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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.2 n.2 Porto Alegre dez. 2003

 

ARTIGOS

 

Escala de Avaliação das Metas de Realização: estudo preliminar de validação

 

Assessment Scale of Achievement Goals: a preliminary study on evidences of validity

 

 

Rita da Penha Campos Zenorini I; Acácia A. Angeli dos Santos I; José Maurício Haas BuenoII

I Universidade São Francisco
II Universidade São Francisco e Universidade Presbiteriana Mackenzie

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o objetivo de explorar evidências de validade para uma escala de avaliação das metas de realização, foram estudados 189 universitários de ambos os sexos. O instrumento, que consistia em um conjunto de 17 itens, elaborados numa escala Likert de 4 pontos, foi aplicado coletivamente em sala de aula. Os resultados obtidos com a análise fatorial mostraram a existência de dois fatores que correspondem exatamente às duas dimensões das metas de realização baseadas no desempenho (meta performance) e no próprio interesse pela tarefa (meta aprender), explicando 42,5% da variância total. Um outro indicativo de validade concorrente, investigado com a análise de correlação entre as pontuações na escala e a média das notas dos sujeitos, não apresentou os coeficientes esperados, quando comparados a pesquisas estrangeiras sobre o construto. Sugere-se a realização de novos estudos que explorem mais amplamente os aspectos conceituais e as propriedades psicométricas desta escala.

Palavras-chave: Avaliação de Metas, Desempenho Acadêmico, Motivação.


ABSTRACT

The present study investigated evidences of validity for a scale of achievement goals. Participants were 189 male and female undergraduates. The instrument consisted of a set of 17 items, in a 4-point Likert scale and it was applied collectively in a classroom. The results of a factorial analysis showed the existence of two factors that corresponded exactly to the two dimensions of achievement based on accomplishment (performance goal) and on the interest for the task itself (learning goal), explaining 42,5% of total variance. One other indicative of concurrent validity, investigated with correlations between the scores in the scale and the grade averages of the subjects, did not present the expected coefficients when compared to international research of this construct. We suggest that further studies should be conducted to explore the conceptual aspect and the psychometric properties of this scale.

Keywords: Achievement goals, Academic performance, Motivation.


 

 

A motivação para a aprendizagem é um dos tópicos que vem crescendo em importância para os pesquisadores de várias áreas e principalmente para os da psicologia e da educação. Muitas teorias e hipóteses surgidas nas últimas décadas têm contribuído com diferentes enfoques e interpretações para a discussão do tema. Com o desenvolvimento de modelos teóricos sobre a motivação escolar foi possível compreender que a aprendizagem, fenômeno característico das interações sociais, depende essencialmente da capacidade do indivíduo (em parte hereditária), da presença de conhecimentos prévios e da motivação do aluno em termos de pensamento e emoções.

Com base na Teoria do Processamento Humano da Informação, a psicologia cognitiva tem estudado a relação entre a motivação para a aprendizagem e as crenças do indivíduo sobre sua própria capacidade. Bzuneck (2001) e Boruchovitch (1994, 2001) consideram que variáveis psicológicas, como o esforço, o autoconceito e a auto-eficácia, bem como as experiências sobre o sucesso e fracasso escolar exercem forte influência na motivação para a aprendizagem e, por decorrência, no desempenho escolar.

As teorias recentes sobre motivação para a aprendizagem abrem novas perspectivas na área especialmente para o Brasil, onde estudos a respeito já têm ocorrido. Ao conceberem a motivação para aprender não apenas como um traço de personalidade as teorias cognitivas reconhecem que o sucesso e o fracasso escolar são fenômenos mais complexos e multideterminados do que haviam sido considerados até então. Buscam tornar evidente que a inteligência e a capacidade intelectual não se constituem como fatores suficientes para a compreensão do por quê certos alunos obtêm sucesso na escola, enquanto outros não (Boruchovitch, 1994, 2001).

No final da década de 1970 surgiu a Teoria de Metas de Realização, como uma continuidade ampliada da abordagem cognitiva da Teoria de Motivação para a Realização, de McClelland (1953) e Atkinson (1957), procurando explicar como a adoção de metas de realização elicita modelos motivacionais qualitativamente diferentes nos alunos. Em lugar de concentrar-se no nível de motivação (alto esforço, baixo interesse, etc.) essa teoria destaca as metas ou propósitos que são percebidos pelo indivíduo como motivadoras do seu comportamento. As metas de realização são definidas como um conjunto de pensamentos, crenças, propósitos e emoções que traduzem as expectativas dos alunos em relação a determinadas tarefas que deverão executar, ou seja, as metas são representadas por modos diferentes de enfrentar as tarefas acadêmicas. São essas metas que determinam como o indivíduo interpreta e reage aos acontecimentos, o que resulta em diferentes padrões de afeto, cognição e comportamento (Ames & Archer, 1988; Meece, Blumfeld & Hoyle, 1988; Dweck & Leggett, 1988; Elliott & Dweck, 1988; Ames, 1992).

Vários pesquisadores têm trabalhado conceitualmente com dois tipos de metas, cujas terminologias têm apresentado variações. Ames (1992), Archer (1994) e Anderman e Maehr (1994) têm utilizado os termos meta domínio e meta performance. Middleton e Midgley (1997) as denominam meta tarefa e meta capacidade. Nicholls (1984) e Duda e Nicholls (1992) referem-se a elas como envolvimento na tarefa e envolvimento do ego. Dweck e Elliott (1983), Dweck e Leggett (1988) e Bzuneck (1999) utilizam a nomenclatura de meta aprender e meta performance, que será adotada no presente trabalho.

Tal discrepância terminológica constitui um certo problema para a interpretação dos textos de diferentes autores. No entanto, apesar dessa diversidade de nomenclatura, e mesmo levando-se em conta certas diferenças entre os estudos na definição da natureza e do funcionamento de cada uma delas, reconhece-se notável convergência semântica na sua identificação. Assim, tem-se como elemento comum que o aluno caracterizado pela meta aprender direciona mais energia às suas atividades, enfrenta os desafios acadêmicos, utiliza a metacognição e atribui o sucesso a si próprio (o que se aproxima muito do conceito de motivação intrínseca). Já o aluno caracterizado pela meta performance é apontado como aquele que sente necessidade de se mostrar inteligente, de se destacar entre os demais colegas ou de não parecer incapaz, encara seus erros como falta de capacidade e apresenta sentimentos negativos diante do fracasso (Bzuneck, 1999).

Pesquisas na área permitem descrever os alunos com orientação à meta aprender como alunos que desenvolvem a motivação para o domínio do conteúdo com inovação e criatividade, como também, para o crescimento intelectual buscando sempre desafios acadêmicos. Além disso, valem-se de estratégias cognitivas e metacognitivas de aprendizagem e encaram os erros e fracassos como uma oportunidade de crescimento e de adoção de novas estratégias (Dweck & Elliot, 1983; Maehr & Midgley, 1991; Ames, 1992; Anderman & Maehr, 1991).

Os estudos baseados na Teoria de Metas de Realização não têm como objetivo rotular o aluno como motivado ou desmotivado, mas sim demonstrar a importância das diferenças individuais no desenvolvimento de diferentes tipos de motivação do aluno. A influência da auto-percepção da capacidade, ou seja, o juízo sobre a própria inteligência é um dos destaques dessa teoria. Bzuneck (1999) ressalta que, embora haja características psicológicas contrastantes entre os tipos de metas, um mesmo aluno não se orienta de modo exclusivo para uma ou para outra meta, e é comum ocorrer uma orientação simultânea, e em graus diversos, para as metas aprender e performance.

Segundo Archer (1994), a grande variedade de pensamentos, emoções e atribuições que podem se manifestar no contexto escolar justifica a ocorrência simultânea das duas metas. Em certas situações, como em tarefas monótonas e incompreensíveis, a meta performance pode prevalecer sobre a meta aprender. Em outras ocasiões, como decidir conhecer mais sobre um assunto, poderá predominar a meta aprender.

Algumas das pesquisas realizadas apontam para os efeitos prejudiciais da meta performance (Dweck & Elliott, 1983; Ames, 1992; Archer, 1994), mas, outros estudos descobriram efeitos positivos nela, principalmente quando acompanhada da orientação à meta aprender. O estudo realizado com estudantes universitários por Bouffard, Boisvert, Vezeu e Larouche (1995) mostrou que os alunos com pontuação alta em ambos os tipos de meta (aprender e performance) apresentaram maior uso de estratégias cognitivas e metacognitivas e um desempenho acadêmico melhor. Mesmo destacando a importância da adesão à meta aprender, os autores ressaltam que a meta performance também pode ser útil, apoiando a posição daqueles estudiosos que sugerem que a orientação adequada é aquela na qual o estudante não está preocupado somente com o conhecimento, mas também em alcançar um desempenho melhor.

