SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número2A realidade das mães numa unidade de terapia intensiva neonatalSer psicólogo: representações inconscientes que determinam a escolha índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.7 n.2 São Paulo dez. 2006

 

RESENHA

 

A personalidade fóbica: avaliação psicológica a partir das bases psicanalíticas

 

 

Julia Targa 1

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 

Trinca, W. (2006). A personalidade fóbica: uma aproximação psicanalítica (148 p.). São Paulo: Vetor.

O autor desenvolveu esse livro com o objetivo geral de descrever a personalidade fóbica por meio da psicanálise. Em paralelo, seus objetivos particulares eram de investigar a ocorrência de processos inconscientes comuns a todos ou à maioria dos casos atendidos; investigar a ocorrência de processos inconscientes específicos à personalidade fóbica, como mecanismos geradores de distúrbios particularizados no âmbito desse tipo de personalidade; e investigar a existência de uma organização inconsciente típica da personalidade fóbica cujas características poderiam ser descritas em termos de uma síntese multifatorial. A obra está dividida em sete capítulos e foi elaborada a partir do atendimento de quatorze mulheres; assim, no decorrer de cada capítulo os casos são apresentados com as revisões bibliográficas que inspiraram o autor.

No primeiro capítulo, chamado, Um lugar para a personalidade fóbica, o autor retoma teorias, em especial, as de Freud em relação à fobia, relembrando que, em 1894, a classificou como pertencente ao grupo das neuroses de angústia. Posteriormente, devido à análise de um caso, relacionou-a ao complexo de Édipo, classificando-a no grupo de histeria de angústia, ou seja, o paciente tenta livrar-se da angústia à custa de inibições e de restrições a que se submete. Essas evitações, segundo Freud, são defesas para impedir que o conteúdo recalcado, sob a forma de libido livre, se manifeste na consciência. Freud defendeu, em decorrência, que as fobias são processos resultantes dessa defesa. Por fim, em 1926, Freud argumentou que as fobias são sintomas substitutivos da satisfação instintiva recalcada, portanto correspondem a sintomas de angústias inconscientes recalcadas. Entretanto, diversos trabalhos foram publicados, apresentando diferentes concepções de fobia. Trinca acredita que, de um modo geral, a teoria freudiana clássica incentivou a busca dos psicanalistas na relação mãe-criança, sem descartar as alegações da vinculação das fobias com os impulsos libidinais e destrutivos. Para Anna Freud, as fobias emergem quando, na relação mãe-criança, o aparelho estrutural se desenvolveu suficientemente para propiciar o uso de defesas como o deslocamento, a projeção e a regressão. Os autores kleinianos acreditam que as fobias são defesas contra estados psicóticos, atuando para impedir a eclosão de angústias geradas pela incapacidade do ego de lidar com impulsos destrutivos e de reparar os objetos destruídos. Segundo o autor, dois trabalhos de Ribeiro (1968) merecem mais atenção, pois, para ele, a atuação de mecanismos esquizóides conduz ataques ao pensamento verbal, ao aparelho perceptivo e a outros setores da estrutura do self. Entretanto, além da psicanálise, outras visões psicodinâmicas das fobias se destacam na literatura. No entanto, devido à sua base psicanalítica, o autor acredita que as evitações fóbicas servem para prevenir novos desapontamentos e novas desilusões.

A pesquisa desenvolvida pelo autor é posta em detalhes no segundo capítulo, intitulado Realização de pesquisa, em que foi verificada, por meio do método psicanalítico, a hipótese mais geral de que a personalidade fóbica se organiza a partir de constelações de fatores básicos relacionados a mecanismos primitivos da personalidade. Os objetivos previamente mencionados foram verificados com sujeitos indicados por profissionais da área. Por conveniência, optou-se por sujeitos do sexo feminino, com idades entre 18 e 50 anos, e todos foram submetidos a uma entrevista diagnóstica. A rotina da pesquisa compôs a seguinte seqüência: atendimento, transcrição de sessões (não foram gravadas), análise das descrições; categorização dos conteúdos referentes à cada paciente, sínteses parciais de conteúdos referentes a conjunto de pacientes e compreensão integrada de conjunto, envolvendo todos os casos. Esse trabalho foi realizado pelo autor, que atendeu nove, dos quatorze sujeitos, e, também, por alunos do curso de pós-graduação em psicologia, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Segundo o autor, a perspectiva psicanalítica que norteou o estudo, permitiu que se fizesse uso dos ensinamentos de Freud, Klein, Bion e Winnicott, atingindo assim o propósito de empregar o método psicanalítico como instrumento de pesquisa clínica, destinada ao conhecimento da dinâmica profunda de um grupo selecionado de pessoas.

As Características da personalidade fóbica são apresentadas no terceiro capítulo, em que, sem maiores menções, o autor aplica a teoria do continente primário na análise de caso dos sujeitos. O autor não exclui outras teorias para o mesmo fim, apenas registra sua preferência por essa teoria e, tendo-a como base, verificou se entre as pacientes, havia uma angústia comparada a um buraco negro, que tende a engolir o que ainda se mantém estável, levando as pacientes ao pavor de morte que ronda por toda a parte. A classificação dada pelo autor para o termo buraco negro é a de que ele é infinito, indeterminado e, no entanto, mortífero; é um desenfoque de contato com o centro de sustentação interna, aquela fonte que informa a cada pessoa quem ela verdadeiramente é, quais são seus genuínos sentimentos e pensamentos. O autor constatou que uma fragilidade básica domina a personalidade fóbica, e essa fragilidade faz com que, quando algo de difícil ou negativo se faz presente, a solução entre num beco sem saída, complicando o contato com as emoções. De acordo com a tese do autor, a aflição que o fóbico sente ao imaginar que contato significa contato com desgraças dificulta a relação de objetos e a integração do self. Trinca acredita que a personalidade fóbica deseja um trabalho especial diante da dor, pois afigura-se tão frágil e impotente que não consegue suportar a realidade, imaginada, assim, terrível e catastrófica. Uma das características da personalidade fóbica, segudo o autor, é que o outro exerce função capital de funcionar por ela, substituindo-a em tudo quanto nela for mentalmente esvaziado e empobrecido.

