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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.1 no.2 Porto Alegre Nov. 2002

 

ARTIGOS

 

O Método Q na avaliação psicológica: utilizando a família como ilustração

 

The Method Q in the Psychological Evaluation: the family as an example

 

 

Marc Bigras I; Maria Auxiliadora Dessen II

I Universidade de Sherbrooke/Canadá
II Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O método Q é relativamente desconhecido entre os pesquisadores e os clínicos que se interessam pela psicologia da família, apesar da eficácia de seus instrumentos no que tange à avaliação da qualidade das relações familiares, particularmente das relações conjugais e parentais. A qualidade dos dados produzidos por um método depende, sobretudo, de sua adequação à questão formulada e da habilidade do pesquisador e/ou do clínico em selecionar as estratégias metodológicas corretas. O processo de escolha, por sua vez, depende do conhecimento atualizado que se tem a respeito das diferentes metodologias. Assim, este artigo tem como objetivo descrever o método Q, contrastando-o com o método R, usando, como exemplo, os Q-Sorts. Para ilustrar as suas vantagens e desvantagens, são apresentados dados de pesquisas na área de psicologia da família.

Palavras-chave: Método Q, Método R, Avaliação psicológica, Família.


ABSTRACT

The method Q is not well known among researchers and therapists who are interested in the field of child and family psychology, despite the effectiveness of the instruments based on it, particularly those related to the marital and parental relationships. The quality of data which come from a method depends especially on its appropriateness to the questions we ask for answers and on our ability to select methodological strategies in a correct way. On the other hand, the last one depends mainly on the updated knowledge that we have from different methods and strategies. Therefore, the aim of this article is to describe the method Q in comparison to the method R, highlighting the Q-Sorts instruments. To illustrate its strengths and weaknesses we present data from the area of family psychology.

Keywords: Method Q, Method R, Psychological evaluation, Family.


 

 

Este artigo tem como objetivo ilustrar algumas distinções importantes entre os métodos Q e R usando exemplos provenientes da pesquisa e intervenção familiar. Na primeira parte, são descritos, de forma sintética, os métodos Q e R, enfatizando os seus objetivos e utilidades. Na segunda parte, são apresentadas algumas vantagens e desvantagens do método Q e, em seguida, algumas considerações a respeito do referido método, ressaltando a sua flexibilidade como estratégia de avaliação e a sua importância para o estudo da família. Esperamos, assim, despertar o interesse de pesquisadores e clínicos para o uso de método Q, sobretudo na avaliação de relações familiares.

Os métodos Q e R: uma visão geral

As nomenclaturas1 Q e R referem-se a duas maneiras distintas de se estabelecer relações ou amostrar as variáveis estudadas e os sujeitos da amostra. O método R, o mais conhecido, consiste em estabelecer relações entre variáveis, traços ou caraterísticas de uma determinada amostra de pessoas, ressaltando a importância de tais relações, quando estas são combinadas de modo diferente, para amostras distintas. Por exemplo, estabelecer a correlação entre duas variáveis medidas a partir de uma amostra de mães provenientes de famílias pobres, tais como a qualidade de afeição materna observada em laboratório e um índice de estresse parental obtido por questionário. Bigras e LaFreniere (1994) constataram, dessa maneira, que quanto mais elevado é o índice de estresse parental, menor é o índice de qualidade dos cuidados maternos, sobretudo no grupo de mães com filhos do sexo masculino. No método R, o pesquisador procura por diferenças de população, usando amostras numerosas e medindo as respostas objetivamente. Assim, um grande número de respostas individuais são combinadas por características de grupo ou populações numerosas são testadas para determinar algum traço hipotético (Smith, 2000).

Imaginemos, agora, que estejamos interessados em comparar os pontos de vista de membros de uma mesma família. Isso poderia ser feito comparando, por exemplo, as opiniões de um casal, com o objetivo de estimar seu nível de concordância quanto as suas dificuldades relacionais. Nós poderíamos, também, querer conhecer o ponto de vista de uma mãe a respeito de suas relações maternas para compará-lo à opinião de um grupo de clínicos. Nestes casos, o método Q mostra-se apropriado, pois consiste essencialmente em estabelecer relações entre a opinião ou impressão dos respondentes, no que tange a uma determinada amostra de variáveis.

Este método é constituído por "um grupo de afirmações (ou figuras ou outros itens) sobre um tópico e os sujeitos (no sentido mais completo da palavra) são instruídos a classificarem os itens em categorias subjetivas que vão, por exemplo, de 'gosto mais' (+5) para 'gosto menos' (-5)" (Smith, 2000, pp. 320-321). A classificação resultante é, então, denominada Q-Sort e as correlações estabelecidas são entre pessoas (sujeitos) e não entre testes ou medidas. Isto é, aquelas pessoas que classificam itens de modo similar são correlacionadas com cada outra. Com base nas correlações individuais, ex-trai-se agrupamentos de correlações denominados fatores que, por sua vez, mostram os pontos de vista compartilhados pelas pessoas. Portanto, usando este método, podemos identificar pessoas que são similares e diferentes a outras em um determinado fator.