Harackiewicz, Barron, Carter, Lehto e Elliot (1997), em pesquisa realizada com universitários, avaliaram as duas metas no início e no final de uma determinada disciplina e levantaram o grau de interesse dos alunos pela disciplina e as suas notas no exame final. Os resultados indicaram que os alunos com altos escores na meta performance não apresentaram queda no interesse pela disciplina e obtiveram notas altas no exame final. Esses dados levaram os autores a refletirem sobre a forma de avaliação (que ocorreu numa sala numerosa, com aulas expositivas e prova do tipo teste) e a questionarem se as notas se manteriam altas se a avaliação fosse feita de forma diferente, exigindo o uso de estratégias de processamento de profundidade. Devido a esses diferentes resultados, Bzuneck (1999) alerta para a necessidade de uma certa cautela em relação às conseqüências comportamentais ligadas à meta performance, pois a sua relação com a motivação e aprendizagem é mais complexa do que fizeram supor as pesquisas iniciais sobre a orientação de metas.

Algumas pesquisas apontaram a meta performance com dois componentes independentes, o de aproximação (buscar parecer inteligente ou ser o primeiro) e o de evitação (evitar parecer incapaz) (Elliot & Harackiewicz, 1996; Skaalvik, 1997; Urdam, 1997; Harackiewicz, Barron & Elliot, 1998; Harackiewicz, Barron, Tauer, Carter & Elliot). Tais resultados demonstraram que o aspecto negativo da meta performance pode estar restrito ao componente de evitação, que não tem sido incluído na maioria das pesquisas sobre a orientação de metas, visto que somente as mais recentes é que têm explorado esse aspecto.

Em outro estudo realizado com universitários, Elliot e Harackiwicz (1996) buscaram discriminar as duas dimensões (aproximação e evitação) da meta performance. Foram propostas situações que propiciavam tanto a demonstração da competência, como a evitação da demonstração de incompetência em sala de aula. Pelos dados obtidos foi possível verificar que as condições experimentais projetadas para produzir as duas dimensões da meta performance resultaram em diferenças na motivação, sendo que somente o componente evitação debilitou a motivação intrínseca.

Na pesquisa realizada por Elliot e Church (1997) ficou demonstrado, por um lado que a meta aprender está relacionada à motivação para a realização, e a meta performance à evitação e ao medo do fracasso e que o componente aproximação da meta habilidade relaciona-se a ambos. Os autores concluíram que os estudantes preocupados com sua aprendizagem aderem à meta performance-aproximação ou à meta performance-evitação, dependendo se a situação vivenciada for interpretada como um desafio ou como uma ameaça. Descobriram também que uma alta percepção a respeito da própria capacidade favorece a utilização da meta aprender e da meta performance aproximação, enquanto que uma baixa percepção a esse respeito favorece a utilização da meta performance evitação.

Considerando os resultados das pesquisas apresentadas, verifica-se que existem poucos estudos sobre essa questão com universitários brasileiros, o que seria desejável para auxiliar na compreensão sobre como eles desenvolvem suas crenças, pensamentos e emoções. Sabendo-se da importância do processo motivacional em relação à aprendizagem e da relevância de poder mensurá-lo, este estudo foi proposto visando estabelecer evidências de validade de construto e concorrente da Escala de Avaliação da Metas de Realização.

 

Método

Participantes

Participaram da presente pesquisa 189 alunos, regularmente matriculados em diversos cursos de uma universidade particular do interior paulista. A idade mínima foi de 18 anos e máxima de 43 anos, sendo a média de idade de 23,2 anos e o desvio padrão de 5,5. O maior número de sujeitos concentrou-se na faixa de 18 a 25 anos, perfazendo um total de 77,8% da amostra. Do total de sujeitos, 65 (34,5%) eram do gênero masculino, e 124 (65,5%) do gênero feminino.

