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Psic: revista da Vetor Editora

versão impressa ISSN 1676-7314

Psic v.9 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Parâmetros psicométricos do Mayer Salovey Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT

 

Psychometric Parameters of Mayer Salovey Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT

 

Parámetros psicométricos del Mayer Salovey Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT

 

 

Adauto Garcia de Jesus Junior I, *; Ana Paula Porto Noronha II, **

I Centro Universitário Adventista de São Paulo
II Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo se propôs a investigar evidências de validade e precisão do Mayer, Salovey e Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT, um instrumento de avaliação da Inteligência Emocional, por meio de análise fatorial e coeficiente Alpha de Cronbach. A amostra de sujeitos consistiu de 191 alunos universitários, provenientes dos cursos de Pedagogia, Educação Física, Administração, Ciências Contábeis e Sistemas de Informação de uma instituição particular do interior do estado de São Paulo. O material utilizado foi aplicado em uma sessão coletiva em grupos separados por seus cursos. O índice total de precisão do MSCEIT foi de 0,90, indicando consistência satisfatória. A análise fatorial pelo método de rotação Varimax apresentou três fatores principais, responsáveis por 61,5% da variância dos escores dos diferentes subtestes, resultado que sugere aparente desacordo com o modelo de 2 e 4 fatores defendidos pelos autores do instrumento, mas que pode ser explicado em relação aos índices de precisão de seus subtestes.

Palavras-chave: Inteligência emocional, Parâmetros psicométricos, Validade de construto.


ABSTRACT

This present paper is intended to find out the validity and reliability concerning to Mayer, Salovey and Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT, a test to assess Emotional Intelligence by Factorial Analysis and Cronbach's Alpha coefficient. The sample was composed by 191 university students attending at a private institution of Pedagogy, Physical Education, Administration, Accounting and Information Systems, in the countryside of the state of São Paulo. The materials used were administered in a collective session in groups related with their courses. The reliability of MSCEIT was acceptable (a=0,90). The Factorial Analysis with Varimax rotation method showed three factos, explaining 61,5% of the variance of scores of the different sub-tests, which suggests disagreement with models of factors 2 and 4, reported by the authors, but can be explained when related to the precision of the sub-tests.

Keywords: Emotional intelligence, Psychometrical parameters, Construct validity.


RESUMEN

Este estudio se propuso investigar evidencias de validez y precisión del Mayer, Salovey e Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT, un instrumento de evaluación de la Inteligencia Emocional, por medio de análisis factorial y el coeficiente Alpha de Cronbach. La muestra de sujetos fue de 191 alumnos universitarios de los cursos de Pedagogía, Educación Física, Administración, Ciencias Contables y Sistemas de Información, de una institución privada del interior del estado de São Paulo. El material utilizado fue aplicado en una sesión colectiva en grupos separados por sus cursos. El índice total de precisión del MSCEIT fue 0,90, indicando consistencia satisfactoria. El análisis factorial por el método de rotación Varimax presentó 3 factores principales, responsables por 61,5% de la variancia de las puntuaciones de los diferentes sub-testes, resultado ese que sugiere un aparente desacuerdo con el modelo de 2 y 4 factores defendidos por los autores del instrumento, pero que puede ser explicado en relación a los índices de precisión de sus sub-testes.

Palabras clave: Inteligencia emocional, Parámetros psicométricos, Validez de constructo.


 

 

Avaliação Psicológica

Os testes psicológicos são, no Brasil, instrumentos de uso exclusivo do psicólogo, amparado por um Código de Ética que o orienta quanto às possibilidades e responsabilidades de sua prática profissional (Conselho Regional de Psicologia, 1999). Eles não são de origem recente, especialmente em âmbito estrangeiro, pois vários deles utilizados atualmente tiveram sua construção inicial nas primeiras décadas do século XX (Gardner, Kornhaber & Wake, 2003).

