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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.2 no.1 Porto Alegre June 2003

 

ARTIGOS

 

Organização do uso do tempo e valores de universitários

 

Organization of time use and values of undergraduate students

 

 

Umbelina do Rego Leite; Álvaro Tamayo; Hartmut Günther

Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste estudo foi investigado o papel dos valores individuais na organização do tempo. Participaram 271 universitários (60% homens), idade média de 19 anos (dp = 1.9), que responderam à Escala de Organização do Tempo (EOT) e ao Inventário de Valores de Schwartz, versão brasileira. Uma análise fatorial dos eixos principais, rotação varimax, da EOT revelaram quatro fatores: rotina, persistência, planejamento e competência. Foi encontrado que estudantes com alto escore na organização do tempo têm seus valores centrados na benevolência e conformidade. Os tipos motivacionais de realização, hedonismo, estimulação e autodireção tiveram correlação positiva com o fator persistência. As correlações entre os tipos motivacionais e o fator rotina apresentaram a forma sinusoidal. Também, mulheres foram mais organizadas que os homens; estudantes de humanas planejaram mais que alunos de exatas e alunos dos primeiros semestres tiveram mais competência no uso do tempo que alunos dos outros semestres.

Palavras-chave: Organização e administração de tempo, Valores.


ABSTRACT

In this study the role of individual's personal values on use and time organization was investigated. Participants were 271 undergraduate students (60% men), mean age 19 years (SD = 1.9) who completed the Time Organization Scale and the Schwartz Value Survey, Brazilian version. A principal axis factor analysis, varimax rotation, of EOT revealed four factors: routine, persistence, planning and competence. It was found that students with high score on time organization had their value priorities on benevolence and conformity. The persistence was positively related to realization, hedonism, stimulation, and self-direction. The correlations between values types and the routine yield a sinusoidal shape. Also, women were more organized than men; students of humans sciences planned more than exact sciences students and students from first semester had more competence using time than students from others semesters.

Keywords: Time organization and management, Value.


 

 

Na nossa sociedade ocidental - com uma comunicação globalizada e crescente avanços tecnológicos - as pessoas dedicam um maior número de horas de atividade no dia, tentando ser cada vez mais produtivas e eficientes. O tempo é visto nessa sociedade como uma comodidade ou um recurso valioso a ser preenchido com atividades produtivas. Assim como outros recursos, tempo pode ser negociável, vendido, gasto, economizado ou desperdiçado, além de poder ser bem ou mal administrado.

O tempo é um recurso limitado para os estudantes universitários. Britton e Tesser (1991) compararam estudantes universitários a um computador com a unidade central de processamento (cpu) lotada, porque eles têm um grande número de múltiplas tarefas de processamento de informações para realizar. E essas diferem em tamanho, complexidade, prioridades e prazos. São as leituras exigidas, a entrega de trabalhos, preparo para testes e a conciliação com atividades extracurriculares. Ao tentar realizar todas as tarefas acadêmicas, estudantes universitários podem ser tomados pela sensação de que não têm tempo suficiente para completar seus trabalhos adequadamente. É natural a preocupação em se encontrar formas de melhor aproveitar o tempo.

Vários artigos e livros de auto-ajuda (por exemplo, Fontana, 2000; Hindle, 1998) têm sido escritos sobre administração do tempo. Esses recomendam que as pessoas devem identificar as suas metas, colocá-las em ordem de prioridade ou importância e então alocar tempo e recursos adequadamente.

Macan, Shahani, Dipboye e Phillips (1990) encontraram que a administração do tempo inclui vários fatores. Dentre esses, o controle de tempo percebido foi o mais preditivo das variáveis estudadas. Estudantes que percebem seu controle sobre tempo, avaliam melhor seu desempenho, têm maior satisfação no trabalho e sofrem menos tensão somática. Ao administrar bem seu tempo - determinando prioridades, programando horários e organizando-se - o indivíduo ganha um senso de domínio sobre a alocação de tempo, com uma percepção de controle sobre o tempo. Comportamentos de administração de tempo levam à percepção de maior controle sobre o tempo e conseqüentemente tornam as pessoas menos estressadas, mais eficientes e mais satisfeitas.

Práticas de administração do tempo foram relacionados a aspectos positivos da vida acadêmica de universitários. Britton e Tesser (1991) encontraram que essa prática pode influenciar o desempenho acadêmico, aumentando as notas dos estudantes universitários. Macan (1994) encontrou que o engajamento em comportamentos de administração de tempo pode trazer benefícios para o indivíduo, diminuindo a tensão e aumentando a satisfação no trabalho, mas não necessariamente melhorando o desempenho. A administração e estruturação do tempo também pode reduzir a procrastinação em estudantes (Vodanovich & Seib, 1997).

