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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.2 n.2 Porto Alegre dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Taxonomia de adjetivos descritores da personalidade

 

Taxonomy of personality descriptors

 

 

Cristina Coutinho Marques de Pinho I; Raquel Souza Lobo Guzzo II

I Centro Universitário Hermínio Ometto - Araras-SP
II Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa refere-se aos adjetivos descritores da personalidade da língua portuguesa, a partir do léxico. Os objetivos são identificar os descritores e comparar as avaliações dos juízes. Foram sujeitos-juízes seis professores universitários, seis membros da Academia Paulista de Psicologia e a primeira autora, como juiz constante, para avaliar uma lista de adjetivos segundo critérios estabelecidos pelo modelo alemão. Os resultados foram analisados atribuindo uma valoração aos critérios, sendo selecionados os adjetivos que obtiveram uma média maior ou igual a três. Do total de adjetivos (5641), 938 (16,63%) obtiveram a média exigida. Houve uma concordância significativa entre os juízes. Considerando que a organização dos adjetivos descritores da personalidade dá origem a uma base de dados científica, que poderá servir para o aprimoramento de técnicas e instrumentos para a avaliação psicológica e de ferramenta para estudos da personalidade, sugere-se a continuidade deste trabalho, e o desenvolvimento de pesquisas derivadas deste.

Palavras-chave: Taxonomia, Personalidade, Avaliação psicológica.


ABSTRACT

This study is based on a German model of taxonomy and it refers to personality descriptors adjectives of the Portuguese language, based on the lexicon. The goals are to identify the personality descriptors and compare the evaluations made by the judges. Six university professors, six members of the São Paulo Academy of Psychology and the first author were the judges. The results were analyzed attributing a valuation to the criteria and those that had an average identical or greater than three have been selected. Of a total of 5641 adjectives, 938 (16.63%) achieved the required average. Agreement between the judges was high. Considering that the organization of the description of adjectives of the personality results in a database that will be functional for the improvement of techniques and instruments for psychological assessment and as a tool for personality studies in Brazil, further studies are suggested in continuity of this work.

Keywords: Taxonomy, Personality, Psychological assessment.


 

 

O presente trabalho foi uma pesquisa de base, que pretendeu fornecer subsídios para a construção de instrumentos de avaliação psicológica, especialmente de avaliação da personalidade. Tratou-se do estudo de descritores da personalidade da língua portuguesa baseado na abordagem psicoléxica, que está fundamentada na necessidade de descrever, organizar e classificar características e diferenças individuais usando a linguagem cotidiana como referência. A busca pelas palavras descritoras da personalidade pode ser feita por meio do léxico da língua, e tem sido estudo constante de pesquisadores da área (Angleitner, Ostendorf e John, 1990).

A taxonomia, ou taxionomia, permite aos pesquisadores estudar a personalidade como um todo, já que oferece todas as características (ou traços) individuais presentes na língua. Uma outra contribuição importante de uma taxonomia é o suporte que gera para a construção de instrumentos de avaliação psicológica, da personalidade, do temperamento, da criatividade e de tantos outros constructos (Engler, 1991; Bates, 1989).

Este trabalho, que vem sendo desenvolvido pela equipe do Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas - LAMP, da qual a Autora faz parte há oito anos, serviu para o acúmulo de conclusões empíricas, por oferecer uma nomenclatura padrão. Nas palavras de Bloom, Engelhart, Furst, Hill e Krathwohl (1983) "a principal finalidade de uma taxionomia (...) é facilitar a comunicação" (p.9). Por se tratar de um estudo transcultural, a comunicação é um cuidado a ser tomado, em especial em estudos em que o constructo é a personalidade humana, uma vez que existem diferentes pontos de vista teóricos.

O LAMP desenvolveu duas das quatro fases para a construção da taxonomia brasileira de descritores da personalidade, fazendo comparações com estudos de outros países (Guzzo, Pinho e Car-valho, 2002). A proposta da presente pesquisa foi dar continuidade a este estudo, desenvolvendo a terceira fase.

Esta pesquisa poderá servir para qualquer área da Psicologia. Foi desenvolvida no curso de Mestrado em Psicologia Escolar, na linha Fundamentos e Medidas da Avaliação Psicológica, por ser este um campo de interesse da Autora, que tem percebido, em sua prática, a necessidade de melhorar a qualidade da avaliação de crianças e adolescentes em idade escolar e instrumentalizar o professor a (re)conhecer as diferenças individuais dos seus alunos.

"A personalidade é freqüentemente considerada um obstáculo em programas educacionais, embora muito dependa da perspectiva conceitual que o psicólogo educacional está disposto a assumir. Quando pais preferem tratar suas crianças igualmente e professores preferem tratar seus estudantes igualmente, diferenças entre aprendizes são consideradas problemas no ensino e educação, ao invés de recursos a serem desenvolvidos mais adiante" (De Raad e Schouwenburg, 1996: 328).

As diferenças individuais devem, portanto, ser respeitadas e compreendidas, tanto por pais como por professores. Essas diferenças podem ser melhor identificadas com instrumentos de avaliação psicológica adequados.

