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Latin American Journal of Fundamental Psychopathology On Line

versão On-line ISSN 1677-0358

Lat. Am. j. fundam. psychopathol. on line v.5 n.1 São Paulo maio 2008

 

ARTIGOS

 

Migração e Phatos

 

Migration and Pathos

 

 

Daniela Escobari* ; Manoel Tosta Berlinck**

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

De acordo com Berlinck "as relações entre cultura e personalidade fazem parte de uma longa tradição antropológica. Mais recente e menos trabalhadas por especialistas, são as relações entre cultura e psiquismo, principalmente quando este inclui o inconsciente freudiano"(Berlinck, 2007, p. 7). Compartilhando desse pensamento, este artigo se propõe a tentar realizar uma possível articulação entre migração e psiquismo a partir da psicanálise e da Psicopatologia Fundamental onde, a partir de um relato de caso será trabalhada a condição páthica do sujeito migrante aproximando a migração ao lugar estrangeiro próprio do analista na clínica.

Palavras-chave: Migração, Psiquismo, Psicopatologia Fundamental, Analista, Estrangeiro.


ABSTRACT

According to Berlinck, "the relationships between culture and personality are part of a long anthropological tradition.  More recently and less developed by specialists, are the relationships between culture and psyche, principally when this includes the Freudian unconscious."(Berlink 2007, p 7).  Sharing this thinking, this article proposes to develop a possible link between migration and psyche based on psychoanalysis and Fundamental Psychopathology, where based on a case study developed in pathic condition of a migrating subject to the foreign place of the analyst himself in his clinical work.

Keywords: Migration, Psyches, Fundamental Psychopathology, Analyst, Foreigner


RESUMÉ

Selon Berlinck "les relations entre culture et personnalité, font partie d'une longue tradition anthropologique. Les relations entre culture et psychisme sont plus récentes et moins travaillées par les spécialistes, surtout quand celui-ci inclu l'inconscient Freudien ». (Berlinck, 2007, p.7) Étant d'accord avec cette pensée, cet article propose d'essayer de réaliser une possible articulation entre migration et psychisme, à partir de la psychanalyse et de la Psychopathologie Fondamentale où, à partir de l'exposé d'un cas, on travaillera la condition pathique du sujet migratoire, en approchant la migration du lieu étranger propre à l'analyste à la clinique.

Mots clés: Migration, Psychisme, Psychopathologie Fondamentale, Analyste, Étranger.


RESUMEN

De acuerdo con Berlinck "las relaciones entre cultura y personalidad hacen parte de una larga tradición antropológica.  Mas recientemente y menos trabajada por especialistas, son las relaciones entre cultura y psiquismo, principalmente cuando este incluye el inconsciente Freudiano"(Berlinck 2007, p.7).  Compartiendo este pensamiento, este articulo se propone realizar una posible articulación entre migración y psiquismo a partir de la psicoanálisis y de la Psicopatología Fundamental, donde a partir de un relato de caso será trabajada la condición páthica de un sujeto emigrante, aproximando la migración al lugar extranjero propio del analista en su clínica.

Palabras clave: Migración, Psiquismo, Psicopatología Fundamental, Analista, Extranjero.


 

 

Migração e a Psicopatologia Fundamental

Berlinck, a partir da Psicopatologia Fundamental sugere que o "estrangeiro que (...) provocaria uma tonalidade afetiva fundamental, uma disposição, afeto, pathos, disposição de humor, etc. e que é esta natureza estrangeira que irá remeter o psicoterapeuta ao seu lugar próprio de aquele que acolhe o habitante de uma outra pátria, desconhecida e distante, onde se fala uma língua desconhecida"(Berlinck, 2004, p. 111). A função analítica disparada pela estrangeiridade também é ressaltada por Bordieu (1998), que se refere especificamente ao sujeito da migração: "O `imigrante' funciona, (...) como um extraordinário analista das regiões mais obscuras do inconsciente" (p. 9).

