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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.1 n.2 Porto Alegre nov. 2002

 

ARTIGOS

 

Escala de Avaliação da Competência Social de Pacientes Psiquiátricos através de Desempenho de Papéis - EACS

 

Role play scale for assessment of social competence of psychiatric patients - EACS

 

 

Marina Bandeira

Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A escala EACS avalia a competência social de pacientes psiquiátricos, através da observação sistemática do comportamento em desempenho de papéis. Consta de quatro situações cotidianas de interação social envolvendo conflitos interpessoais, com variações na demanda da situação e no gênero do interlocutor. O desempenho dos pacientes gravado em vídeo é observado por observadores previamente treinados para avaliar, em uma escala tipo Likert de 6 pontos, a competência social global e as dimensões verbal, não-verbal, paralingüística, de resolução de problema e de expressividade emocional. O estudo piscométrico da escala utilizou uma amostra de 70 sujeitos do sexo masculino, 35 psicóticos e 35 pessoas sem história psiquiátrica, com idade entre 18 e 55 anos, sendo os grupos equivalentes quanto às variáveis socio-demográficas. Os resultados indicaram qualidades psicométricas adequadas da escala, em termos de validade discriminante, validade concomitante, fidedignidade inter-observadores, consistência interna e sensibilidade em detectar diferenças em função de mudanças nas variáveis experimentais.

Palavras-chave: Competência social, Pacientes psiquiátricos, Desempenho de papéis, Readaptação psicossocial.


ABSTRACT

This article describes a role play scale for assessing the social competence of psychiatric patients. It includes four situations involving daily interpersonal conflicts, which varies in terms of types of situation and gender of the role playing partner. The scale involves the assessment of the videotaped behavior of the subjects by two trained judges using a six-point Likert scale for global social competence and for the following dimensions: verbal, non-verbal, paralinguistic, affect and problem solving sub-scales. Data were collect from a sample of 70 subjects, 35 psychotics and 35 non-clinical group, both equivalents in socio-demographic variables. The results show the adequate psychometric properties of the scale, in terms of its discriminant validity, inter-judges reliability, internal consistency, concomitant validity and sensibility to detect differences in the reactions to situational variations. This scale can be used to evaluate the social competence of psychiatric patients in the context of psychosocial rehabilitation.

Keywords: Social competence, Role play assessment, Psychiatric patients, Psychosocial rehabilitation.


 

 

Dentre as intervenções terapêuticas desenvolvidas para facilitar o processo de reinserção social dos pacientes psiquiátricos desinstitucionalisados, destaca-se o treinamento das habilidades sociais e instrumentais dos pacientes (Liberman, 1986; Liberman & cols. 1993). O objetivo deste treina-mento é aumentar o grau de competência social dos pacientes, no que se refere às suas habilidades verbais, não-verbais e os aspectos paralinguísticos presentes em uma interação social, visando melhorar o funcionamento social destes pacientes em diversos contextos sociais na comunidade, assim como sua qualidade de vida (Wallace, Liberman, Mackain, Blackwell & Eckman, 1993).

A necessidade deste treinamento advém do déficit de funcionamento social característico dos pacientes psiquiátricos em geral e dos esquizofrênicos, em particular. Como o funcionamento social constitui um fator essencial para o diagnóstico e para a avaliação do impacto de qualquer programa de reabilitação, o treinamento da competência social se tornou um ingrediente importante destes programas (Goulet, Lesage, Lalonde & Carpenter, 1992). As características deste treinamento, os componentes básicos das habilidades sociais, assim como a avaliação da competência social e a metodologia da validação social, estão descritas em detalhe em outros artigos (Bandeira, 1999a, 1999b).

O treinamento da competência social tem apresentado resultados positivos para o processo de reinserção social dos pacientes psiquiátricos, sendo eficaz para aumentar as habilidades sociais dos pacientes e o seu nível de funcionamento social (Bellack, Turner, Hersen & Kazdin, 1986; Liberman, 1986; Donahoe & Drieseng, 1988; Hogarty & cols.,1991). Tem-se observado ainda que quanto maior o grau de competência social dos pacientes psiquiátricos, menor sua taxa de reospitalização (Mueser, Wallace & Liberman, 1995; Benton & Schroeder, 1990). A eficácia deste treinamento é maior quando o treinamento é longo, com sessões freqüentes que possibilitem treinar vários componentes das habilidades sociais em diversos tipos de situações. A generalização dos resultados é maior quando se inclui sessões de prática das habilidades no ambiente natural do paciente ou quando se faz o treinamento fora do âmbito institucional (Corrigan, 1991).

Dois conceitos principais são utilizados nesta área, o de habilidades sociais e o de competência social. Estes conceitos são às vezes empregados de forma indiferenciada, mas são igualmente destacados muitas vezes como dois conceitos distintos (McFall, 1982; Argyle, 1994, Hops, 1983; Schlundt & McFall, 1985). A distinção entre estes dois conceitos é importante para o desenvolvimento de instrumentos de medida de maior especificidade. O conceito de competência social envolve uma avaliação ou julgamento a respeito da adequação do comportamento de uma pessoa e do efeito que produz em uma determinada situação, em termos da pessoa alcançar o objetivo da situação, enquanto que o conceito de habilidades sociais envolve o aspecto descritivo dos comportamentos verbais e não-verbais necessários à competência social (McFall, 1982; Del Prette & Del Prette, 1999). Além disso, dentro do próprio conceito de habilidades sociais, inclui-se uma sub-área que se refere à assertividade, a qual consiste na habilidade de afirmação e defesa dos próprios direitos, através da expressão de pensamentos, sentimentos e crenças, de forma direta e honesta, sem desrespeitar o direito dos outros (Lange & Jakubowski, 1976).