No Brasil, as pesquisas sobre avaliação psicológica e todo o seu processo ainda são escassas. Dentre as dificuldades mais apontadas pelos estudiosos estão o reduzido número de pesquisadores nesta área; a ausência de cursos de pós-graduação em Psicologia ou Educação que possuam linhas de pesquisa envolvendo testes psicológicos; e a carência que os profissionais de Psicologia têm de ferramentas de avaliação adequadas para a realidade em que atuam, ou seja, a qualidade e quantidade de instrumentos de avaliação disponíveis são insuficientes e insatisfatórios - os principais testes objetivos usados no diagnóstico e avaliação da personalidade, inteligência, memória, assim como baterias neuropsicológicas, não estão adaptados e normatizados para o uso na nossa realidade, podendo, por essa razão, entrar em choque com os compromissos éticos e profissionais do psicólogo em sua prática (Pasquali, 1992; Hutz e Bandeira, 1993; Kupfer, 1994; Crystal, 1995; Andaló, 1996; Andriola, 1996; Novaes, 1996; Pfromm Netto, 1996; Wechsler, 1996; Mendonça, 1997).

Embora várias medidas venham sendo tomadas na direção de um aprofundamento da pesquisa relativa à avaliação em geral, e dos instrumentos psicológicos em especial, a situação ainda padece da falta de esforços concentrados para minimizar seus problemas (Hutz e Bandeira, 1993; Pasquali, 1999).

A escolha do instrumento de avaliação, assim como a informação que este fornece são um cuidado especial que o psicólogo deve ter para, de fato, compreender o sujeito em suas dimensões, já que os resultados destes testes podem exercer influências sobre a vida dessas pessoas, seja numa avaliação durante a vida escolar e profissional ou na vida pessoal (Arias, 1995).

Se a Psicologia brasileira não dispõe de instrumentos para avaliação, de uma forma geral, as dificuldades se acentuam na área da avaliação da personalidade. A personalidade parece tão ligada à cultura e ao senso comum que teóricos, cientistas e pessoas leigas referem-se a ela de forma muito parecida. Por este motivo o estudo formal da personalidade é necessário, talvez mais do que qualquer outro.

No âmbito internacional, a avaliação da personalidade também apresenta alguns limitadores que vêm sendo estudados por aqueles que buscam respostas e critérios para este tipo de atividade. Um dos limites é a pouca instrumentalização existente para a avaliação da personalidade, preocupação esta que vem mobilizando diferentes países e inúmeros pesquisadores para torná-la mais adequada aos critérios de medida em Psicologia (Church & Lonner, 1998; Hutz, Nunes, Silveira, Serra, Anton e Wieczorek, 1998; Pasquali, 1999).

O estudo da personalidade deve proporcionar o conhecimento do funcionamento e comportamento humano a partir das diferenças individuais, e o instrumento de avaliação da personalidade deve, portanto, ser capaz de avaliar e descrever tais características (Church & Lonner, 1998).

Apesar da personalidade ser um constructo da Psicologia bastante descrito na literatura, destaca-se pela dificuldade de ser definido e estudado. Os diferentes teóricos da personalidade, muitas vezes, ao apresentar suas idéias, rejeitam ou excluem outras visões deste constructo, dificultando ainda mais o estudo do mesmo (Eysenck, 1974; Allen, 1997). Se diversos pesquisadores concordassem com um conjunto de constructos, poderiam coordenar melhor a pesquisa de problemas comuns da área.

Todas as teorias da personalidade contêm três aspectos fundamentais: descrição (das diferenças individuais), dinâmica (mecanismos pelos quais a personalidade se expressa) e desenvolvimento da personalidade (formação e mudança da personalidade). Estes aspectos respondem às perguntas mais importantes sobre a personalidade: como as pessoas se diferem umas das outras? Como se desenvolvem? Como se pode entender a dinâmica que as motiva a agir de uma forma e não de outra?

As diferenças entre as diversas teorias são evidenciadas na forma como respondem a estas perguntas. Não importa o valor dado a cada aspecto, o importante é que todas as teorias respeitem essas três características, que são temas inter-relacionados.

Apesar das divergências entre as teorias, existem alguns aspectos da personalidade com os quais os estudiosos concordam, tais como: as diferenças individuais são relativamente estáveis (o indivíduo apresenta algumas características consistentes em diferentes situações); a personalidade pressupõe uma adaptação do indivíduo ao mundo; boa parte da personalidade é genética; a personalidade inclui dimensões comportamentais e traços (Allen, 1997; Church & Lonner, 1998, Cloninger, 1999, Lykken, 1999).

Muitos pesquisadores preferem não considerar a perspectiva do traço como uma abordagem teórica, com o preceito de que o traço de personalidade é um aspecto duradouro que influencia o comporta-mento, mas desenvolvem pesquisas para o refina-mento e revisão do conceito do traço, destacando que ele serve mais como descritor das diferenças individuais do que como determinantes do comportamento. Como principais autores que contribuíram para o desenvolvimento desta perspectiva estão Gordon Allport e Raymond Cattell.

O conceito do traço tem ocupado um lugar de destaque no domínio da avaliação da personalidade (Wiggins e Pincus, 1992; McCrae e Costa, 1995; Riello, 1999). O desenvolvimento e avanço de estudos de traços têm gerado modelos teóricos considerando fatores gerais da personalidade (Wiggins, 1980).

Chegou-se a afirmar que uma abordagem de traços fornece a base para um paradigma coerente da teoria da personalidade na tradição da ciência natural, uma vez que "em todas as ciências a taxonomia precede a análise causal" (Cloninger, 1999: 213).

Gordon Allport foi o mais proeminente defensor do conceito do traço, estudando-o sistematicamente de 1931 até sua morte, em 1967. Este autor usou o conceito de traço de duas maneiras: como descritores das diferenças individuais e como determinantes do comportamento (John, Angleitner e Ostendorf, 1988; Cloninger, 1996, 1999).

Allport propôs que a unidade básica da personalidade é o traço. Para ele, traços são causas do comportamento que são, em princípio,

"únicas para cada pessoa (sistema idiográfico). Mesmo que as adaptações sejam únicas para cada pessoa, há semelhanças suficientes entre uma pessoa e outra capaz de permitir pesquisas com grupos de pessoas (sistema nomotético)" (Cloninger, 1996: 75).