No quarto capítulo, Rupturas no self, o autor explica que a personalidade fóbica origina-se de rupturas mais ou menos intensas que se dão no centro de sustentação interna. Esse é um centro de equilíbrio no self que responde, entre outros aspectos, por sentimentos de ser de determinado modo e não de outro. Ainda que seu equilíbrio seja relativamente precário, segundo o autor, uma pessoa manterá a ligação com o centro de sustentação interna e não se tornará fóbica, mas, se esse centro vital for posto em xeque, a desestabilização resultante tenderá à fobia, e, quando isso se verifica, por sentir que lhe falta sustentação interna, a pessoa entra em estado de angústia e pavor, imaginando que tudo se arruína, transmitindo a impressão que a vida está para afundar. O autor acredita que a personalidade fóbica decorre de renúncias à autenticidade feitas em alguns momentos da vida. Nos fóbicos, as emoções se apresentam em avassalador estado bruto e original, não sendo possível transformá-las favoráveis a eles. Ainda assim, expõe que essas descrições correspondem necessariamente à personalidade fóbica, mas, no entanto, existem personalidades a que se aplicam requisitos como estes e nem por isso são consideradas fóbicas. Contudo, há um requisito que distingue o fóbico do não-fóbico, que é a angústia de dissipação do self, que se trata de uma angústia básica de inexistência, desintegração, terror em face de ameaça onipresente da morte, aos quais passam ao vácuo da inexistência. A personalidade fóbica usa preferencialmente determinados objetos para serem depositários de suas angústias, e o autor menciona apenas duas grandes categorias, que são os lugares fechados e os lugares amplos e abertos. Outro tema abordado neste capítulo é o pânico, que é apresentado como sendo um estado mental de caos, no qual a própria pessoa se sente em caos, em grande desestruturação interna, causando afrouxamento e desaparecimento das noções fundamentais da realidade.

A Síntese das idéias sobre a personalidade fóbica é apresentada no quinto capítulo, em que o autor evidencia que a psicanálise oferece uma aproximação à compreensão da origem do distúrbio fóbico por meio da teoria da relação mãe e bebê, pois a mãe pode atuar como continente primário, acalmando-lhe as turbulências e angústias inimagináveis, proporcionando-lhe experiências de existir. Ao lado disso, a personalidade fóbica repete, ainda, angústias, fantasias inconscientes e defesas primitivas relacionadas à essa época. Trinca acrescenta que no fóbico, o medo de dispersão do continente interno cai no centro da angústia de dissipação do self, causando dúvidas sobre a validade da própria percepção do mundo. Nesse capítulo também é apresentado a matriz de confiança básica, que é uma impressão íntima de que algo na pessoa e no mundo externo vale a pena, fazendo-a encontrar meios de enfrentar as situações mais difíceis.

No sexto capítulo, A função da análise, o autor aponta que ela auxilia o paciente no momento em que o analista se coloca como um intermediário entre o fóbico e as emoções que sente; ou seja, a capacidade do analista de conter as emoções sobrevindas na relação, dirigi-las e transformá-las em conhecimento é um resgate efetivo do princípio que esteve deficitário no continente primário do paciente, assim sendo, o analista colabora na transformação de um universo mental primitivo em um universo no qual as emoções são simbolizadas e a vida assume determinada forma pessoal. A turbulência psíquica que aflige os fóbicos desapareceria se ele conseguisse pensar, pois a mortiferacidade com que tratam as mais simples coisas da vida é que os angustia. O autor acredita, portanto, que a personalidade fóbica evolui na análise quando consegue viver uma relação de confiança com o que lhe é significativo e lhe proporciona experiências de auto-sustentação emocional.

As Discussões e conclusões gerais foram feitas no sétimo capítulo, em que o autor conclui que, embora a personalidade fóbica não seja reconhecida pelas classificações de doenças mentais, não deixa de ser uma lacuna pouco explorada na literatura psiquiátrica e psicanalítica. O autor comprovou a teoria de Segal (1983) de que a reação fóbica é uma defesa contra a angústia, derivada do instinto de morte, e diferenciou a personalidade fóbica do melancólico, sendo que o primeiro tende a um deserto interior resultante de esvaziamentos e de organizações que atingem o continente interno, o centro de sustentação interna, os contornos e os núcleos do self. Mais ainda, nos melancólicos as perdas são relacionadas à incapacidade de manutenção de vínculos com objetos primários; entretanto, em ambas, a personalidade se enfraquece e se desvitaliza. O autor encerra evidenciando que a fobia é a mais atual das perturbações mentais, aquela que tem mais em comum com o espírito dominante da nossa época.

Por fim, este é um livro que tenta preencher uma lacuna na literatura psicanalítica, aclarando a personalidade fóbica e relacionando-a com os casos estudados pelo autor. Devido à exímia revisão bibliográfica, a aproximação com o tema se dá de forma descomplicada, facilitando, assim, sua compreensão.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: julia_targa@yahoo.it

Recebido em: outubro de 2006
Aprovado em: novembro de 2006

 

 

Sobre a autora:

1 Julia Targa é acadêmica do segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq.