SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número2O Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister e o transtorno obsessivo compulsivoInstrumentos psicológicos mais conhecidos por estudantes do sul de Minas Gerais índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.1 n.2 Porto Alegre nov. 2002

 

ARTIGOS

 

Adaptação e validação de um instrumento de avaliação da satisfação com a imagem corporal

 

Adaptation and validation of an instrument for evaluation of body image satisfaction

 

 

Maria Cristina Ferreira; Neíse Gonçalves de Magalhães Leite

Universidade Gama Filho

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Foi objetivo do presente trabalho adaptar e validar um instrumento de avaliação da satisfação com a imagem corporal para amostras brasileiras, através de dois estudos distintos. O primeiro estudo verificou a validade fatorial e a consistência da escala, em uma amostra de 277 estudantes universitárias. As análises fatoriais exploratórias evidenciaram que a solução de dois fatores (satisfação com a aparência e preocupação com o peso), com índices de consistência interna de 0,90 e 0,79, respectivamente, era a que melhor representava a estrutura interna da escala. O segundo estudo atestou a validade concorrente da forma final da escala, através da comparação dos resultados obtidos por mulheres obesas e não obesas, que, através de três diferentes critérios de classificação da obesidade, apresentaram resultados significativamente diferentes, na direção esperada. Concluiu-se que a escala apresentou boas características psicométricas, o que recomenda sua utilização em pesquisas e como instrumento auxiliar de diagnóstico, em situações clínicas.

Palavras-chave: Imagem corporal, Satisfação com a aparência, Preocupação com o peso.


ABSTRACT

In the present paper a body image satisfaction scale was submitted to Brazilian samples in two different studies of its adaptation and validity. The first investigated its factorial validity and its internal consistency in a sample of 277 university students. Exploratory factor analyses presented the two-factor solution (satisfaction with own appearance and own weight awareness), in which .90 and .79 internal consistency coefficients were obtained, that best explained the scale internal structure. The second study tested the scale final form concurrent validity by comparing obese and non obese women that, under three different criteria of obesity, presented results that differed significantly in the expected direction. The scale presented psychometric properties good enough to be recommend its use in research and as an auxiliary instrument for diagnosis in clinical settings.

Keywords: Body image, Appearance satisfaction, Weight care.


 

 

A imagem corporal consiste em um construto multidimensional composto de representações sobre o tamanho e a aparência do corpo e de respostas emocionais associadas ao grau de satisfação suscitado por essas percepções. Nesse sentido, as distorções na imagem do próprio corpo (superestimativa do tamanho corporal) são, em geral, acompanhadas de rejeição ou insatisfação corporal (extensão em que os indivíduos rejeitam seus corpos) (Friedman & Brownell, 1995).

As explicações para tais distúrbios da imagem corporal costumam ser classificadas em teorias perceptuais e subjetivas (Heinberg, 1996). Para as teorias perceptuais, fatores associados a déficits corticais, falhas adaptativas ou artefatos perceptuais encontram-se subjacentes às distorções no grau de precisão com que o tamanho do corpo é percebido, isto é, à crença de que o tamanho do próprio corpo é maior do que seu tamanho real.

Desse modo, Thompson e Spana (1991) desenvolveram a hipótese de que a superestimativa do tamanho do corpo se baseia na habilidade viso-espacial e, assim, caracteriza-se como uma das con-seqüências de déficits viso-espaciais mais gerais. Utilizando o teste de Retenção Visual de Benton como instrumento de avaliação de déficits viso-espaciais, os autores encontraram resultados condizentes com suas formulações. Contudo, estudos realizados por Dolce, Thompson, Register e Spana (1987) concluíram que a precisão da percepção do tamanho pode não ser uma conseqüência direta da habilidade viso-espacial e sim de fatores cognitivos e afetivos, em interação com habilidades perceptivas.

Os proponentes das falhas adaptativas como explicação para os distúrbios perceptuais da ima-gem corporal sustentam que as percepções dos sujeitos a respeito do tamanho de seus corpos não mudam na mesma proporção em que seus tamanhos reais mudam, isto é, os indivíduos mantêm tal percepção num limite máximo e, assim, quanto mais esse tamanho diminui, maior a superestimativa do mesmo (Heinberg, 1996). Slade (1977) encontrou apoio parcial para esta hipótese ao testar a estimativa corporal de mulheres grávidas de 4 e 8 meses e verificar maior precisão nas estimativas realizadas aos 8 meses. Contudo, de acordo com Thompson (1990), as dificuldades inerentes ao acompanhamento dos indivíduos através de seus vários estágios de perda de peso têm sido as responsáveis pelo fato de a teoria das falhas adaptativas ainda não ter sido submetida a testes empíricos adequados.

