rejeição de pseudopalavras com trocas fonológicas (VF: M = 6,91) e rejeição de pseudopalavras homófonas (PH: M = 4,74).

Em termos de efeito de série escolar sobre a pontuação geral e nos sete subtestes do TCLPP dos 275 alunos de 1ª série, dos 213 de 2ª série e dos 237 de 3ª série, Anovas do efeito da série escolar sobre pontuação em cada subteste revelaram que a ordem dos subtestes, cuja pontuação mais cresceu ao longo das séries escolares, foi CI, CR, VV, PE, VS, VF e PH. A pontuação total no TCLPP cresceu significativamente ao longo das séries escolares, F (2, 722) = 157,33, p < 0,000, r = 0,55, r² = 0,30. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento significativo de 1ª a 2ª séries, e de 2ª a 3ª série. Considerando esses dados, conforme sumariado na Tabela 2, foram estabelecidas as cinco faixas de classificação de pontuações: muito rebaixada (ou seja, entre -3 e -2 DP), rebaixada (ou seja, entre -2 e -1 DP), média (ou seja, entre -1 e +1 DP), elevada (ou seja, entre +1 e +2 DP), e muito elevada (ou seja, entre +2 e +3 DP). Assim, em relação ao escore total no TCLPP, a Tabela 2 deve ser interpretada da seguinte maneira: alunos de 1ª série com pontuação média obtêm entre 41 e 57 pontos; rebaixada, entre 33 e 40; muito rebaixada, entre 24 e 32; elevada, entre 58 e 66; e muito elevada, entre 67 e 70. Alunos de 2ª série com pontuação média obtêm entre 50 e 61 pontos; rebaixada, entre 44 e 49; muito rebaixada, entre 38 e 43; elevada, entre 62 e 67; e muito elevada, entre 68 e 70. Alunos de 3a. série com pontuação média obtêm entre 55 e 65 pontos; rebaixada, entre 50 e 54; muito rebaixada, entre 44 e 49; e elevada, entre 66 e 70.

Os subtestes, ordenados por tamanho de crescimento da pontuação ao longo das séries, com suas respectivas normas foram os seguintes:

1) A aceitação de palavras corretas irregulares (CI) apresentou o maior crescimento ao longo das séries escolares, F (2, 722) = 167,68, p < 0,000, r = 0,56, r² = 0,31. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 2ª séries, e de 2ª a 3ª séries.

2) A aceitação de palavras corretas regulares (CR) apresentou o segundo maior crescimento nas séries, F (2, 722) = 127,80, p < 0,000, r = 0,39, r² = 0,15. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 2ª séries, e de 2ª a 3ª séries.

3) A rejeição de pseudopalavras com trocas visuais (VV) apresentou o terceiro crescimento nas séries, F (2, 722) = 81,51, p < 0,000, r = 0,43, r² = 0,18. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 2ª séries, e de 2ª a 3ª séries.

4) A rejeição de pseudopalavras estranhas (PE) apresentou o quarto crescimento nas séries, F (2, 722) = 35,65, p < 0,000, r = 0,30, r² = 0,09. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 2ª e 3ª séries.

5) A rejeição de palavras com troca semântica (VS) apresentou o quinto crescimento nas séries, F (2, 722) = 29,60, p < 0,000, r = 0,28, r² = 0,08. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 2ª séries, e de 2ª a 3ª séries.

6) A rejeição de pseudopalavras com trocas de fonemas (VF) apresentou o sexto crescimento nas séries, F (2, 722) = 15,34, p < 0,000, r = 0,20, r² = 0,04. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 3ª séries, e de 2ª a 3ª séries.

7) A rejeição de pseudopalavras homófonas (PH) apresentou o sétimo crescimento nas séries, F (2, 722) = 10,37, p < 0,000, r = 0,17, r² = 0,03. Análises de comparação de pares de Fisher LSD e Bonferroni revelaram crescimento de 1ª a 3ª séries, e de 2ª a 3ª séries.

Na Tabela 2 encontra-se descrito o que deve ser considerado, para cada subteste e em cada série escolar, como pontuação muito rebaixada (ou seja, entre -3 e -2 DP), rebaixada (ou seja, entre -2 e -1 DP), média (ou seja, entre -1 e +1 DP), elevada (ou seja, entre +1 e +2 DP), e muito elevada (ou seja, entre +2 e +3 DP).