Segundo Feather e Bond (1983) a percepção que o indivíduo tem do uso do seu tempo, como estruturado e útil, é um construto psicológico importante. Nesse processo, o emprego tem uma importante função, além da fonte de renda, a imposição de atividade regular e estruturada no tempo (Johada, 1981). Feather e Bond (1983) mostraram que universitários desempregados são menos organizados, menos objetivos no uso do tempo e mais deprimidos que seus colegas empregados. Bond e Feather (1988) encontraram uma correlação positiva entre organização, estrutura de tempo e senso de propósito na vida, auto-estima, saúde, otimismo em relação ao futuro, comportamento do Tipo A e hábitos de estudo mais eficientes. Também foram encontradas cor-relações negativas com depressão, distúrbios psicológicos, ansiedade, neuroticismo, sintomas físicos, falta de esperança e anomia. A percepção do uso do tempo também varia se a pessoa é solteira ou casada, empregada ou desempregada, ou se estudante em tempo integral ou parcial.

George (1991) mostrou que a estrutura e organização do tempo estão associadas à grande satisfação tanto no trabalho quanto na vida. Creed e Macintyre (2001) confirmaram esses achados, comparando benefícios do trabalho, tanto latentes como manifestos, a compensação financeira. A estrutura de tempo estava entre um dos maiores benefícios depois do benefício manifesto e o status que o trabalho traz.

Hinz (2000) propôs que o uso do tempo leva à estruturação do tempo, que por sua vez leva ao bem estar psicológico. Para ele, anteriores ao uso do tempo, estão as condições contextuais: organização exterior, experiência anteriores e modelos. Experiências são situações em que a pessoa tenha praticado a organização do seu tempo. Os modelos podem ser os pais, os amigos e a própria cultura em que a pessoa se encontra.

O interesse pela organização do tempo é marca-do pelo surgimento de instrumentos elaborados para medir diferentes usos do tempo, como o grau do uso, estruturação e práticas de administração de tempo. Exemplo desses instrumentos são: o Time Structure Questionnaire (TSQ) (Bond & Feather, 1988), o Time Management Behavior Scale (TMBS) (Macan et al. 1990), Time-Management Questionnaire (Britton & Tesser, 1991), escala medindo administração de tempo e policronicidade (Kaufman-Scarborough & Lindquist, 1999) e o Fragebogen zum Umgang mit der Zeit (FUZ, Hinz, 2000).

O TSQ tem sido extensivamente usado por pesquisadores da organização do tempo (George, 1991; Mudrack, 1997; 1998; 1999; Vodanovich & Seib, 1997). Bond e Feather desenvolveram o TSQ em dois estudos sobre os efeitos psicológicos do desemprego (Bond & Feather, 1988; Feather & Bond 1983). A escala TMBS desenvolvida por Macan e colaboradores (1990) com base em propostas, idéias e técnicas de administração de tempo constitui outra escala bem aceita e cujas propriedades psicométricas são comprovadas (Adams & Jex, 1997; Macan, 1994; Mudrack, 1997).

Pode-se concluir que estruturação, organização e administração do tempo trazem benefícios ou estão associadas a características positivas das pessoas. Também, as questões de organização do tempo parecem abranger mais que uma simples distribuição de tarefas ao longo do tempo, podendo envolver variáveis afetivas, comportamentais, cognitivas e de características pessoais. Como se pode constatar, a maioria das pessoas sabe que deve planejar, priorizar suas atividades, completar as atividades mais urgentes e ter uma rotina, mas nem todas procedem assim. É importante então investigar todas as possíveis variáveis relacionadas ao fenômeno. Pode-se perguntar se a organização do tempo não está associada, por exemplo, aos valores ou metas que as pessoas têm e que orientam a vida delas. Se as pessoas têm diferentes valores então se espera encontrar diferenças em termos de organização do tempo em função desses valores. Essa relação está embasada no princípio de que se conhecendo o valor de uma pessoa, se é capaz de predizer o comportamento dessa pessoa em várias situações (Rockeach, 1973). O presente estudo tem o objetivo de avaliar a relação entre os valores pessoais na organização e estruturação do uso do tempo.