Neste sentido, ser migrante, ou estar num país estrangeiro confronta o sujeito consigo mesmo, podendo remeter à questão das origens ou, por que não falar, ao que há de infantil no sujeito? Ou, nas palavras de Catherine Koltai (2000): "Chegar num novo país ou numa nova cidade nos obriga a recolocar a questão de quem somos, qual a nossa relação com nossos antepassados, o que foi que deixamos para trás e quem somos em relação à criança que havíamos sido" (p. 101).

Desta maneira, a partir da posição da Psicopatologia Fundamental é possível considerar o migrante em sua condição páthica, ou de sujeito, tal qual é concebida pela psicanálise, de um sujeito dividido, implicado em sua história e subjetividade, porque atravessado por um desejo que é inconsciente. Neste sentido, o fenômeno da migração a partir da posição da Psicopatologia Fundamental se distancia das outras ciências e se desnaturaliza, perdendo qualquer significação a priori.

A partir da Psicopatologia Fundamental, que é antes de mais nada uma posição, é possível reconhecer a existência e dialogar com outras posições existentes na pólis. Desta forma, não é intenção ignorar a sobredeterminação de fenômeno tão plural ou subestimar outros enfoques; e sim propor uma leitura da questão migratória em outra perspectiva, a partir da singularidade do sujeito, já que a migração, fenômeno aparentemente coletivo, parece ter efeitos singulares e/ou se revelar como uma viagem tão individual e solitária quanto uma análise, aspecto que ressalta a estreita relação entre cultura e psiquismo. Nesse sentido, o relato clínico se configura como uma via de compreensão privilegiada, uma vez que se propõe a escutar a narrativa de uma experiência singular. Pois a narrativa se diferencia dos fatos e dados estatísticos disponíveis acerca da migração. Nas palavras de Benjamim (1985):

Ela (a narrativa) não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (p. 14 2)

É por meio da narrativa que pathos aflora e transforma uma vivência em experiência. Pathos, além de sofrimento, deriva-se de "paixão" e "passividade". "Quando pathos acontece, algo da ordem do excesso, da desmesura se põe em marcha sem que o eu possa se assenhorar desse acontecimento, a não ser como paciente, como ator"(Berlinck, 2000, p. 18).

Nesse sentido, a Psicopatologia Fundamental coloca o clínico num lugar muito específico que, sustentado pela transferência, interroga-se e propõe-se a refletir acerca dos enigmas que surgem da escuta de seus pacientes. É a partir desse lugar que será relatado abaixo vinhetas de um caso clínico de uma paciente migrante.

 

Caso Clínico

Ana é uma paciente que quer curar-se da dor da perda de um amor e elaborar esse luto. O término do relacionamento é concomitante ao retorno de uma migração para o Chile.

Apresentando intensas oscilações de peso, revela na análise a intenção de resolver a questão de um distúrbio alimentar. Oriunda de família italiana, descreve que em sua cultura - de refeições fartas e celebrações ao redor da mesa - não podia deixar de comer, já que, nas palavras da paciente:

"Não comer significava não amor" no contexto em que se encontrava. Diante dessa situação, segundo conta, somente lhe "restava ficar na mesa como uma pedra, querendo ser transparente, porque ouvia a minha mãe brigar com minha irmã, que fazia regime e ia ficar muito magra; enquanto que eu comia tudo para que a mãe não brigasse comigo. Eu acho que a minha mãe não amava a minha irmã. Em outras vezes, minha mãe não queria saber se eu estava com fome ou não e colocava um prato cheio na minha frente para eu comer e queria que a comida descesse goela abaixo".

Desenvolve a partir daí uma compulsão por comer, sem controle e sem se dar conta do porquê; revelando um excesso, uma desmesura. Toma medicações para controlar a maneira como esta paixão/ pathos se expressa.

Alguns meses após o início da análise, casa-se com outro homem, um estrangeiro, e muda-se do Brasil para os Estados Unidos em seu segundo movimento migratório. As sessões passaram a ocorrer pelo telefone e pessoalmente quando a paciente vinha visitar a família no Brasil. Começa a descrever com muito sofrimento a relação no casamento, permeada de muita ternura, mas de pouca intensidade sexual por parte do marido.