 

Efeito de faixa etária (idade em anos) sobre a pontuação

 

A pontuação no TCLPP aparentou crescer dos 6 anos (M = 50,3 pontos, EP = 1,71) aos 7 anos (M = 50,7, EP = 0,50) aos 8 anos (M = 54,9, EP = 0,50) aos 9 anos (M = 59,2, EP = 0,55), e decrescer a partir daí aos 10 anos (M = 56,8, EP = 1,04) e 11 anos (M = 56,5, EP = 1,62). Assim, alunos retardatários (ou seja, com idade maior que a apropriada à série) apresentaram queda no rendimento, aparentemente em proporção à disparidade entre idade e série escolar. Anova do efeito da idade em anos sobre pontuação total no TCLPP revelou efeito significativo, F (5, 714) = 29,130, p < 0,000, N = 720, r = 0,41, r² = 0,17. Análises de comparação de pares de Fisher LSD revelaram crescimento de 6 e 7 anos a 8 anos em diante e de 8 a 9 anos, e diminuição de 9 a 10 anos, devido ao efeito retardatário. Análises de comparação de pares de Bonferroni revelaram crescimento de 6 a 9 e 10 anos, de 7 a 8 em diante, e de 8 a 9 anos. A Tabela 3 sumaria o crescimento geral entre 6 e 9 anos e o declínio geral entre 9 e 11 anos da pontuação nos alunos de 1ª a 3ª séries nos sete subtestes do TCLPP.

 

 

Anova do efeito da idade em anos sobre a pontuação no subteste revelou efeito significativo para os seguintes subtestes, ordenados por tamanho do efeito: 1) Aceitação de palavras corretas irregulares (CI), F (5, 714) =27,01, p < 0,000, N = 720, r = 0,40, r² = 0,16, com análises de comparação de pares de Fisher LSD revelando crescimento de 6 e 7 a 8 anos em diante, e de 8 a 9 e 10 anos; e análises de Bonferroni revelando crescimento de 6 e 7 a 8 anos em diante, e de 8 a 9 anos; 2) Rejeição de pseudopalavras vizinhas visuais (VV), F (5, 714) =14,14, p < 0,000, N = 720, r = 0,30, r² = 0,09, com análises de Fisher LSD e Bonferroni revelando crescimento de 6 e 7 a 8 anos em diante, e de 8 a 9 e 10 anos; 3) Aceitação de palavras corretas regulares (CR), F (5, 714) =13,07, p < 0,000, N = 720, r = 0,29, r² = 0,08, com análises de Fisher LSD e Bonferroni revelando crescimento de 6 a 7 anos em diante, de 7 a 8 anos em diante, e de 8 a 9 anos; 4) Rejeição de pseudopalavras homófonas (PH), F (5, 714) = 7,47, p < 0,000, N = 720, r = 0,22, r² = 0,05, com análises de Fisher LSD revelando crescimento de 7 a 8 e 9 anos; de 8 a 9 anos; e de 9 a 10 anos; e de Bonferroni, de 7 e 8 a 9 anos, e de 9 a 10 anos; 5) Rejeição de pseudopalavras estranhas (PE), F (5, 714) = 6,73, p < 0,000, N = 720, r = 0,21, r² = 0,04, com análises de Fisher LSD e Bonferroni revelando crescimento de 7 a 8 anos em diante; 6) Rejeição de palavras vizinhas semânticas (VS), F (5, 714) = 5,37, p < 0,000, N = 720, r = 0,19, r² = 0,04, com análises de Fisher LSD e Bonferroni revelando crescimento de 7 a 8 anos em diante; 7) Rejeição de pseudopalavras vizinhas fonológicas (VF), F (5, 714) = 5,33, p < 0,000, N = 720, r = 0,19, r² = 0,04, com análises de Fisher LSD revelando crescimento de 7 e 8 a 9 anos, e diminuição significativa de 9 a 10 anos por efeito retardatário e de Bonferroni revelando crescimento de 8 a 9 anos.