Os valores pessoais são descritos como um sistema de conceitos ou crenças sobre comportamentos ou estados desejáveis, que transcendem situações específicas, servem como um arcabouço ou mapa que guia processos cognitivos e motivacionais e que, em última instância resulta em comportamento (Schwartz, 1992). Decerto, vários teóricos têm enfatizado a importância dos valores das pessoas para se entender ou prever atitudes e comportamentos (Grube, Mayton & Ball-Rokeach, 1994; Rockeach, 1973; Rohan, 2000; Schwartz, 1996). Um dos principais objetivos da maioria das pesquisas em valores é relacionar diferenças individuais das prioridades dos valores a diferenças em atitudes, comportamentos e características pessoais.

Rockeach (1973) deu um impulso da teoria dos valores desenvolvendo uma medida para as prioridades axiológicas das pessoas, o Rokeach Value Survey (RVS). Conforme Rohan (2000) o RVS tem sido o método de medida das prioridades dos valores mais popular. Rockeach produziu uma lista de valores com o pressuposto de que todas as pessoas possuiam em algum grau aqueles valores. Ele apresentava uma lista com os valores, com uma breve descrição de cada um e as pessoas arranjavam a lista em termos de importância que davam a cada valor. Existiam dois tipos de valores na lista: terminais e instrumentais. Os primeiros referiam-se a estados de existência desejáveis e, os segundos, a comportamentos desejáveis. Os valores terminais subdividiam-se em pessoais e sociais e os instrumentais em morais e de competência.

Baseado em um vasto corpo de conhecimento teórico e empírico, Schwartz aperfeiçou a teoria dos valores (Schwartz 1990, 1992; 1994; Schwartz & Bilsky 1987; Schwartz & Bilsky 1990; Struch, Schwartz & Kloot, 2002; Tamayo & Schwartz, 1993) postulou a teoria da estrutura motivacional dos valores. Um avanço desse modelo é que ele propõe análises de prioridades axiológicas múltiplas e concorrentes, permitindo o estudo da relação dos valores com o comportamento de forma integrada e não comparando um único valor (Schwartz, 1996). A abordagem de um único valor ignora o pressuposto de que atitudes e comportamentos são guiados não por prioridades dadas a um único valor, mas por uma troca entre valores concorrentes que estão implicados simultaneamente no comportamento ou na atitude (Rockeach, 1973). É na presença do conflito, isto é quando o comportamento tem conseqüências de promover um valor, mas se opõem a outros que também são cultivados pela pessoa, que os valores são prováveis de serem ativados e serem usados como princípios que guiam comporta-mentos (Schwartz, 1996).

Schwartz (1992) desenvolveu um questionário em que os respondentes analisam pequenas afirmações que exemplificam valores (ex. igualdade: oportunidades iguais para todos; harmonia interior: em paz comigo mesmo; poder social: controle sobre os outros, domínio). Pergunta-se, então, o quão importante é cada valor como princípio orientador da vida. No Brasil, O IVS se mantém o mais popular, tendo sido utilizado em muitos estudos relacionando os valores às escolhas acadêmicas e profissionais (Mendonça & Tamayo, 2001), à satisfação no trabalho (Tamayo, 2000), à pontualidade (Tamayo et al., 1999), à orientação política (Tamayo, Pimenta, Rolim, Rodovalho & Castro, 1996), ao uso de preservativos (Tamayo, Lima, Marques & Martins, 2001) e ao comprometimento organizacional (Tamayo et al., 2001).

A teoria de valores de Schwartz focaliza no conteúdo motivacional imbuído em cada valor. Os valores expressam metas motivacionais do indivíduo. Dez tipos motivacionais de valores foram deduzidos teoricamente a partir das seguintes necessidades básicas do ser humano: necessidades biológicas do organismo; necessidades sociais relativas à regulação das interações interpessoais e necessidades sócio-institucionais referentes à sobrevivência e bem-estar dos grupos. Schwartz testou empiricamente os dez tipos motivacionais e encontrou que os itens dos valores se agregam como postulados. Também encontrou que os tipos motivacionais estão organiza-dos em duas dimensões bipolares: abertura à mu-dança versus conservação e autotranscendência versus autopromoção. Os tipos e as dimensões já emergiram em amostras de mais de 50 países onde o instrumento tem sido utilizado, demonstrando universalidade (Struch, Schwartz & Kloot, 2002). No entanto, os valores que compõem esses tipos, podem variar dentre os países. No Tabela 1 estão listados os dez tipos de valores, com a definição de cada um em termos de seus objetivos centrais e em parênteses os valores únicos que os representam.