A habilidade social é definida como um desempenho e não como um traço. Enquanto desempenho, as habilidades sociais apresentam uma característica de especificidade situacional, o que pressupõe uma avaliação a partir de variados tipos de dimensões situacionais e culturais.

A avaliação da competência social é necessária para se prever as dificuldades de funcionamento social dos pacientes, para se escolher metas pertinentes para o treinamento da competência social destes pacientes e para se avaliar a eficácia do treinamento. A avaliação da competência social requer a elaboração de instrumentos de medida válidos e fidedignos, capazes de medir a impressão geral que o indivíduo produz em uma interação social.

A avaliação da competência social de pacientes psiquiátricos tem sido feita por diversos procedimentos, tais como inventários ou testes, entrevistas e observação de interações diádicas naturais. Mas o instrumento de medida utilizado mais freqüentemente nesta área é o desempenho de papéis, uma vez que tem havido um consenso de que suas vantagens ultrapassam suas limitações. O desempenho de papel apresenta validade concomitante, pois correlaciona significativamente com medidas naturalísticas do funcionamento social dos pacientes na comunidade, com medidas da qualidade de vida de pacientes psiquiátricos e com medidas de observação da interação diádica dos pacientes com pessoas significativas do seu meio social (Bellack & cols., 1990).

A avaliação através do desempenho de papéis tem apresentado validade preditiva, correlacionando com avaliações posteriores do funcionamento social do paciente na comunidade e com uma menor freqüência de sintomas negativos (Hezel & Rice, 1985; Bellack, Morrison, Mueser, Wade & Sayer, 1990a). Apresenta também validade discriminativa, diferenciando grupos de sujeitos clínicos e não-clínicos, assim como grupos clínicos portadores de diferentes diagnósticos. Pesquisas utilizando medidas de desempenho de papéis demostraram que os pacientes esquizofrênicos apresentavam menor grau de competência social do que os pacientes com desordens afetivas, que por sua vez apresentavam menor grau de competência social do que um grupo não-clínico (Bellack, Morrison, Mueser & Wade, 1989; Mueser & cols., 1990a; Mueser, Bellack, Morrison & Wade, 1990b). No caso particular da esquizofrenia, as pesquisas mostraram ainda, através de medidas de desempenho de papéis, que o grau de competência social varia em função do gênero dos sujeitos, sendo maior para pacientes do sexo feminino do que masculino (Mueser & cols., 1990a, 1990b). Este resultado é congruente com a evolução e o prognóstico da esquizofrenia, que são mais favoráveis em pacientes de sexo feminino, pois neste caso observa-se um início mais tardio da doença, evolução menos severa, melhor prognóstico, menor taxa de hospitalizações e períodos mais curtos de hospitalizações (Mueser & cols., 1990a; Mueser & cols., 1990b; Szymanski, Lieberman & Alvir,1995).

A medida da competência social através de desempenho de papéis com pacientes psiquiátricos apresenta também uma boa fidedignidade testereteste, mantendo-se estável durante um período de seis meses (Bellack & cols.,1990) ou de um ano (Mueser, Bellack, Douglas & Morrison,1991). Todas as pesquisas publicadas na área avaliam a fide-dignidade das medidas de observação do comportamento através da porcentagem de acordo entre observadores ou através da correlação entre os escores de dois observadores.

O desempenho de papéis tem se mostrado uma medida sensível aos efeitos de um tratamento a curto prazo (Bellack & cols., 1990), o que o qualifica para ser utilizada em estudos de avaliação de programas de treinamento de habilidades sociais com esta clientela. No estudo de Bellack & cols. (1990), a medida do desempenho de papéis correlacionou com medidas de entrevistas e discussão com os familiares dos sujeitos. Segundo Conge & cols. (1989), a maioria, mas não todos, os estudos de validade do desempenho de papel são encorajadores, mas a tendência geral positiva justifica sua utilização.

Estes resultados indicam as vantagens de se construir uma escala de avaliação da competência social de pacientes psiquiátricos, com base na observação do comportamento dos sujeitos em desempenho de papéis. Além das qualidades psicométricas desta medida, mencionadas acima, outras considerações entram em jogo. Há uma dificuldade de se utilizar, com esta clientela, outros instrumentos de medida que sejam baseados em respostas a questionários, devido às suas limitações quanto à compreensão das questões, a precisão das respostas e a participação em sessões de avaliação que são geralmente longas e cansativas. Além disso, o desempenho de papéis é uma medida que possui também pertinência clínica, pois permite focalizar pontos fortes e fracos dos sujeitos e indicar comportamentos-alvos gerais e específicos para serem utilizados no tratamento ou reabilitação, que não seriam possíveis com medidas de questionário.

O objetivo do presente trabalho é apresentar uma escala de avaliação da competência social de pacientes psiquiátricos em situação de desempenho de papéis, que foi testada em termos de suas propriedades psicométricas, no contexto brasileiro.

 

Método

1. Desenvolvimento e Descrição da Escala

A presente escala consiste em uma adaptação, para o contexto brasileiro, de uma escala canadense de competência social de pacientes psiquiátricos (Manuel d'Évaluation Écologique des Habilétés Sociales - EEHS, Tremblay & Bandeira, 1994). A escala original incluía uma situação de familiarização e oito situações sociais cotidianas, que representavam as dificuldades de relacionamento social mais freqüentemente apresentadas pelos pacientes, no seu dia-a-dia na comunidade. Estas situações haviam sido selecionadas através de um levantamento realizado junto a 15 profissionais responsáveis por cinco residências comunitárias para pacientes psiquiátricos, tornando a escala mais realista e de maior validade ecológica (Torgrud & Holborn, 1992).