Efeito de gênero sobre pontuação, controlando o efeito de série escolar como covariante

A pontuação das meninas (M = 55,3 pontos, EP = 0,36, N = 363) foi maior que a dos meninos (M = 54,2, EP = 0,36, N = 363). Para N = 725, Ancova de efeito de gênero sobre pontuação em TCLPP tendo série escolar como covariante revelou efeito de gênero, F (1, 722) = 4,64, p = 0,031, r = 0,55, r² = 0,30, e de série escolar, F (1, 722) = 311,02, p < 0,000. Ancova de efeito de gênero sobre pontuação em cada subteste do TCLPP, tendo série como covariante, revelou efeito de gênero (com superioridade das meninas) e de série para dois subtestes: aceitação de palavras corretas regulares (CR), com efeito de gênero, F (1, 722) = 6,02, p = 0,001, r = 0,40, r² = 0,16 (para meninas: M = 9,01 e EP = 0,07; para meninos: M = 8,76 e EP = 0,07) e de série, F (1, 722) = 130,83, p < 0,000; e Rejeição de pseudopalavras estranhas (PE), com efeito de gênero, F (1, 722) = 8,13, p = 0,004, r = 0,30, r² = 0,09 (para meninas: M = 9,60 e EP = 0,06; para meninos: M = 9,35 e EP = 0,06) e de série, F (1, 722) = 65,86, p < 0,000. Essa Ancova falhou em revelar efeito de gênero para os subtestes aceitação de palavras corretas irregulares (CI), rejeição de pseudopalavras vizinhas visuais (VV), rejeição de pseudopalavras com trocas fonológicas (VF), rejeição de palavras com troca semântica (VS) e rejeição de pseudopalavras homófonas (PH).

Inter-relações das pontuações nos subtestes e a pontuação geral no TCLPP

Os subtestes mais correlacionados com a pontuação geral no TCLPP, para N = 725, foram os seguintes, em ordem decrescente: 1) VV (F (1, 723) = 1067,52, p < 0,000, r = 0,77, r² = 0,60) 2) PE (F (1, 723) = 636,13, p < 0,000, r = 0,68 r² = 0,47); 3) VS (F (1, 723) = 606,58, p < 0,000, r = 0,68, r² = 0,46); 4) VF (F (1, 723) = 555,69, p < 0,000, r = 0,66 r² = 0,44); 5) CI (F (1, 723) = 305,13, p < 0,000, r = 0,54, r² = 0,30); 6) CR (F (1, 723) = 304,30, p < 0,000, r = 0,54, r² = 0,30); 7) PH (F (1, 723) = 150,48, p < 0,000, r = 0,42 r² = 0,17). Tais dados revelam a importância do processo de decodificação, avaliado pelo subteste VV, para a pontuação no TCLPP entre 1ª a 3ª séries.

Inter-relações das pontuações nos subtestes do TCLPP

A partir dos dados em cada subteste do TCLPP, foram calculadas regressões de cada um dos sete subtestes com os demais seis. Os sete subtestes foram, então, ordenados por tamanho decrescente de força do efeito (F) e coeficiente de correlação (r) com os demais. Para N = 725, os subtestes que alcançaram as maiores correlações com os demais foram, em ordem decrescente: 1) PE: F (6, 718) = 167,44, p < 0,000, r = 0,76, r² = 0,58; 2) VS: F (6, 718) = 165,03, p < 0,000, r = 0,76, r² = 0,58; 3) VV: F (6, 718) = 95,28, p < 0,000, r = 0,67, r² = 0,44; 4) CR: F (6, 718) = 92,45, p < 0,000, r = 0,66, r² = 0,44; 5) CI: F (6, 718) = 79,23, p < 0,000, r = 0,63, r² = 0,40; 6) VF: F (6, 718) = 64,14, p < 0,000, r = 0,59, r² = 0,35; 7) PH: F (6, 718) = 35,29, p < 0,000, r = 0,48, r² = 0,23. Tais dados de força das inter-relações dos subtestes sugerem a primazia da estratégia logográfica, com maior importância dos subtestes que podem ser respondidos pelo uso da estratégia logográfica típica do estágio logográfico: rejeição de pseudopalavras estranhas (PE), rejeição de palavras com trocas semânticas (VS), e aceitação de palavras corretas regulares (CR); seguida da estratégia fonológica típica do estágio alfabético, no subteste de rejeição de pseudopalavras com trocas visuais (VV); e, por último, a estratégia lexical típica do estágio ortográfico nos subtestes de aceitação de palavras corretas irregulares (CI), rejeição de pseudopalavras com trocas fonológicas (VF), e rejeição de pseudopalavras homófonas (PH).