Passa por uma difícil adaptação nos Estados Unidos, que é incrementada pela dificuldade em aprender a língua. Fica sem saber como funcionar no país estrangeiro e nem comunicar-se. Em algumas sessões, desespera-se e tem vontade de voltar ao Brasil. Em outras, começa a trazer associações sobre o que morar em outro país lhe proporciona.

"Ser estrangeira é ser anônima e livre de rótulos. Ao `navegar' posso experimentar sem cobranças, porque o fato de ser estrangeira me dá uma desculpa - assim não tenho tantas cobranças. Aqui neste país eu me ouço mais. Aqui as pessoas me consideram estrangeira e por isso fazem um esforço para me entender, me decifrar. Eu nesta terra estranha não venho com um rótulo. Tenho mais liberdade para me vestir e as pessoas te ouvem mais sobre as suas dores, sobre a saudade. No Brasil, todo mundo já dá por entendido o que você está sentindo, por falarem a mesma língua, e nessas eu fico como um cão só obedecendo ordens."

Depois de dez anos tomando medicação para emagrecer, resolve parar quando estava nos Estados Unidos.

"Quando eu como eu consigo não mudar - as coisas em minha volta continuam mudando. Eu não sei se estou pronta para a mudança. Eu preciso me distrair porque se eu ficar comigo eu não agüento. Eu não sei do que gosto ou não gosto e se eu ficar magra acho que vou perder a minha essência. Tenho muito medo".

Vir ao Brasil era motivo de muito sofrimento, uma vez que ao chegar no país passava seus dias na casa da mãe, deitada ao seu lado no sofá - prática freqüente da mãe - completamente impossibilitada de fazer qualquer outra atividade. Além disso, percebeu-se na volta, nos Estados Unidos, também deitada no sofá, e percebe-se tal como sua mãe no Brasil. Surpreende-se com a constatação de que o marido ao vê-la em posição de tamanha apatia, acaba ocupando a posição daquele que tenta retirá-la do sofá. A expressão "estar deitada no sofá" passa a ser um significante importante nos atendimentos. Em determinada sessão revela:

"Eu não posso voltar para o Brasil porque eu fico muito afetada com os cachorros abandonados na rua. Eu tenho pena do cachorro da minha mãe. Eu descobri que eu quando estou no Brasil e os dois cachorros passamos o dia inteiro andando atrás da minha mãe. Eu tento levá-los para passear, me dá desespero de ver que tem um jardim e eles não conseguem sair do lado da minha mãe. Ter independência, ir para a vida... ( a paciente se emociona). O cachorro não é dono de si mesmo, ele tem dono. É horrível ficar ao lado da minha mãe no sofá. É engraçado porque nos Estados Unidos pelo menos, quando sou eu quem fico no sofá, pelo menos eu posso escolher os programas que eu quero ver. (Os Estados Unidos como a possibilidade mínima de algum espaço). Se acontecer algo com meus pais é a gotinha que falta para eu ficar louca. Sem a minha mãe eu não sobrevivo. Acho que largaria marido, filhos... Por tempo indeterminado..." Se recorda que o marido em sua própria análise a descreve como um cachorro para ele, fiel, terna.

Sobre sua experiência estrangeira anterior - que considera, em análise, frustrada - descreve:

"Quando eu fui morar no Chile fiquei muito deprimida na volta, porque fui e fiz tanto esforço para andar para frente, com as minhas próprias pernas... Sabe quando você sai da cadeia aí te pegam e você volta? Quando eu voltei do Chile eu voltei para a mesma situação. Para o meu quarto cor-de-rosa que eu tinha desde pequena, com o mesmo teto, a mesma parede... Desde que eu tinha onze anos de idade, e nada tinha mudado. Foi desesperador. Digladiei com a minha mãe para que eu pudesse mudar o quarto, para ver se mudava o ambiente ao meu redor... Mas ela não deixava. Acho que é o que busco quando mudo de país. Busco ambiente livre, sem essas vozes que me dizem sempre o que eu tenho que sentir ou fazer".

