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Latin American Journal of Fundamental Psychopathology On Line

versão On-line ISSN 1677-0358

Lat. Am. j. fundam. psychopathol. on line v.5 n.1 São Paulo maio 2008

 

ARTIGOS

 

Críticas à psicanálise, o enfoque fenomenológico, a psicopatologia fundamental

 

Criticisms regarding psychoanalysis, the phenomenological approach, fundamental psychopathology

 

 

Sérgio de Gouvêa Franco*

Centro Universitário Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho apresenta a crise epistemológica em que se insere a psicanálise em particular e as ciências humanas em geral. Mostra como a psicanálise não está em condições de ser aprovada se os critérios de ciência forem os critérios positivistas. Aponta tentativas fracassadas de reformulação da psicanálise. Indica a radicalização necessária, que rompe com estes critérios positivos de ciência. O trabalho aproxima também a disciplina de Freud da fenomenologia de Husserl e mostra os limites desta aproximação. Por fim, coloca a psicanálise no contexto interdisciplinar da psicopatologia fundamental, onde a tensão e o conflito de posições são tolerados.

Palavras-chave: Crise Epistemológica, Psicanálise, Fenomenologia, Psicopatologia Fundamental.


ABSTRACT

This article discusses the epistemological crisis in course today, which encompasses not only psychoanalysis in particular, but the humanities in general. The article shows how psychoanalysis cannot be approved according to positivist criteria of science. Failed attempts at reformulating psychoanalysis are recalled and the author suggests that there is need for more radical approaches that will allow a break with these positive criteria of science. The text shows similarities between psychoanalysis with Husserl's phenomenology but also points out the limits of this approximation. Finally, psychoanalysis is placed in the interdisciplinary context of fundamental psychopathology, where tension and conflict among positions are tolerated.

Keywords:Epistemological Crisis, Psychoanalysis, Phenomenology, Fundamental Psychopathology.


RESUMÉ

Ce travail décrit la crise épistémologique dans laquelle se trouvent la psychanalyse en particulier et les sciences humaines en général. Il expose pourquoi la psychanalyse ne peut pas être acceptée tant que les critères de la science sont positivistes, décrit les essais fracassés de reformulation de la psychanalyse et définit la radicalisation nécessaire qui rompt avec les critères positivistes de la science. Ce travail rapproche encore la discipline de Freud à la phénoménologie de Husserl et montre les limites de ce rapprochement. Pour finir, il place la psychanalyse dans le contexte interdisciplinaire de la psychopathologie fondamentale, où la tension et le conflit des positions sont tolérés.

Mots clés: Crise Épistémologique, Psychanalyse, Phénoménologie, Psychopathologie Fondamentale.


RESUMEN

El trabajo presenta la crisis epistemológica que afecta al psicoanálisis, en particular, y a las ciencias humanas en general. Muestra cómo el psicoanálisis no está en condiciones de ser aprobado si los criterios de ciencia fuesen los criterios positivistas. Apunta para tentativas fracasadas de reformulación del psicoanálisis. Indica la radicalización necesaria que rompe con esos criterios positivistas de ciencia. Aproxima también la disciplina de Freud de la fenomenología de Husserl y muestra los límites de esa aproximación. Por último, coloca el psicoanálisis en el contexto interdisciplinario de la psicopatología fundamental donde la tensión y el conflicto de posiciones son tolerados.

Palabras clave: Crisis Epistemológica, Psicoanálisis, Fenomenología, Psicopatología Fundamental.


 

 

Psicanálise e as ciências da observação

É bom lembrar que a psicanálise tem sido submetida a um intenso questionamento quanto ao seu caráter científico, especialmente nos países de cultura inglesa e norte-americana. Não quero mencionar ataques raivosos, francamente ideológicos, que partem daqueles que finalmente desejam ocupar os espaços deixados por um suposto declínio da psicanálise. Atemo-nos a questionamentos mais sóbrios, mais serenos, e intencionalmente mais distantes no tempo. De qualquer forma, o século que acabou assistiu a uma verdadeira tempestade epistemológica sobre a disciplina fundada por Freud. O resultado deste tipo de investigação em geral não tem sido nada favorável à psicanálise. Falta a ela os mínimos requisitos de uma teoria científica, dizem os estudiosos.