Mais tarde, Allport expandiu essa definição com muitas afirmações teóricas: o traço tem mais do que uma existência nominal; é mais generalizado do que um hábito; é dinâmico, ou pelo menos determinante, no comportamento; pode ser estabelecido empiricamente; é apenas relativamente independente dos outros traços; não é sinônimo de julgamento moral ou social; pode ser visto ou à luz da personalidade que o contém, ou à luz de sua distribuição na população; ações e hábitos que são inconsistentes com o traço não provam a não existência do traço.

Os traços variam na extensão de sua influência e são parte de um continuum de conceitos para descrever a personalidade. Às vezes um traço domina tanto a personalidade de um indivíduo que ele influencia tudo o que a pessoa faz - este traço é denominado, por Allport, de traço central. Enquanto que traços secundários são aqueles que descrevem o impacto da personalidade em determinadas situações - são os hábitos e atitudes. Traços cardinais são aqueles referentes ao senso de si e à filosofia de vida (Cloninger, 1996).

A abordagem do traço precisava ser ligada a uma estrutura teórica se quisesse avançar na ciência da personalidade. Controvérsias sobre traços têm estimulado um refinamento do conceito e, portanto, a linguagem psicológica dos traços tem se tornado mais precisa (Cloninger, 1996).

Dentre as perspectivas contemporâneas do estudo da personalidade, tem-se atualmente uma tendência a buscar uma abordagem compreensiva de vários traços, por meio de um modelo amplo de organização, ou uma descrição sistemática das relações, ao invés de examinar um traço de cada vez, já que permite "uma linguagem comum para os pesquisadores de diferentes abordagens teóricas, uma base para a comparação e a avaliação das teorias da personalidade, uma estrutura para a validação de escalas de personalidade e um guia para a avaliação compreensiva do indivíduo" (McCrae, Costa & Busch, apud Cloninger, 1996: 87).

Os teóricos que reformularam a teoria de Allport propuseram medir os traços, dando assim um valor mais fidedigno a esta abordagem. Sugerem, ainda, que os traços podem ser agrupados em fatores que representam amplas dimensões de diferenças individuais.

Eysenck, por exemplo, propôs três fatores: Extroversão, Neuroticismo e Psicoticismo, desenvolvendo, com isso, uma das mais influentes e pesquisadas teorias da personalidade (Schultz e Schultz, 2002). Estes três fatores são medidos pelo Eysenck Personality Questionnaire (EPQ).

Cattell desenvolveu diversos modelos sistemáticos de medida de personalidade e ligados à teoria do traço. Seu extenso trabalho permitiu que chegasse a conclusão de que existem dezesseis dimensões básicas da personalidade normal (Extroversão, Ansiedade, Teimosia, Independência, Controle, Ajustamento, Liderança e Criatividade - fatores bipolares). E construiu um instrumento capaz de medi-las: o 16PF.

Wiggins propôs um modelo de personalidade para descrever aspectos que influenciam comportamentos interpessoais, distinguindo seis categorias de traços: interpessoais, materiais, temperamentais, papéis sociais, caráter e características mentais. Sua proposta deu origem a um modelo circunflexo (Riello, 1999).

Outros estudos sobre traço e personalidade têm comprovado a existência permanente de cinco fatores da personalidade em diversas culturas. Ou seja, constatou-se que em diferentes culturas, os cinco fatores estão representados na linguagem. Este fenômeno tem sido denominado, pelos autores, de "Big Five" ou Cinco Grandes Fatores (Goldberg, 1981; John, Angleitner & Ostendorf, 1988; Wiggins & Pincus, 1992; Church & Lonner, 1998;. Hutz et alli, 1998).

As raízes destes fatores estão no estudo léxico, em que foram analisados para determinar que dimensões as pessoas usam quando descrevem a si mesmas e aos outros. Essa pesquisa indica que pessoas comuns descrevem a personalidade em cinco fatores (Goldberg, 1981), embora alguns pesquisadores discordem desta proposição.

Defensores deste modelo afirmam que este compreende as dimensões da personalidade mais importantes e pode fornecer uma estrutura de organização para a pesquisa da personalidade. A estrutura do "Big Five" capta, a um nível grande de abstração, a simplicidade da maioria dos sistemas existentes de descrição de personalidade e provê um modelo descritivo integrativo para a pesquisa de personalidade (John, 1990).

Costa & McCrae (1985) desenvolveram um questionário de auto-relato, chamado NEO-PI (Neuroticism, Extroversion and Openness to Experience-Personality Inventory), especialmente para medir esses cinco fatores. Este instrumento deve ser destacado, pois obteve resultados semelhantes na aplicação em diversas culturas/línguas: holandesa, alemã, italiana, estoniana, finlandesa, espanhola, hebraica, portuguesa, russa, coreana, japonesa, francesa e filipina (Church & Lonner, 1998). O estudo sobre o NEO-PI já está sendo desenvolvido também no Brasil (Hutz et alli, 1998).

Discute-se se os fatores de personalidade do Big Five realmente têm potencial universal. Se isto fosse verdade, poderia se pensar que "chegou ao fim a busca por fatores de traços básicos para a construção de questionários da personalidade" (De Raad, Perugini, Hrebícková & Szarota, 1998: 212), idéia esta não aprovada pelos estudiosos. Portanto, o Modelo dos Cinco Grandes Fatores é uma estrutura geral de compreensão da personalidade e um guia de pesquisas, mas não deve excluir ou substituir outras teorias e propostas sobre o estudo dos fatores da personalidade (Briggs, 1992; Caprara, 1992).