A escala original apresentou validade discriminativa, sendo capaz de diferenciar significativamente dois grupos de sujeitos, clínico e não-clínico. Os pacientes apresentaram um grau de competência social significativamente inferior ao do grupo não-clínico em todas as situações estudadas, sendo o aspecto verbal o que mais contribuiu para determinar o grau de competência social, o que replica os resultados obtidos nas pesquisas desta área. A escala original se mostrou também sensível às variações nas situações experimentais, pois ambos os grupos apresentaram maior grau de competência social nas situações em que iniciavam a interação social (Tremblay, 1992; Tremblay & Bandeira, 2002).

Na adaptação brasileira, as situações sociais foram modificadas para se adequar ao contexto brasileiro, de modo a envolver situações cotidianas que ocorriam habitualmente em uma casa de família, pois os pacientes moram mais freqüentemente com suas famílias do que em residências comunitárias. Foram feitas duas modificações principais: selecionou-se apenas quatro situações da escala original, que apresentavam maior validade discriminativa, a fim de tornar a escala mais curta e mais fácil de ser administrada e acrescentou-se uma sub-escala de solução de problemas visando obter uma avaliação mais completa da competência social.

Descrição das Situações Sociais:

A presente escala inclui uma situação de familiarização dos sujeitos às condições experimentais e quatro situações sociais de avaliação da competência social. Trata-se de situações cotidianas de interação social, que envolvem conflitos interpessoais que ocorrem em família. Duas situações envolvem interações iniciadas pelo próprio sujeito, enquanto as outras duas se referem a interações em que o sujeito deve reagir ao interlocutor. No primeiro tipo de situação, o sujeito deve expressar um sentimento de insatisfação com o comportamento do seu interlocutor, enquanto que o segundo tipo de situação requer que o sujeito reaja a uma critica justificada feita pelo interlocutor. As quatro situações de avaliação utilizadas na presente pesquisa são: 1.Receber uma critica do interlocutor, por estar acordando tarde demais e atrapalhando o funcionamento da casa, 2. Expressar uma insatisfação face ao comportamento do interlocutor de ter usado a roupa do sujeito sem permissão, deixando-a em péssimas condições, 3. Receber uma crítica do interlocutor por estar fazendo barulho de noite e incomodando as pessoas da casa e 4. Expressar uma insatisfação ao interlocutor por ele ter lhe dado pouca atenção ultimamente. Para cada tipo de situação, variou-se o gênero do interlocutor. A situação de familiarização consiste em pedir uma informação a um interlocutor, a respeito de um emprego anunciado.

A presente escala contém, portanto, duas variações de situações sociais: variação no tipo de situação (iniciar e reagir) e variação no tipo de interlocutor (sexo feminino e masculino). Estas variações foram introduzidas para se poder avaliar a habilidade dos sujeitos em diferentes situações, tendo em vista o caráter de especificidade situacional da competência social. Elas permitem ainda identificar os graus de dificuldades das situ-ações sociais, o que tem importância clinica para os programas de reabilitação psiquiátrica.

As quatro situações descritas acima foram adaptadas da escala original para a realidade brasileira, porém mantendo-se a essência das situações originais, o que permitiria posterior comparação dos dados da amostra canadense e brasileira. Por exemplo, a situação 4 da escala original envolvia expressar uma insatisfação ao interlocutor por ele ter negligenciado o sujeito ultimamente, dando-lhe pouca atenção. Esta definição é a mesma da presente escala, apenas o interlocutor difere. Na escala original ele representa o responsável da moradia protegida ou um educador da instituição onde reside o sujeito, enquanto na escala brasileira o interlocutor representa um membro da família.

Definições e critérios de codificação da competência social

A competência social é definida, na presente escala, em termos do comportamento médio que é esperado da pessoa, tomando como ponto de referência o grupo ou população de origem das pessoas avaliadas. A competência social é avaliada pelos observadores em termos de uma cota global e de 5 sub-escalas: verbal, não-verbal, paralinguística, expressividade emocional e solução de problemas.

Sub-escalas: A sub-escala verbal é definida em termos do que a pessoa expressa através de palavras, ou seja, os fatos e opiniões a respeito do problema discutido com o interlocutor e os sentimentos referentes a estes fatos. A sub-escala não-verbal envolve os seguintes aspectos: contato visual com o interlocutor; movimentos funcionais do corpo, tais como gestos de apoio à fala e movimentos de cabeça demonstrando compreensão da fala do interlocutor ; poucos movimentos não-funcionais, tais como bater incessantemente as pernas; postura flexível e orientada para o interlocutor. A sub-escala paralinguística é definida em termos dos seguintes aspectos: o tom de voz, a articulação das palavras e o ritmo da fala, incluindo-se aqui a presença ou ausência de perturbações da fala, tais como tiques e repetições de silabas e palavras, hesitações. A sub-escala de expressividade emocional avalia se o sujeito transmite alguma emoção em seu desempenho e se ela é congruente com a situação, em termos do tipo de emoção e de sua intensidade. A sub-escala de solução de problemas avalia se o sujeito propõe espontaneamente uma solução realista para a situação discutida. A escala global avalia o valor funcional do comporta-mento global da pessoa na situação, ou seja, se ela atingiu o objetivo da situação, considerando-se igualmente o desempenho do sujeito nas cinco sub-escalas descritas acima.

Objetivos das situações e a cota global: Para a atribuição da cota global, os sujeitos são avaliados em função dos objetivos a serem atingidos nas situações sociais. Estes objetivos são os seguintes: Situação 1 e 3: reconhecer sua própria responsabilidade frente à crítica justificada do interlocutor e expressar as razões de seu comportamento, com explicações realistas de suas necessidades (ex. levanta de noite por causa da boca seca ou levanta tarde demais por causa do medicamento ou do trabalho excessivo); propor uma solução realista para o problema que atenda às necessidades do sujeito, sem desconsiderar as do interlocutor e que resolva o problema (ex. levar um copo de água para o quarto antes de se deitar; arrumar o seu próprio quarto). Situação 2 e 4 : expressar clara-mente sua insatisfação frente ao comportamento inadequado do interlocutor e solicitar uma mudança concreta de seu comportamento, sem ser agressivo (ex. pedir ao interlocutor que peça per-missão para usar sua roupa; pedir ao interlocutor que lhe dê mais atenção).