Instrumento

Escala de Avaliação das Metas de Realização - 17 questões foram elaboradas, equivalentes às do instrumento desenvolvido por Midgley e colaboradores (1998). As questões foram montadas numa escala Likert, envolvendo quatro opções de resposta, a saber, "concordo plenamente" (4 pontos), "concordo" (3 pontos), "discordo" (2 pontos), "discordo plenamente" (1 ponto). A pontuação total poderia variar de 17 a 68 pontos, sendo que os itens contidos foram preparados para captar três tipos de metas (meta aprender, meta performance - aproximação e meta performance - evitação).

A escala original foi desenvolvida num período de oito anos com cinco mil alunos do ensino fundamental e médio, com diferentes grupos-amostra, formados por estudantes euro-americanos e afro-americanos. A análise fatorial comprovou a validade da distinção das três metas, demonstrando alta congruência entre os diversos itens que compõem cada uma das escalas. No entanto, os próprios autores propõem que os estudos sejam intensificados, levando em conta essas discriminações, para que se consolidem os diferentes efeitos da meta performance num quadro mais coerente e definitivo no que se refere à sub-classificação da meta performance.

Procedimento

Após a obtenção da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, a escala foi aplicada nos sujeitos que assinaram o termo de consentimento esclarecido. Utilizou-se o horário de aula de cada turma e numa única sessão, com duração média de 20 minutos, a escala foi respondida.

 

Resultados e discussão

Os dados foram analisados com o propósito de investigar as propriedades psicométricas da escala, em termos de validade e precisão. Foram utilizados os métodos da análise fatorial exploratória, correlação bivariada de Pearson e as estatísticas descritivas.

A análise fatorial, por componentes principais e rotação varimax, revelou inicialmente a existência de 4 fatores com eigenvalues acima de 1,000, capazes de explicar 56,6% da variância total. Excluí-dos os itens com saturação inferior a 0,30, o fator 1 reuniu os itens 1, 3, 6, 7, 10, 11, 12, 15, 16 e 17, cujos conteúdos estão claramente relacionados à meta performance e o fator 2 reuniu os itens 4, 5, 8, 13 e 14, todos relacionados à meta aprender; o terceiro fator reuniu os itens 9, 11 e 13 (os dois últimos também apresentaram cargas nos fatores 1 e 2, respectivamente), que se referem a não parecer "burro" perante os outros; e, finalmente, o fator 4, reuniu apenas os itens 1 e 2 (sendo que o primeiro item também apresentou carga no fator 1), cujos conteúdos poderiam estar relacionados a um tipo de meta baseada em conseguir as coisas por méritos próprios, à sua maneira.

 

 

Além de serem constituídos por um pequeno número de itens, os dois últimos fatores também apresentaram problemas com relação à fidedignidade, com coeficientes a de Cronbach iguais à -0,0959 e 0,2261, para os fatores 3 e 4, respectivamente. Os três itens que compõem o fator 3 apresentaram baixas correlações item-total, sendo que o item 9, de maior carga fatorial, foi o que apresentou o menor valor (r=0,0469). No fator 4 a correlação item-total de ambos os itens atingiu apenas 0,1418. Tais resultados são evidências de consistências internas muito aquém do considerado aceitável para utilização científica.

Além disso, o scree-test, cujos dados são apresentados na Figura 1, revelou apenas dois fatores mais proeminentes, e com base nestes resultados procedeu-se a uma nova análise fatorial solicitando-se apenas dois fatores.

A Tabela 1 mostra a saturação dos itens em cada fator, excluídos aqueles com carga fatorial inferior a 0,30.

 

 

Os dois fatores obtidos correspondem exata-mente às duas dimensões das metas de realização, a que inclui metas baseadas no desempenho (denominada meta performance) e a que engloba as metas baseadas no próprio interesse pela tarefa (denominada meta aprender). Estes fatores, com eigenvalues iguais a 4,639 e 2,578, respectivamente, explicaram 42,5% da variância total, e seus respectivos coeficientes a de Cronbach foram de 0,83 e 0,70.

Neste estudo o agrupamento dos itens do fator 1, correspondentes à meta performance, não evidenciou os componentes aproximação e evitação como fatores isolados, tal como no estudo de Midgley e cols. (1998). Os itens agrupados no fator 2 corresponderam ao que os autores identificaram como meta aprender. No entanto, estes resultados assemelham-se aos obtidos nas pesquisas iniciais da Teoria de Metas de Realização (Dweck & Elliott, 1983; Maehr & Midgley, 1991; Ames, 1992; Anderman & Maehr, 1994).