A paciente é escutada na análise como se dissesse que a mãe está numa meia existência. A mãe fica no sofá, e ela ao lado da mãe ou, como os cachorros, seguindo a mãe pela casa. No sofá, na meia existência, faz uma complementaridade da existência precária da mãe, no lugar de falo da mãe. Um conceito básico da psicanálise diz respeito à transferência: se o sujeito tem uma relação primitiva com a mãe irá repeti-la transferencialmente na sua relação amorosa. No que diz respeito à sua erótica, lá está ela, igualmente no sofá e o marido tentando tirá-la desse lugar. O marido, entrando também com a sua subjetividade, tenta tirar a paciente do sofá e torna-se uma espécie de "terapeuta mal treinado", certamente dando-se conta e incomodado com o sintoma dela, fazendo o que está ao seu alcance, segundo sua subjetividade. Esta certamente é uma relação outra, que não a de um amante apaixonado.

"Quando cheguei aos Estados Unidos e estava estudando e ficava como dona-de-casa eu ficava sozinha, e dormia o tempo todo, ficava acordada somente na aula de arte."

Digo à paciente que na análise (tanto por telefone, como pessoalmente) ela me parecia muito presente.

"É que na análise eu estou de corpo presente, aqui eu consigo dar nome aos bois e tenho a esperança de que pode ser diferente. Aqui com você eu acho que produzi muito, mesmo estando no Brasil. Aqui (na análise) acho que é a minha embaixada, onde tenho um certo asilo político".

Etchegoyen (2004, p. 245) propõe um triângulo como possibilidade de interpretação que abarca três aspectos, o passado relacional, a crise contemporânea e a transferência. No caso de Ana temos:

1) O passado relacional, ou seja, o histórico de como ela lida com a imago materna dela;

2) A crise contemporânea, que é o sintoma no casamento ou como ela produz o passado;

3) Na transferência, sente-se diferente (estranha) de como se mostra para as outras pessoas. Em consulta, sente que pode se levar a sério. Em suas associações, então, surge o fato de que o espaço analítico é uma "embaixada", "asilo político", querendo dizer que, no espaço analítico, ela pode existir, que a analista não é uma pessoa deitada no sofá em sua meia existência – e a paciente, tendo que complementar – e nem tendo a intenção desesperada de tirá-la desse lugar, como precisa fazer o marido.

Nesse sentido, é como Lacan diria sobre o analista morto enquanto ego: "Aqui o analista não é nada". Fédida (1988) fala que o estranho abre para a fala e que, entre as dificuldades da prática de analistas, não é das menores a de se manter nesse sítio do estranho ou, como diria Freud, numa cena radicalmente diferente da do paciente.

Ser o estranho confere sua plena significação ao neutro, exatamente segundo a acepção da recepção atonal que constitui o lugar recolhido das ressonâncias potencialmente mais favoráveis. O neutro é, portanto, caracterizado aqui pela capacidade de recepção (o analista recebe) que confere a máxima `chance'de linguagem: é instaurado por esta recusa da resposta, pois é a não-resposta que dispõe da negatividade constitutiva da linguagem. O neutro-estranho não é, portanto, um comportamento, mas um lugar fundante das transferências e de engendramento da tradução da fala nela mesma através da mediação da comunidade humana da língua. (Fédida, 1988, p.80)

Se o analista se coloca como uma mãe no sofá – ou uma mãe intrusiva – já está condicionando a existência do paciente. Quando se recusa a encenar qualquer cena e se coloca simplesmente receptivo e morto como sujeito, possibilita realizar essa capacidade de recepção, conferindo a máxima chance de atividade, de existência. É essa capacidade de recepção que põe a passividade de pathos em atividade.

Na transferência, essa posição oferece sempre um imenso desafio ao analista: o espaço analítico pode ser um asilo, com um caráter transitório, porque se um refugiado vai a uma embaixada e de lá não sai, o espaço que poderia ser de abertura para o novo ou para o estranho adquire características de uma prisão. Neste sentido, a experiência do estranho ou do estrangeiro promoveria algo mais próximo a uma "metáfora congelada" (Debieux, 2007) abrindo diante do desconhecido uma precipitação para o que na clínica pode ser observado quando pacientes incorporam a identidade do analista passando a ser uma cópia mal-feita do mesmo; ou, de sujeitos que, se falamos da experiência da migração, fazem uma cristalização identitária social e/ou nacional tornando-se a partir daí a "brasileira gostosa", "o brasuca", "o imigrante", ou adquirindo quaisquer rótulos que, por serem imaginarizados, pouco revelam acerca desses sujeitos.