O número de maneiras que uma pessoa pode se diferenciar de outra - ou diferenciar-se de si mesmo - é quase infinita. Dadas essas dificuldades particulares, "pode parecer surpreendente que psicólogos da personalidade continuem a se esforçar para catalogar, ordenar e nomear de forma padrão o domínio das diferenças individuais" (John, Angleitner e Ostendorf, 1988: 172). Mas o que a literatura nos mostra é que cada vez mais os estudiosos estão buscando este processo de organização, que é denominado taxonomia ou taxionomia. "Taxônomos e pessoas leigas avaliam similarmente os traços estáveis como o mais fundamental conceito de personalidade" (John, Angleitner e Ostendorf, 1988: 171).

É importante ressaltar que a taxonomia de descritores não admite o conceito do traço como determinante do comportamento, mas como características que descrevem a personalidade. Por ser um modelo de organização das características da personalidade, a taxonomia não se encaixa em nenhuma das teorias da personalidade e ao mesmo tempo em todas. Por um lado, trata-se de um estudo ateórico das características individuais; por outro, refere-se a todas as características presentes nos modelos teóricos.

Os procedimentos para a construção de uma taxonomia de descritores da personalidade passaram a ser uma importante base de dados para a criação de instrumentos de avaliação da personalidade e temperamento, pois se constatou que estudos em taxonomia podem permitir a identificação dos principais termos utilizados para esta descrição, o desenvolvimento de estudos teóricos, o aprimoramento de técnicas de avaliação psicológica, a comparação de descritores entre diferentes países, proporcionando, assim, um estudo transcultural (Angleitner Ostendorf e John, 1990; Eysenck, 1994; Smirmák, 1994; Schimitz, 1994).

Recentemente, o desenvolvimento de taxonomias de traços de personalidade tem conduzido a uma crescente pesquisa buscando uma forma cada vez mais segura e importante de descrever a personalidade (Ostendorf e Angleitner, 1992).

Em uma revisão histórica (John, Angleitner e Ostendorf, 1988; Briggs, 1992; Cloninger, 1996, 1999; Hutz et cols, 1998), descobriu-se que a idéia de usar o vocabulário usual como ponto de partida para estudos científicos da personalidade data de mais de cem anos atrás: o escritor e cientista inglês Francis Galton, em 1884, foi provavelmente o primeiro a examinar o dicionário procurando quantificar os descritores da personalidade, encontrando cerca de 1000 termos. Na busca de identificar no dicionário palavras descritoras da personalidade, diversos autores podem ser citados, pelos seus estudos e esforços: Klages, em 1926, articulou a teoria racional para a abordagem léxica, argumentando que o estudo da linguagem beneficiaria a compreensão da personalidade. Baumgarten, partindo do estudo de Klages, fez um estudo sistemático sobre a abordagem léxica, em 1933, examinando termos para descrever traços de personalidade. Allport e Odbert, em 1936, trabalha-ram com todas as palavras relacionadas com traços na edição de 1925 do New International Dictionary Webster, identificando 17.953 traços (4,5% do total de palavras do dicionário) e os classificaram em quatro categorias: a) termos neutros que designam traços pessoais, b) termos descritivos de humores temporários ou atividades, c) termos carregados de julgamento social, d) miscelânea (condições físicas, desenvolvimentais ou de capacidades, termos metafóricos ou duvidosos). A lista de traços que Allport e Odbert desenvolveram é clássica para os estudiosos da personalidade e tem servido de base empírica para os pesquisadores mais recentes. Cattell usou a lista de Allport e Odbert como ponto de partida para o desenvolvimento de um extensivo modelo multidimensional de estrutura da personalidade. Além destes, como foi descrito anteriormente, outros estudiosos têm buscado descrever a personalidade a partir dos traços, ou características, encontrados na linguagem do cotidiano das pessoas.

Em 1990, Angleitner, Ostendorf e John sistematizaram um modelo de taxonomia de descritores da personalidade. A partir deste modelo, foram feitas taxonomias em diferentes culturas, tais como: a italiana (Forzi, Arcuri, Fontana, Di Blas e Tortul, 1990; Di Blas e Forzi, s/d), a tcheca (Hrebícková, Ostendorf e Angleitner, s/d), a holandesa (Broken apud Hofstee, 1990), a americana (Norman apud John, Goldberg e Angleitner, 1984) e a brasileira (Guzzo, Carvalho, Messias, Pereira, Pinho, Riello e Serrano, 1998; Guzzo, Carvalho, Valli, Pinho, Koelle, Silva e Messias, 1998; Guzzo, Pinho e Carvalho, 2002; Pinho, 2001). A taxonomia brasileira só será completada, de fato, quando a quarta etapa for concluída, que é o objetivo do trabalho de Doutorado da Autora.

A identificação de palavras descritoras da personalidade na linguagem tem levado a estudos que buscam listar quais são as dimensões que as pessoas usam para descrever a si mesmas e aos outros, por meio de uma taxonomia própria da personalidade.

As palavras do dicionário não esgotam as palavras que são utilizadas para a comunicação corrente, no entanto podem ser representativas do conjunto de palavras utilizadas pelas pessoas para classificar eventos, comportamentos e objetos (De Raad, 1995; Wiggins e Pincus, 1992). O léxico reflete, ainda que indiretamente, os elementos da cultura do momento.

De Raad, Perugini, Hrebícková & Szarota (1998) apontam também algumas vantagens do uso do dicionário: é completo no que diz respeito ao uso atual e é sistematicamente supervisionado por lexicógrafos.