 

 

A relação entre os tipos motivacionais é demonstrada empiricamente por meio do método da análise do menor espaço (Smallest Space Analysis). Nesta análise, os valores são representados como pontos no espaço multidimensional, de tal forma que as distâncias entre eles expressam as relações empíricas entre os valores, determinadas a partir das correlações entre os seus graus de importância, de acordo com as respostas dos sujeitos. A estrutura dos valores humanos se refere à organização conceitual, destes, baseados nas suas similaridades e diferenças. Tipos de valores divergentes estão em direções opostas e tipos compatíveis estão próximos, numa estrutura circular.

 

 

Conforme ilustrado na Figura 1, a primeira dimensão, abertura à mudança versus conservação, ordena os valores com base na motivação da pessoa a seguir os seus próprios interesses intelectuais e afetivos através de caminhos incertos e ambíguos, por oposição à tendência a preservar o status quo e a segurança que ele gera no relacionamento com os outros e com as instituições. Teoricamente, situam-se, num dos pólos deste eixo, os valores relativos aos tipos motivacionais: autodeterminação, estimulação e hedonismo e, no outro, os referentes aos tipos motivacionais: segurança, conformidade e tradição. A segunda dimensão, autopromoção versus autotranscendência, apresenta, no pólo da autopromoção, os valores relativos aos tipos motivacionais: poder, realização e hedonismo e, no pólo da autotranscendência, os valores de universalismo e benevolência. Este eixo ordena os valores com base na motivação da pessoa para promover os seus próprios interesses mesmo às custas dos outros, por oposição a transcender as suas preocupações egoístas e promover o bem-estar dos outros e da natureza. O hedonismo é componente tanto da abertura à mudança como da autopromoção.

Dessa forma, a relação entre os valores e qualquer atitude ou comportamento tende a ser associada de forma similar aos tipos motivacionais adjacentes na estrutura circular. Além disso, as correlações com as atitudes e com o comportamento diminuem ao longo dos tipos motivacionais nas direções horária ou anti-horária da estrutura circular, desde o tipo motivacional mais positivamente correlacionado até o menos positivamente associado, descrevendo uma curva sinusóide (Figura 2).

Os valores do indivíduo expressam, além das suas motivações, as suas concepções daquilo que é bom para ele e para a sociedade. Em qualquer ambiente social existem hábitos e costumes relacionados a como as pessoas organizam suas atividades e sincronizam com os outros na vida pessoal e profissional. É legítimo esperar que exista conexão entre o sistema de valores das pessoas, e a organização do uso do seu tempo. A pontualidade, um comporta-mento relacionado com o tempo, já foi estudada em relação às prioridades axiológicas. Tamayo e colaboradores (1999) encontraram que a falta de pontualidade está associada com as metas pessoais do tipo hedonista e de estimulação. A pontualidade tem sido associada a fatores culturais (Levine, 1997; Levine, West, & Reis, 1980).

Espera-se que os valores que predizem a capacidade de organizar o tempo de maneira eficiente estejam na dimensão autopromoção (incluindo os valores poder e realização) versus autotranscêndencia (incluindo os valores de benevolência e universalismo). Assim, o preditor mais forte para a organização de tempo é a importância que o indivíduo atribui a valores de benevolência e conformidade. Esses valores predizem a organização do tempo como um comportamento esperado pela sociedade, do tipo normativo, a exemplo do que foi encontrado para pontualidade.

O principal propósito deste estudo foi investigar o impacto dos valores no uso e organização de tempo de universitários. Para estudar os valores foi utilizada a teoria da estrutura motivacional dos valores de Schwartz. A abordagem dos tipos motivacionais da teoria de Schwartz parece bastante promissora para se entender os antecedentes da organização do tempo, porque se pode relacionar o con-junto das prioridades axiológicas do indivíduo com o mencionado comportamento. Para investigar como as pessoas organizam seu tempo pessoal, foi elaborado um questionário sobre planejamento, persistência, eficiência e competência do tempo. Explorou-se também outras possíveis variáveis preditoras da organização do uso do tempo: gênero, área do curso, idade e semestre que cursa. O estudo também testou a validade da escala de medida de organização de tempo.

