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Latin American Journal of Fundamental Psychopathology On Line

versão On-line ISSN 1677-0358

Lat. Am. j. fundam. psychopathol. on line v.5 n.1 São Paulo maio 2008

 

RESENHA

 

Pedofilia, um estudo psicanalítico

 

 

Leonardo Beni Tkacz*

Endereço para correspondência

 

 

HISGAIL, Fani. Pedofilia, um estudo psicanalítico. São Paulo: Iluminuras, 2007, p. 126.

A autora conduz a uma leitura que impacta e inquieta o leitor, quanto ao que ela considera o sintoma da cultura contemporânea, ou seja, o ato pedófilo. Um ato em que o adulto, na sua subjetivação, coloca a criança no lugar de um objeto de gozo para uma libido errante. É isso que nos deixa, como leitores, numa posição impactante e inquietos. Porém, Fani, nessa condução cuidadosa, nos apresenta uma questão central e, a partir daí, nos retira dessa incômoda posição de perplexidade, para nos situar, no campo da psicanálise, uma alternativa de leitura diante desse cenário em que um sujeito recusa as leis, simbólica e social, colocando em ato uma fantasia que não apresenta escolha ao outro.

A questão central apresentada é: "O que leva um sujeito a desprezar a lei simbólica e social certos direitos elementares da convivência humana, destruindo e destituindo os limites de proteção ao semelhante?" A partir dessa questão, abre-se uma perspectiva interessante para se pensar os caminhos pulsionais em jogo nessa fantasia.

Nesse sentido, Fani propõe como eixo central, pensar no artigo de Freud (1909), "Bate-se numa criança", como paradigma da fantasia do pedófilo. Aqui cabe um esclarecimento importante: o livro não apresenta como objetivo discutir casos clínicos, pois as narrativas se referem a um valioso trabalho de pesquisa sobre os casos de pedofilia revelados e comprovados pela mídia. Assim, a articulação desse material revelado pela mídia com o saber psicanalítico, que o livro expressa, é uma contribuição não apenas para psicanalistas, mas a todos aqueles que desejam conviver com o mal-estar da contemporaneidade, sem sucumbir a ele.

Feito este esclarecimento, voltamos a refletir sobre a interessante articulação teórica proposta por Fani. "Bate-se numa criança" é uma fantasia, na qual Freud a teoriza em três tempos e procura demonstrar o lugar que ocupam dois protagonistas: o pai e a criança. O ponto fundamental dessa montagem é que a criança a constrói para se assegurar como o único objeto de amor para o pai. Na pedofilia, "O adulto guarda consigo a esperança de realizar, em cada ato libidinoso envolvendo a criança, o impossível da relação sexual, e que o liga à ilusão tecida por aquele desejo". Submeter a criança a essa fantasia é acreditar na relação incestuosa com o pai. Mas de qual pai? O livro nos conta de um pai idealizado, aquele que se supõe destituído como o representante da Lei. Portanto, só resta desafiar a lei simbólica, cometendo atos que ratificam, na montagem perversa, a sua recusa.

Ao redor desse eixo psicanalítico, outros campos do saber se juntam a ele, como por exemplo o saber jurídico que contribui para dar contornos legais a esse recorte psicopatológico que é a pedofilia. O livro nos revela e nos informa sobre as leis que são impostas àqueles que as infringem.

Um outro aspecto interessante na leitura do livro é que, na medida em que nos enfronhamos em seu desdobramento narrativo, este nos remete aos nossos mais recôncavos cantos de nosso mundo mental, e nos convoca a olhá-los com certa serenidade e constatar como parte de nossa subjetivação, sem com isso submergir ao incômodo desse real.

Assim a autora, através dessa escrita, abre um caminho importante no campo da pesquisa psicanalítica dessa psicopatologia cada vez mais expressiva, no contexto de nossa realidade social, e nos convoca, como psicanalistas, a encontrar alternativas para escutar essa forma de subjetivação que tanto expõe o horror da abreviação da infância.

Desse modo, faço um convite para a leitura do livro e, permita, se possível, que as inscrições e o vigor de sua escritura o toque. Um toque que tem por função contribuir para continuarmos a questionar as formas de subjetivação no mundo contemporâneo.

 

 

Endereço para correspondência
Rua Pamplona 1119/conj.62
01405-001 São Paulo, SP
Tel. 11 3253-3473
E-mail: lb.tkacz@terra.com.br

 

 

* Psicanalista e Mestre pelo Instituto de Psicologia da USP. (São Paulo, SP, Brasil)

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