Para explorarmos um pouco a crítica dos lógicos podemos nos referir aos trabalhos de Ernst Nagel1. Nagel, juntamente com Rudolf Carnap, Hans Reichenbach, e Carl Hempel, é considerado um dos maiores expoentes do movimento positivista em filosofia da ciência. O seu livro A prova de Godel é considerado um dos mais importantes livros sobre filosofia da matemática do século XX. Sua crítica à psicanálise pode ser considerada devastadora. Ele afirma que se a psicanálise tem a pretensão de ser teoria científica, que sistematiza, explica e prevê certos fenômenos, então ela deve seguir aos critérios lógicos que todas as ciências da natureza ou ciências sociais seguem. Quais são estes critérios? Nagel enumera.

Primeiro ele afirma que toda teoria científica deve ter uma validação empírica. Para que isso seja possível é preciso deduzir conseqüências bem definidas de suas proposições teóricas. Além disto, é necessário definir quais são os processos que ligam a teoria a esses fatos empíricos. Talvez nem seja necessário dizer que a psicanálise não está em condições de atender essas exigências. As noções psicanalíticas são vagas e não podem ser empiricamente validadas. Se agregarmos aqui a crítica de Popper, a situação é ainda mais embaraçosa para a psicanálise. Popper afirma que não se sabe em que condições a teoria psicanalítica poderia ser refutada empiricamente. Ou por outras palavras, a psicanálise não se expõe a nenhum tipo de verificação empírica.

Em segundo lugar, Nagel diz que a teoria científica deve satisfazer uma lógica da prova. Em psicanálise, a interpretação – o elemento principal de seu método – precisaria ter critérios objetivos de validade. Em que condições uma interpretação deve ser considerada correta? Ela é correta porque é coerente, ou talvez porque a interpretação é aceita pelo paciente, ou ainda porque o paciente melhora? Mas para que fosse possível usar tais critérios de validade seria necessário definir processos objetivos de escolha entre as possíveis interpretações. Além disso, a interpretação deveria ser capaz de produzir previsões verificáveis empiricamente. Mas aparentemente nada disto está ao alcance da psicanálise. Toda produção analítica se dá na relação analista/analisando. A interpretação é, portanto, dependente do analista que oferece as interpretações. Dificilmente se poderia instituir um meio de se produzir interpretações independentes de um analista. Além disto, alegações de melhora em psicanálise não são passíveis de rigorosa investigação.

Os ataques encetados pelos lógicos parecem sem resposta, ao menos se tomarmos como referência a filosofia positiva e seus desdobramentos. Diante deles, alguns psicanalistas envidaram esforços no sentido de promover uma reformulação da psicanálise, que a tornasse aceitável frente às exigências de uma epistemologia científica. Este tipo de esforço tratou de aproximar a psicanálise da psicologia científica. Rapaport, um dos líderes desta reformulação da psicanálise, afirma que a psicanálise atende sim às demandas do rigor científico. Ele enumera três pontos que apontam na direção de que a psicanálise é mesmo uma ciência, uma ciência do mesmo modo que a psicologia científica2:

1. O objeto da psicanálise é a conduta, da mesma maneira que a psicologia científica, ainda que a psicanálise trate também de uma psicologia latente;

2. A psicanálise compartilha o ponto de vista gestaltista, assim os sistemas ou instituições da psique não são entidades, mas aspetos da conduta; e

3. Para a psicanálise toda conduta é conduta da personalidade integral. Assim a psicanálise satisfaz uma visão orgânica do ser humano, já que estabelece interconexões entre os sistemas e instituições do sujeito.

Segundo autores como Rapaport, ainda que seja necessário vários esforços de reformulação, finalmente seria possível integrar a psicanálise à psicologia científica. A psicanálise passaria a ser vista como mais uma entre outras "escolas" psicológicas. Neste caso seria necessário enfatizar temas como adaptação, estruturação e evolução no discurso analítico. A psicanálise, traria, inclusive uma contribuição para a psicologia em geral, graças à sua ênfase nos efeitos da pulsão relacionados ao processo primário. De fato, o que estes autores estariam patrocinando é um duplo movimento. Por um lado, a psicologia acadêmica estaria aceitando um campo motivacional maior que a consciência, indo na direção da psicanálise. Por outro, a psicanálise estaria sendo reformulada em termos de adaptação genética e de estruturação progressiva para se aproximar dos ditames da psicologia científica. Este tipo de desenvolvimento da psicanálise passou a ser conhecido como ego psychology e alcançou bastante proeminência nos USA, tendo ganhado particular impulso com os trabalhos de Hartmann. Dentro desta compreensão o ego passaria a ter essencialmente funções de adaptação.