 

Método

Amostra

Participaram deste estudo 271 estudantes da Universidade de Brasília, sendo 60 % homens e 40 % mulheres, com idade de 17 a 25 anos, média de 19 anos, dp = 1,9, de cursos na área de humanas (51 %) e exatas. Das mulheres, 23% eram de humanas e 17% de exatas e dos homens, 28% eram de humanas e 32% de exatas. Os participantes estavam distribuídos nos seguintes semestres: 71% do primeiro semestre, 15 % do segundo semestre e os demais, de vários semestres chegando até 11º semestre.

Instrumento

Foi utilizado um questionário com duas partes. A primeira parte continha a Escala de Organização do Tempo (EOT), um instrumento com 17 itens, elaborado pelos autores a partir da literatura, mas principalmente de 12 itens dos fatores: rotina e persistência do TSQ (Bond & Feather, 1988). O TSQ é uma escala que contém 26 itens, agregados em um único escore e em quatro subescalas: senso de propósito, rotina estruturada, orientação para o presente, organização efetiva e persistência. O TSQ tem sido usado em vários estudos e os autores recomendam que pesquisas enfatizem as suas subescalas e não somente o escore único.

Os itens da EOT foram avaliados numa escala de freqüência com cinco itens, em que 1 = nunca, 2 = raramente, 3 = algumas vezes, 4 = na maioria das vezes, 5 = sempre. A EOT foi validada na própria pesquisa obtendo um coeficiente alfa de 0,84. A análise fatorial com o método de extração pela fatoração dos eixos principais (PAF) e rotação varimax, revelou quatro fatores que foram denominados: rotina, persistência, planejamento e competência. A rotina (a= 0,81, 14 % da variância explicada) refere-se à habilidade de cumprir prazos, incluindo itens sobre procrastinação, interrupção e demora ao iniciar a tarefa). A persistência (a= 0,76, 11 % da variância explicada) mede a capacidade de finalizar a atividade começada. O planejamento (a= 0,68, 10% da variância explicada) envolve o seqüenciamento de tarefas e a elaboração de um plano antecipado. A competência (a= 0,61, 9 % da variância explicada) está relacionada à eficiência de como o tempo está sendo despendido. A Tabela 2 apresenta os itens do EOT

A outra parte do questionário continha o Inventário de Valores de Schwartz (IVS) traduzido e validado por Tamayo e Schwartz (1993). A versão brasileira inclui, além dos 57 itens da versão internacional, quatro valores característicos da cultura brasileira (Tamayo, 1994). O IVS avalia os dez tipos motivacionais de valores discutidos na introdução (Tabela 1). O questionário também continha uma capa com apresentação, em que os participantes eram in-formados que o objetivo da pesquisa era identificar opiniões da pessoa sobre o uso do tempo e seus valores. Nesta parte também era assegurado aos participantes o sigilo das suas respostas e lhes era soli-citados que respondessem sinceramente a todos os itens do questionário.

Procedimento

A aplicação do questionário foi coletiva nas salas de aula, a todos os alunos presentes, após a permissão do professor. O questionário era auto-aplicativo dispensando instruções verbais adicionais. Os questionários identificados com a idade fora do limite de 25 anos foram descartados. O tempo médio gasto no preenchimento foi de 15 minutos.

 

Resultados

As correlações entre os fatores e o escore geral EOT e cada um dos tipos motivacionais de valores estão dispostas da Tabela 3. Benevolência e conformidade tiveram correlação positiva com o escore geral. Os outros tipos motivacionais de valores apresentaram correlações nulas ou muito baixas com o escore geral.

 

 

 

A relação dos tipos motivacionais com o fator rotina apresentou uma curva sinusóide (Figura 2), sendo que as correlações positivas com benevolência e conformidade e negativas com poder. O fator persistência teve correlação positiva com benevolência e também com os tipos motivacionias: realização, hedonismo, estimulação e autodireção.

Explorando o impacto das variáveis demográficas sobre a organização do uso do tempo, houve diferença estatisticamente significativa no gênero. Mulheres tiveram médias superiores no escore geral da escala de organização do uso de tempo (t =2,24; p = 0,02) M (m = 3,33; dp = 0,50) H (m = 3,19; dp = 0,52), no fator rotina (t = 2,36; p = 0,01) M (m = 3,04; dp = 0,64) H (m = 2,84; dp= 0,69) e no fator planejamento (t = 2,53; p = ,01) M (m = 3,48; dp = 0,67) H = (m = 3,24; dp = 0,74).