A teoria dos artefatos perceptuais afirma que os distúrbios na percepção da imagem corporal relacionam-se ao tamanho real do próprio corpo, e, conseqüentemente, as pessoas com um corpo de tamanho menor tendem a superestimar, em maior grau, a sua imagem corporal, quando comparadas às pessoas com maior tamanho corporal (Heinberg, 1996). Resultados condizentes com essa formulação foram obtidos por Coovert, Thompson e Kinder (1988), através de um estudo em que correlacionaram o tamanho real do corpo de sujeitos normais com as estimativas de tamanho de seus próprios corpos, tendo-se observado que um maior grau de superestimativa do próprio corpo estava associado a menores tamanhos corporais reais.

As explicações subjetivas para os distúrbios da imagem corporal se detêm, principalmente, no estudo dos fatores subjacentes à insatisfação ou rejeição ao tamanho do corpo em geral, ou a partes corporais específicas. Tais explicações subjetivas podem ser subdivididas em desenvolvimentistas e socioculturais.

As teorias subjetivas desenvolvimentistas enfocam o papel desempenhado por eventos ocorridos na infância e na adolescência na instalação dos distúrbios da imagem corporal. Nesse sentido, o período da puberdade, com as conseqüentes mudanças físicas e psicológicas que ele acarreta, constitui um aspecto crucial para a formação da imagem corporal. Assim é que várias investigações têm documentado uma relação entre a chegada da menarca e a insatisfação com a imagem corporal e evidenciado que, em geral, as meninas que amadurecem mais tarde (experimentam a menarca após os 14 anos) têm uma imagem mais positiva de seu corpo que as que chegam à menarca mais cedo (antes dos 11 anos) ou no tempo certo (entre 11 e 14 anos). Na interpretação desses resultados, Thompson (1992) afirma que a maturação tardia parece resultar em menos gordura corporal, além do que a maturação precoce expõe os adolescentes a um risco maior de serem alvo de zombarias.

As teorias subjetivas de natureza sociocultural examinam a influência dos ideais, expectativas e experiências sociais compartilhadas por determinados grupos culturais no desenvolvimento da imagem corporal e nos distúrbios a ela associados (Heinberg, 1996). Nas sociedades ocidentais, preconiza-se que o que é belo é bom e que a magreza é sinônimo de beleza, o que faz com que a magreza seja valorizada pela sociedade e seu oposto, a obesidade, seja fortemente rejeitada. Embora os ideais de beleza feminina variem em função dos padrões estéticos adotados em cada época, os estudos mostram que as mulheres têm procurado alterar seus corpos de modo a seguir esses padrões. Por esta razão, à medida que as pressões sociais para perder peso e se adequar ao ideal de magreza foram se tornando mais populares, as mulheres passaram a aceitar cada vez mais esses ideais como metas e a perseguir um corpo esbelto, demonstrando, em conseqüência, maior rejeição de sua imagem corporal, não apenas na adolescência mas, também, na idade adulta (Heinberg, 1996).

Para as teorias feministas, as mulheres, através das práticas de socialização a que são submetidas, são levadas a associarem um corpo esbelto à capacidade de se mostrarem atraentes, o que provoca uma superidentificação com seus corpos. Além disso, são induzidas a priorizar as relações interpessoais com o sexo oposto e a acreditar no fato de que o sucesso de tais relações depende, basicamente, de sua atratividade física. Desse modo, quando não conseguem atingir essas metas costumam apresentar sentimentos de menos valia. Em síntese, na perspectiva feminista, os ideais de magreza que permeiam a maioria das sociedades ocidentais e que são transmitidos através da socialização constituem uma forma de sexismo, que as deixa vulneráveis. A insatisfação corporal seria, portanto, uma resposta natural a essas pressões patológicas (Heinberg, 1996).