Os testes, no entanto, fazem parte de uma atividade mais ampla da psicologia, conhecida como avaliação psicológica, a qual busca coletar dados por meio de técnicas variadas, com finalidades como elaboração de um diagnóstico ou diferenciação de pessoas em termos de suas habilidades ou perfis psicológicos para atribuição de funções ou níveis acadêmicos, por exemplo (Anastasi & Urbina, 2000).

À medida que o interesse pela avaliação psicológica aumenta (Noronha & Alchieri, 2002), por parte tanto de profissionais quanto de cientistas, evidenciam-se simultaneamente alguns sérios problemas relacionados à construção e utilização de testes psicológicos, como bem analisados por Noronha (2002). Tais problemas podem estar relacionados a diversos fatores, como a carência de pesquisa científica sobre a qualidade dos instrumentos comercializados ou mesmo à má formação do psicólogo no que tange à maneira insuficiente como são contemplados os conteúdos referentes à avaliação psicológica nas grades curriculares dos cursos de psicologia.

Como parte do esforço para se dirimir os problemas apontados, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem publicado resoluções que visam melhorar a qualidade dos instrumentos utilizados no Brasil e, conseqüentemente, a credibilidade da prática profissional em avaliação psicológica. Mais recentemente foi publicada a resolução nº 02/2003 que se propõe a definir e regulamentar o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos (CFP, 2003). Essa resolução determina critérios mínimos que devem ser contemplados nos manuais dos instrumentos para comercialização, tais como, fundamentação teórica com a definição do construto, apresentação da validade e precisão e informações sobre o sistema de correção e interpretação a ser adotado.

A validade e precisão citadas anteriormente são características técnicas que, ao serem avaliadas, evidenciam aspectos importantes quanto à qualidade de qualquer teste em termos científicos e abrangem os chamados parâmetros psicométricos que podem ser divididos, em linhas gerais, em dois grupos que englobam métodos de verificação de uma série de propriedades de seus itens. Esses grupos são, portanto, os que buscam evidências de validade e os que avaliam a precisão ou fidedignidade.

Validade é definida por Anastasi e Urbina (2000, p. 143) como referindo-se "àquilo que o teste mede e a quão bem ele faz isso"; Pasquali (2001) a define como a capacidade de um determinado teste de fato medir aquilo que ele se propõe a medir; e na definição de Cronbach (1996) pode-se perceber um conceito mais elaborado quando coloca a validação de um teste como uma investigação da correção de uma interpretação.

Entre as técnicas possíveis para investigar evidências de validade de um teste a análise fatorial foi a selecionada para essa pesquisa e tem sido tradicionalmente muito utilizada. Trata-se de uma técnica estatística que foi desenvolvida a partir de pesquisas sobre a natureza da inteligência e é considerada especialmente relevante para a investigação de evidências de validade de construto. Um importante objetivo desse procedimento é agrupar variáveis provenientes de vários escores de testes diferentes ou escalas de um mesmo teste ao qual um grupo de sujeitos é submetido, reduzindo-as ao menor número de traços ou fatores possíveis e adequados para explicar a inter-relação entre as diversas variáveis. Esses agrupamentos de variáveis em torno de um menor número de traços permitem identificar, por exemplo, a sobreposição de um mesmo construto presente na representação de escores de testes diversos. Este se aplica para identificar construtos distintos, mesmo ao longo de itens de um mesmo teste, que apresentam cargas fatoriais diferentes, e por isso alocam-se em grupos que não se relacionam (Anastasi & Urbina, 2000).

Precisão ou fidedignidade indica o grau de "consistência dos escores obtidos pelas mesmas pessoas quando elas são reexaminadas com o mesmo teste em diferentes ocasiões, ou com diferentes conjuntos de itens equivalentes, ou sob outras condições variáveis de exame" (Anastasi & Urbina, 2000, p. 84). Cronbach (1996, p. 177) reduz a questão a duas perguntas importantes que precisam ser feitas em relação a qualquer teste: "Se as pessoas fossem testadas duas vezes, os dois escores seriam semelhantes? Quão semelhantes?"