O método Q pode, então, ajudar a responder a seguinte pergunta: há concordância de opiniões entre os respondentes e de que modo isto ocorre? A comparação de opiniões convergentes, complementares ou, às vezes, contraditórias pode ser extrema-mente valiosa para a pesquisa e para o atendimento clínico de famílias. Há dois modos de analisar e interpretar a correlação de um grupo de respondentes. O primeiro consiste em efetuar uma análise fatorial entre os respondentes para destacar aqueles grupos que compartilham uma descrição similar de uma determinada amostra de variáveis. Por exemplo, seria interessante identificar o quanto as mães de crianças que apresentam problemas de adaptação em creche compartilham da opinião de que seus filhos demonstram tais dificuldades de adaptação. Neste caso, a análise fatorial, se efetuada, possibilitaria a identificação de grupos de mães que compartilham uma descrição similar de suas crianças.

Outras correlações podem ser feitas; dentre elas, aquelas entre uma mãe e um grupo de especialistas em clínica infantil que tenha descrito a relação mãe-filho com base nas mesmas características. Assim, o segundo modo consiste em formar um índice Q através do estabelecimento de uma correlação obtida por meio da comparação da descrição de um determinado respondente (no exemplo, a mãe) com a descrição ideal de um grupo de respondentes (no exemplo, especialistas/clínicos). O escore, que é uma correlação, é usado como índice de similaridade e os resulta-dos são, então, agrupados com base em um critério externo (por exemplo, mães de crianças agressivas) para testar uma hipótese de interesse do pesquisador. Ao utilizarem o método Q para comparar um grupo de mães com e sem filhos classificados como socialmente competentes na pré-escola, Bigras, Paquette e LaFreniere (2001) constataram que a descrição da relação de apego das mães cujos filhos apresentavam dificuldades foi fracamente correlacionada com a descrição de uma relação ideal feita por clínicos.

 

 

A diferenciação entre os métodos Q e R surgiu de um debate entre S. William e C. Burt, ocorrido durante os meados da década de 30, sobre a interdependência de duas abordagens quando estas descreviam o mesmo conjunto de dados, isto é, quando estas correlacionavam as diferenças intraindividuais (Q) e entre indivíduos (R) (Stephenson, 1953). Stephenson rejeitou a suposição de que o método R pudesse ser aplicado em qualquer amostra e que todas as pessoas eram, em potencial, "testáveis" em todos os seus atributos, uma condição essencial para se efetuar uma análise das diferenças interindividuais. Ele, ao contrário, argüiu que alguns traços de personalidade não estariam presentes em alguns sujeitos, ao invés de estarem simplesmente presentes em um grau menor, como assumido pelo método R, o que implicaria na obtenção do mesmo escore para ambos os casos. Assim, uma pessoa que não apresentasse determinado traço poderia receber o mesmo escore zero na escala R que outra que apresentasse o referido traço, mas em grau reduzido. Stephenson propôs, então, que, mediante certo controle, o método Q superaria esta limitação, pois a presença de um certo traço em grau reduzido ocuparia uma zona neutra enquanto sua ausência ocuparia um escore extremo em uma escala Q.

De certo modo, podemos pensar que a principal distinção entre os métodos R e Q limita-se a uma inversão da matriz pessoa-traço. A tabela 1 ilustra essa inversão, com base nos dados de 100 mães de nível sócio-econômico menos favorecido, destacando, como traços ou caraterísticas, o sexo da criança, o estresse parental (ISP), a qualidade das relações parentais (QP) e 90 itens sobre a relação de apego (QRA1 a QRA90).

Observamos pela matriz R, a mais utilizada, que é possível correlacionar o índice de estresse parental (ISP) com uma medida de observação da qualidade das relações parentais (QP). Os traços relacionados (na coluna) respeitam o postulado de linearidade que é necessário para proceder a correlação. É possível interpretar o que seria uma correlação negativa: quanto maior o nível de estresse apresentado pelas mães, pior a qualidade das relações parentais observadas em laboratório.

Quando invertemos a matriz R em Q, é possível estabelecer correlações entre os respondentes. Entretanto, mesmo que fosse tecnicamente possível estabelecer a correlação entre a mãe 1 e a mãe 2 (na coluna), essas duas 'variáveis' não se adequariam aos postulados da correlação. As variáveis (na linha) não são lineares, pois não constituem uma escala, nem possuem uma definição comum. A matriz Q mostra claramente a dificuldade de se efetuar a correlação entre as mães: quando a mãe 2 tem um resultado mais baixo no ISP e mais elevado no QP, a mãe 3 tem um resultado mais elevado no ISP e mais baixo no QP. Esta situação ilustra bem o problema da disparidade das escalas, já que havendo inversão entre ambas (ISP e QP) torna-se impossível obter uma correlação coerente. Assim, qual poderia ser o significado de uma correlação combinando todos esses constructos diferentes para um mesmo sujeito? Será que a qualidade das práticas parentais de 12 pontos é melhor do que um índice de estresse de 36 pontos?