A questão com estas reformulações produzidas no interior da psicanálise é que por um lado produzem um resultado que não satisfaz inteiramente às exigências da epistemologia científica e, por outro, não respeitam as contribuições próprias da psicanálise. Só uma reformulação radical da psicanálise seria capaz de colocá-la em condições de satisfazer os critérios e exigência de uma psicologia científica. Para ser rigoroso, só o behaviorismo de Skinner ou as novas versões do behaviorismo cognitivista estão em condições de responder afirmativamente a todas as exigências da demanda metodológica da ciência. Talvez devêssemos dizer que a versão hegemônica da psiquiatria contemporânea, fundada "em evidências", em estudos experimentais controlados por critérios estatísticos rigorosos, pode também reivindicar sucesso nestas provas. Aos olhos do positivismo lógico, a teoria psicanalítica não passa de um conjunto de metáforas fugidias sem nenhum rigor.

Para Skinner, o esquema explicativo de Freud segue o modelo tradicional que convida a buscar uma causa do comportamento humano no interior do organismo. Ou, em outras palavras, a explicação psicanalítica aponta para uma causa não observável, não manipulável, portanto, não científica. Assim, qualquer hipótese mais abstrata deveria ser abandonada como o id, a libido etc. caso se desejasse transformar a psicanálise em teoria científica. Se esta reformulação fosse possível, então a psicanálise precisaria ser reconhecida em bases inteiramente observáveis. Agora é preciso dizer que este trabalho é impossível. Como reconstruir a psicanálise em termos de estímulo/resposta? De fato seu material é clínico, não um material observado no sentido da psicologia científica. Trata-se de um material que aparece como fruto da interpretação, uma interpretação que ocorre em um ambiente intersubjetivo como a situação transferencial.

Neste ponto a radicalização é necessária: ou se estabelece uma diferença básica, fundamental, entre psicanálise e psicologia científica, ou então a psicanálise sempre estará na defensiva, sempre será vista como uma teoria com bases atrasadas e equívocas. As tentativas de reformulação da psicanálise, além de serem ineficientes em seu propósito de tornar a psicanálise aceitável frente às demandas de uma epistemologia científica, simplesmente desconhecem o caráter da experiência analítica. A aproximação que procuram com a psicologia científica é feita à custa da própria psicanálise. A conduta para a psicanálise, por exemplo, tem um caráter diferente que para a psicologia da observação. A mudança de conduta só importa enquanto mudança de sentido na história do sujeito. A conduta não é para ser observada, mas para ser interpretada. É um significante na história do desejo. O ponto aqui é: caso se aceite que a psicanálise deva ser enquadrada como um estudo da conduta observável, então é claro que ela é insuficiente. As reformulações mendigam a aceitação e deformam o seu conteúdo. A possibilidade de resposta da psicanálise às críticas da epistemologia científica só se dá mediante o esclarecimento de que a psicanálise opera em outro domínio, mais precisamente no domínio da linguagem. A psicanálise é um trabalho de palavra com o paciente, o que a psicologia científica não é. Caso se admita que a psicanálise não pertence ao domínio das ciências da observação, então é preciso procurar um outro contexto para estabelecer sua pertença3.

 

Enfoque Fenomenológico

Sabemos que Freud estudou com Franz Brentano na Universidade de Viena. Ficou muito impressionado com o filósofo a ponto de procurá-lo particularmente; adjetivou o de "gênio" (Gay, 1989, p. 43 e 44). Não só Freud, mas Edmund Husserl estudou com Brentano: antes de Husserl, Brentano tematizou o intencionalismo humano. Brentano foi desde a primeira hora um crítico da psicologia inaugurada por Wundt, no fim do século XIX na Alemanha: defendia uma psicologia científica baseada em observação fora e não dentro do laboratório como queria o professor de Leipzig (Schultz & Schultz, 1981, p. 93-95). Se a psicanálise não fica confortável no campo epistemológico das ciências da observação, há o campo alternativo aberto pela fenomenologia. Esta aproximação, no entanto, não deve ser feita com muitas expectativas, ela comporta encontros e estranhamentos.

O que importa dizer é que a fenomenologia nasce em meio a uma crise nas ciências humanas, que de certo modo permanece até hoje. Podemos repetir Merleau-Ponty:

A fenomenologia se apresentou desde seu início como uma tentativa para resolver um problema que não é o de uma seita: ele se colocava desde 1900 a todo o mundo, ele se coloca ainda hoje. O esforço filosófico de Husserl é, com efeito, destinado em seu espírito a resolver simultaneamente uma crise da filosofia, uma crise das ciências do homem e uma crise das ciências pura e simplesmente, da qual ainda não saímos. (Citado por Dartigues, 1972, p. 8.)