Com base no estudo de De Raad (1995), optou-se por trabalhar apenas com os adjetivos encontrados, excluindo, portanto, outras categorias gramaticais que deveriam descrever a personalidade. A exclusão de substantivos e verbos empobrece o trabalho, mas a opção de não inclui-los justifica-se, principalmente, por se tratar do primeiro estudo taxonômico brasileiro.

Outra razão pela escolha de só se incluir adjetivos neste estudo está baseada em Skinner (1957), que aponta que uma das vantagens da Psicologia em relação às outras Ciências, é que a linguagem é a melhor representação do comportamento. Comportamento é ação e expressa-se por verbos. O indivíduo é o ser e expressa-se por substantivos. As características do indivíduo são suas qualidades, portanto, os adjetivos. Como o objetivo do trabalho, que tem como base o estudo da personalidade, é qualificar o "ser", a categoria gramatical que "caracteriza os seres..., indicando-lhes uma qualidade, caráter, modo de ser ou estado" (Ferreira, 1986) é o adjetivo. O que referencia as personalidades é a adjetivação.

A partir deste pressuposto, a abordagem léxica, ou psicoléxica, foi desenvolvida para abranger todos os termos que descrevessem a personalidade de um indivíduo ou grupo, identificando, agrupando e classificando as palavras que são mais representativas na linguagem diária (Goldberg, 1982; John, Goldberg e Angleitner, 1984; John, Angleitner e Ostendorf, 1988; Angleitner, Ostendorf e John, 1990; Fujita, s/d; De Raad, 1995).

O principal objetivo da abordagem psicoléxica é "chegar a uma especificação do domínio do traço que virtualmente explore o universo dos traços e permita uma seleção representativa de traços para uso prático e teórico" (De Raad, Perugini, Hrebícková & Szarota, 1998: 213).

A abordagem léxica converge para o domínio do traço, uma vez que as pessoas, na sua comunicação diária, tratam das diferenças individuais por meio da linguagem. Ou seja, a descrição de diferenças individuais depende da linguagem. Aquelas diferenças individuais que são mais evidentes e socialmente relevantes na vida das pessoas serão eventualmente codificadas na sua linguagem (Goldberg, 1981, 1982; John, Goldberg and Angleitner, 1984; John, Angleitner e Ostendorf, 1988; De Raad, 1995; Fujita, s/d). Portanto, a pesquisa psicoléxica tem como objetivo identificar as palavras que são mais representativas nas relações diárias (De Raad, 1995).

O léxico da personalidade seria o conjunto de descritores de diferenças individuais de uma deter-minada cultura, agrupados e organizados para facilitar o estudo da personalidade.

O Brasil, por meio da construção da taxonomia para descritores da personalidade, pode apresentar seus resultados e juntar suas informações com os diversos países envolvidos nesta linha de pesquisa, contribuindo para um estudo transcultural importante (Guzzo, Carvalho, Valli, Pinho, Koelle, Silva e Messias, 1998; Guzzo, Pinho e Carvalho, 2002).

A literatura nacional mostra que esta é a primeira pesquisa sobre taxonomia de descritores da personalidade, que serve de suporte aos estudos sobre a avaliação de personalidade e que se utiliza como referência o léxico da Língua Portuguesa (Guzzo, Pinho e Carvalho, 2002).

O modelo alemão - no qual este trabalho está baseado - consta de quatro fases para a construção da taxonomia de descritores da personalidade (Angleitner, Ostendorf e John, 1990). Completadas essas quatro fases, espera-se contribuir, com dados brasileiros, para os estudos internacionais sobre os fatores de personalidade mais importantes e significativos encontrados na Língua Portuguesa e para a atuação dos psicólogos e pesquisadores em Psicologia, oferecendo instrumentalização apropriada para a avaliação da personalidade no contexto brasileiro.

As duas etapas iniciais do desenvolvimento da taxonomia de descritores da personalidade estão detalhadamente descritas em Guzzo, Pinho e Carvalho (2002). Porém, faz-se necessário uma pequena descrição do que consistem essas etapas.

Pesquisas Anteriores: fases 1 e 2

A primeira consistiu da identificação e da extração de todos os adjetivos do Dicionário da Língua Portuguesa versão 2.0 em CD-ROM (Barroso, 1996) que possam descrever atributos ou características individuais, resultando num total de 35.834 adjetivos. O procedimento para a realização da fase 1 foi selecionar todos os verbetes nos quais apareciam a sigla "ADJ", copiá-los e alocá-los em uma tabela de arquivo do WORD 6.0, fazendo um arquivo para cada letra. Foram encontrados 35.834 adjetivos, o que corresponde a aproximadamente 30% dos verbetes totais encontrados no dicionário (Guzzo, Carvalho, Pinho, 2002).

A segunda fase foi a seleção dos adjetivos descritores da personalidade, segundo os critérios de exclusão preestabelecidos pelo modelo alemão: verbetes não discriminativos; origem geográfica; nacionalidade; profissão ou atividade; referente a uma parte da pessoa; metáforas; aspectos técnicos e científicos; idéias políticas, religiosas ou filosóficas; chulos; constituição física; relativo a animais e relativo à natureza (John, Angleitner e Ostendorf, 1988).

O material utilizado foram os adjetivos da fase anterior, organizados em tabelas. O procedimento da organização foi a exclusão de todos os adjetivos que correspondessem a qualquer um dos critérios cita-dos acima. Neste estágio, 5641 adjetivos permaneceram para a etapa seguinte, representando 4,70% do total de verbetes do dicionário e 15,74% do total de adjetivos (Guzzo, Carvalho, Valli, Pinho, Koelle, Silva e Messias, 1998).