Nesse sentido, é interessante notar que na relação transferencial Ana se refere às sessões como "nossa aula". Anota todos os comentários da analista e se comporta como uma excelente aluna. Nessa equação, em que a analista é sua mestre e a mestre pode ser dona (como a de um cachorro), ela convida a analista a ser a sua nova gestora, a gestora de sua vida. É aí que a posição transferencial se torna um desafio – a mãe no sofá, o marido na retirada desesperada do sofá, e a analista? A analista não deve propor nada. Pode oferecer o espaço ou um ateliê, ou o que Winnicott (1975, p. 93) chama de "espaço potencial". O analista pode ser um host, oferecer um lugar que acolhe, mas não pode oferecer mais nada, a não ser no sentido que traz essa paciente, como faria um embaixador. Esse "asilo" oferecido pelo embaixador-analista é um lugar que, por seu aspecto de neutralidade, pode estar ausente de perseguição ou de ataques terroristas. É essa posição de não-familiaridade por parte do analista que traz a possibilidade de haver algum confrontamento da paciente com seu próprio eu.

Ana parece precisar dessa ausência de violência, espaço que tanto a análise quanto a experiência estrangeira lhe proporcionam. A ilegalidade, segundo o relato de alguns pacientes, também parece adquirir essa mesma característica: um espaço, uma liberdade para ser, onde se está mais distante de uma certa violência. A escuta de alguns migrantes faz pensar que a ilegalidade ou o espaço analítico, já que no man´s land1, pode se aproximar por vezes mais de uma idéia de refúgio, do que propriamente de um encontro com o estrangeiro. Seria neste refúgio, lugar que não é dado a priori, onde há uma anomia, uma condição de não-ser; aspectos que podem preceder, ou não, um vir-a-ser.

Ao querer trocar de país, Ana parece colocar a casa e a pátria como símbolos da extensão dos pais. Em Winnicott (1982, p. 165) podemos ver claramente a associação entre ambiente e mãe ou ainda o útero como a primeira casa. Quando se propõe a trocar de país, tenta mudar a sua relação com suas imagos parentais. Sonha sair do sofá, mas se encontra no sofá, daí sua decepção. Chega em outro país e repete o padrão transferencial, mas, a partir do estrangeiro, do neutro, pôde ver de uma outra cena, parecendo aproximar a experiência da migração à de uma função analítica.

Desta forma, pode-se pensar que Ana, bem como alguns migrantes (especialmente os que se auto-exilam) poderiam estar optando, então, por uma mudança de país, afastamento da terra de origem, apostando numa movimentação que pudesse lhes propiciar um deslocamento de lugar psíquico por eles ocupados, tal qual um sujeito tenta fazer em análise.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Daniele Escobari
R Haddock Lobo 1331/ 601
01414-003 São Paulo, SP, Brasil
E-mail: escobari@terra.com.br

Rua Tupi, 397/103
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Telefax: (11) 3825-8573
E-mail: mtberlin@uol.com.br

Recebido em dezembro de 2007
Aceito em março de 2008

 

 

* Psicóloga; psicanalista, mestranda no Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP (São Paulo, SP, Brasil); membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA (Porto Alegre, RS, Brasil). Possui um Master´s Degree em Intercultural Relations pela Lesley University (Massachusetts, USA).
** Sociólogo; psicanalista; Ph.D. pela Cornell University; professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, onde dirige o Laboratório de Psicopatologia Fundamental (São Paulo, SP, Brasil); presidente da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (São Paulo, SP, Brasil); editor responsável de Pulsional Revista de Psicanálise e da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental; diretor da Editora Escuta e da Livraria Pulsional – Centro de Psicanálise; autor de Psicopatologia Fundamental (São Paulo: Escuta), entre outros.
1 Terra de ninguémslocamento de lugar psíquico por eles ocupados, tal qual um sujeito tenta fazer em análise.

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