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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.9 n.1 São Paulo jun. 2008

 

RESENHA

 

O adolescente e sofrimento emocional nos dias de hoje

 

 

Julia Targa *

Universidade São Francisco

 

 

Tardivo, L. S. L. P. C. (2007). O adolescente e sofrimento emocional nos dias de hoje. São Paulo: Vetor, 171p.

Com base em suas pesquisas de Tese de Livre-Docência, a autora desenvolveu este livro com o intuito de se aprofundar nas questões relativas ao sofrimento dos jovens brasileiros, encarando como um desafio a tentativa de descrevê-los, compreendê-los e tratá-los. A obra é composta por quatro capítulos e epílogo: o primeiro capítulo é de revisão teórica; o segundo é sobre o Procedimento de Desenhos-Estória (D-E), em especial o Procedimento de Desenhos Temáticos; o terceiro diz respeito às teorias de desenvolvimento, focado na fase da adolescência; o quarto capítulo é a discussão dos casos e, por fim, o epílogo traz as conclusões da autora. Esse estudo foi realizado com um grupo de adolescentes indígenas aculturados, com idades entre 15 e 19 anos, do município de São Gabriel da Cachoeira, localizado na região do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas.

O primeiro capítulo, Pesquisa em psicologia clínica, traz definições da Psicologia como ciência, e a autora justifica seu trabalho com base na teoria de que a Psicologia Clínica visa o acesso à conduta humana e, nesse caso, com enfoque nas condutas manifestas de tentativas de suicídio e abuso de drogas de jovens de São Gabriel da Cachoeira, não importando a causa dessas condutas, mas sim o sentido ou significado destas. Segundo a autora, o sofrimento desses adolescentes refere-se a um excesso emocional que acompanha uma interrupção do sentido ou uma representação difícil de entender, e a capacidade para suportar sofrimento é relativa, varia de acordo com cada indivíduo. Nesse sentido, deve-se proporcionar ao jovem em condição de sofrimento um ambiente de continência, propício para o desenvolvimento da confiança, segurança e identidade.

O segundo capítulo, intitulado Algumas palavras sobre o procedimento de desenhos temáticos, foi escrito em co-autoria com o próprio autor do instrumento de investigação da personalidade, o D-E. Trata-se de uma técnica de utilização de desenhos livres associados a histórias e, no caso, exerce um papel mediador em consultas terapêuticas. A interpretação baseia-se no método de "livre inspeção do material", que basicamente busca a compreensão do desenho, da história e das associações, para que o sofrimento psíquico do sujeito seja compreendido; no entanto, pessoas com pouca experiência com testes projetivos podem apresentar dificuldade para interpretá-lo. Para os adolescentes, sujeitos desse estudo, foi solicitado que fizessem um desenho sobre "um jovem em São Gabriel da Cachoeira nos dias de hoje" e, no verso da folha, que escrevessem uma história sobre o mesmo tema.

No terceiro capítulo, O adolescente: um ser em desenvolvimento, a autora abrange o mundo contestador dos adolescentes, ressaltando que a explicação para esse fenômeno não está apenas no adolescente em si, mas na compreensão da família e da sociedade, que acabam em desequilíbrio. A autora define a adolescência como sendo um período contraditório, confuso, ambivalente, doloroso e repleto de conflitos com o meio, provavelmente trata-se da fase do desenvolvimento humano de maior vulnerabilidade. Essa fase é marcada por três grandes perdas: do corpo de criança, dos pais da infância e da condição infantil. A autora também enfatiza a Síndrome Normal da Adolescência e suas dez características, que são a busca de si mesmo e da identidade, tendência grupal, necessidade de intelectualizar e fantasiar, crises religiosas, falta de localização temporal, evolução sexual, atitudes sociais reivindicatórias, contradições sucessivas nas manifestações de condutas, separação progressiva dos pais e, por fim, constantes flutuações de humor e do estado de ânimo.

O encontro com o jovem em São Gabriel da Cachoeira, tema do quarto capítulo, aconteceu devido ao aumento significativo de violência entre eles, além dos altos índices de suicídios e tentativas de suicídios. No capítulo a autora apresenta vinte D-E selecionados, de um total de aproximadamente setenta, que foram aplicados de forma coletiva. Na análise dos desenhos e das histórias desses jovens a autora notou que em quase todos eles havia a repetição de temas como o abuso de drogas, álcool e cenas de violências bem como muitas referências à morte por meio de desenhos de cemitérios e caixões. Os jovens também mostraram insatisfação quanto à falta de opção de lazer, de perspectiva futura e também em relação ao alcoolismo dos pais. A autora acrescenta que 95% da população é indígena, no entanto esses jovens desprezam suas raízes culturais, comprometendo, entre outras coisas, a busca da identidade.

No epílogo, intitulado Considerações finais, a autora enfatiza a tentativa, por parte dela, de explorar uma reflexão sobre o lugar do jovem na sociedade e as dificuldades com que se deparam na tentativa de encontrar esse lugar. As intervenções foram feitas pela autora, enquanto psicóloga clínica, que se defrontou com sofrimentos que afetam a juventude de todo o Brasil, independentemente de serem ou não indígenas. A utilização do D-E direcionou o estudo, pois foi por meio desta técnica que a autora entrou em contato com as crises daqueles jovens, que atualmente não conseguem se inserir e encontrar um lugar na sociedade, pois vivem um presente sem sentido e deparam-se com um futuro sem esperança. A autora, na qualidade pesquisadora, expressa seu desejo de que outros profissionais se interessem pelo tema e continuem estudando os adolescentes e seus sofrimentos psíquicos.

Nesta obra Tardivo conseguiu, de maneira pontual, contextualizar a tocante situação dos moradores de São Gabriel da Cachoeira, em especial os jovens desesperançados. Cada capítulo foi iniciado por uma epígrafe, que retratava de maneira lúdica o que estava por vir nas próximas páginas, por meio de trechos de músicas e poemas. A excelente revisão bibliográfica - em especial do terceiro capítulo - somada ao estilo de escrita da autora, propicia uma leitura fluida desta obra, sendo possível, por inúmeras vezes, perceber o quanto algumas situações foram tocantes para Tardivo. Numa dessas situações o leitor emociona-se, pois um dos jovens participantes comete suicídio, e o leitor é convidado a refletir sobre isso também. É triste o retrato trazido pela autora da situação dos indígenas brasileiros, pois somos obrigados a reconhecer a crise pela qual estão passando, e, o pior, a falta de assistência prestada a eles.

 

Recebido em: maio/2008
Aprovado em: junho/2008

 

Sobre a autora:

* Julia Targa é graduanda de psicologia pela Universidade São Francisco. Bolsista de Iniciação Cientifica PIBIC/CNPq.