A finalização da construção da taxonomia brasileira exige a realização das fases três e quatro, a proposta de estudo da presente pesquisa é o desenvolvimento da terceira etapa.

 

Método - Pesquisa Atual: fase 3

Sujeitos-juízes

Foram sujeitos desta pesquisa seis membros da Academia Paulista de Psicologia, seis professores universitários e um juiz constante, responsáveis por avaliar um total de 5641 adjetivos, quanto à sua clareza de significado, à sua utilidade como descritor da personalidade e à freqüência de uso do adjetivo na prática profissional.

A seleção dos juízes membros da Academia Paulista de Psicologia foi feita aleatoriamente, a partir da lista total de membros. Foram selecionados 18 membros, mas apenas um terço respondeu ao convite para participar da pesquisa. A idade destes juízes variou de 50 a 76 anos (média = 65,8 anos) - houve uma resposta em branco -, sendo 50% do sexo masculino e 50% do sexo feminino.

Os juízes-professores foram selecionados dentre um rol de Professores de Psicologia em uma Instituição de Ensino Superior, pelo contato que têm com a Autora e pela disponibilidade para responder à pesquisa. São todos do sexo feminino, com a idade variando entre 34 e 51 anos (média = 45,17).

A maioria dos juízes-professores é formada em Psicologia (83,33%), sendo os membros da Academia Paulista de Psicologia além de formados em Psicologia, o são também em mais de uma área (Pedagogia e Administração)

A concentração da área da experiência profissional dos juízes está na "docência" para ambos os tipos de juízes. Enquanto os juízes-acadêmicos destacam-se na área da pesquisa, os juízes-professores o fazem na Psicologia Escolar.

Quanto ao domínio de língua estrangeira, nota-se que o inglês é a língua de domínio predominante, entre os juízes. Os juízes-acadêmicos destacam-se pelo conhecimento de diferentes línguas, enquanto os professores dominam mais a língua inglesa e espanhola.

Material

O material entregue aos juízes consistiu de uma Carta de Apresentação, uma Ficha de Instrução, uma Ficha de Identificação, a tabela com os adjetivos e uma Carta de Agradecimento.

Na Carta de Apresentação consta uma peque-na introdução sobre o trabalho e a responsabilidade do juiz. Na Ficha de Instrução estão descritos a forma de preenchimento do material e o prazo de entrega. Como Dados de Identificação, constavam in-formações sobre a idade, sexo, formação profissional, tempo de experiência e se o sujeito-juiz tem domínio de alguma língua estrangeira. Estes dados servem para compor as principais características dos sujeitos da pesquisa.

Os adjetivos foram dispostos em uma tabela, organizados em ordem alfabética. O agrupamento das letras foi aleatório, assim como a sua distribuição entre os juízes, formando seis grupos: AVXZ (985 adjetivos), BCJL (926), DEF (1076), GHI (876), MSTU (823), NOPQR (955).

Optou-se por agrupar as letras pela quantidade de adjetivos, resultando em uma média de 940 adjetivos e quatro letras por juiz. A decisão por este procedimento se deve ao grande volume de adjetivos, que poderia comprometer a análise dos juízes, prejudicando a sua validade. Devido à experiência na área e, em particular neste estudo, a Autora avaliou o total de adjetivos, referente a todas as letras.

Os juízes deveriam assinalar, com um X, nas colunas 1, 2 e 3 quando o adjetivo fosse claro em seu significado e/ou útil na descrição da personalidade e/ ou quando fosse usado freqüentemente na prática profissional. Quando o adjetivo não correspondesse a nenhuma das alternativas acima, deveriam deixar as colunas em branco.

A Carta de Agradecimento foi entregue pessoalmente ou via correio, com o compromisso da Au-tora em disponibilizar o resumo da dissertação a todos os juízes e, caso houvesse interesse, uma cópia completa do trabalho.

Procedimento

A entrega do material para os juízes foi feita pessoalmente ou via correio. Foram entregues, no total, 36 conjuntos de letras (18 para Acadêmicos e 18 para Professores). Até o prazo marcado para a devolutiva, foram devolvidas 12 listas, representando um terço do total enviado.

Todos completaram as tabelas, assinalando com um X quando o adjetivo era claro em seu significado e/ou útil descritor e/ou freqüente no uso, na prática profissional.

 

Resultados e Discussão

Primeiramente, é necessário fazer uma retrospectiva dos resultados obtidos nas fases anteriores (1 e 2), que estão descritas em Guzzo, Pinho e Carvalho (2002).

Segundo o Novo Dicionário Aurélio (Ferreira, 1986), existem cento e vinte mil verbetes na Língua Portuguesa. A primeira fase da taxonomia de descritores da personalidade constatou que, deste total, 35.834 vocábulos são adjetivos, representando 29,86% do total de verbetes existentes no léxico.

A segunda etapa consistiu em uma avaliação de dois juízes para determinar quais dos adjetivos poderiam ser úteis para a descrição da personalidade. Cada juiz trabalhou independentemente, na decisão de excluir os adjetivos pelos diferentes critérios, estabelecidos por Angleitner, Ostendorf e John (1990). A exclusão de um adjetivo foi determinada quando os dois juízes concordaram com a retirada. Quando houve dúvida em relação à permanência ou não do adjetivo, optou-se por mantê-lo; esta decisão está descrita na proposta alemã, na qual o presente estudo está baseado.

