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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.1 n.2 Porto Alegre nov. 2002

 

NOTAS TÉCNICAS E DOCUMENTOS

 

Em defesa da avaliação psicológica

 

 

Ana Paula P. Noronha; Cilio Ziviani; Cláudio S. Hutz; Denise Bandeira; Eda Marconi Custódio; Iraí Boccato Alves; João Carlos Alchieri; Livia de O. Borges; Luiz Pasquali; Ricardo Primi; SimoneDomingues.

 

 

Reunidos em Lindóia, SP, nos dias 29 e 30 de agosto de 2002, durante o Simpósio da ANPEPP. Os membros do Grupo de Trabalho em Avaliação Psicológica, em conjunto com as diretorias do IBAP (Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica) e da SBRo (Sociedade Brasileira de Rorschach e outras Técnicas Projetivas), discutiram a situação da Avaliação Psicológica no país, especialmente questões de formação e treinamento de psicólogos nesta área e consideram que a situação atual é extremamente preocupante.

Vários setores da sociedade, inclusive os psicólogos, vêm identificando há algum tempo uma série de problemas na avaliação psicológica. Dentre estes se pode exemplificar: o uso inadequado dos instrumentos, produzindo preconceitos e discriminação social; a existência de instrumentos comercializados desatualizados e sem embasamento científico; a produção de laudos inadequados e o uso exclusivamente técnico de instrumentos sem uma atitude crítico-reflexiva fundamentada teórica e cientificamente. Diante de tal quadro, duas posições divergentes são assumidas no país e elas se tornam preocupantes porque ocorrem, especialmente, dentro da própria classe dos psicólogos.

Uma das posições radicaliza a situação precária da avaliação psicológica, em especial dos instrumentos de avaliação, concluindo que estes devem simplesmente ser abolidos. Esta posição focaliza sua crítica nos testes psicológicos, concebendo-os como produto de uma visão de homem, sociedade e conhecimento tecnicista e, por isso mesmo, inadequada. Os testes psicológicos seriam instrumentos derivados desta visão cujo objetivo em essência seria conferir foro cientifico e justificar processos de marginalização e exclusão social. Para os defensores desta posição, a solução seria abandonar os testes psicológicos, particularmente as tarefas padronizadas, e partir para métodos mais abertos de avaliação, tais como a observação dentre outros. Além disso, para este grupo de profissionais existe uma tendência a minimizar a importância de fatores individuais, enfatizando que todo problema apresentado pelo indivíduo teria uma origem sócio-cultural e que, portanto, a intervenção deveria restringir-se mais à dimensão social que a do indivíduo. Desta concepção, têm surgido movimentos que buscam, em última instância, reduzir a formação profissional do psicólogo na área da avaliação psicológica, especialmente o ensino dos instrumentos de avaliação psicológica.

Outra posição defendida por profissionais e pesquisadores da área vê a tendência acima descrita com extrema preocupação, porque lhes parece que ela renega os avanços científicos da área, relegando a avaliação psicológica a um período ultrapassado de avaliações embasadas puramente no subjetivismo e, conseqüentemente, de extremo prejuízo para o indivíduo e para a sociedade. Este grupo entende que a visão de mundo, na qual os testes se legitimam, particularmente a teoria da medida em ciências, não somente representa um conhecimento legítimo, mas também constitui um critério de avanço do saber embasado cientificamente. Este grupo tem esta visão porque vem acompanhando os avanços nos modelos de teoria e medida, bem como estes vêm se refletindo no desenvolvimento de instrumentos e procedimentos de avaliação.

Quanto à avaliação psicológica, este grupo entende que o perito na área é o psicólogo, mas ele precisa se valer de instrumentos adequados, entre os quais, os testes psicológicos, como auxiliares necessários para tomar decisões baseadas em normas objetivas e não no subjetivismo pericial do profissional. Evidentemente os instrumentos possuem uma série de limitações inerentes à sua condição de técnica. Por isso mesmo, a competência dos profissionais, condicionada à qualidade da sua formação, possibilitará uma compreensão mais ampla e contextualizada do processo de avaliação no qual ele está inserido, permitindo uma interpretação mais adequada dos resultados.

Para este grupo, os problemas da avaliação psicológica decorrem basicamente de deficiências na formação profissional e, por isso mesmo, vê a solução como oposta à apontada pelos defensores da posição anti-instrumentos. Trata-se, enfim, de aprimorar a formação do psicólogo em avaliação psicológica, incluindo no currículo dos cursos de Psicologia temas e conteúdos que reflitam ou fundamentem tal aprimoramento, permitindo assim que o psicólogo seja capaz de avaliar a qualidade dos instrumentos que utiliza e que saiba fazer uso adequado dos mesmos. Estes temas deveriam, pelo menos, cobrir os seguintes tópicos: 1) teoria da medida e psicometria; 2) avaliação da inteligência; 3) avaliação da personalidade, incluindo técnicas projetivas e os inventários de personalidade; 4) práticas integrativas de planejamento, execução e redação dos resultados da avaliação psicológica (elaboração de laudos) nos mais variados contextos, incluindo conhecimentos das mais diversas áreas da Psicologia.

Os defensores de ambas as posições apresentam uma preocupação muito grande em fazer uma avaliação que não seja discriminatória, que leve em conta a complexidade do comportamento humano na sua diversidade e que, em última instância, aponte caminhos que auxiliem o desenvolvimento humano. Entretanto, os dois grupos diferem radicalmente na estratégia para se atingir tal objetivo. Enquanto o primeiro grupo vê na atual precariedade da instrumentação psicológica razão suficiente e imperativa para abandoná-la por inútil na avaliação psicológica, o segundo grupo procura aprimorar e ampliar o conjunto de conhecimentos e procedimentos na área. Este grupo está consciente de que o conhecimento científico é sempre precário e até lacunar, mas a solução não é o abandono e sim o aprimoramento do mesmo. Enfim, entende que, porque como o metro comete erros de medida, isso não é razão suficiente e imperativa para voltar a se medir por pés e braças.

A conseqüência infeliz destas duas posições aparece na indicação de estratégias políticas diferentes e contrastantes para a formação em Psicologia. A posição do segundo grupo consiste em propor o caminho mais produtivo para buscar contribuir na solução dos problemas apontados, insistindo no aprimoramento da formação dos psicólogos em relação à avaliação psicológica, bem como dos instrumentais em Psicologia. Reiteramos, portanto, a necessidade de treinar e capacitar professores na área da avaliação, aprimorar currículos, desenvolver e validar instrumentos e dar condições técnicas e éticas para que os psicólogos possam exercer a profissão com dignidade e em benefício da população.

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