De acordo com Heinberg (1996), muito embora diferentes explicações tenham sido desenvolvidas para dar conta dos distúrbios da imagem corporal, a tendência atual entre os pesquisadores é a de concordar com o fato de que, nas sociedades ocidentais, os fatores socioculturais constituem os principais fatores etiológicos do grau de rejeição ou satisfação com a imagem corporal, apesar de os aspectos individuais exercerem, também, considerável influência no desenvolvimento e manutenção desse fenômeno. Paralelamente à elaboração das várias concepções teóricas sobre os distúrbios da imagem corporal, a literatura especializada documentou o desenvolvimento de numerosos instrumentos destinados a avaliar tal constructo, os quais costumam ser, também, classificados em duas grandes categorias: medidas perceptuais e medidas subjetivas (Thompson, 1996).

As medidas perceptuais avaliam as distorções perceptuais na imagem corporal, isto é, a precisão da estimativa do tamanho corporal, e, em geral, utilizam conjuntos de fotografias ou silhuetas que são apresentadas aos indivíduos, sendo-lhes solicitado que escolham a mais próxima a seu tamanho. Quanto maior for a diferença entre a estimativa realizada e o tamanho real do sujeito, maior será a distorção perceptual por ele mantida em relação a seu próprio corpo. As medidas subjetivas se destinam à avaliação dos aspectos afetivos, atitudinais e cognitivos subjacentes à imagem corporal, sendo que algumas dessas escalas avaliam o grau de satisfação genérica ou global com o peso, corpo ou aparência, enquanto outras se detêm na mensuração do grau de satisfação com partes específicas do corpo.

Um dos instrumentos de medida subjetiva mais amplamente utilizado é o Questionário Multidimensional de Relações Eu-Corpo (Multidimensional Body-Self Relations Questionnaire - MBSRQ), de autoria de Cash (1994), em virtude de suas boas qualidades psicométricas e de sua composição em subescalas que avaliam vários aspectos associados à imagem corporal. Na elaboração do instrumento, procurou-se levar em conta os componentes afetivos, cognitivos e comportamentais das atitudes e a concepção de que a imagem corporal consiste em um construto que não se restringe à aparência física, mas que, ao contrário, compreende três domínios somáticos: aparência ou estética física, competência ou eficácia física e saúde ou integridade física.

Assim, Cash e seus colaboradores (Cash, Winstead & Jana, 1986; 1986) elaboraram uma primeira versão do instrumento, denominada de Questionário de Relações Eu-Corpo (Body-Self Relations Questionnaire - BSRQ), tomando por base a matriz 3X3 formada pela combinação dos domínios com os componentes atitudinais. Tal versão inicial compôs-se de cerca de 300 itens, que foram sendo eliminados e substituídos a partir dos resultados obtidos em diferentes estudos que procuraram testar as qualidades psicométricas do instrumento, assim como sua adequação à estrutura conceitual que lhe deu origem. Nesse sentido, a versão final do BSRQ ficou composta por 54 itens distribuídos por seis escalas relacionadas à combinação dos três domínios somáticos - aparência física, competência física e saúde - com dois componentes atitudinais: avaliação, que se refere à satisfação com cada domínio somático, e orientação, que diz respeito à importância cognitiva ou atenção e aos comportamentos emitidos com o objetivo de man-ter ou melhorar os aspectos que caracterizam cada domínio. Posteriormente, o BSRQ foi submetido a uma análise fatorial (Brown, Cash & Mikulka, 1990) que evidenciou a presença de 7 fatores, seis dos quais reproduziram a estrutura das seis escalas anteriormente definidas, e, um sétimo, que foi definido por uma orientação à doença. A essas sete escalas, Cash (1994) adicionou mais três, derivando, assim, o Questionário Multidimensional de Relações Eu-Corpo (MBSQR), que se constitui, portanto, em um instrumento de auto-relato de 69 itens, distribuídos em 10 escalas (avaliação da aparência, orientação à aparência, avaliação da competência física, orientação à competência física, avaliação da saúde, orientação à saúde, orientação à doença, satisfação com as áreas do corpo, preocupação com o sobrepeso e auto-classificação do peso), cujos coeficientes de precisão variam de 0,70 a 0,94.