Atribuição das cotas: O grau de competência social é avaliado através de uma escala tipo Likert de 6 pontos ou cotas, distribuídos conforme a seguinte classificação: Incompetência (1-2 pontos), Competência média (3-4 pontos) e Competência superior à média (5-6 pontos). Os graus de atribuição destas classificações foram diferenciados como se segue: 1= incompetência muito acentuada, 2= incompetência acentuada, 3= competência mínima em relação ao grupo de referência, 4=competência média em relação ao grupo de referência, 5= competência acentuada em relação ao grupo de referência, 6= competência muito acentuada em relação ao grupo de referência. Esta classificação é utilizada na atribuição da cota global e das cinco sub-escalas.

As classificações descritas acima são definidas operacionalmente através de critérios, nos quais os juizes devem se basear para atribuir suas cotas. Estes critérios envolvem comportamentos específicos que o sujeito deve apresentar para ser classificado em cada nível de competência. Por exemplo, o sujeito receberá a classificação de incompetência (cotas 1-2) na escala paralinguística, quando ele apresentar os seguintes comportamentos: fala rápido demais ou lento demais, falta clareza na articulação das palavras, o volume da voz é inaudível ou ao contrário fala alto demais, apresenta perturbações da fala, tais como sílabas ou palavras repetitivas ou hesitações (ver anexo).

Critérios operacionais deste tipo descrevem todas as demais escalas. Entretanto, estes critérios não diferenciam a cota 1 em relação à cota 2 . Esta decisão deverá ser tomada pelo observador, com base na intensidade ou freqüência em que o sujeito apresenta as dificuldades descritas acima. Os observadores devem chegar a um consenso, durante o treinamento, sobre as pistas ou critérios específicos que utilizarão para atribuir uma ou outra das duas cotas, de modo a maximizar o acordo entre eles.

Para atribuir as cotas da escala global, os juizes observam se a pessoa atingiu o objetivo da situação que está sendo avaliada, mas também fazem um julgamento a respeito do seu grau de adequação nas sub-escalas definidas acima. A cota global 4 indica um desempenho aceitável do sujeito com relação a estes dois critérios. A competência acentuada (cotas globais 5-6) indica um domínio e fluência dos comportamentos adequados e uma flexibilidade face ao seu interlocutor, além da capacidade de iniciativa e prontidão do sujeito, mostrando um desempenho superior à média.

Cenários e réplicas dos interlocutores:

Os cenários nos quais são realizados os desempenhos de papéis refletem contextos físicos de uma casa, onde as situações habitualmente ocorreriam na vida cotidiana. As situações 1 e 3 se passam em torno de uma mesa do café da manhã. As situações 2 e 4 se passam na sala de uma casa. Os cenários são montados com as peças mínimas necessárias para se criar um ambiente familiar. As cadeiras e poltronas são dispostas em ângulo adequado em relação à câmera, para que se possa visualizar o rosto e o corpo do sujeito e do interlocutor, permitindo assim a observação do contato visual, dos gestos e dos movimentos não-funcionais (ex. bater os pés repetidamente).

O desempenho de papéis se inicia após a apresentação das instruções de cada situação, descrevendo-se a situação interpessoal a ser vivenciada. Estas instruções são dadas por uma pessoa cuja função é apenas de receber o sujeito e prepará-lo para o desempenho de papéis. Em seguida, o sujeito é levado à sala de filmagem.

As situações se iniciam com uma primeira fala padronizada do interlocutor. Nas situações de receber uma crítica, ele começa apresentando o problema, que consiste em uma crítica ao comportamento do sujeito. As outras situações, de expressar uma insatisfação, se iniciam com o interlocutor dizendo: "você está querendo falar comigo?" Após esta primeira fala, as demais intervenções do interlocutor envolvem falas ou réplicas múltiplas padronizadas, mas que variam em função do comportamento do sujeito. Se o sujeito progride em relação à resolução da situação, o interlocutor responde com determinadas frases pré-estabelecidas (réplica tipo A). Se o sujeito não responde ou não progride na direção esperada, o interlocutor responde com outras frases diferentes pré-determinadas (réplica tipo B). Um estudo sistemático prévio permitiu levantar os tipos de respostas dadas pelos sujeitos nestas situações, elaborando-se assim as réplicas adequadas para cada tipo de fala dos sujeitos.

Para cada situação, o sujeito tem mais de uma oportunidade de dar uma solução para o problema apresentado. Caso o sujeito não responda a uma réplica do interlocutor dentro de 15 segundos, a réplica seguinte é apresentada. O interlocutor en-cerra a situação com uma réplica final padronizada da opção A ou da opção B, em função do desempenho do sujeito.

As réplicas múltiplas servem para favorecer uma interação mais flexível e natural, mais próxima de uma situação cotidiana de interação social. Evita-se assim a ocorrência de falas do interlocutor desvinculadas das falas do sujeito, como ocorre com réplicas fixas e únicas (Bellack & cols., 1990). Por serem padronizadas, diminui-se também a influência indesejável de vieses decorrentes do comportamento dos interlocutores (Beaulieu, 1996).