A crise em grande medida tem a ver com o modo como os estudos humanos se cristalizam sob a égide da filosofia positiva. Rigorosos, nota máxima em metodologia científica, aniquilam o humano dos estudos humanos, destroem os fundamentos do conhecimento quer científico, quer filosófico, do que se pretenderia estudar. Isso não significa uma proposta de retorno às concepções filosóficas especulativas anteriores ao aparecimento da psicologia científica. O que a fenomenologia pretende é um caminho médio, um positivismo superior, que rigoroso possa tratar do humano de um modo que o positivismo não pode.

Nenhuma filosofia reflexiva se aproximou tanto do inconsciente freudiano como a fenomenologia de Husserl e de alguns de seus seguidores. Não se deve iludir, entretanto, sobre os limites desta aproximação. O inconsciente freudiano não pode ser "apanhado" pela fenomenologia. A aproximação tem um sentido apenas didático: é possível aprender algo com ela. Trata-se de um procedimento de aproximação e de reconhecimento de diferenças que ajuda a determinar a especificidade do conceito freudiano.

A fenomenologia torna manifesto o desconhecimento do si inerente à consciência imediata. Neste ponto ela se aproxima da psicanálise que totalmente descrê da verdade da consciência imediata. Agora, se há uma reduçãometodológica, um epoché na linguagem de Husserl, é porque a fenomenologia pressupõe um núcleo vivido não consciente. A redução metodológica nada mais é que a busca, que a recuperação deste núcleo experimental não consciente. Portanto, a possibilidade da ilusão sobre si mesmo fica implicada. No limite é o conceito de inconsciente que se apresenta. A noção de intencionalidade afirma que a consciência é sempre consciência de algo, algo além da própria consciência. A consciência está voltada para fora. Ela não se conhece a si mesma em sua condição visante. Portanto, estamos aí claramente diante de um irrefletido. A reflexão é sempre impotente para desvelar tudo que está presente na consciência em ato. Portanto, todo saber é parcial e toda reflexão limitada. O exercício da intencionalidade sempre implica elementos não alcançáveis pela reflexão. A consciência não se vê completamente, a intencionalidade supera a reflexão.

É preciso falar sobre as dificuldades da aproximação. A fenomenologia é uma disciplina reflexiva, o que a psicanálise não é. O inconsciente freudiano não surge a partir de uma reflexão, mas a partir da clínica. Nenhum instrumento da reflexão fenomenológica pode construir o inconsciente freudiano. A fenomenologia é uma reflexão crítica da existência, mas a psicanálise é uma disciplina que surge com a negação da autonomia da consciência. Esta distância entre reflexão e clínica separa drasticamente as duas disciplinas.

Dissemos que a fenomenologia aponta para um inconsciente. Isto é verdade, mas o inconsciente para o qual ela aponta é um inconsciente sem barra. Talvez pudéssemos dizer que ela trata do que Freud chamou de pré-consciente e não do inconsciente propriamente dito. A inconsciência fenomenológica é meramente descritiva. Na psicanálise o inconsciente é tópico, não pode ser facilmente acessado. Ou, colocando em outras palavras, para a psicanálise há uma luta feroz que se trava. O recalcado não deixa de ser percebido por falta de uma visada, por falta de atenção. Ele não é percebido porque há forças poderosas que se opõem ao seu reconhecimento. Falta à fenomenologia uma visão energética. Ela percebe o excesso de sentido, a sobra de sentido que não pode ser representado. Mas não se dá conta das forças que estão em jogo, por isso ela é cega para alguns fenômenos relatados pela psicanálise.

 

Psicopatologia fundamental

"A psicopatologia fundamental pretende resgatar a dimensão subjetiva e singular contida em pathos" (Berlinck, 2000, p. 7): sua aproximação com a psicanálise resulta inevitável. "A psicanálise é a casa mais confortável existente na contemporaneidade para a psicopatologia fundamental" (p. 24). Delouya reclama de falta de posicionamento que leva a estruturação em certas correntes de psicologia e aproxima a psicopatologia fundamental do campo fenomenológico: "Tal estruturação foi alcançada, a nosso ver, na psicanálise, e talvez na corrente fenomenológica e mais consistente da análise existencial" (Delouya, 2002, p. 81). São forças que juntas sustentam a posição (Berlinck, 2000, p. 11) contrária ao reducionismo que pretende explicar a experiência humana apenas em termos quantificáveis.