Este problema da correlação entre respondentes é solucionado por Stephenson (1953), que propôs apresentar aos sujeitos um conjunto determinado de itens (estímulos), os quais são classificados da mesma maneira, isto é, em uma mesma escala que o respondente constrói a partir de seus próprios esquemas de referência2. No exemplo citado na tabela 1, o Q-Sort contém 90 itens sobre a relação de apego, que são escritos em pequenos cartões (QRA1 à QRA90) (Waters & Deane, 1985). A tarefa das mães consiste em separar os cartões em nove pilhas contendo dez itens cada, de acordo com a percepção que elas têm de seus próprios filhos. Para isto, elas utilizam a seguinte escala: extremamente característico (9), muito característico (8), característico (7), pouco característico (6), neutro (5), um pouco não característico (4), não característico (3), muito não característico e (2) extremamente não característico (1).

Tomando como base a matriz R, é possível estabelecer a relação entre cada item do QRA, se quisermos determinar a coerência interna entre os itens usando, por exemplo, o Alpha de Chronbach ou, ainda, a estrutura subjacente ao instrumento graças a análise factorial. Mas, é a inversão dos itens em matriz Q que permite efetuar a correlação entre a mãe 2 e a mãe 3, uma vez que cada item possui a mesma escala (1 a 9, c = 5) e que seus resultados são lineares. Por exemplo, para a mãe 1, o item QRA1 é menos importante (8 = muito característico) que o item QRA 90 (9 = extremamente característico) significando que 'de todos os itens, eu penso que o QRA90 caracteriza melhor o meu filho'. A correlação entre os pares de mães possibilita um índice de similaridade e o agrupamento dessas correlações em fatores forma os padrões subjacentes, aos quais um Q-Sort tende a convergir ou divergir. Após a determinação da similaridade entre dois Q-Sorts ou entre um Q-Sort e um fator, a estratégia analítica consiste em compreender essa variabilidade, introduzindo outras variáveis como sexo e classe social. Assim, se, como parece, a correlação entre a mãe 2 e a mãe 3, sobre os 90 itens, fosse negativa, poderíamos considerar o efeito do estresse parental ou o efeito do sexo da criança para explicar essa divergênçia de percepção.

Após esta breve exposição sobre a distinção entre os métodos Q e R, focalizamos nossa atenção no método Q, ressaltando as suas vantagens e desvantagens.

Vantagens e desvantagens do método Q

O método Q-Sort é diferente de outros métodos usados em estudos norte-americanos, europeus e brasileiros que têm a família como foco de análise. No Brasil, técnicas de observação direta (Dessen & Borges, 1998; Dessen & Murta, 1997; Kreppner, 2001), entrevistas (Biasoli-Alves & Dias-da-Silva, 1992; Féres-Carneiro, 1997) e técnicas projetivas (Curty-Rembowski, 1985) são métodos bastante conhecidos e usados. No entanto, tais métodos, diferentemente do Q-Sort, não permitem comparações sistemáticas dos pontos de vista de pais, crianças, clínicos e pesquisadores, que são valiosas para a compreensão do funcionamento da família. Mas, é preciso destacar que o método Q apresenta tanto qualidades como limitações, as quais são descritas a seguir.

Vantagens do método Q

Redução de problemas atribuídos aos vieses de resposta

Dentre os problemas que tentamos reduzir durante um processo de avaliação destaca-se aquele do efeito do estilo próprio de certos respondentes. Isto ocorre, por exemplo, quando observamos a tendência de uma pessoa em responder da mesma maneira a diferentes perguntas, o que afeta a validade dos questionários. Às vezes, ela responde a to-das as perguntas, marcando sempre o ponto do meio de uma escala que varia, por exemplo, de 'totalmente de acordo' a 'totalmente em desacordo', por reação defensiva ou, simplesmente, porque ela hesita em assumir uma posição definida. Trata-se, neste caso, do 'problema de tendência central' (Pasquali, 1997). No entanto, há também um outro problema que merece ser destacado, que se refere à 'desejabilidade social'. Neste caso, uma pessoa responde as perguntas adequando a percepção que tem de si mesma ao que ela percebe como socialmente valorizado.

Obviamente, há estratégias disponíveis para a redução desses problemas, como a inversão das perguntas com o objetivo de aumentar a atenção da pessoa. Existem também as escalas de deteção de respondentes defensivos. Mas, essas soluções não são muito apropriadas, sobretudo no caso da deteção de respostas defensivas, pois elas implicam, simplesmente, na rejeição do questionário (Bigras, LaFreniere & Abidin, 1996). Já o processo do Q-Sort força os respondentes a distribuírem, de modo uniforme, os itens sobre uma escala, como o Q-RA, uma vez que há exatamente 10 itens que devem ser agrupados em cada uma das nove categorias que variam de 'extremamente característico' a 'extremamente não característico'. Portanto, mesmo um esforço deliberado do respondente para distorcer as respostas e enganar o avaliador é consideravelmente reduzido pelo procedimento de escolha forçada do Q-Sort. Além disso, essa triagem de itens aumenta a validade das respostas, de maneira geral, principalmente nos casos em que os respondentes se apoiam no 'ponto de tendência central', por simples negligência. De fato, para classificar os 10 itens na categoria 'extremamente característico', o respondente deve ler o conjunto de itens uma primeira vez, depois rever os itens restantes para, então, escolher os 10 itens da categoria seguinte e, assim, sucessivamente. Ao contrário do questionário, que necessita uma única leitura para uma resposta em geral direta e rápida, o Q-Sort pode requerer uma dezena de decisões para alocar um item em relação aos demais, o que aumenta a validade do processo de avaliação. Finalmente, o processo de escolha forçada elimina o problema dos dados ausentes porque o respondente atribui, necessariamente, um valor a cada item de um Q-Sort.