A precisão, portanto, diz respeito à estabilidade (fidedignidade e consistência) do instrumento em sua capacidade de reproduzir a testagem de maneira mais próxima ao resultado verdadeiro possível num determinado traço. Esse conceito relaciona-se diretamente com o grau de variância erro do procedimento de medida, ou seja, o quanto o resultado é afetado por fatores aleatórios e pelo erro de medida do próprio teste.

Inteligência Emocional (IE)

A Inteligência Emocional como conceito, sua influência e suposta promessa de garantia de sucesso na vida pessoal e profissional, tem sido motivo de grande interesse de profissionais da área educacional e empresarial, a ponto de alterar enfoques em propostas metodológicas no ensino e procedimentos de recursos humanos em organizações.

O termo Inteligência Emocional foi utilizado pela primeira vez por Salovey e Mayer (1990) que o definiram como "a capacidade de perceber, avaliar e expressar emoções com precisão; a capacidade de acessar e/ou gerar sentimentos de modo a facilitar o pensamento; a capacidade de entender as emoções e o conhecimento emocional e a capacidade de regular emoções para promover o crescimento emocional e intelectual" (Mayer, Salovey & Caruso, 1997, p.10). Entretanto, a ampla disseminação do conceito em meios não científicos deu-se graças ao best seller de Daniel Goleman (1996), levando a muitos a impressão de se tratar de uma idéia nova. Na verdade, apesar de o interesse em torno deste assunto ter sido intensificado mais recentemente, conceitos envolvendo a base da Inteligência Emocional já se mostravam presentes em pesquisas ao longo de todo o século XX, presentes em modelos teóricos do estudo da Inteligência: as chamadas inteligências não-acadêmicas (Hedlund & Sternberg, 2002).

Reconhecendo a necessidade de medição como critério básico para estabelecimento de um construto científico, os autores da IE desenvolveram inicialmente a Multifactor Emotional Intelligence Scale - MEIS (Mayer, Salovey & Caruso, 1997), um teste composto de 12 subescalas que avaliam quatro aspectos da Inteligência Emocional, quais sejam, percepção das emoções, facilitação do pensamento e compreensão e gerenciamento das emoções (Mayer & Salovey, 1999). Após vários estudos que permitiram o aprimoramento do instrumento, seus autores publicaram o Mayer, Salovey, Caruso Emotional Intelligence Test (MSCEIT), uma medida de Inteligência Emocional, desenvolvida para produzir um resultado geral e resultados para os oito subtestes referentes aos quatro aspectos citados em relação ao MEIS (Mayer, Salovey & Caruso, 1999).

Esses instrumentos possibilitaram estudos, no sentido de investigar a validade da Inteligência Emocional como um construto relacionado à inteligência, bem como as correlações internas entre suas escalas. Para ser considerado inteligência, portanto, tal construto deve se relacionar com as outras inteligências existentes, sendo, ao mesmo tempo, independente e passível de desenvolvimento com a idade, o critério desenvolvimental.

Da mesma forma que os estudos que relacionaram o MEIS com medidas de outros tipos de inteligência trouxeram contribuições significativas e indícios que apontam para o delineamento da Inteligência Emocional como um construto psicológico e científico, pesquisas utilizando o MSCEIT poderão levantar dados esclarecedores nesta direção. Na verdade, seus autores publicaram dados de pesquisa (Mayer e cols., 2003) sobre a última versão do MSCEIT, utilizando uma amostra de 2.112 sujeitos adultos e outra amostra com 21 especialistas, composta de membros da International Society for Research on Emotion.

Esse estudo examinou, entre vários aspectos, a precisão do teste. Os autores optaram, nesse caso, pelo método das metades e justificaram tratar-se da melhor opção pelo fato do formato dos itens ao longo do instrumento não serem homogêneos. Foram realizadas análises nos dois grupos de sujeitos apontando coeficientes de r = 0,93 para a pontuação por consenso e r = 0,91 por especialistas. O índice de precisão geral apresentou-se acima de 0,90 (a=0,93), um valor satisfatório em relação ao que se espera em termos de fidedignidade de um teste.