Além de uma posição, a psicopatologia fundamental é um campo de articulação interdisciplinar (Queiroz, 2002, p. 22). Sustenta um espaço que pode ocupar não apenas vertentes subjetivantes de abordagem do humano. Necessária é a militância contra o reducionismo, contra qualquer reducionismo. Necessário é o esforço para não se cair prisioneiro de um pensamento explicativo. O campo é aberto, a reflexão é a caminho. A vida é instável. As tradições humanas não podem nos livrar das tormentas da existência. Nossas cidadelas de certeza não passam de castelos de areia. Uma estratégia do controle, do controle daquilo que é considerado certo é finalmente inútil. O Iluminismo com seu projeto de construção humana produziu muita autojustificação, intolerância e opressão. A história dá testemunho de movimentos totalizantes que, com um princípio na mão, deixaram um rastro de sofrimento e dominação. É preciso combater tal possibilidade de dominação. É preciso se guardar de uma fala do início radical - gênese, ou do fim último - escathos. A fala humana é sempre parcial: toda interpretação está sujeita a correção. O olhar se volta ao devir...

É necessário permitir que os vários aspectos apareçam, ainda que não seja possível reconciliá-los todos intelectualmente. Esta atitude, portanto, não nega os aspectos contraditórios da realidade, mas antes os aceita, compreendendo que a realidade sempre nos ultrapassa. Uma coerência total que reúna os vários enfoques sobre o humano não é buscada. Não se trata de uma busca de uma totalidade absoluta, uma totalidade final. Todos os que quiseram encontrar esta totalidade acabaram se colocando no lugar mesmo desta totalidade e se tornaram autoritários. Neste sentido a psicopatologia fundamental cria espaço de diálogo de posições subjetivantes e objetivantes. Trata-se de trabalho duro e permanente de criar articulações e administrar conflitos. A tensão se mantém sem que seja possível uma síntese, permanece o esforço...

Tarefa inacabada.

 

Referências

BERLINCK, M. Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Escuta, 2000.         [ Links ]

DARTIGUES, A. O que é a Fenomenologia? São Paulo: Centauro, 1972.         [ Links ]

DELOUYA, D. Pesquisa em Psicopatologia Fundamental: método e metapsicologia. In: Queirós, E.; Silva, A. (orgs). Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Escuta, 2002.         [ Links ]

FIGUEIRDOigueiredo, L. C. A invenção do psicológico – Quatro séculos de subjetivação, 1500-1900. São Paulo: Escuta/Educ, 2002.

GAY, P. Freud – uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

HARTMANN, H. Egopsychologie and the Problem of Adaptation. New York: International University Press, 1958.         [ Links ]

HOOK, S. Psychoanalysis, Scientific Method and Philosophy. New York: Grove Press, 1959.         [ Links ]

QUEIRÓS, E. A pesquisa em psicopathologia fundamental: um discurso transdisciplinar. In: QUEIRÓS, E.; SILVA, A. (orgs.) Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Escuta, 2002.         [ Links ]

RICOEUR, P. Da interpretação: ensaio sobre Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977.         [ Links ]

SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 1981.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Napoleão de Barros, 299
04024-000 São Paulo, SP
Tel.: 55 11 55.74.11.75
E-mail: sgfranco@fecap.br

Recebido em janeiro de 2008
Aceito em fevereiro de 2008

 

 

* Psicanalista; Doutor em Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Campinas SP, Brasil); Pós-doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, SP, Brasil); membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo, SP, Brasil); Professor Titular de Psicologia da Universidade Paulista (São Paulo, SP, Brasil); Professor de Psicologia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado – FECAP (São Paulo, SP, Brasil); Reitor do Centro Universitário Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (São Paulo, SP, Brasil); membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (São Paulo, SP, Brasil).
1 Ernst Nagel, "Methodological Issues in Psychoanalytic Theory", em Hook, S. Psychoanalysis, Scientific Method and Philosophy New York: Grove Press, 1959, pp. 38-56. Conferir Ricoeur, 1977, pp 291-330.
2 Rapaport, D. "The Structure of Psychoanalytic Theory" em Hook, S. Psychoanalysis, Scientific Method and Philosophy, pp. 3-16.
3 Certamente um contexto possível para aproximar a psicanálise seria a história. É claro que entre a psicanálise e a história existe a distância que há entre um caso particular e a sucessão histórica com suas possibilidades de generalizações. .

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