O padrão de inter-relações, para N = 725, foi o seguinte:

1) O subteste PE teve inter-relação geral com os demais, F (6, 718) = 167,44, p < 0,000, r = 0,76, r² = 0,58, e correlações, em ordem decrescente, com: 1) VS: F (1, 723) = 853,60, p < 0,000, r = 0,74, r² = 0,54; 2) VV: F (1, 723) = 295,87, p < 0,000, r = 0,54, r² = 0,29; 3) CR: F (1, 723) = 123,67, p < 0,000, r = 0,38, r² = 0,15; 4) VF: F (1, 723) = 104,09, p < 0,000, r = 0,36, r² = 0,13; 5) CI: F (1, 723) = 47,63, p < 0,000, r = 0,25, r² = 0,06; 6) PH: F (1, 723) = 4,50, p = 0,034, r = 0,08, r² = 0,006. Logo, PE esteve associado de modo forte com VS (r = 0,74), moderado com VV (r = 0,54), fraco com CR e VF (r 0,36), muito fraco com CI (r = 0,25), e quase nulo com PH (r = 0,08);

2) O subteste VS teve inter-relação geral com os demais, F (6, 718) = 165,03, p < 0,000, r = 0,76, r² = 0,58, e correlações, em ordem decrescente, com: 1) PE: F (1, 723) = 853,60, p < 0,000, r = 0,74, r² = 0,54; 2) VV: F (1, 723) = 280,56, p < 0,000, r = 0,53, r² = 0,28; 3) VF: F (1, 723) = 115,85, p < 0,000, r = 0,37, r² = 0,14; 4) CR: F (1, 723) = 111,89, p < 0,000, r = 0,37, r² = 0,13; 5) CI: F (1, 723) = 42,77, p < 0,000, r = 0,24, r² = 0,06; 6) PH: F (1, 723) = 2,03, p < 0,000, r = 0,05, r² = 0,00. Logo, VS esteve associado de modo forte com PE (r = 0,74), moderado com VV (r = 0,53), fraco com VF e CR (r = 0,37), muito fraco com CI (r = 0,24), e quase nulo com PH (r = 0,05). A força das correlações entre PE e VS (r 0,75) sugere a primazia da estratégia logográfica em alunos de 1ª a 3ª séries de baixo NSE. A fraqueza das correlações PE-PH e VS-PH (r 0,06), e PE-CI e VS-CI (r 0,24) sugere dissociação entre processos logográfico e lexical.

3) O subteste VV teve inter-relação geral com os demais, F (6, 718) = 95,28, p < 0,000, r = 0,67, r² = 0,44, e correlações em ordem decrescente com: 1) PE: F (1, 723) = 295,87, p < 0,000, r = 0,54, r² = 0,29; 2) VS: F (1, 723) = 280,56, p < 0,000, r = 0,53, r² = 0,28; 3) VF: F (1, 723) = 161,29, p < 0,000, r = 0,43, r² = 0,18; 4) CI: F (1, 723) = 110,83, p < 0,000, r = 0,36, r² = 0,13; 5) CR: F (1, 723) = 106,12, p < 0,000, r = 0,36, r² = 0,13; 6) PH: F (1, 723) = 18,49, p < 0,000, r = 0,16, r² = 0,02. Logo, VV esteve associado de modo moderado com PE e VS (r 0,54), moderado a fraco com VF (r = 0,43), fraco com CI e CR (r = 0,36) e muito fraco com PH (r = 0,16); 4) O subteste CR teve inter-relação geral com os demais, F (6, 718) = 92,45, p < 0,000, r = 0,66, r² = 0,44, e correlações em ordem decrescente com: 1) CI: F (1, 723) = 399,29, p < 0,000, r = 0,60, r² = 0,36; 2) PE: F (1, 723) = 123,67, p < 0,000, r = 0,38, r² = 0,15; 3) VS: F (1, 723) = 111,89, p < 0,000, r = 0,37, r² = 0,13; 4) VV: F (1, 723) = 106,12, p < 0,000, r = 0,36, r² = 0,13; e 5) PH: F (1, 723) = 22,88, p < 0,000, r = 0,18, r² = 0,03. Não teve correlação significativa com VF: F (1, 723) = 3,62, p = 0,058, r = 0,07, r² = 0,005. Logo, CR esteve associado de modo forte com CI (r = 0,60), fraco com PE, VS e VV (r 0,37), muito fraco com PH (r 0,18) e dissociado de VF; 4) O subteste CI teve inter-relação geral com os demais subtestes, F (6, 718) = 79,23, p < 0,000, r = 0,63, r² = 0,40, e correlações em ordem decrescente com: 1) CR: F (1, 723) = 399,29, p < 0,000, r = 0,60, r² = 0,36; 2) VV: F (1, 723) = 110,83, p < 0,000, r = 0,36, r² = 0,13; 3) PE: F (1, 723) = 47,63, p < 0,000, r = 0,25, r² = 0,06; 4) VS: F (1, 723) = 42,77, p < 0,000, r = 0,24, r² = 0,06; 5) PH: F (1, 723) = 18,25, p < 0,000, r = 0,16, r² = 0,02. Não teve correlação significativa com VF: F (1, 723) = 0,31, p = 0,578, r = 0,02, r² = 0,00. Logo, CI esteve associado de modo forte com CR (r = 0,63), fraco com VV (r = 0,36), fraco a muito fraco com PE e VS (r 0,24), muito fraco com PH (r = 0,16), e dissociado de VF.