Eliminação do apriorismo

A maioria dos instrumentos do método R impõe um quadro conceitual a priori ao sujeito, uma vez que o pesquisador elabora um questionário e pode tender a avaliar o comportamento de um respondente em função de sua teoria. É o pesquisador quem agrupa os itens de maneira a medir as dimensões consideradas importantes por ele em relação ao seu quadro teórico. É ele, também, que decide sobre o número de pontos das escalas e o peso relativo dos itens para o conjunto do constructo. Consideremos, como exemplo, um questionário sobre a qualidade das práticas parentais, medindo as dimensões de sensibilidade e controle, com 20 perguntas por dimensão, a serem respondidas por pais em uma escala de cinco pontos, variando de 'raramente' a 'sempre'. Além do fato de o pesquisador limitar a expressão dos pais a essas duas dimensões, ele decide, igualmente, que elas terão um peso equivalente na definição da qualidade das práticas parentais. No entanto, é bem possível que os pais vejam as coisas de modo diferente ou podem, até mesmo, querer dar maior importância a um aspecto de suas práticas que não consta do questionário. Além disso, um resultado fraco na escala de sensibilidade não necessariamente significa um resultado elevado de insensibilidade.

Todas essas dificuldades não provém somente das desvantagens inerentes aos questionários, mas elas são devidas, freqüentemente, ao apriorismo da maior parte dos instrumentos do método R. As outras técnicas de observação do método R, tais como os pro-cedimentos de entrevista ou os protocolos de observação, também não estão a salvo dos problemas associados ao apriorismo, pois quando o pesquisador ou o clínico faz uma amostragem, ele limita e organiza suas observações atribuindo-lhes uma ponderação.

O Q-Sort, ao oferecer um conjunto de itens a classificar segundo o esquema de referência de um respondente, favorece a comunicação de suas percepções. É o respondente que decide sobre a importância de cada item e a organização do conjunto de itens, que é, então, comparada entre os respondentes de modo a destacar empiricamente as dimensões, ou seja, as aproximações ou os afastamentos de pontos de vista. Portanto, não é o pesquisador responsável pela elaboração de um Q-Sort que decide, a priori, as dimensões, mas sim o respondente, a partir de seu ponto de vista. A aproximação do seu ponto de vista com os de outros define outras dimensões.

O desafio da multidimensionalidade é igualmente aceito, uma vez que a análise da colocação dos itens, segundo os agrupamentos de Q-Sort formados, permite deduzir o significado de um item em função do seu contexto. Por exemplo, Bigras e Cantin (1996) atribuiu a quatro estudantes/clínicos treinados a tarefa de descrever as interações entre as mães e suas crianças pré-escolares (Q-PP), usando um Q-Sort composto por 72 itens extraídos da literatura. Para isto, os estudantes/clínicos observaram, em vídeo, 20 minutos de interações de cada uma das 161 díades mãe-criança. A análise fatorial em componente principal, rotação Varimax, indicou três fatores de agrupamento para os itens Q-PP (variância = 35%). Para determinar o significado desses três tipos de interações percebidas pelos observadores, foram formados seis grupos de Q-Sort, obtendo-se uma solução fatorial com cargas significativas (> ou = 0,33) sobre um dos fatores, para uma díade pais-criança (001 significa que a família se aproxima do fator 3 somente). Em seguida, efetuou-se o cruzamento entre os grupos de pais que responderam o Q-Sort e a avaliação dos itens socio-afetivos da criança feita pelas educadoras da creche (ver figura 1).

 

 

Neste exemplo3, percebe-se claramente que não são os pesquisadores que decidem sobre as dimensões e a importância atribuída aos comporta-mentos dos pais. É, sobretudo, a convergência das percepções dos observadores, em resposta a um conjunto de itens representativos das práticas parentais associadas ao desenvolvimento social da criança, que dá origem às dimensões ou fatores. Os observadores, então, formaram três dimensões com base nas descrições de pais que mais se aproximavam. Em geral, para determinar quais são as dimensões que mais se aproximam, recorremos a duas estratégias a posteriori: o cruzamento com as variáveis critérios e a análise de itens4.

Assim, no exemplo dado, quando a descrição de uma díade se aproxima sobretudo do fator 3, que poderia ser denominado 'práticas parentais associadas a problemas ou emoções interiorizadas na criança', as crianças apresentam mais problemas interiorizados e menos problemas exteriorizados ou competência social na creche. A análise detalhada da colocação dos itens mostra que essas mães parecem mais ausentes, inconsistentes ou pouco envolvidas e que as crianças lideram a interação (ver tabela 2).