Um outro instrumento que foi submetido a um extenso programa de pesquisas é a Escala de Estima Corporal (Body-Esteem Scale - BES), desenvolvida por Mendelson e seus associados (Mendelson & White, 1993-94; Mendelson, White & Mendelson, 1996; Mendelson, White & Mendelson, 1997-98), nas versões para criança e para adolescentes e adultos. A primeira versão da referida escala, desenvolvida para crianças, compõe-se de 24 itens em formato de resposta sim ou não, relacionados às avaliações afetivas do próprio corpo, e apresenta coeficiente de precisão igual a 0,85 (Mendelson & White, 1993-94). Posterior-mente, 4 itens foram retirados da escala original e essa nova versão de 20 itens foi aplicada a uma larga amostra de adolescentes (Mendelson, White & Mendelson, 1996), tendo os resultados da análise fatorial apontado para uma solução de três fatores-aparência (sentimentos gerais sobre a aparência), peso (preocupação com o peso) e atribuição (percepção da avaliação do outro sobre o próprio corpo e aparência)-, perfazendo um total de 18 itens. Contudo, tendo por objetivo aprimorar ainda mais a escala, os autores (Mendelson, White & Mendelson, 1997-98) introduziram o formato de resposta Likert de cinco pontos e acrescentaram novos itens às escalas de peso e atribuição, o que resultou em uma versão de 30 itens, que foi aplicada em amostras de adolescentes e adultos, tendo-se confirmado a estrutura de três fatores obtida no estudo anterior. Desse modo, a versão final da Es-cala de Estima Corporal para adolescentes e adultos é composta de 23 itens tipo Likert, variando de nunca (0) a sempre (4), dispostos em três fatores - aparência, peso e atribuição -, que apresentam, respectivamente, coeficientes Alfa de Cronbach iguais a 0,92, 0,94 e 0,81.

Na tentativa de analisar as possíveis semelhanças ou diferenças existentes entre alguns dos vários instrumentos desenvolvidos ultimamente para a mensuração da satisfação com a imagem corporal, Thompson, Altabe, Johnson e Stormer (1994) realizaram um estudo em que aplicaram seis diferentes questionários de auto-relato a amostras de sujeitos adolescentes e adultos, entre os quais se incluía o MBSRQ, tendo verificado uma grande justaposição entre eles, no que diz respeito à natureza dos distúrbios por eles avaliados. Tais resultados permitiram, assim, a conclusão de que apesar desses instrumentos apresentarem diferentes fatores a eles subjacentes, conceitualmente todos eles estão diretamente relacionados à mensuração de um mesmo constructo global, qual seja a satisfação com a imagem corporal.

Desse modo, para Thompson e cols. (1994), a escolha do instrumento a ser utilizado em cada situação específica deve se pautar nos índices psicométricos dessas escalas, assim como em sua adequação à amostra a ser estudada, na medida em que todas elas se assemelham, no que diz respeito a seus pressupostos teóricos. Fundamentando-se em tais considerações e tomando a Escala de Estima Corporal (Mendelson, White & Mendelson, 1997-98) e o MBSRQ (Cash, 1990) como ponto de par-tida, o presente trabalho pretendeu adaptar e validar um instrumento destinado a avaliar a dimensão subjetiva da imagem corporal, isto é, o grau de satisfação com esta imagem, em amostras brasileiras, mediante a realização de dois estudos distintos.

Estudo 1

O objetivo deste primeiro estudo foi analisar as características psicométricas da adaptação brasileira da escala de avaliação da satisfação com a imagem corporal, no que diz respeito à sua validade fatorial e consistência interna.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 277 estudantes universitários de sexo feminino, matriculados em cursos de Nutrição, Fisioterapia e Medicina de uma instituição privada situada na cidade do Rio de Janeiro. Suas idades variaram de 18 a 37 anos, com média de 22 anos e desvio padrão de 4,34 anos.

Instrumento

Em sua versão inicial, o instrumento era com-posto por 32 itens retirados da Escala de Estima Corporal (Mendelson, White & Mendelson, 1997-98) e do Questionário Multidimensional de Relações Eu-Corpo (MBSRQ) (Cash, 1994). Nesse sentido, 23 itens pertenciam à Escala de Estima Corporal, os quais se distribuem por três diferentes subescalas (sentimentos sobre a aparência, preocupação com o peso e percepção da atribuição do outro). Os nove itens restantes foram retirados das duas subescalas (avaliação da aparência e preocupação com o peso) do MBSRQ que apresentam similaridade conceitual com os fatores da Escala de Estima Corporal.

Na tradução dos itens foi utilizada a técnica de tradução e retradução (back-translation) (Brislin, 1986). Deste modo, os itens foram inicialmente traduzidos para o português por dois professores de inglês e, em seguida, vertidos para o inglês por outros dois professores. Posteriormente, as traduções e retraduções foram comparadas quanto a sua equivalência semântica pelas autoras deste estudo, que resolveram as discrepâncias porventura existentes, mantendo a preocupação de dar maior destaque ao significado conotativo dos itens.