Vale ressaltar que só os estudos mais recentes dessa teoria apontam a existência desses dois componentes (aproximação e evitação) em indivíduos com orientação à meta performance (Bouffard & colaboradores, 1995; Elliot & Harackiewicz, 1996; Skaalvik, 1997; Urdam, 1997), identificando que o esforço, a perseverança e o uso de estratégias de aprendizagem, freqüentemente associados à orientação à meta aprender, podem aparecer em certos casos também associados à meta performance-aproximação.

Um importante indicativo da eficiência dos itens que compõem a escala, é sua capacidade de discriminação de sujeitos que possuem o traço latente em questão e aqueles que não o possuem. Para tanto, realizou-se a análise da porcentagem de concordância com cada afirmação apresentada pelos respondentes e os resultados são apresentados na Tabela 2.

 

 

Os dados da Tabela 2 mostram que em nenhum item mais de 85% dos sujeitos assinalaram a mesma opção de resposta, porém, em todos os itens, menos de 15% optaram por, pelo menos, uma das alternativas de respostas. Este fato indica que em todos os itens houve tendência de resposta numa direção. Uma análise qualitativa dos itens mostra que a freqüência de escolha aumenta conforme a desejabilidade social do seu conteúdo, ou seja, parece que os resultados em cada escala são fortemente influenciados pelo julgamento daquilo que é esperado socialmente.

As medidas de tendência central e de variabilidade mostram como as pontuações dos sujeitos se distribuíram em cada escala. Estas medidas são apresentadas na Tabela 3.

 

 

A média e a mediana apresentaram-se bastante próximas, indicando que os sujeitos se distribuíram uniformemente acima e abaixo da média nas duas escalas. A média da escala de meta aprender apresentou-se bastante alta em relação ao intervalo possível (1 a 4), enquanto que a média da escala de meta performance situou-se um pouco abaixo do ponto média da escala. Este resultado pode ser atribuído ao fato dos itens da escala de meta aprender serem mais suscetíveis à desejabilidade social do que os itens da escala de meta performance. Os desvios padrões, que foram muito parecidos em ambas as escalas, indicam que houve boa variabilidade dos sujeitos em relação à média, podendo-se supor que a escala conseguiu captar essa variabilidade.

O coeficiente de correlação de Pearson entre as duas escalas foi de 0,08 (p<0,30), indicando que as escalas são ortogonais e que diversas combinações de pontuações altas e baixas são possíveis entre elas. Assim sendo, pode-se dizer que a pontuação de um sujeito em uma das escalas não pode prever a pontuação do mesmo sujeito na outra escala.

Além disso, poderia se supor que os dois conceitos (meta aprender e meta performance) representassem dois pólos de um mesmo construto, isto é, que as metas de realização pudessem variar desde um extremo, relacionado à meta performance, até outro, relacionado à meta aprender. Se esse pressuposto fosse válido, a correlação entre as escalas teria que ser significativa e negativa, fato que não ocorreu.

Um outro indicativo de validade investigado foi a correlação entre as pontuações nas escalas de metas de realização e um critério externo independente (validade concorrente), no caso, a média das notas dos sujeitos em seus respectivos cursos. Os coeficientes de correlação de Pearson obtidos foram de 0,12 (p<=0,10) e 0,22 (p<0,01), para as escalas de meta aprender e meta performance, respectivamente. Portanto, a primeira apresentou correlação baixa e positiva com as notas, enquanto que a segunda, apresentou correlação negativa e estatisticamente significativa com notas. Tais resultados confirmam os efeitos prejudiciais da meta performance relatados por Dweck e Elliott (1983), Ames (1992) e Archer (1994). No entanto, são contraditórios em relação aos dados apresentados por Bouffard e colaboradores (1995), que encontraram o desempenho acadêmico relacionado à pontuação alta em ambas as metas de realização, e por Harackiewicz e colaboradores (1997), cujos estudos apontam para altos escores na meta performance, relacionados com notas altas no exame final da disciplina que focalizaram em seu estudo.