Estudo das Qualidades Psicométricas da Escala

Foi realizado um estudo para testar a viabilidade e facilidade de aplicação da escala e investigar algumas de suas qualidades psicométricas. Buscou-se avaliar a validade discriminativa, comparando-se dois grupos de sujeitos que teoricamente deveriam apresentar níveis diferentes de competência social. Para isto, foi utilizada a estratégia de validação social, na qual se avalia a competência social de um grupo de pacientes comparativamente a seu grupo de referência não-clínico na comunidade, com as mesmas características socio-demográficas e habitando no mesmo meio geográfico (Kazdin, 1977).

Esta comparação com pessoas da mesma sub-cultura dos pacientes permite identificar, de forma socialmente válida, os déficits da competência social dos pacientes e possibilita estabelecer objetivos de reabilitação mais pertinentes a esta sub-cultura e não estabelecidos arbitrariamente pelo terapeuta (Kazdin, 1977). Desta forma, identificam-se critérios para o treinamento da competência social, em função das exigências e do estilo do ambiente, o que se denomina validade ecológica do tratamento (Torgrud & Holborn, 1992).

Além da validade discriminativa, foi investigada ainda a sensibilidade da escala para detectar diferenças de desempenho frente a variações nas demandas das situações sociais. Baseando-se na característica de especificidade situacional da competência social, foi investigado se a presente escala seria sensível para identificar estas diferenças de desempenho. Para isto, foram feitas as duas variações experimentais, referentes ao tipo de demanda da situação social e ao gênero do interlocutor.

Participantes:

Participaram desta avaliação 70 indivíduos do sexo masculino, de nível socioeconômico baixo, divididos em dois grupos, clínico e não-clínico, equivalentes com relação às variáveis socio-demográficas (Bandeira & Tremblay, 1998).

Grupo Clinico: Era composto por 35 pacientes psiquiátricos, com idade média de 39,40 anos (S.D.=3,30), que moravam em suas comunidades, recrutados através dos arquivos do hospital psiquiátrico público FHEMIG, em Barbacena e do Hospital Paulo Menicucci, de Lavras. Eles foram diagnosticados pelos psiquiatras dos hospitais como psicóticos (CID 295 e 298). A grande maioria (86%) estava medicada com drogas antipsicóticas, sendo o número médio de medicamentos utilizados de 2,10 por paciente (S.D.=1,24). O número médio de internações psiquiátricas nos quatro anos prece-dentes era de 2,29 internações por paciente (S.D.=1,24). Foram excluídos os pacientes que apresentavam retardo mental, distúrbios orgânicos ou dificuldade de entender as instruções apresentadas nas sessões experimentais.

Grupo de referência: Era composto de 35 indivíduos, com idade média de 37,37 anos (S.D.=11,19), que moravam na mesma região dos pacientes e que foram convidados a participar da pesquisa. Este recrutamento foi adotado para se garantir que os indivíduos deste grupo pertences-sem a um contexto cultural e sócio-econômico semelhante ao do grupo de pacientes. Outros critérios de inclusão eram ser do sexo masculino, dentro da faixa etária de 18 a 55 anos e não possuir nenhuma história psiquiátrica.

Procedimento:

Os desempenhos de papéis foram filmados em vídeo para serem observados posteriormente. Os dados foram coletados através da observação sistemática feita por dois observadores, previamente treinados durante três meses até atingirem 85% de acordo entre eles. O treinamento foi feito pelo pesquisador, através de discussões com os observadores, visando obter uma compreensão e um consenso a respeito dos critérios específicos e pistas con-cretas associadas aos conceitos definidos nas sub-escalas e na escala global.

Foi feita a observação apenas de um sujeito por dia, para evitar que o cansaço dos observadores afetasse a coleta dos dados. Os juizes observavam independentemente um do outro, ou seja, em momentos diferentes. Os juizes eram "cegos" com relação ao sujeitos, não sabendo a que grupo pertenciam. As gravações mostravam sujeitos de ambos os grupos alternados aleatoriamente. As sessões de observação foram feitas diariamente e tinham duração de 3 horas. Cada juiz observava durante aproximadamente uma hora e, em segui-da, calculava-se a porcentagem de acordo obtida e discutia-se sobre os desacordos, chegando-se a um consenso sobre o escore mais adequado a ser registrado.

Cada juiz observava uma mesma situação várias vezes, focalizando de cada vez apenas uma única dimensão ou sub-escala da competência social. Ele anotava os comportamentos dos sujeitos, para cada uma destas dimensões, em folhas de registro de comportamento. Este registro apresentava, portanto, pistas concretas nas quais os juizes se baseavam para atribuir suas cotas a cada dimensão do comportamento. Somente após estas observações, o juiz fazia a avaliação global do desempenho do sujeito naquela situação. A folha de registro do comportamento permitia uma padronização do pro-cesso de observação, de modo que os juizes pudessem explicitar seus critérios de avaliação.

Dois outros juizes independentes foram treinados para observar os mesmos sujeitos, porém com o objetivo de registrar apenas a presença ou ausência de comportamentos específicos. Eles deviam detectar, para cada situação social, a presença de comportamentos previamente especificados em cada sub-escala da competência social (medidas moleculares). O objetivo era colher dados necessários para se verificar a relação entre as medidas globais e moleculares da competência social. Os comportamentos observados foram: verbais (expressar os fatos, expressar os sentimentos, expressar sem ajuda, expressar com clareza), não-verbais (conta-to visual adequado com o interlocutor, gestos de apoio à fala, movimentos da cabeça indicando compreensão da fala do interlocutor, postura adequa-da, pouco ou nenhum movimento não-funcional), paralinguística (tom de voz audível, ritmo adequado da fala, articulação clara das palavras), expressividade emocional (veicular emoção em sua fala, coerente com a situação), solução de problemas (apresentar uma solução realista para o problema discutido, de forma espontânea, sem ajuda).