Procedimento

A coleta de dados ocorreu coletivamente, nas próprias salas de aula dos alunos. O aplicador explicou inicialmente os objetivos da pesquisa, pediu a colaboração dos alunos e, em seguida, distribuiu os questionários aos que voluntariamente concordaram em participar. Os respondentes foram solicitados a indicar o grau em que cada uma das afirmativas se aplicava a eles, em escalas de cinco pontos, variando de "discordo totalmente" (1) a "concordo totalmente" (5), tendo respondido o instrumento em tempo livre.

 

Resultados e Discussão

Fundamentando-se nos procedimentos de análise fatorial exploratória recomendados por Gorsuch (1983), Kline (1994) e Pedhazur e Schmelkin (1991), a matriz de intercorrelações entre os itens do questionário foi inicialmente submetida à análise dos componentes principais, que extraiu sete fatores com eigenvalues acima de 1, responsáveis por 58% da variância total do instrumento. Contudo, o teste gráfico (scree plot) revelou que o número ideal de fatores a serem extraídos situava-se entre dois e quatro.

Nesse sentido, foram realizadas, em seguida, análises fatoriais dos eixos principais (principal axis factoring), com soluções antecipadas de dois a quatro fatores, através dos métodos de rotação ortogonal (Varimax) e oblíqua (Oblimin). Considerando-se, entretanto, que alguns dos fatores apresentaram-se correlacionados, optou-se pelo método de rotação oblíqua e pela solução de dois fatores, por ter sido a que forneceu a melhor representação da estrutura interna da escala. Tais fatores explicaram 34% da variância total do instrumento e neles foram retidos os itens que apresentaram cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,30 em um único fator e que, além disso, demonstraram similaridade conceitual com os demais itens deste fator (Tabela 1).

O fator 1 compôs-se de 18 itens, apresentou eingenvalue igual a 8,74 e foi responsável por 27% da variância total. Seus itens associam-se ao grau de satisfação com a própria aparência, tanto no que diz respeito às características intrínsecas à própria imagem corporal quanto no que se refere à repercussão desta imagem no ambiente externo, seja através de fotografias ou no outro. Nesse sentido, este fator foi denominado de satisfação com a aparência. O fator 2 foi rotulado de preocupação com o peso, por ter concentrado itens referentes à necessidade de regulação e controle do peso como forma de se manter ou se obter uma auto-imagem ideal. Tal fator ficou com sete itens, responsáveis por 7% da variância total, tendo obtido eigenvalue igual a 2,27. A análise da consistência interna desses fatores, calculada através do coeficiente Alfa de Cronbach, revelou resultados iguais a 0,90 e 0,79, respectivamente.

A versão brasileira da escala de avaliação da satisfação com a imagem corporal, validada através de procedimentos de análise fatorial exploratória, compôs-se, portanto, de 25 itens, distribuídos em dois fatores, que apresentaram bons índices de consistência interna. As duas subescalas são corrigidas no sentido da satisfação e, assim, quanto maior o resultado, mais positiva ou maior a satisfação com a própria imagem corporal. Deste modo, os itens negativos (cargas fatoriais negativas) devem ter seus escores invertido, antes que se calcule o total do sujeito em cada subescala.

Ocorreram, deste modo, algumas modificações na versão brasileira da escala, em relação aos instrumentos que lhe deram origem. Assim é que a subescala de percepção da atribuição do outro não se constituiu como um fator independente na presente amostra, tendo sido, ao contrário, incorporada à subescala de sentimentos e avaliações sobre a aparência. A estrutura tri-dimensional original deu lugar, portanto, a uma estrtutura bi-dimensional. Por outro lado, sete itens da versão original foram eliminados por não terem obtido parâmetros psicométricos adequados.

 

 

Considerando-se que a faixa etária da presente amostra (18 a 37 anos, com média de 22 anos) apresentou diferenças em relação à amostra original (12 a 25 anos, com média de 16,8 anos), é possível que tais diferenças tenham interferido na configuração final do instrumento brasileiro, no sentido de a importância do outro na determinação da satisfação com a própria imagem corporal ir diminuindo à medida que a idade aumenta. Por outro lado, é possível também que normas culturais es relacipecíficas às amostras envolvidas nos dois estudos, especialmente no que diz respeito à valorização do corpo e da aparência, tenham concorrido para as diferenças observadas.