 

 

Estes resultados são particularmente interessantes, em se tratando da literatura sobre famílias de crianças que apresentam problemas ou emoções interiorizadas, pois os trabalhos apontam na direção do uso de práticas parentais autoritárias e hostis (Dumas & LaFreniere, 1993) ao invés de ausência e inconsistência em tais práticas. Um outro fato interessante a ser considerado é a descrição de pais que combinam duas dimensões, por exemplo, a dimensão 3, que descreve as práticas do laissez-faire, e a dimensão 1, associada às práticas positivas. As crianças deste grupo de pais parecem apresentar dificuldades na creche, pois foram avaliadas pelas educadoras como fracas na dimensão 'competência social' e como fortes nas dimensões 'dificuldades exteriorizadas e interiorizadas'.

Em síntese, esses resultados mostram como o Q-PP é independente de uma concepção a priori da qualidade das práticas parentais. Certas dimensões descritas pelos observadores concordam efetivamente com as teorias, mas outras levam a resultados surpreendentes, gerando novas hipóteses. O Q-Sort torna mais fácil as descrições de fenômenos multidimensionais como a qualidade das práticas parentais. De fato, contrariamente à maioria das escalas do tipo R, o ponto 'extremamente não característico' não significa 'ausente' ou 'eu não observei'. A formação de uma dimensão ou de um continuum pelos observadores pode ser, portanto, interpretada nos dois sentidos, com significações diferentes, o que aumenta as possibilidades analíticas, sobretudo quando, como no nosso exemplo, uma dimensão é combinada com outras.

Estudo da intersubjetividade5

Se o método Q é eficaz para estudar a subjetividade humana, porque não administrá-lo diretamente a todas as pessoas envolvidas no processo de avaliação? Foi exatamente com base nas vantagens do método Q que os Q-Sorts foram desenvolvidos, pois eles se mostram apropriados a vários tipos de avaliadores, tanto envolvidos (internos) como não envolvidos (externos) na situação a ser avaliada. Por exemplo, podemos pedir a um avaliador 'externo' que utilize um Q-Sort para descrever os comportamentos que ele observa durante uma situação de resolução de problemas interpessoais. Outros observadores independentes ou um membro da família poderiam, também, descrever a mesma situação, utilizando o mesmo Q-Sort, a fim de responder questões relevantes como a congruência entre pesquisadores/clínicos ou entre pesquisadores/clínicos e sujeitos/clientes.

Uma vez que o método Q permite comparar as observações, isto facilita o planejamento do tratamento, já que este é baseado (ou deveria ser) no consenso entre clínicos (acordo entre juizes) ou na estimativa do desvio entre os comportamentos observados e os comportamentos esperados (índice-Q). Além disso, a característica não normativa do Q-Sort permite ao pesquisador/clínico propor diversas funções para a avaliação. Ora o instrumento pode ser utilizado para orientar os pais, ora como subsídio para planejamentos individuais ou programas de intervenção. Para exemplificar, mencionamos o Q-Sort dos comportamentos maternos (Q-CM), um instrumento de avaliação dos comportamentos parentais elaborado para o estudo do desenvolvimento da relação de apego pais-filho (Pederson, Moran, Sitko, Campbell, Ghesquire & Acton, 1990). O Q-CM permite identificar, já nos primeiros meses de vida da criança (de 3 à 18 meses), as interações típicas ou atípicas de uma mãe sensível, que poderiam favorecer um apego mãe-filho seguro. O Q-CM é normalmente utilizado no contexto de pesquisa, mas pode também ser utilizado em um contexto de observação natural, com a finalidade de proceder intervenções psicossociais (Fontaine & Bigras, 1996).

Esses autores, Fontaine e Bigras (1996), ressaltam que a validação do uso clínico do Q-CM, em centros de acolhimento e de readaptação para mães com dificuldades, indica bons níveis de estabilidade (0,70) e de acordo entre clínicos (0,60), quando utilizado por pessoal bem treinado. Neste caso, as educadoras podem utilizar o Q-CM durante suas discussões clínicas, destacando a divergência, a convergência ou a complementaridade de suas opiniões. Essa análise mais detalhada das informações extraídas de um Q-Sort, denominada análise de itens, consiste em considerar a colocação de um item sobre a escala de um Q-CM, descrevendo uma mãe em um continuum que varia de 'muito típico' a 'muito atípico' em relação a uma colocação esperada para uma mãe hipoteticamente sensível. Os resultados da validação do Q-CM original mostraram que 24 dos 90 cartões (12 positivos e 12 negativos) constituiam bons preditores de um apego seguro, mais tarde.