Outro ponto investigado foi referente à estrutura fatorial do MSCEIT V2.0. Realizou-se uma análise fatorial confirmatória na amostra de padronização, testando os modelos de um, dois e quatro fatores, a fim de examinar a extensão da estrutura fatorial adequada para representar o domínio da Inteligência Emocional. O modelo de um fator, concernente à Inteligência Geral (g), abrangeria todas as oito escalas do teste. O modelo de dois fatores dividiria as escalas em duas áreas amplas, experiencial e estratégica, enquanto que o modelo de quatro fatores englobaria em cada fator, duas escalas correspondentes a cada um dos quatro aspectos do construto, ou seja, percepção, facilitação, compreensão e gerenciamento das emoções (vide Tabela 1). Contudo, os autores afirmam em seus resultados que um modelo de quatro fatores se demonstra ainda mais adequado que os demais.

No Brasil foram realizadas pesquisas recentes utilizando o MSCEIT que corroboram os resultados americanos. Cobêro (2004) aplicou o MSCEIT e o BPR-5 numa amostra de 117 sujeitos, funcionários de diversas empresas do interior do estado de São Paulo. A precisão do MSCEIT apresentou-se satisfatória (a=0,84), porém bem abaixo do índice apresentado no estudo americano (a=0,93). Foi aplicada análise fatorial pelo método de rotação varimax que extraiu dois fatores responsáveis por explicar 50% da variância em relação aos oito subtestes do instrumento, apontando para as duas áreas que fundamentam o MSCEIT (experiencial e estratégica).

Outro estudo em amostra brasileira de 270 sujeitos, universitários do interior paulista (Dantas, 2004), objetivou investigar evidências de validade discriminante entre o MSCEIT e o 16PF, que avalia a personalidade classificada por dezesseis fatores. O índice de precisão (a=0,82) nesse caso ficou próximo do encontrado na pesquisa de Cobêro (2004), bem como a análise fatorial também extraiu dois fatores. As correlações indicaram que não houve sobreposição de construtos e evidências de que a Personalidade e a Inteligência Emocional são distintas, apesar de alguns fatores da Personalidade terem apresentado correlações baixas e significativas com alguns subtestes do MSCEIT, indicando que pessoas com determinadas características de personalidade apresentam maior habilidade para interagir com conteúdo emocional.

O MSCEIT, portanto, é o instrumento de estudo desta pesquisa, que buscou investigar sua precisão e a validade de construto, por meio de análise fatorial, no que tange à capacidade de avaliar os aspectos da Inteligência Emocional, verificando os resultados de seus vários subtestes entre si.

 

Método

Participantes

Participaram desse estudo 191 estudantes universitários de cursos diferentes das áreas de humanas e exatas de um Centro Universitário particular do interior paulista. A amostra se dividiu em 40% de alunos do curso de Pedagogia (N=77); 26% de Administração de Empresas (N=50); 14% de Sistemas de Informação (N=28); 11% do curso de Educação Física (N=22); e 7% provenientes do curso de Ciências Contábeis (N=14). Em relação ao semestre letivo, a amostra se dividiu em primeiro (61%; N=117) e sétimo semestres (39%; N=74). Vale salientar que os cursos Ciências Contábeis e Sistemas de Informação ainda não possuem turmas de sétimo semestre por se tratar de cursos novos, portanto, participando, na divisão por semestre, somente da constituição da amostra de alunos do primeiro semestre.

A idade dos sujeitos variou de 17 a 60 anos; 9 participantes não preencheram completamente os dados de identificação. A idade média foi de 25 anos e o desvio-padrão 7,9. Em relação ao gênero, a amostra se dividiu em 43% do sexo masculino (N=78) e 57% do sexo feminino (N=104).

Material

Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test - MSCEIT

Trata-se de um instrumento de medida de Inteligência Emocional preparado a partir de duas áreas amplas: experiencial e estratégica. Essas áreas permitem avaliar quatro facetas, que são aspectos do construto: percepção, facilitação do pensamento, compreensão e gerenciamento das emoções.