De todo modo, o exame das escalas originais de percepção da atribuição do outro (satisfação com o modo pelo qual o outro avalia a própria imagem corporal) e de satisfação com a aparência (satisfação com a própria avaliação da imagem corporal) revela que a distinção conceitual entre as duas é sutil e que ambas se mostram congruentes com uma denominação mais geral associada à satisfação com a própria imagem, seja ela derivada de processos perceptuais diretos ou indiretos. Pode-se concluir, portanto, que a estrutura bi-dimensional presente-mente obtida adequa-se à concepção da satisfação com a imagem corporal como um construto que se diferencia em uma dimensão mais subjetiva relacionada à percepção da aparência e uma mais concreta, associada ao peso, além de atestar a validade, fatorial do instrumento em amostras brasileiras.

Estudo 2

O objetivo do segundo estudo foi analisar a validade concorrente da versão brasileira da escala de avaliação da satisfação com a imagem corporal, mediante a técnica de grupos comparados e contrastantes (Anastasi & Urbina, 2000). Nesse sentido, pretendeu-se comparar o grau de satisfação corporal de mulheres obesas e não obesas, tomando-se por base os resultados de estudos anteriores (Brodie & Slade, 1988; Cash, Counts & Huffine, 1990; Cash & Green, 1986; Mendelson & White, 1985) que apontam para uma forte correlação entre obesidade e satisfação com a imagem corporal.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 164 mulheres que freqüentavam, como pacientes, o ambulatório de um centro municipal de saúde localizado na cidade do Rio de Janeiro, ou que eram funcionárias do centro municipal. Suas idades variaram de 20 a 65 anos, com média de 40,7 anos e desvio padrão de 11,57 anos. A maioria das participantes era casada (47%), tinha completado o ensino fundamental (54%) e apresentava renda familiar na faixa de 1 a 5 salários mínimos (70%). Como critério de seleção, estabeleceu-se ainda que as mulheres não poderiam estar grávidas e deveriam ter tido o último filho há pelo menos um ano.

Instrumento

Um dos instrumentos de coleta de dados foi a versão brasileira da escala de avaliação da satisfação com a imagem corporal, composta de 25 itens distribuídos em dois fatores - satisfação com a aparência e preocupação com o peso - que, neste segundo estudo, obtiveram índices de consistência interna de 0,90 e 0,79. Adicionalmente, foram incluídas no questionário algumas perguntas destinadas a levantar informações a respeito das características sócio-demográficas da amostra (escolaridade, estado civil e renda familiar). Foi previsto, ainda, um espaço para anotação das medidas antropométricas das participantes.

Procedimento

A coleta de dados iniciava-se com o entrevistador solicitando a concordância com a participação na pesquisa. Obtida a concordância, realizavam-se as medidas antropométricas de peso (em uma balança Fillizolla com capacidade para 140 Kg) e altura (com a régua da própria balança), assim como as medidas de cintura e quadril (com uma trena). Em seguida, as participantes respondiam aos questionários individualmente.

 

Resultados e Discussão

Para a classificação das mulheres participantes em obesas e não obesas foram utilizados três diferentes critérios. O primeiro se baseou no índice de Massa Corporal (IMC) maior que 30 como indicativo de obesidade e abaixo de 25 como indicativo de não obesidade (Blackburn & Kanders, 1987). Desse modo, foi necessário calcular, primeiramente, o escore no IMC de cada participante, que consiste na razão entre o peso e a altura elevada ao quadrado. Adotando-se tal critério, a amostra foi reduzida a 131 participantes e se distribuiu entre 39% de obesas e 61% de não obesas.

O segundo critério para a classificação da obesidade se baseou na taxa da circunferência cintura - quadril, que consiste na razão entre a medida da circunferência da cintura em centímetros e a medida da circunferência do quadril em centímetros. Foi adotado como ponto de corte o resultado de 0,80 (Pouliot e cols., 1994), e assim, as pessoas com uma taxa acima de 0,80 foram considera-das obesas e as com um resultado abaixo de 0,80 foram consideradas não obesas, o que redundou em uma amostra de 152 participantes, com 73% de obesas e 27% de não obesas .

O terceiro e último critério para diagnóstico da obesidade tomou por base a medida da circunferência da cintura, e considerou um resultado maior ou igual a 88 centímetros como indicativo de obesidade e um valor igual ou menor que 80 centímetros como indicador de não obesidade (Han, Richmond, Avenell & Lean, 1997), o que fez com que a amostra ficasse composta por 141 participantes, sendo 52% obesos e 48% não obesos.