O clínico, em geral, descreve a sensibilidade materna de modo habitual, mas ele efetua a colocação desses 24 cartões 'críticos' de maneira similar aos especialistas (Fontaine & Bigras, 1996). Na verdade, o clínico espera que os 12 cartões positivos sejam os mais típicos possíveis e os 12 negativos, os mais atípicos possíveis. Quando ele constata que um item positivo é atípico e que, ao invés, um item negativo é típico, ele insere esses desvios em seus objetivos de intervenção. Como cada item é uma descrição do comportamento e faz parte de uma hierarquia, isto facilita não só a conversão em objetivo de intervenção, como também favorece os procedimentos de intervenção, determinando as prioridades de ação.

A análise da similaridade entre respondentes, ou de índice-Q, é uma outra possibilidade do método Q. Para ilustrar, recorremos ao Q-Sort sobre a relação de apego (Q-RA). O índice-Q do Q-RA representa a correlação entre os 90 itens da mãe, referentes à descrição do apego do filho, e a descrição consensual feita por um grupo de 59 especialistas, sobre uma relação de apego normalmente segura (Waters, 1987). Assim, quanto maior o índice, maior será a similaridade entre as descrições da mãe e a dos especialistas. A tabela 3 mostra uma análise de similaridade feita com base nos dados de um estudo sobre a incidência de apego inseguro de crianças que apresentavam problemas socio-afetivos na creche (Bigras, Paquette & LaFreniere, 2001). O resultado dessa análise de similaridade mostra que as mães de crianças socialmente competentes descrevem uma relação de apego que se aproxima mais da descrição de uma relação segura feita pelos especialistas. No entanto, quando se comparou as descrições de apego inseguro de crianças que apresentavam somente um problema socio-afetivo com aquelas de um grupo de crianças que apresentavam uma combinação de problemas na creche, constatou-se que este último grupo se afastava ainda mais da descrição de uma relação segura proposta pelos especialistas.

 

 

Podemos aproveitar ainda mais as vantagens do Q-Sort procedendo a análise de variância, com base na correlação entre os respondentes, ou a análise das escalas e de itens relativos à matriz R. Por exemplo, a tabela 4 mostra uma análise das escalas de segurança e de exploração (1 - extremamente típico a 9 - extremamente atípico) efetuada com base no resultado de certos itens agrupados segundo suas convergências teóricas (Jacobson & Frye, 1991). O resultado total médio obtido para cada grupo de crianças e para cada escala foi introduzido numa análise de variância. Testes post-hoc (LSD, p < 0,05) foram utilizados para distinguir o grupo que apresentava mais de uma dimensão combinada daqueles outros grupos que apresentavam apenas uma dimensão. Os resultados dessa análise de escalas confirmam a análise de similaridade. Segundo as mães, as crianças que apresentam mais de uma dimensão em relação às perturbações sócio-afetivas na creche têm uma relação de apego significativamente mais insegura, enquanto o grupo de crianças interiorizadas é o mais afetado nas suas capacidades de exploração.

 

 

A análise comparativa dos itens de acordo com o método R é ilustrada nas tabelas 5 e 6, que retratam, detalhadamente, as relações conjugais descri-tas por respondentes de um estudo desenvolvido para comparar a qualidade da relação entre os casais com e sem filhos (Bigras, LaFreniere & Lacharité, 1991). Os testes t foram efetuados com base em uma centena de itens de um Q-Sort sobre a relação conjugal (Q-RC), que foi elaborado por Lacharité, LaFreniere e Bigras (1991). Rejeitando a hipótese nula para um alfa inferior a 0,01, 26 itens indicaram diferenças significativas. Aleatoriamente, os itens negativos e positivos deveriam distribuir-se igualmente nos dois grupos de casais. No entanto, os resultados mostram que a quase totalidade dos itens positivos são mais típicos de casais sem filhos e que os itens negativos são mais típicos dos casais com filhos. Para os primeiros, os itens indicam, de fato, uma vida sexual e afetiva harmoniosa (itens 34, 35, 47, 66, 67 e 88), um sentimento de compromisso recíproco (itens 4, 46 e 56) e de prazer compartilhado (itens 57, 90, 92 e 98). Para o segundo grupo, o de casais com filhos, os itens característicos descrevem o inverso, ou seja, relações de negociação difíceis que variam desde uma fuga de conflitos (itens 16, 49, 71 e 97) até um confronto negativo ou estéril (itens 9, 13, 19, 31 e 45).

 

 

 

Em seu estudo, Bigras, LaFreniere e Lacharité (1991) relatam os dados de um Q-Sort sobre as relações conjugais, mostrando que os processos de negociação do tipo aversivo são significativamente mais comuns em casais com filhos. Eles sugerem que a paternidade/maternidade constituem fontes potenciais de conflitos conjugais, pois a presença da criança implica responsabilidades, escolhas e tarefas que os casais sem filhos não possuem. Portanto, esse tipo de análise de itens, por ser detalhada, favorece a compreensão do problema investigado.

Desvantagens do método Q

A principal desvantagem do método Q é o esforço considerável despendido pelo respondente. É preciso mais de uma hora para completar adequadamente um Q-Sort com uma centena de itens. Por se tratar de uma prova verbal, o Q-Sort requer que o respondente saiba ler, embora esta exigência não seja diferente da maioria dos outros métodos de avaliação da família. Esta limitação do método é, provavelmente, mais problemática no contexto brasileiro, onde os pesquisadores estão freqüente-mente envolvidos com amostras oriundas de níveis sócio-econômicos e/ou educacionais baixos.