Quando comparada às taxonomias de outros países, o Brasil apresenta o maior número de adjetivos (35.834), seguido pelas línguas italiana (21.800), tcheca (13.606) e alemã (11.600), como pode-se observar na Tabela 1. Porém, na conclusão da segunda fase, os resultados da Alemanha incluem, proporcionalmente, mais adjetivos descritores da personalidade para a construção da taxonomia (41,6%). Em relação ao total de verbetes alemães (96.666), comparando com o Brasil (120.000), a proporção é a mesma: 5%, ou seja, cinco porcento das palavras presentes nos dicionários alemão e brasileiro são adjetivos descritores da personalidade.

 

 

É importante notar que a Língua Portuguesa apresenta uma variabilidade incontestável de adjetivos passíveis da descrição de diferenças individuais, e que dificuldades na avaliação psicológica aparecem pelo fato de não se poder assegurar a análise destas características pelas dificuldades no uso da linguagem.

A seguir serão apresentados os resultados obtidos com a coleta de dados da terceira fase. Estão divididos em partes, destacando-se os diferentes conjuntos de adjetivos descritores da personalidade.

A lista de todos os adjetivos da Língua Portuguesa que podem descrever a personalidade de um indivíduo ou de grupos conta com 5.641 adjetivos, representando 15,74% do total de adjetivos, que foram considerados possíveis descritores da personalidade.

A Tabela 2 mostra como estes adjetivos estão divididos pelas letras do alfabeto. Na coluna "Total de Adjetivos", está descrita a quantidade de adjetivos existentes por letra e a sua porcentagem em relação ao total de adjetivos da Língua (35.834). Em "Adjetivos Descritores" está o total de adjetivos que possivelmente podem descrever a personalidade, com sua respectiva porcentagem em relação ao total (5.641). A última coluna desta Tabela descreve a porcentagem da quantidade de adjetivos descritores referente à quantidade de adjetivos da letra.

 

 

Pode-se perceber que a letra "A" é a letra que mais contém adjetivos e adjetivos descritores, na Língua Portuguesa, entretanto é a letra "I" que contém a maior proporção de adjetivos descritores em relação do total da letra. Ou seja, 27,87% dos adjetivos da letra "I" são potencialmente descritores da personalidade. É importante assinalar que na estrutura da Língua Portuguesa, as adjetivações que expressam negação são mais representativamente freqüentes nas letras A e I (por exemplo, "anormal" e "inadequado").

Sabe-se que as letras "K", "W" e "Y" não fazem parte do alfabeto do Brasil e que são utilizadas apenas para palavras estrangeiras. Contudo, destas, a única letra que não contém adjetivos é a "Y". As letras "K" e "W" apresentam um baixo número de adjetivos, 11 e 10, respectivamente, e nenhum deles são descritores da personalidade.

A terceira fase da construção da taxonomia de descritores da personalidade tem por objetivo formar uma lista dos adjetivos a partir dos critérios: clareza de significado, utilidade como descritor e freqüência de uso.

Para a análise dos resultados da presente pesquisa, considerou-se o julgamento da Autora e dos juízes, da lista total de adjetivos (5.641). Pode-se dizer que este conjunto de adjetivos representa as características descritoras da personalidade, na Língua Portuguesa, na concepção dos sujeitos da Amostra da presente pesquisa. São 938 adjetivos (16,63%), apresentados na lista descrita no Anexo 1. Das letras do alfabeto, apenas a letra "X" não apresentou nenhum adjetivo nesta categoria.

Como era esperado teoricamente (Angleitner, Ostendorf e John, 1990), o número de adjetivos que permaneceram para a etapa seguinte da construção da taxonomia brasileira dos descritores da personalidade diminuiu bastante. No referido estudo, constatou-se que cerca de 72% dos adjetivos, quando avaliados quanto à clareza, utilidade e freqüência, não vão para a fase posterior. No presente estudo, o número de adjetivos excluídos foi ainda maior, representando 83,37% (4.703 adjetivos que não obtiveram a média maior ou igual a três).

Dentre os 5.641 adjetivos, 333 (5,90%) foram considerados, por pelo menos dois juízes, como claros, úteis e freqüentes. Pode-se conceber que esta lista representa as características da personalidade mais claras, úteis e freqüentes da Língua Portuguesa, para psicólogos da região do Estado de São Paulo.

Houve uma concordância na avaliação entre os juízes no que se refere à clareza, utilidade e freqüência dos adjetivos. Isto indica que os juízes avaliaram significativamente de forma semelhante o conjunto dos 5.641 adjetivos, o que indica um aspecto positivo da pesquisa, relativo à compreensão e realização das análises dos juízes (Tabelas 3 e 4).

 

 

 

Foram considerados claros para ambos os juízes 990 adjetivos, 243 úteis para a descrição da personalidade e 285, freqüentes no uso profissional. Estes números podem ser "pequenos" comparando aos 2466 e 2168 (para clareza), 1177 e 574 (para utilidade) e 1192 e 802 (para freqüência) atribuídos por cada juiz. Cabe lembrar, entretanto, que a concordância entre eles é significativa, ou seja, 990 adjetivos incluídos pelos dois tipos de juízes é uma quantidade estatisticamente considerada satisfatória.

Esta análise remete sugere indicar que os juízes responderam ao material desta pesquisa de forma semelhante, colaborando para a identificação dos adjetivos da Língua Portuguesa mais claros, mais úteis e mais freqüentes.

Foi também possível fazer a identificação dos adjetivos que foram considerados "freqüentes" pelo menos por um juiz: 1.908, representando (33,82%).

Nota-se que a letra "A" continha mais adjetivos descritores (826), mas foi a letra "C" que conteve o maior número de adjetivos freqüentemente utilizados na descrição da personalidade (243).