Em seguida, foram calculadas as pontuações obtidas por cada participante da amostra nas duas subescalas do questionário de avaliação da imagem corporal, por meio da soma dos escores assina-lados aos itens que as compunham, bem como as médias e desvios padrão obtidos no grupo de indivíduos obesos e de não obesos, segundo os três diferentes critérios supramencionados (Tabela 2). Posteriormente, para se comparar as possíveis diferenças existentes entre os escores de satisfação corporal das mulheres obesas e não obesas, foram calculados testes t entre os pares de médias obtidos pelos dois grupos, classificados de acordo com os três critérios adotados.

 

 

Conforme se pode observar na Tabela 2, na subescala de satisfação com a aparência, em que resultados mais altos associavam-se à maior satisfação corporal, a média das mulheres não obesas foi significativamente maior que a das mulheres obesas, em todos os três critérios utilizados para a classificação da obesidade. De modo semelhante, na subescala de preocupação com o peso, em que um maior resultado indicava menor preocupação, ou seja, maior aceitação do próprio peso, verificou-se que a média das mulheres não obesas foi, também, significativamente maior que a das mulheres obesas. Tais dados indicam, portanto, que as mulheres não obesas que participaram do estudo demonstraram maior satisfação com sua imagem corporal e menor preocupação com seu peso, quando comparadas às obesas, o que evidencia a capacidade da escala de avaliação do grau de satisfação com a ima-gem corporal de diferenciar obesos de não obesos e atesta, assim, sua validade concorrente.

 

Conclusões

Foi objetivo do presente trabalho adaptar e validar para amostras brasileiras um instrumento destinado a avaliar a dimensão subjetiva da imagem corporal, isto é, o grau de satisfação com esta imagem. Os resultados obtidos atestaram a validade de construto e concorrente da escala, bem como sua consistência interna, o que recomenda sua utilização em situações de pesquisas, assim como em situações clínicas, como instrumento auxiliar de diagnóstico.

Os resultados ora obtidos, embora promissores, devem ser, porém, tomados apenas como uma abordagem inicial das características psicométricas da escala, sendo necessário que investigações futuras forneçam evidências adicionais a respeito da validade e confiabilidade do instrumento. Nesse sentido, seria interessante que a escala fosse submetida a procedimentos de análise fatorial confirmatória, que pudessem fornecer suporte empírico à estrutura bi-dimensional presentemente observada.

Seria interessante, também, que outros estudos se detivessem na investigação da fidedignidade do instrumento, a partir da técnica de teste-reteste. A realização destas investigações contribuirá, sem dúvida, para alargar o campo de aplicação do instrumento em questão, especialmente no que se refere à pesquisa sobre as implicações da satisfação com a imagem corporal para a saúde e bem-estar psicológico dos indivíduos.

 

Referências

Anastasi, A. & Urbina, S. (2000). Testagem psicológica (7ª ed.). (M.A.V. Veronese, Trad.). Porto Alegre: Artmed (Original publicado em 1997).        [ Links ]

Blackburn, G.L. & Kanders, B.S. (1987). Medical evaluation and treatment of the obese patient with cardiovascular disease. American Journal of Cardiology, 60, 55-58.        [ Links ]

Brislin, R. W. (1986). The wording and translation or research instruments. Em W. J. Lonner & J. W. Berry (Orgs.), Field methods in cross-cultural research (pp. 137-164). Newbury Park, CA: Sage.        [ Links ]

Brodie, D. A. & Slade, P. D. (1988). The relationship between body-image and body-fat in adult women. Psychological Medicine, 18, 623-631.        [ Links ]

Brown, T.A., Cash, T.F. & Mikulka, P.J. (1990). Attitudinal body-image assessment: Factor analysis of the Body-Self Relations Questionnaire. Journal of Personality Assessment, 55, 135-144.        [ Links ]

Cash, T.F. (1994). User's manual for the Multidimensional Body-Self Relations Questionaire. Norfolk, VA: Old Dominion University.        [ Links ]

Cash, T.F., Counts, B. & Huffine, C.E. (1990). Current and vestigial effects of overweight among women: Fear of fat, attitudinal body image, and eating behaviors. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, 12, 157-167.        [ Links ]

Cash, T. F. & Green, G. K. (1986). Body weight and body image among college women: Perception, cognition, and affect. Journal of Personality Assessment, 50, 290-301.        [ Links ]

Cash, T. F., Winstead, B. A. & Janda, L. H. (1985). Your body, yourself: A reader survey. Psychology Today, 19, 22-26.        [ Links ]