Outra desvantagem do Q-Sort refere-se à complexidade da distribuição dos itens. Certos itens são formulados de maneira negativa, o que requer do respondente a habilidade de imaginar o inverso, para poder colocá-los em pilhas relativas às categorias 'não característicos'. Por exemplo, o item 'meu filho não tem medo de nada' é difícil de ser classificado. O que esse item significa dentro da categoria 'um pouco não característico'?

O Q-Sort não é um instrumento de fácil utilização mesmo para avaliadores treinados. A maioria dos respondentes necessita de assistência, que pode ser prestada de diferentes maneiras. Nossa experiência com centenas de mães provenientes, em sua maioria, de meios desfavorecidos mostra que os respondentes apresentam diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo e que eles precisam se apoiar em estratégias diferentes para a realização do Q-Sort. Por exemplo, certos respondentes preferem deixar as pilhas já montadas fora de seu alcance visual, enquanto outros querem ter bem à vista todas as pilhas para procederem a migração de um item de uma pilha para outra.

A distribuição forçada dos itens constitui outra desvantagem do método Q. No entanto, as vantagens desta limitação compensam as suas desvantagens. De fato, como foi mencionado anteriormente, uma vantagem da distribuição forçada é a de conferir a linearidade e a quase normalidade à escala, o que permite comparar mais facilmente os respondentes entre si. Apesar de as instruções se-rem claras, a regra da distribuição é freqüentemente transgredida pelos respondentes, embora isto não pareça afetar a validade dos dados (McKeown & Thomas, 1988). Além disso, certos Q-Sorts impõem uma distribuição quase normal para o respondente, como o Q-RC, que compreende 100 itens, devendo cinco deles se encontrar nos extremos e 8, 12, 16 e 18 no centro. Já outros Q-Sorts, como o Q-RA, impõem uma distribuição quadrática de 10 itens por nove categorias, para um total de 90 itens. Mesmo assim, essas diferentes versões da distribuição forçada não parecem afetar a validade desses dois Q-Sorts. É preciso lembrar que as categorias não são mutuamente exclusivas e que o respondente pode mudar um item de lugar, colocando-o em uma pilha contígua, sem mudar, necessariamente, o teor de sua opinião.

Quando o pesquisador que elabora um Q-Sort não está suficientemente consciente dos limites do método, ele pode contribuir para aumentar as suas desvantagens. Por exemplo, o fato de se colocar um item dentro de uma ou outra das categorias afeta o conjunto da distribuição. Manipulações subseqüentes do conjunto de itens pelo pesquisador, como acréscimo ou substração de itens, põem em dúvida a validade da nova versão. Os Q-Sorts devem, portanto, apresentar uma forte validade de conteúdo, desde a sua elaboração inicial, e os itens devem, evidentemente, ser representativos de um dado construto, em um dado contexto cultural. Por exemplo, para avaliar as relações familiares, um clínico deveria usar um Q-Sort que incluísse itens bastante próximos do contexto das relações íntimas experenciadas pelos membros familiares daquele determinado contexto. Isto constitui uma tarefa difícil, particularmente no Brasil, dada a diversidade cultural brasileira, das famílias e das relações estabelecidas entre os membros familiares de diferentes regiões geográficas (Dessen & Torres, 2002). Entretanto, independente da dificuldade da tarefa, tanto a validade de conteúdo quanto a representatividade devem ser asseguradas desde o início do processo de avaliação.

 

Considerações finais

O método Q não é exatamente uma outra maneira de obter classificações ou um outro modo de medir opiniões e preferências, nem é um dispositivo de avaliação de personalidade. Ele também não segue os passos de uma pesquisa qualitativa, que geralmente procura por padrões ou características especiais em entrevistas, nem se enquadra na tradição R da pesquisa quantitativa. Ao contrário, o método Q fornece itens para classificar em categorias, de acordo com o significado subjetivo para cada sujeito. E esta classificação em categorias fornece a base para uma análise matemática rigorosa. (Smith, 2000, p. 340)

A organização das percepções dos sujeitos em categorias fixas, em reação a um conjunto fixo de estímulos, facilita a comunicação da subjetividade, uma vez que tendo sido submetidos a um Q-Sort, os respondentes partilham a mesma definição e a mesma escala para descrever um constructo. Esta vantagem tem levado alguns pesquisadores a afirmarem que o método Q permite o estudo rigoroso e científico da subjetividade humana (McKeown & Thomas, 1988). Esta perspectiva abre, assim, o caminho para um vasto campo de pesquisa no domínio das ciências humanas. As ciências políticas, econômicas, da comunicação e certas áreas da psicologia já vêm explorando as possibilidades de uso do método Q. Este método tem sido usado, também,

no controle de pacientes, em hospitais; no treinamento de quadro de enfermeiras; na análise de situações de tomadas de decisões; no estudo dos efeitos de pornografia; na criação de estratégias de campanhas políticas; no ensino de valores ambientais; no estudo da ética e corrupção; na integração de refugiados; na análise de reações públicas a escândalos; na distinção entre personalidades autoritárias; na comunicação e crítica a vídeos familiares; além de outras aplicações em países específicos. (Smith, 2000, p. 336)