 

Resultados

Validade discriminante: A capacidade da escala EACS em discriminar dois grupos de sujeitos, teoricamente diferentes em relação ao seu grau de competência social, foi verificada através da análise de variância de medidas repetidas para o total das quatro situações e análise de variância para cada tipo de situação separadamente.

A tabela 1 mostra os escores de competência social dos grupos, no conjunto das quatro situações sociais e em cada uma delas separadamente. Pode-se observar que os participantes do grupo de referência apresentaram maior grau de competência social do que os do grupo clínico, no conjunto das quatro situ-ações sociais estudadas. Esta diferença foi estatisticamente significativa, pois ocorreu um efeito significativo de grupo (F 1,68 = 27,41; p<0,001), sendo este efeito acentuado (f=0,63) (Cohen, 1998).

 

 

Os resultados mostram ainda, para cada situação particular, uma diferença significativa entre os dois grupos: para a situação 1 (F(1,68)=6,57; p<0,05), para a situação 2 (F(1,68)=39,58; p<0,001), situação 3 (F 1,68 = 5,23; p< 0,05) e situ-ação 4 (F 1,68 = 21,76; p<0,001). Esta diferença foi mais acentuada nas situações em que os participantes iniciavam a interação social para expressar sua insatisfação. Os dois grupos foram também significativamente diferentes, ao se analisar os dois tipos de situação, combinando-se os dados das duas situações que requeriam iniciar uma interação (F 1,68 = 53,81; p<0,001) e os dados das duas situações que requeriam reagir ao interlocutor (F 1,68 = 51,52; p<0,001).

Estes resultados demonstram a validade discriminante da escala EACS, confirmando a hipótese teoricamente esperada de um menor grau de competência social dos pacientes.

Sensibilidade a variações experimentais: Foram comparados os escores de competência social dos sujeitos frente a dois tipos de situações sociais e dois tipos de interlocutores, através de uma análise de variância com medidas repetidas. Os resultados mostraram que a escala EACS apresentou sensibilidade em detectar diferenças no grau de competência social dos sujeitos, em função de variações nos tipos de demandas das situações sociais. Os mesmos participantes se comportaram diferentemente em função de mudanças no tipo de situação, uma vez que a ANOVA mostrou um efeito significativo de situações (F3,204 =14,50; p<0,001). Os dados mostraram ainda que houve um efeito significativo de interação entre grupo e situação (F3,204 = 7,78; p<0,01), indicando que a diferença existente entre as situações dependeu do tipo de grupo.

Para verificar qual grupo se comportava diferentemente de uma situação para a outra, foi feita uma análise separada para cada grupo. Os resultados mostraram que o grupo de referência obteve uma diferença significativa nos seus escores de competência social nas quatro situações (F3,204 = 21,61; p<0,001), sendo este efeito acentuado (f= 0,99) (Cohen, 1988). Por outro lado, os pacientes apresentaram uma diferença não significativa nos seus escores de competência social, ou seja, menor variabilidade comportamental.

Para verificar se esta reação diferenciada dos participantes do grupo de referência se mantinha ao se comparar cada dois pares de situações, foi feita uma análise com o teste post hoc de Tukey (1977). Os resultados mostraram que as duas situações onde os participantes do grupo de referência iniciavam a interação social eram semelhantes, uma vez que a diferença das médias (0,20) era significativamente menor (p<0,05) do que o critério Tukey (0,34). A análise mostrou também que as duas situações onde os participantes do grupo de referência reagiam à fala dos seus interlocutores eram igualmente semelhantes, uma vez que a diferença entre as médias (0,06) era menor do que o critério Tukey (p<0,05). Podemos, então, afirmar que temos aqui duas classes diferentes de situações de interação social. Todas as outras diferenças entre as médias de duas situações foram mais altas do que o critério Tukey: entre as situações 1 e 4 (0,69), entre as situações 1 e 2 (0,89), entre as situações 2 e 3 (0,83) e entre as situações 3 e 4 (0,63).

Estes resultados demonstram, primeiro, a sensibilidade da escala em detectar diferenças no grau de competência social de um mesmo grupo de sujeitos de um tipo de situação social para o outro. Em segundo lugar, esta escala é também sensível para detectar diferenças entre os grupos quanto ao grau de variabilidade dos seus comportamentos nas situações. Estes resultados confirmam a hipótese teoricamente esperada de que o grupo clínico possui menor variabilidade comportamental e, portanto, menor adaptabilidade, em função de variações experimentais nos tipos de situações sociais.

Por outro lado, não foi observada variabilidade comportamental significativa ao se variar o gênero do interlocutor. Duas hipóteses podem explicar estes resultados: uma relativa insensibilidade da escala a este tipo de variação ou uma relativa insensibilidade dos sujeitos a esta mudança situacional, em situações sociais negativas. Dados obtidos por Eisler e cols. (1975) sugerem que o tipo de interlocutor pode ter uma importância menor do que outras variáveis situacionais, em certas situações. Por exemplo, no caso particular das situações sociais de expressão de sentimentos negativos, Eisler e cols. (1975) não observaram reações diferentes dos sujeitos de sua pesquisa diante de um interlocutor familiar versus não-familiar, em termos de uma cota global de assertividade (escala 1 a 5), nem em termos de medidas mais específicas comportamentais. No caso das situações positivas, entretanto, ou na combinação de todos os dados, foram encontradas diferenças significativas em diversas medidas. Como no presente trabalho foram utilizadas apenas situações sociais negativas, é possível que neste tipo particular de situação, as variações do gênero do interlocutor sejam menos importantes do que variações na demanda da situação.