O material inclui um caderno de respostas, com um total de 141 itens, na forma de medidas por desempenho que podem ser aplicados a sujeitos de no mínimo 17 anos de idade, sem limite máximo, organizado em oito seções, conforme apresentado na Tabela 1.

 

 

Um dos aspectos desse instrumento que tem recebido mais críticas é seu sistema de pontuação e correção. O manual instrui que os dados sejam encaminhados para a editora nos EUA a fim de que sejam corrigidos, embora já se conheça esforços e contatos com a editora para que se desenvolvam critérios no Brasil que dêem conta dessa importante etapa da avaliação. Para esse estudo, no entanto, utilizou-se a correção pelo critério de consenso. Dessa forma, a pontuação para cada item era obtida de acordo com a porcentagem de sujeitos que optavam pela mesma alternativa de resposta. A porcentagem do consenso era, então, transformada em pontos que compunham o escore de cada uma das oito sessões do teste.

Procedimentos

O Projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade São Francisco. Os dados foram obtidos por meio da aplicação coletiva do MSCEIT, em sessão única, após contatos e acertos com a instituição selecionada para a devida autorização e agendamento, em sujeitos com idade igual ou superior a 17 anos. Os testes foram aplicados após os sujeitos terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cuja 2ª via permaneceu em seu poder, e estarem cientes dos objetivos da pesquisa e da preservação do sigilo. A fim de controlar o efeito fadiga, optou-se por dividir o MSCEIT em duas partes, em forma de dois cadernos, um com as primeiras quatro seções e outro com as quatro últimas, utilizando-se a primeira parte em metade do grupo e a outra parte na outra metade, alternando em seguida. As análises foram realizadas por meio do Programa SPSS (Statistics Program for Social Sciences).

 

Resultados e Discussão

O trabalho buscou evidência de precisão e validade do MSCEIT para medir a Inteligência Emocional. A precisão foi investigada por meio do índice Alpha de Cronbach que observou a consistência total do instrumento e de seus subtestes. A validade de construto foi investigada por meio de Análise Fatorial, método de rotação Varimax. Por questão de organização didática, optou-se por dividir a apresentação dos resultados em três partes distintas. A primeira traz os dados da estatística descritiva do MSCEIT. A segunda parte apresenta os índices de precisão por subtestes e total do instrumento, e a terceira apresenta a análise fatorial.

1. Estatística descritiva

Foram realizadas duas análises quanto à estatística descritiva do MSCEIT, enfocando dois aspectos do instrumento. A primeira a partir dos subtestes do mesmo e a segunda com base nas áreas e facetas que correspondem à sua estrutura teórica. Tais análises podem ser visualizadas na Tabela 2. A maior média foi constatada no subteste Transição (M=41,44) e a menor na de Relações (M=33,91).

Um fator a ser considerado quanto à maior média em Transição é o tipo de resposta em forma de múltipla escolha, diferente dos demais subtestes, e que pode ter influência na facilidade com que o sujeito interpreta o item. O maior desvio-padrão observou-se em Figuras (DP=10,42) enquanto o menor, em Transição (DP=6,78).

 

 

No que diz respeito às facetas do MSCEIT, a estatística descritiva apontou para a maior média em Compreensão de emoções (M=38,69) e a menor em Gerenciamento de emoções (M=34,98). Nessa última faceta ainda se concentraram o maior desvio-padrão (DP=8,41) e os valores mínimo (12,14) e máximo (51,32). A Tabela 2 também apresenta os dados referentes às duas áreas amplas e ao total da IE.