 

 

Houve diferença também entre os estudantes das áreas de humanas e exatas no fator planeja-mento (t = 2,73; p = 0,007), sendo que os estudantes da área de humanas (3,46; dp = 0,67) tiveram a média superior que os de exatas (3,22; dp = 0,76) O semestre que o aluno cursa teve impacto no fator competência (t = 2,08; p = 0,039). Alunos do primeiro semestre (M = 3,32; dp = 0,69) tiveram uma média superior aos dos alunos dos outros semestres (M = 3,15; dp = 0,58).

 

Discussão

Na capacidade de organizar o tempo de maneira eficiente, a dimensão autopromoção (incluindo os valores poder e realização) versus autotranscendência (incluindo os valores de benevolência e universalismo) se mostrou relevante. O preditor de motivação axiológica mais forte para a organização de tempo é a importância que o indivíduo atribui a valores de benevolência e conformidade. A benevolência promove a preservação e promoção do bem estar das pessoas com as quais mantém contato. E a conformidade busca a contenção dos impulsos de transgressão das normas sociais. Esses resultados confirmam a hipótese de que os valores que predizem a organização do tempo são do tipo normativo porque esse parece ser um comportamento normativo, esperado pela sociedade.

Já com o fator rotina, além da correlação com benevolência foi encontrada correlação com os tipos motivacionais realização, hedonismo, estimulação e autodireção, que são contrários à benevolência e conformidade e têm metas individualistas. Esse achado indica que é importante distinguir entre as diferentes facetas da organização de tempo. Com o escore geral a correlação foi com os tipos benevolência e conformidade enquanto que com ao fator rotina foi encontrada correlação com tipos motivacionais de valores opostos. Parece que a rotina tanto traz valores coletivos quanto individuais.

Os achados também revelam uma complexidade na dinâmica de organização de tempo. Por exemplo, nessa amostra gênero e área do curso tiveram impacto na organização do uso do tempo. As mulheres tiveram escores mais altos nos fatores: rotina e planejamento e no escore geral, mas não em persistência e competência do tempo. Isto pode refletir, como sugerido por Macan e colaboradores (1990), diferenças de tipo de trabalho ou tipo de conflito experenciado por mulheres que trabalham. Também, Golombok e Fivush (1994) explicam que as mulheres perecem ter um autoconceito relacional e os homens um autoconceito individualizado. Mulheres se definem em termos dos seus relacionamentos, enquanto que os homens em termos das suas realizações individuais. Se relacionarmos essas diferenças para o contexto da organização de tempo, parece que a organização de tempo é favorecida por conceitos relacionais, o que vai de acordo com os resultados encontrados para valores.

Outra correlação significativa encontrada foi em relação à área do curso do universitário. Alunos da área de humanas tiveram escores mais altos no fator planejamento. A amostra de alunos da área de humanas era composta na maioria por alunos do curso de artes. E o fato de que eles tiveram escore mais alto no fator planejamento, comparando com os alunos de exatas, vai contra o estereótipo de que os alunos de artes têm mais flexibilidade no que fazem e por isso são menos organizados. Podia-se esperar que essa diferença pode ser do efeito do gênero, existe maior número de mulheres nas áreas de humanas. Mas, foi constatado com uma análise de variância que não há interação entre gênero e área do curso na organização do uso do tempo nesta amostra.

Ao contrário de achados de Bond e Feather (1988) não foi houve diferença de idade na organização do uso do tempo. Mas, por outro lado, alunos do primeiro semestre tiveram mais competência no uso do tempo do que os alunos dos semestres mais adiantados. Isso pode refletir um maior esforço de ajuste por parte do aluno à nova realidade acadêmica, quando o jovem precisa de novas formas de trabalhar para alcançar as exigências da vida acadêmica. Ou ainda, mais disponibilidade de tempo para se dedicar aos interesses acadêmicos que alunos mais adiantados no curso, que podem já estar envolvidos em atividades profissionais.

Concluindo, as prioridades axiológicas, gênero e semestre que cursa constituem fatores preditivos da organização e uso do tempo. Universitários mais organizados quanto ao uso do tempo tiveram os seus valores mais importantes centrados na benevolência e conformidade. As mulheres e os estudantes de humanas foram mais organizados quanto ao uso do tempo. Alunos do primeiro semestre têm maior competência no uso do tempo do que os alunos dos outros semestres.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Umbelina do Rego Leite
Rua Liberdade Q. 77 Lt 41
74670-810 Goiânia - GO
E-mail: umbelina@unb.br

Aceito em abril de 2003
Recebido em 12/11/2002

Os autores agradecem o apoio do CNPq

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