Cash, T. F., Winstead, B. A. & Janda, L. H. (1986). Body image survey report: The great American shape-up. Psychology Today, 20, 30-44.        [ Links ]

Coovert, D. L., Thompson, J. K. & Kinder, B. N. (1988). Interrelationships among multiples aspects of body image and eating disturbance. International Journal of Eating Disorders, 7, 495-502.        [ Links ]

Dolce, J. J., Thompson, J. K., Register, A. & Spana, R. E. (1987). Generalization of body size distortion. International Journal of Eating Disorders, 6, 401-408.        [ Links ]

Friedman, M. A. & Brownell, K. (1995). Psychological correlates of obesity: Moving to the next research generation. Psychological Bulletin, 117, 3-20.        [ Links ]

Gorsuch, R. L. (1983). Factor analysis (2ª ed.). Hillsdale, NJ: Erlbaum.        [ Links ]

Han, T. S., Richmond, P., Avenell, A. & Lean, M. E. J. (1997). Waist circumference reduction and cardiovascular benefits during weight loss in women. International Journal of Obesity, 21, 127-131.        [ Links ]

Heinberg, L.J. (1996). Theories of body image disturbance: Perceptual, development, and sociocultural factors. Em J. K. Thompson (Org.), Body image, eating disorders and obesity: An integrative guide for assessment and treatment (pp. 27-47). Washington, DC: American Psychological Association.        [ Links ]

Kline, P. (1994). An easy guide to factor analysis. London: Routledge.        [ Links ]

Mendelson, B. K. & White, D. R. (1985). Development of self-body-esteem in overweight youngsters. Developmental Psychology, 21, 90-96.        [ Links ]

Mendelson, B.K. & White, D. R. (1993-94). Manual for the Body-Esteem Scale for Children. Concordia University, Research Bulletin, Vol. XII, Nº 02.        [ Links ]

Mendelson, B. K., White, D. R. & Mendelson, M. J. (1996). Self-esteem and body esteem: Effects of gender, age and weight. Journal of Applied Developmental Psychology, 17, 321-347.        [ Links ]

Mendelson, B. K., White, D. R. & Mendelson, M. J. (1997-98). Manual for the Body-Esteem Scale for Adolescentes and Adults. Manuscrito não publicado, Concordia University, Montreal.        [ Links ]

Pedhazur, E. J. & Schmelkin, L. P. (1991). Measurement, design and analysis: An integrated approach. Hillsdale, NJ: Erlbaum.        [ Links ]

Pouliot, M. C., Després, J. P., Lemieux, S., Moorjani, S., Bouchard, C., Tremblay, A., Nadeau, A. & Lupien, P. J. (1994). Waist circumference and abdominal sagittal diameter: Best simple anthropometric indexes of abdominal visceral adipose tissue accumulation and related cardiovascular risk in men and women. The American Journal of Cardiology, 73, 460-468.        [ Links ]

Slade, P. D. (1977). Awareness of body dimensions during pregnancy: An analogue study. Psychological Medicine, 7, 245-252.        [ Links ]

Thompson, J. K. (1990). Body image disturbance: Assessment and treatment. Elmsford, NY: Pergamon Press.        [ Links ]

Thompson, J. K. (1992). A way out no way: Eating problems among African-Amercan, Latina, and White women. Gender and Society, 6, 546-561.        [ Links ]

Thompson, K.J. (1996). Assessing body image disturbance: Measure, methodology and implementation. Em J. K. Thompson (Org.), Body image, eating disorders and obesity: An integrative guide for assessment and treatment (pp. 49-81). Washington, DC: American Psychological Association.        [ Links ]

Thompson, J. K., Altabe, M. N., Johnson, S. & Stormer, S. (1994). A factor analysis of multiple measures of body image disturbance: Are we all measuring the same construct? International Journal of Eating Disordes, 16, 311-315.        [ Links ]

Thompson, J. K. & Spana, R. E. (1991). Visuospatial ability and size estimation accuracy. Perceptual and Motor Skills, 73, 335-338.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Marquês de Valença, 80 apto. 602
20550-030 Rio de Janeiro - RJ
E-mail: mcris@centroin.com.br

Recebido: 05/04/2002
Aceito: 12/09/2002

Trabalho anteriormente apresentado na XXX Reunião Anual de Psicologia, Universidade de Brasilia, 26 a 29 de outubro de 2000.

Creative Commons License