2. Índices de precisão

Conforme já descrito na introdução deste trabalho a precisão indica o grau de "consistência dos escores obtidos pelas mesmas pessoas quando elas são reexaminadas com o mesmo teste em diferentes ocasiões, ou com diferentes conjuntos de itens equivalentes, ou sob outras condições variáveis de exame" (Anastasi & Urbina, 2000, p 84). Precisão, portanto, indica baixo índice de erros de medida ou influência de outras variáveis não relevantes e que venham a comprometer a confiabilidade da interpretação dos resultados (Cronbach, 1996). Antes, porém, da apresentação e discussão dos dados relativos à precisão do MSCEIT, faz-se necessário esclarecer que, para essa finalidade, optou-se pelo índice Alpha de Cronbach (a), por se tratar de técnica adequada para as análises realizadas nessa pesquisa, levando-se em consideração os sujeitos terem sido submetidos a uma única aplicação de cada instrumento, bem como o formato dos itens de alguns subtestes do MSCEIT serem escala Likert (Anastasi & Urbina, 2000).

Vale esclarecer ainda que a resolução 002/2003 do CFP (2003), que regulamenta os critérios básicos para o uso, construção e comercialização de testes psicológicos no Brasil, estabelece níveis de precisão de excelente a bom (Nível A) quando os índices se apresentam acima de 0,60 e suficiente (Nível B) quando apresentam coeficientes 0,60 ou alguns índices abaixo desse valor limite. É importante ressaltar que publicações internacionais estabelecem limites diferentes para a avaliação dos índices de precisão (Prieto & Muñiz, 1999), e que estes, por sua vez, variam de acordo com o número de itens do instrumento. Nessa relação, quanto menor for a quantidade de itens, maior a necessidade de altos índices de precisão, para que o instrumento apresente qualidade satisfatória.

Conforme apresentado na Tabela 3, observaram-se coeficientes de precisão satisfatórios e acima de 0,60 para quase todos os subtestes do MSCEIT, com exceção apenas dos subtestes Transição (a=0,54) e Combinação (a=0,51), ambos correspondentes à faceta Compreensão das emoções (a=0,62). Esta situação foi verificada também no trabalho de Dantas (2004) que apontou índices ainda menores de precisão nos mesmos subtestes Transição (a=0,10) e Mistura (a=0,05) e na faceta Compreensão das emoções (a=0,19).

O fato de esses baixos índices terem sido encontrados nos mesmos itens e em grupos de sujeitos diferentes poderia sugerir problema de consistência nesses dois subtestes do instrumento. Em resposta, Mayer e cols. (2003) apresentam melhores índices de precisão em Transição (a=0,70), Mistura (a=0,66) e no total dos subtestes (a=0,93). No que tange aos dados analisados nessa pesquisa, pode-se considerar que o instrumento, no total (?=0,90), apresentou índice de precisão de excelente a bom (nível A), segundo as normas do CFP. A constatação de subtestes com índices abaixo de a=0,60, no entanto, sugerem cautela aos usuários do instrumento quanto à sua interpretação. Pesquisas recentes em amostras brasileiras têm apresentado índices de precisão geral do MSCEIT em graus semelhantes, como os trabalhos de Cobêro (2004) e Dantas (2004) que apresentaram, respectivamente, a=0,84 e a=0,82.

 

 

3. Análise fatorial do MSCEIT

A análise fatorial é um tratamento estatístico que permite agrupar variáveis provenientes de escores de testes aplicados a um grupo de sujeitos, ou neste caso específico, escores provenientes dos subtestes do mesmo instrumento, de forma a verificar quantos fatores são necessários para explicar todas as variáveis presentes. É uma importante técnica na pesquisa de evidências de validade de construto porque permite analisar a configuração dos dados coletados pelo teste em relação ao arcabouço teórico subjacente ao construto (Anastasi & Urbina, 2000).