Com relação ao gênero do interlocutor, Eisler e cols. (1975) não forneceram dados referentes à cota global (escala de 1 a 5), não nos permitindo comparar seus dados com os nossos resultados. Mas estes autores encontraram várias diferenças de comportamentos específicos verbais e não-verbais (ex. sorrisos, duração da fala, pedir mudanças de comportamento do outro) nas reações dos sujei-tos diante de interlocutores do sexo masculino e feminino. Dados obtidos no contexto brasileiro por Bandeira, Machado e Pereira (2002) confirmaram estes resultados, observando também variações em comportamentos específicos em função do gênero do interlocutor, tais como proporção da duração da fala, proporção da duração do contato visual, freqüência dos silêncios e freqüência do conteúdo verbal da fala dos sujeitos. Portanto, é provável que as medidas de cota global de competência social sejam menos sensíveis do que as medi-das de freqüência e duração de comportamentos específicos, frente a variações no gênero do interlocutor.

Fidedignidade: A fidedignidade da escala EACS pode ser avaliada pelo alto índice de acordo obtido entre os juizes, totalizando 245 acordos para 280 cenas observadas. A porcentagem de acordo no conjunto das situações foi de 87,9%. Além disso, a porcentagem de sujeitos que receberam acordo total dos juizes foi de 72,9%, ou seja, 51 dos 70 pacientes observados. Tomando-se cada grupo de sujeitos separadamente, o acordo entre os juizes foi igualmente elevado tanto para o grupo clínico (88,6%) quanto para o grupo não-clínico (86,4%). O coeficiente de correlação de Pearson entre os escores atribuídos pelos dois juizes foi de r=0,99 (p<0,001). Estes valores são semelhantes aos obtidos por outros pesquisadores, tais como os valores de r=0,94 e 95% obtidos por Eisler e cols. (1975) e os valores de r= 0,93 à r= 0,96 obtidos por Merluzzi e Biever (1987).

O grau de acordo interjuizes obtido com a escala EACS não foi diferente do obtido pelos dois outros juizes que observaram a presença ou ausência de comportamentos específicos, sem utilização da escala. De fato, estes dois últimos juizes obtiveram 86,8% de acordo (86,1% para o grupo clínico e 85,8% para o grupo não-clínico). A avaliação da competência social através desta escala não é, portanto, uma tarefa menos precisa ou mais difícil do que a de observar a presença ou ausência de comportamentos específicos.

Estes resultados confirmam a fidedignidade da escala para avaliar a competência social. Algumas características do procedimento adotado podem ter contribuído para este resultado, além do treinamento prévio dos observadores até adquirirem 85% de acordo. Primeiro, destacamos a importância de se usar critérios específicos com "ancoras" para atribuição das cotas, o que simplifica a tarefa de avaliação. Bellack (1983) relatou um grau de acordo acima de 0,90 em diversos estudos, ao utilizar escalas de medida cujas cotas tinham referentes comportamentais. Em segundo lugar, a discussão de consenso feita diariamente pelos juizes os mantinha em sintonia quanto aos critérios de avaliação, diminuindo a probabilidade de que eles mudassem imperceptivelmente a utilização dos critérios, no decorrer da pesquisa (Bellack, 1983). Em terceiro lugar, o cálculo diário da porcentagem de acordo fornecia aos observadores um "feedback" que servia de incentivo constante, evitando que o desempenho diminuísse. Finalmente, o fato de observar apenas um único componente da competência social de cada vez possibilitou maior atenção e concentração, favorecendo a precisão dos escores. Eisler e cols. (1975) apontam para a importância deste procedimento na coleta de dados.

Validade concomitante: A validade concomitante da escala EACS foi avaliada através de uma análise correlacional entre os escores de competência social e os resultados obtidos com outra escala que avaliava o construto correlato de assertividade. A assertividade havia sido avaliada através de uma escala tipo Likert de 5 pontos, aplicada por observadores independentes aos desempenhos de papéis dos sujeitos nas mesmas situações sociais, tendo apresentado um bom índice de validade discriminante (Bandeira e Ireno, no prelo).

Foi feita uma análise de correlação de Pearson entre os escores dos sujeitos nas duas escalas descritas acima, obtendo-se um coeficiente de correlação significativo (r=0,77; p<0,001). Considerando-se que a competência social constitui um construto mais abrangente do que a assertividade, os dois conceitos não sendo, portanto, idênticos mas sim interrelacionados, este valor moderado do coeficiente de correlação está dentro do esperado. Estes resultados demonstram a validade concomitante da presente escala.

Relações com as medidas moleculares: A relação entre a escala EACS e os demais níveis de medidas de comportamentos verbais e não-verbais foi verificada, através de uma análise correlacional entre os escores obtidos com esta escala e dois outros tipos de medidas moleculares, obtidas por observadores independentes: verbais e não-verbais.

No caso das medidas de comportamentos não-verbais, obteve-se uma correlação significativa da presente escala com a duração da latência (r = - 0, 27; p <0,05) e com a proporção da duração da fala dos sujeitos (r = 0,48; p<0,001). No que se refere ao comportamento verbal, obteve-se uma correlação significativa entre a presente escala e a freqüência das respostas verbais de expressar necessidade ou insatisfação (r =0,51; p<0,001) e de apresentar uma solução de problemas (r = 0,63; p<0,001).

Podemos constatar, portanto, que a medida global de competência social através da escala EACS se baseou em referentes comportamentais específicos, o que confirma dados de outros pesquisadores e fornece maior segurança na utilização de cotas globais. Os resultados mostraram ainda que a cota global se correlacionou mais forte-mente com as medidas moleculares de comporta-mento verbal do que não-verbal, confirmando dados da literatura desta área (Bellack & cols., 1990; Eisler & cols., 1975; Tremblay, 1992).

Relação entre a escala global e as sub-escalas: Para se verificar a contribuição das sub-escalas para a impressão global de competência social, foi feita uma análise de regressão múltipla, onde a variável dependente foi a cota global de competência social dos sujeitos e as variáveis independentes foram os escores das sub-escalas.