5) O subteste VF teve inter-relação geral com os demais subtestes, F (6, 718) = 64,14, p < 0,000, r = 0,59, r² = 0,35, e correlações, em ordem decrescente, com: 1) VV: F (1, 723) = 161,29, p < 0,000, r = 0,43, r² = 0,18; 2) PH: F (1, 723) = 151,38, p < 0,000, r = 0,42, r² = 0,17; 3) VS: F (1, 723) = 115,85, p < 0,000, r = 0,37, r² = 0,14; 4) PE: F (1, 723) = 104,09, p < 0,000, r = 0,36, r² = 0,13. Não teve correlação significativa com CR: F (1, 723) = 3,62, p = 0,058, r = 0,07, r² = 0,005, nem com CI: F (1, 723) = 0,31, p = 0,578, r = 0,02, r² = 0,000. Logo, VF esteve associado de modo moderado a fraco com VV e PH (r 0,42), fraco com VS e PE (r 0,36) e dissociado de CR e CI; 6) O subteste PH teve inter-relação geral com os demais subtestes, F (6, 718) = 35,29, p < 0,000, r = 0,48, r² = 0,23, e correlações em ordem decrescente com: 1) VF: F (1, 723) = 151,38, p < 0,000, r = 0,42, r² = 0,17; 2) CR: F (1, 723) = 22,88, p < 0,000, r = 0,18, r² = 0,03; 3) VV: F (1, 723) = 18,49, p < 0,000, r = 0,16, r² = 0,02; 4) CI: F (1, 723) = 18,25, p < 0,000, r = 0,16, r² = 0,02; 5) PE: F (1, 723) = 4,50, p = 0,034, r = 0,08, r² = 0,006. Não teve correlação significativa com VS: F (1, 723) = 2,03, p = 0,155, r = 0,05, r² = 0,003. Logo, PH esteve associado de modo moderado a fraco com VF (r = 0,42), muito fraco com CR, VV e CI (r 0,16), quase nulo com PE (r = 0,08) e dissociado de VS (r = 0,05).

Inter-relações das pontuações gerais no TCLPP e nos demais testes

Houve correlação positiva significativa entre competência de leitura de palavras e pseudopalavras (TCLPP) de um lado e, de outro lado, compreensão de leitura de sentenças (TCLS), vocabulário auditivo (TVF-Usp), e consciência fonológica (PCF-O). Análise de regressão da pontuação em TCLPP sobre a pontuação no TCLS revelou efeito significativo, F (1, 723) = 476,09, p < 0,000, r = 0,63, r² = 0,40, N = 725. Análise de regressão da pontuação em TCLPP sobre a pontuação no TVF-Usp também revelou efeito significativo, F (1, 627) = 391,67, p < 0,000, r = 0,62, r² = 0,38, N = 629. Análise de regressão da pontuação em TCLPP sobre a pontuação no TVF-Usp igualmente revelou efeito significativo, F (1, 86) = 44,03, p < 0,000, r = 0,58, r² = 0,34, N = 88. Assim, as habilidades mais relacionadas com a competência de leitura de palavras e pseudopalavras foram a compreensão de leitura de sentenças, o vocabulário auditivo e a consciência fonológica, nessa ordem. Contudo, deve-se observar que o tamanho decrescente do efeito (F, r, e r²) pode ter resultado, em parte, do tamanho decrescente do poder estatístico resultante do tamanho decrescente da amostra (N).