Como pode ser visualizado na Tabela 4, a análise pelo método de rotação Varimax e extração por componente principal apresentou-se aparentemente inadequada, tomando-se por referência o modelo teórico que fundamentou a construção do instrumento, baseando-se nas duas áreas amplas da IE, experiencial e estratégica, e nas quatro facetas, percepção, facilitação, compreensão e gerenciamento (Mayer, Salovey & Caruso, 1999). Os quatro primeiros subtestes (faces, figuras, facilitação e sensação) apresentaram cargas no fator 1, que teoricamente, corresponderia à área experiencial. Os dois últimos subtestes (administração e relações) apresentaram cargas no fator 2, correspondendo à área estratégica, enquanto o quinto e o sexto subteste (transição e mistura) apresentaram cargas num terceiro fator, que segundo o modelo teórico, deveria corresponder também à mesma segunda área. Esses três fatores foram responsáveis por 61,5% da variância dos escores dos diferentes subtestes com eingenvalues 2,90, 1,10 e 0,95, respectivamente, conforme Figura 1.

 

 

Esses dados se diferenciam dos obtidos na pesquisa norte-americana utilizando o MSCEIT, aplicada em 2.112 sujeitos (Mayer & cols, 2003), em que os autores defendem um modelo de dois e quatro fatores como mais adequado, e das pesquisas brasileiras (Dantas, 2004; Cobêro, 2004) que apresentaram solução em dois fatores. A característica distinta é o fato de os subtestes da faceta Compreensão das emoções, que teoricamente seriam provenientes da área estratégica, junto com os subtestes da faceta Gerenciamento das emoções, apresentarem cargas fatoriais num fator distinto, o que levaria a supor tratar-se de uma terceira área, em desacordo, portanto, com o modelo teórico proposto. Entretanto, os dados discutidos na sessão sobre precisão, em relação aos índices do MSCEIT, sugerem uma interpretação plausível para essa aparente inadequação quanto aos dados da literatura. Visto que os subtestes Transição e Mistura, que compõem a faceta Compreensão das emoções, foram os únicos a apresentar índices de precisão abaixo do desejável (a=0,60) de acordo com o CFP (2003), é provável que sejam os responsáveis pela configuração de um terceiro fator, que na verdade teria sido resultado do deslocamento desses subtestes que, caso se apresentassem mais precisos, poderiam ter sido alocados no segundo fator, compondo assim as duas facetas da segunda área do modelo teórico. Nesse caso, a aparente inadequação ao modelo de dois ou quatro fatores poderia ser justificada em razão de características de precisão dos subtestes.

 

 

Considerações finais

A hipótese subjacente que se buscou comprovar é a de que os resultados encontrados na aplicação do Mayer, Salovey & Caruso, Emotional Intelligence Test (MSCEIT), se ajustam perfeitamente ao modelo teórico proposto pelos autores do instrumento. Segundo estes, o conceito de Inteligência Emocional indicaria um construto que abrange duas áreas amplas (experiencial e estratégica) que se dividem em quatro facetas (percepção, compreensão e gerenciamento das emoções e facilitação do pensamento). Em vista disso a presente pesquisa objetivou investigar as propriedades psicométricas de precisão e vaidade de construto do MSCEIT.

Torna-se importante, nessa parte do trabalho, contextualizar os objetivos dessa pesquisa com a situação atual da área de avaliação psicológica, na qual ela se insere, ressaltando assim a relevância dos resultados em função dos mesmos objetivos que foram propostos. A testagem psicológica, apesar de não ser uma atividade nova, tem vivido um momento de grande interesse e retomada no esforço de pesquisa, buscando aprimorar suas técnicas, tanto no âmbito da psicologia no Brasil quanto internacionalmente (Noronha & Alchieri, 2002). Entretanto, quanto à construção, aprimoramento e pesquisas que contribuam para a melhoria da qualidade de instrumentos de avaliação psicológica, o Brasil ainda se encontra em situação bas-tante desfavorável (Noronha, 2002). Esse panorama, no entanto, vem se alterando e já são notórias as mu-danças que vêm contribuindo para o avanço dessa área no Brasil.

Esta pesquisa foi um esforço para contribuir nesse sentido, e acredita-se terem sido alcançados os objetivos a que se propôs, contribuindo com dados empíricos que se somam aos estudos que elucidam as questões atuais e controversas que permeiam a IE e sua mensuração.