Embora a análise fatorial não tenha revelado a existência de dois fatores relacionados à meta performance, como se esperava, decidiu-se verificar as consistências internas relativas a esses construtos por meio do coeficiente alpha de Cronbach. Este coeficiente indica se há coerência na variação das respostas dos sujeitos em cada grupo de itens avaliado, podendo ser considerado um indicativo da validade de construto, desde que os itens sejam unidimensionais, o que, neste caso, já foi garantido pela análise fatorial. Os resultados encontrados foram de _a=0,70 para meta performance-evitação e a=0,80 para meta performance-aproximação. Estes dados indicam, portanto, que as pontuações em meta performance podem ser subdivididas em evitação e aproximação, sem prejuízo da consistência interna e com ganhos em termos de conteúdo.

A Tabela 4 mostra os coeficientes de correlação de Pearson obtidos entre as metas performance e o rendimento acadêmico, expresso em médias das disciplinas cursadas no semestre.

 

 

Os resultados indicam que os dois aspectos da meta performance se correlacionaram significativa e negativamente com notas escolares. Assim, diferentemente do que os estudos mais recentes apontam, as análises aqui realizadas não confirmam que a dimensão aproximação da meta performance, em especial, possa estar relacionado a um alto desempenho acadêmico (Bouffard & colaboradores,1995; Harackiewicz & colaboradores, 1997).

Buscando maior entendimento sobre os dados obtidos, procurou-se analisar os índices de correlação existentes entre as duas dimensões da meta performance com a aprender. Os coeficientes obtidos foram r=-0,01 entre a meta performance-aproximação com a meta aprender (p=0,88) e r=-0,15 com a meta performance-evitação (p=0,04). Estes dados indicam que a meta performance-aproximação e a meta aprender não se correlacionam, confirmando o resultado anteriormente obtido. No entanto, a meta performance-evitação correlacionou-se negativa e significativamente com a meta aprender, isto é, os sujeitos que disseram estar mais motivados a aprender, também disseram estar menos motivados a evitar parecer como mau aluno, e vice-versa. É possível que aprender e evitar sejam pólos opostos de um mesmo construto.

 

Considerações Finais

Vale relembrar que embora muitos dos estudos aqui mencionados ofereçam uma ampla caracterização dos alunos em função de suas metas, observa-se que os dados referentes à meta aprender têm recebido comprovação em pesquisas mais recentes, havendo uma consistência histórica nos resultados comprovados dessa meta. No entanto, os dados sintetizados referentes à meta performance surgiram nas pesquisas iniciais (Dweck & Leggett, 1988; Elliott & Dweck, 1988; Ames, 1992), desenvolvidas nos primeiros anos de estudo, com base nesse referencial teórico. Porém, novas contribuições estão surgindo, o que vem auxiliando o refina-mento do conceito da meta performance (Elliot & Church, 1997; Middleton & Midgley, 1997; Harackiewicz & colaboradores, 1997; Bzuneck,1999; Elliot, 1999).

Como já referido anteriormente, os fatores aqui encontrados não coincidiram com os do estudo original, que agrupou em um fator a meta aprender e em dois fatores a meta performance, incluindo os componentes performance-aproximação e performanceevitação. No presente estudo, o agrupamento dos componentes aproximação e evitação num mesmo fator parece indicar que os alunos não perceberam diferenças entre os itens relacionados a esses componentes. Assim sendo, o agrupamento desses componentes em um único fator impossibilitou analisar o aspecto positivo da meta performance, fato que vem sendo apontado em pesquisas recentes.

Levando-se em conta que os estudos realizados envolvendo a Teoria de Metas de Realização são estrangeiros, não se pode deixar de considerar as possíveis diferenças culturais e os fatores inerentes ao contexto educativo. Embora o instrumento tenha apresentado um índice de precisão que indica alta consistência interna, os resultados indicam a necessidade de pesquisas com maior número de sujeitos de diferentes instituições, de maneira que se possa aperfeiçoá-lo, tornando-o uma ferramenta útil para detectar a motivação do aluno. Dessa forma, a avaliação do tipo de metas às quais o aluno está orientado poderá ser um indicador relevante para a decisão sobre práticas educativas e de avaliação da aprendizagem que o professor poderá tomar, contribuindo para uma melhor compreensão e adequação do processo de ensino-aprendizagem.

 

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Endereço para correspondência
Universidade São Francisco
Programa de Mestrado em Psicologia
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 - Campus Itatiba
13251-040 Itatiba-SP

Recebido em 17/09/2003
Aceito em 20/11/2003

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