Lembrando que todos os juízes são do Estado de São Paulo, estes dados podem ter um viés regional. Segundo Flores (2000) existem, no Brasil, diferenças regionais na língua, por isso, seria interessante que um outro estudo pudesse conferir se em outras regiões brasileiras os adjetivos selecionados também são claros, ou ainda, se são apenas claros. Cada região ou estado brasileiro recebeu diferentes influências, formando um vocabulário a parte. Nos últimos anos, têm sido lançados vários dicionários com a intenção de apresentar e se fazer entender a linguagem de um determinado lugar. Porém, as nossas diferenças lingüísticas são bem menos acentuadas do que qualquer língua européia. Cagliari (1996) reforça Flores ao ressaltar a importância de se ter mais estudos brasileiros que destaquem as diferenças regionais da linguagem. Cabe aqui, re-forçar a necessidade de se refazer este estudo em outras regiões do Brasil para averiguar se os resultados são semelhantes.

 

Considerações Finais e Conclusão

O tipo de pesquisa, aqui realizado, não é comum na psicologia brasileira. Por isso, ao longo do seu processo foram encontradas algumas dificuldades importantes a serem destacadas. Dentre elas, a densidade e complexidade da Língua Portuguesa referente à quantidade de adjetivos existentes. A organização destes, para culminar nesta pesquisa, percorreu quatro anos, já que todo o seu processo se iniciou no ano de 1996.

Outra dificuldade encontrada foi identificar aqueles adjetivos como descritores da personalidade. A primeira autora, por ter avaliado toda a lista de adjetivos pôde perceber como é cansativo e árduo o trabalho de pensar sobre cada um dos 5.641 adjetivos quanto à sua clareza de significado, utilidade como descritor e freqüência de uso. Pode-se supor que o mesmo sentimento ocorreu para os doze juízes, mesmo que avaliando uma média de 940 termos. Vale dizer, ainda, que alguns destes avaliadores comentaram sobre a "surpresa" e curiosidade a respeito de alguns adjetivos, recorrendo ao dicionário, depois de completadas as respostas, para descobrir seu significado e perceber porque estão na lista dos possíveis descritores da personalidade.

Seria interessante se esta "busca" dos juízes ao dicionário fosse registrada, para verificar se depois da consulta, o sujeito avaliaria o adjetivo como útil para a descrição da personalidade. A não identificação de alguns adjetivos pela utilidade poderia tanto significar que eles realmente não são úteis, como poderia demonstrar que o reconhecimento ou entendimento não é claro, para aquela determinada amostra, o que remete a estudos com diferentes tipos de amostra.

Foi possível perceber também que existem descritores da personalidade que não se encaixam em nenhuma especialidade psicológica, já que a Amostra encontrava-se, aleatoriamente, dispersa em várias áreas da Psicologia (lembrando que foram 1.323 os adjetivos considerados não claros, não úteis para descrever a personalidade e não freqüentes na experiência profissional dos psicólogos).

Com a identificação, pelos psicólogos da região do Estado de São Paulo, dos adjetivos mais claros, mais úteis e mais freqüentes na Língua Portuguesa como descritores da personalidade, pode-se dizer que os objetivos propostos foram atingidos e que a terceira etapa da construção da taxonomia foi desenvolvida plenamente.

A construção da taxonomia dos descritores da personalidade ainda não está terminada, segundo o modelo internacional, porém já se pode afirmar que a lista de adjetivos, apresentada neste estudo, permite uma série de pesquisas relacionadas, principalmente, à avaliação da personalidade.

É importante lembrar que a taxonomia é ateórica, ou seja, pode ser utilizada por qualquer abordagem da Psicologia que tenha como objeto de estudo a personalidade humana. Vale também lembrar que quase todos os aspectos da Psicologia precisam dos testes como recursos para a obtenção de dados. A personalidade é um construto psicológico que ganhará forças a partir de melhores mensurações. O instrumento de avaliação é o meio pelo qual o profissional consegue comprovar a existência de traços estáveis, por exemplo. Estudos sobre a estabilidade tendem a comprovar a constituição, principalmente, biológica da personalidade.

É preciso ainda dar continuidade ao projeto para chegar a conclusões mais concretas, que de fato sejam úteis para a área da avaliação psicológica nacional.

Entretanto é preciso ressaltar que essa fase da taxonomia já poderia estar auxiliando os pesquisadores a melhorarem a qualidade e a quantidade de instrumentos de avaliação psicológica sobre, por exemplo, os estudos a respeito da natureza e extensão das diferenças individuais, a identificação de traços psicológicos, a mensuração de diferenças entre grupos, a investigação de fatores biológicos e culturais ligados às diferenças no comportamento, mudanças no indivíduo provocadas pela idade, influências da educação, resultados da psicoterapia, entre outros.

Sugere-se, para pesquisas futuras, a continuação deste projeto transcultural, a replicagem deste estudo em outras regiões do Brasil, a utilização da lista dos adjetivos descritores para a construção de instrumentos de avaliação psicológica - da personalidade, do temperamento, da criatividade, e de tantos outros construtos das características humanas que ainda intrigam os pesquisadores.

Fujita (s/d), defensor constante deste tipo de pesquisa, afirma que "uma boa taxonomia guiará os pesquisadores a frutíferas direções em suas pesquisas e permitirá um vocabulário padrão para que os resultados destas possam ser comunicados e relacionados entre si. Mesmo uma taxonomia pobre é melhor que do que nenhuma".

 

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Recebido em 11/07/2003
Aceito em 08/10/2003

Dissertação de Mestrado, defendida em fevereiro de 2001, com o apoio da CAPES, na área de Psicologia Escolar pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sob a orientação da segunda autora

 

 

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