Vale ressaltar que os dados levantados e discutidos nesse trabalho, e que se soma a todo o esforço científico para construir um tratamento adequado e um arcabouço teórico sólido para o construto da IE, apontam para um campo de estudos promissor, porém ainda carente de subsídios empíricos, pelo menos se comparado a outros construtos já solidamente estabelecidos da psicologia. Isso deveria levar-nos à cautela e senso crítico ao tratarmos de conclusões e afirmações, às vezes, demasiadamente contundentes relacionadas à IE, como infelizmente é comum na literatura não científica.

O primeiro objetivo específico dessa pesquisa refere-se a comprovar a adequação do instrumento MSCEIT ao modelo teórico defendido por seus autores, segundo os quais, a IE se estrutura a partir de duas áreas amplas (Experiencial e Estratégica) e quatro facetas (Percepção, Facilitação, Compreensão e Gerenciamento). Eles apresentam estudos nos quais, por meio de Análise Fatorial e utilizando uma amostra de 2.112 sujeitos, encontram solução fatorial que corrobora esse modelo (Mayer et al, 2003).

A Análise Fatorial realizada na amostra de sujeitos aqui avaliada pareceu adequar-se melhor a um modelo de três fatores, que seriam: Percepção, Compreensão e Gerenciamento emocional. Esse resultado incluiria a faceta Facilitação do Pensamento no mesmo fator da Percepção emocional, o que resulta em certa diferença estrutural em relação ao modelo teórico de quatro fatores. Assumindo-se um modelo de dois fatores a partir das duas áreas amplas da IE, como sendo a melhor solução fatorial para os dados desta pesquisa, é plenamente possível argumentar que o terceiro fator que apareceu composto pelos dois subtestes da faceta Compreensão das emoções, na verdade, teria deslocado estes da segunda área ampla (Estratégica) por terem apresentado níveis psicométricos insatisfatórios, como mostra a análise da precisão do instrumento.

O segundo objetivo a ser contemplado trata dos índices de precisão do MSCEIT. A técnica adotada foi o Alfa de Cronbach (a), e, por meio das análises realizadas, a precisão do instrumento, se mostrou de excelente a boa (nível A), segundo as normas do CFP (2003), em todas as áreas e facetas do instrumento que apontaram índices acima de 0,60. Somente a faceta Compreensão ficou abaixo desse limite em seus dois subtestes, Transição (a=0,53) e Mistura (a=0,51). O índice de precisão total da IE mostrou-se excelente (a=0,90), permitindo a conclusão de que, corroborando os dados de outras pesquisas já apontadas nesse trabalho, o instrumento tem apresentado níveis satisfatórios nesse aspecto dos parâmetros psicométricos (Mayer & cols, 2003; Cobêro, 2004; Dantas, 2004).

Enfim, após as hipóteses terem sido avaliadas e os objetivos da pesquisa contemplados de forma satisfatória, acredita-se que o trabalho, ora apresentado, tenha contribuído para o avanço das pesquisas que pretendem elucidar as questões relacionadas com a IE como construto científico e, mais especificamente, para o refinamento do MSCEIT como instrumento que merece investigação e aprimoramento de seus parâmetros psicométricos. Evidências de validade e precisão foram objetivos razoavelmente alcançados; no entanto, faz-se necessário que novas pesquisas sejam realizadas e novos dados sejam acrescentados para suprir as deficiências apontadas e permitir o avanço do estabelecimento da Inteligência Emocional como um construto sólido e científico.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rua Galileu Galilei, 854, ap 12, CEP: 140120-620 - Ribeirão Preto - SP - Tel.: (16) 3021-5684
E-mail: agjjunior@hotmail.com

Recebido em outubro de 2008
Revisado em novembro de 2008
Aprovado em dezembro de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Adauto Garcia de Jesus Junior é psicólogo, docente do curso de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo. Mestre em Psicologia pela Universidade São Francisco.
** Ana Paula Porto Noronha é psicóloga, doutora em Psicologia: Ciência e Profissão pela PUC-Campinas. Docente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista de produtividade do CNPq.