Inter-relações das pontuações nos subtestes do TCLPP e as pontuações gerais nos demais testes

Por meio de análises de regressão do escore geral no TCLPP e de seus subtestes sobre o escore geral em TCLS, TVF-Usp, e PCF-O, foi descoberto que a competência de leitura de palavras e pseudopalavras (TCLPP) mantém correlação positiva significativa com: 1) Compreensão de leitura de sentenças (TCLS), F (1, 723) = 584,30, p < 0,000, r = 0,67, r² = 0,45. Análises de regressão da pontuação em cada subteste do TCLPP sobre a pontuação no TCLS revelaram a ordem decrescente de correlação dos subtestes do TCLPP com compreensão de leitura de sentenças. Como sumariado na parte superior da Tabela 4, os subtestes mais correlacionados com a compreensão de leitura de sentenças foram CI, VV, CR, VS, PE e VF. Não houve correlação com PH; 2) Vocabulário auditivo (TVF-Usp), F (1, 627) = 391,67, p < 0,000, N = 629, r = 0,62, r² = 0,38. Análises de regressão da pontuação em cada subteste do TCLPP sobre a pontuação no TVF-Usp revelaram a ordem decrescente de correlação dos subtestes do TCLPP com vocabulário auditivo. Como sumariado na parte medial da Tabela 4, os subtestes mais correlacionados com vocabulário auditivo foram: PE, VV, VS, CI, CR, VF. Não houve correlação com PH.; 3) Consciência fonológica por produção oral (PCF-O), F (1, 86) = 44,03, p < 0,000, N = 88, r = 0,58, r² = 0,34. Análises de regressão da pontuação em cada subteste do TCLPP sobre a pontuação na PCF-O revelaram a ordem decrescente de correlação dos subtestes do TCLPP com consciência fonológica. Como sumariado na parte inferior da Tabela 4, os subtestes mais correlacionados com consciência fonológica foram: CR, VV, PE, VS, CI e VF. Não houve correlação com PH.

 

 

Conclusões

O estudo normatizou e validou TCLPP e seus sete subtestes de 1ª a 3ª séries do ensino fundamental. Ele demonstrou que TCLPP e seus subtestes constituem instrumentos sensíveis para caracterizar a competência de leitura de palavras e pseudopalavras, discriminando entre séries escolares sucessivas. Demonstrou, também, que a pontuação no TCLPP correlaciona-se com a pontuação em Teste de Compreensão de Leitura de Sentenças (TCLS), Teste de Vocabulário por Figuras USP (TVF-Usp), e Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral.

De relevância teórica é o fato de o estudo ter documentado um padrão de rejeição correta entre subtestes (ou seja, PE > VS > VV > VF > PH) típico de ouvintes de 1ª a 3ª série de escola pública (cf. Capovilla & Capovilla, 2006), e diferente tanto do de deficientes auditivos de 5ª e 6ª séries incluídos em escolas regulares (ou seja, PE > VS > PH > VV > VF, cf. Capovilla e cols., 2006) quanto do de surdos de 1ª a 8ª séries de escolas especiais (ou seja, VS > PE > PH > VF > VV, cf. Capovilla & Capovilla, 2004). Isso sugere que ouvintes deixam-se enganar mais pela homofonia (detectando melhor VV que PH) e pela homofonia que pela semi-homofonia (detectando melhor VF que PH). E que, ao contrário, surdos e deficientes auditivos deixam-se enganar mais pela semelhança visual que fonológica (detectando melhor PH que VV), e fonético-articulatória que fonológica (detectando melhor PH que VF). Sugere também que ouvintes e deficientes auditivos deixam-se enganar mais por palavras familiares em termos de fonologia e ortografia, ainda que inadequadas em termos semânticos, do que por pseudopalavras estranhas tanto em termos fonológicos quanto ortográficos (detectando melhor PE que VS). E que, ao contrário, surdos sob ensino em Libras percebem melhor a inadequação semântica de palavras conhecidas do que a de pseudopalavras (detectando melhor VS que PE). De fato, para o surdo congênito com seu ponto de vista estrangeiro ao português, pseudopalavras poderiam ser simplesmente palavras desconhecidas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Departamento de Psicologia Experimental
Instituto de Psicologia
Universidade de São Paulo
Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Cidade Universitária
05508-900 São Paulo - SP
E-mail: fernando.capovilla@pesquisador.cnpq.br

Recebido em: outubro 2006
Revisado em: novembro 2006
Aprovado em: dezembro 2006

 

 

Sobre os autores:

1 Fernando César Capovilla é PhD em Psicologia Experimental, Livre-docente em Psicologia Clínica e docente do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade do CNPq.
2 Cristina Varanda é psicóloga, mestranda do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo e psicóloga da Prefeitura Municipal de Santos, SP.
3 Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla é doutora e pós-doutorada em Psicologia pela Universidade de São Paulo e docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista de Produtividade do CNPq.