Os resultados mostraram uma função significativa com um valor de R2 = 0,92. Os valores de Beta para as sub-escalas mostraram a seguinte ordem decrescente de contribuição destas dimensões para a atribuição das cotas globais: Solução de problemas (Beta=0,28), Não-verbal (Beta=0,24), Verbal (Beta=0,23), Paralinguística (Beta=0,23) e de Expressividade Emocional (Beta=0,20).

Estes resultados indicaram que a impressão global de competência social foi uma função principalmente da capacidade do sujeito de propor uma solução que resolvesse apropriadamente o problema discutido na interação social, em acordo com o interlocutor. Em segundo lugar, houve a contribuição dos aspectos não-verbais do comportamento do sujeito para esta impressão global de competência. O desempenho verbal do sujeito em expressar claramente e completamente os fatos e sentimentos referentes ao problema discutido contribuiu, em terceiro lugar, para criar a impressão global de competência. Em quarto lugar, houve a contribuição dos aspectos paralinguísticos de ritmo da fala, volume e entonação da voz. Finalmente, contribuíram os aspectos referentes ao afeto veiculado pelo sujeito em congruência com a situação social.

Consistência Interna: Para avaliar a consistência interna da escala EACS foi feita uma análise através do coeficiente alfa de Cronbach, relacionando as sub-escalas e a escala global. Os resultados mostraram uma elevada consistência inter-na, com um valor de a = 0,87. As correlações entre os valores obtidos nas sub-escalas e a escala global variaram de r=0,54 à r= 0,82, na seguinte ordem: sub-escala verbal (r= 0,82), sub-escala de expressividade emocional (r= 0,75), sub-escala paralinguística (r= 0,73), sub-escala de solução de problema (r= 0,72) e sub-escala não-verbal (r= 0,54).

 

Discussão

Os resultados obtidos mostraram que a escala EACS de avaliação da competência social de pacientes psiquiátricos, através de desempenho de papéis, possui qualidades psicométricas satisfatórias, em termos de fidedignidade interobservadores, consistência interna, validade discriminativa, validade concomitante e em termos das relações significativas entre as cotas globais e medidas de freqüência e duração de comportamentos específicos. Esta escala apresenta validade social, uma vez que foi avaliada em relação a parâmetros da sub-cultura socio-demográfica dos pacientes. Estudos futuros poderão avaliar a estabilidade temporal da escala através de uma correlação teste-reteste.

Estes resultados confirmam dados da literatura e servem, portanto, para generalizar a validade e fidedignidade do desempenho de papéis como medida de avaliação da competência social de pacientes psiquiátricos, para o nosso contexto cultural. Este constitui, do nosso conhecimento, o primeiro estudo de uma escala deste tipo no nosso meio. Escalas de avaliação das habilidades sociais através de questionários já foram elaboradas e validadas para o nosso contexto, com amostras de estudantes universitários (Del Prette & Del Prette, 1999; Bandeira, Costa, Del Prette, Del Prette & Gerk-Carneiro, 2000). Uma escala de assertividade para populações mais amplas do que a de pacientes psiquiátricos, através de desempenho de papéis, também já foi traduzida mas, do nosso conhecimento, ainda não foi validada para o nosso meio (Lipp, Haythornthwaite & Anderson,1996). A particularidade da escala aqui apresentada vem ampliar nosso quadro inicial de medidas de avaliação das habilidades sociais.

Considerando os indicadores de validade e confiabilidade aqui apresentados, podemos concluir que a presente escala poderá ser utilizada no contexto brasileiro, tanto com objetivos clínicos como de pesquisa, envolvendo as habilidades sociais. Do ponto de vista clínico, o desempenho de papéis possui a vantagem de indicar mais claramente os aspectos específicos que necessitam ser trabalhados em um programa de treinamento das habilidades sociais, fornecendo pistas concretas ao terapeuta. Não só a impressão global de competência social é avaliada, mas cinco sub-escalas que se referem a dimensões distintas a serem focalizadas. Quanto ao ponto de vista da pesquisa, esta escala pode ser utilizada, por exemplo, para investigar relações teoricamente esperadas entre a competência social e variáveis referentes a diagnósticos psiquiátricos ou déficits cognitivos, além de ser útil para se avaliar, de forma independente e fidedigna, o impacto do treinamento de habilidades sociais junto a esta clientela.

Considerando que a competência social constitui um dos ingredientes importantes do sucesso da reinserção social de pacientes psiquiátricos, esta escala servirá para estabelecer prognósticos e identificar necessidades e dificuldades da clientela em reabilitação psicossocial, que são importantes para a planificação de sua reinserção social. No contexto da desinstitucionalização psiquiátrica e reinserção dos pacientes na vida da comunidade, as habilidades sociais são essenciais, uma vez que serão necessárias aos pacientes para interagir com as outras pessoas de seu ambiente, particularmente em situações de resolução de conflitos interpessoais. Uma maior competência social poderá servir como fator de proteção para diminuir o nível de estresse e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Neste contexto, a utilização da presente escala poderá servir para consolidar a prática de se fazer avaliações através de instrumentos validados para o contexto brasileiro.

 

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Endereço para correspondência
LAPSAM-Laboratório de Pesquisa em Súude Mental
Departamento de Psicologia
Universidade Federal de São João del Rei
Praça Dom Helvécio, 74
36301-160 São João del Rei - MG
E-mail: marina@mgconecta.com.br
Site: www.funrei.br/saudemental

Recebido: 01/02/2002
Aceito: 12/09/2002

Apoio Financeiro Institucional: FAPEMIG e CNPq

 

 

Maiores informações sobre a escala podem ser encontradas no site do Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental da UFSJ www.funrei.br/ saudemental.

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