Entretanto, no que tange aos estudos da subjetividade humana e das relações familiares, o método Q ainda é pouco explorado. Este método deveria ser considerado no estudo da família se, por exemplo, o clínico e/ou o pesquisador estivessem interessados em comparar o seu ponto de vista com o dos membros da família. Um Q-Sort permite, de fato, organizar um ponto de vista nas perspectivas interna e externa à família, de modo a facilitar a comparação entre e intra-observador. Para realizar essa comparação, o método Q apresenta ao respondente os mesmos estímulos e exige que as suas respostas sejam baseadas em uma mesma es-cala, reduzindo consideravelmente o efeito dos vieses da resposta.

Administrando os Q-Sorts, podemos encontrar os mesmos critérios rigorosos de fidedignidade e de validade geralmente obtidos com o método R. Além disso, o método Q permite gravar e organizar as percepções de um avaliador post-facto. Numa perspectiva de avaliação multimetodológica, a observação direta do clínico e/ou do pesquisador pode completar as informações relatadas pelos respondentes durante uma entrevista ou um questionário, desde que os eventos significativos sejam gravados fielmente. Em algumas situações clínicas, é aconselhavel efetuar o registro de observação direta e, após, solicitar aos respondentes que se sub-metam ao Q-Sort para verificação da organização do pensamento do respondente, o que não seria possível utilizando as outras técnicas.

As descrições obtidas por meio da aplicação de um Q-Sort tornam mais fáceis a elaboração de planos de tratamento, já que estes são baseados em um consenso entre clínicos (acordo entre avaliadores) ou na estimativa da distância entre os comportamentos observados e os comportamentos esperados (índice-Q). O caráter não normativo do Q-Sort permite a proposição de várias modalidades de avaliação ao pesquisador e ao clínico. Por exemplo, os clínicos podem utilizá-lo para orientar os pais ou para melhor determinar as metas de intervenção. O pesquisador, por sua vez, pode tirar vantagem do caráter não normativo do Q-Sort para explorar a existência de novas dimensões das relações familiares, a partir dos pontos de vista expressos pelos observadores intrafamiliares e extrafamiliares.

A metodologia Q apresenta, no entanto, uma desvantagem notável. Ela necessita que o respondente tenha uma capacidade cognitiva suficiente para representar vários graus de uma inversão de item, o que constitui um desafio para a maioria deles. Entretanto, os efeitos desta desvantagem podem ser reduzidos sugerindo e/ou permitindo que os respondentes usem diversas estratégias de classificação, de modo a aproveitar todas as possibilidades analíticas do método Q.

Tanto o método Q quanto o método R possuem aplicações apropriadas. O primeiro parece mais apropriado para comunicação de respostas subjetivas, nas quais instrumentos tradicionais como testes psicológicos, questionários e escalas têm sido empregados. Já o método R é mais apropriado para obter e analisar informações sobre eventos ou situações em que a auto-referência é desnecessária ou impossível (Smith, 2000).

Embora não haja estudo demonstrando a superioridade de um método de classificação sobre outro, reiteramos a grande flexibilidade do Q-Sort no que tange à estratégia de classificação e o fato de que a sua utilização, principalmente no Brasil, abriria caminhos promissores de pesquisa no que diz respeito ao estudo e à avaliação da família. Mas, para isto, faz-se necessária a padronização dos Q-Sorts para a população brasileira, tarefa que precisa ser assumida particularmente pelos pesquisadores brasileiros com reconhecida competência na área de avaliação psicológica.

 

Referências

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Endereço para correspondência
MARC BIGRAS. Département d'éducation spécialisée
Université de Sherbrooke, 2,500 boulevard Université, Sherbrooke (Québec), CANADA J1K 2R1.
E-mail: Marc.Bigras@USherbrooke.ca

Recebido: 26/06/2002
Aceito: 10/09/2002

Este artigo foi escrito com o apoio da CAPES-Programa de Professor Visitante Estrangeiro, para o primeiro autor, e do CNPq-Projeto Integrado, para o segundo autor.

 

 

1 A nomenclatura "Q" é derivada da palavra quantum, por causa do paralelo com a mecânica quantum, em física. Já a nomenclatura "R" é derivada da correlação produto-momento de Pearson (Smith, 2000).
2 A tabela 2 mostra alguns itens que retratam esse procedimento de classificação, segundo o método Q.
3 Preferimos usar as palavras "interiorização" e "exteriorização", traduzidas, respectivamente, do inglês "internalization" e "externalization", e não "internalização" e "externalização", o que constituiria um neologismo na língua portuguesa. As duas últimas palavras não possuem registro nos dicionários de língua portuguesa, não tendo, também, paradigmas na referida língua.
4 Para maiores detalhes, consulte McKeow e Thomas (1988).
5 Para uma discussão detalhada, ver Smith (2000).

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