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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.3 n.2 Porto Alegre nov. 2004

 

ARTIGOS

 

Adaptação brasileira da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne

 

Brazilian adaptation of the Marlowe-Crowne Social Desirability Scale

 

 

Rodolfo de Castro Ribas Jr I; Maria Lucia Seidl de Moura I; Claudio S. Hutz II

I Universidade Federal do Rio de Janeiro
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi a adaptação da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (MC-SDS) para o português. A desejabilidade social reflete uma propensão por parte das pessoas a dar respostas consideradas como socialmente mais aceitáveis e a negar associação pessoal com opiniões ou comportamentos considerados socialmente desabonadores.Essa tendência pode colocar em risco a validade da pesquisa e deve ser controlada. A MC-SDS, uma das escalas mais utilizadas para avaliar a desejabilidade social na atualidade, é composta por 33 afirmações. O processo de adaptação da escala envolveu a tradução do instrumento, revisões por um comitê independente, e tradução reversa. Inicialmente, a escala original em inglês e a versão em português foram aplicadas em 22 participantes bilíngües, com intervalo de uma semana entre aplicações. O índice de concordância e o coeficiente de correlação entre a escala original e a versão em português foram considerados satisfatórios. Em seguida, a versão em português foi aplicada em 407 adultos. Desse total, 108 responderam ao instrumento em duas oportunidades (intervalos de dois e de 15 meses entre aplicações). Uma análise fatorial exploratória revelou que uma solução unifatorial, tal como proposta pelo estudo original com a escala, é apropriada. A consistência interna do instrumento se mostrou adequada (Alpha de Cronbach = 0,79). As avaliações da estabilidade temporal da escala indicaram níveis estáveis de desejabilidade social, mesmo com intervalo superior a um ano. Os resultados indicam que a versão brasileira possui uma adequada correspondência com a escala original e características psicométricas que autorizam sua utilização no Brasil.

Palavras-chave: Desejabilidade social, Marlowe-Crowne, Avaliação psicológica.


ABSTRACT

The purpose of the present study was the Brazilian Portuguese adaptation of the Marlowe-Crowne Social Desirability Scale. Social desirability reflects a bias that people have to respond in ways that are considered as socially acceptable and to deny association with opinions or behaviors considered as undesirable. Such bias might jeopardize the validity of research and must be controlled. The MC-SDS, one of the most used scales to assess social desirability, is composed by 33 items. The process of adaptation of the scale involved translation of the instrument, revision by an independent committee, and back translation. At first, 22 bilingual subjects responded the original scale in English and to its Portuguese version with an interval of one week. Agreement and the correlation indexes between the original and the Portuguese version were considered adequate. Next, the Portuguese version was responded by 407 adults. Of those, 108 responded again to the scale after an interval of two or 15 months. An exploratory factor analysis showed that a one- factor solution, as proposed by the original study, is appropriated. The internal consistency was also adequate (Cronbach's Alpha = .79). Test-retest (even with an interval longer than a year) showed temporal stability for social desirability. The results suggest that the Brazilian version is equivalent to the original scale and that its psychometric characteristics indicate that it might be appropriate to use it in Brazil to assess social desirability.

Keywords: Social desirability, Marlowe-Crowne, Psychological assessment.


 

 

A desejabilidade social pode ser entendida como uma propensão por parte de participantes de pesquisas psicológicas a responderem de forma tendenciosa a perguntas apresentadas, por exemplo, em escalas de atitude ou em inventários de personalidade. Os participantes tenderiam apresentar respostas consideradas mais aceitáveis ou aprovadas socialmente e tenderiam ainda a negar sua associação pessoal com opiniões e comportamentos que seriam desaprovados socialmente (Anastasi & Urbina, 2000; Crowne & Marlowe, 1960; Krosnick, Markus & Zajonk, 1985). Além do termo desejabilidade social, outros termos (por exemplo, response bias, socially desirable responding, response distortion) têm sido utilizados na literatura psicológica com significado semelhante (ver, por exemplo,Paulhus & Reid, 1991; Richman, Kiesler, Weisband & Drasgow, 1999, Potosky & Bobko, 1997).

Distorções nas respostas resultantes da desejabilidade social podem estar associadas a diferentes processos e ter diferentes origens, como características pessoais (por exemplo, estados de humor, auto-percepções) e condições e modos de aplicação de instrumentos psicológicos (Richman, Kiesler, Weisband & Drasgow, 1999). Pesquisadores distinguem ainda auto-engano (self-deception), isto é, respostas tendenciosas que são dadas inadvertidamente ou inconscientemente pelos participantes de pesquisas de gerenciamento de imagem (impression management) ou fraude, ou seja, respostas distorcidas propositalmente pelos participantes com o objetivo de manipular a imagem pessoal que é oferecida (Anastasi & Urbina, 2000; Paulhus & Reid, 1991).

Distorções relacionadas a desejabilidade social podem colocar em risco a validade de pesquisas psicológicas, especialmente quando estas envolvem questionários auto-administrados (Loo & Thorpe, 2000). Não é surpresa, portanto, verificar que nas últimas décadas diversas escalas tenham sido produzidas com o objetivo de avaliar a desejabilidade social. De fato, as normas para a construção de instrumentos psicológicos desenvolvidas pelas American Educational Research Association, American Psychological Association, & National Council on Measurement in Education (1999) recomendam que seja determinada a influência de determinados constructos, como a desejabilidade social, sobre testes psicológicos.

Há múltiplos relatos de estudos que investiga-ram a influência da desejabilidade social sobre instrumentos psicológicos, com resultados paradoxais, ora mostrando pouco ou nenhum efeito, ou gerando informações que invalidariam alguns instrumentos.

Edwards, Edwards e Clark (1988) avaliaram a influência da desejabilidade social, medida através de duas escalas (Experimental Social Desirability Scale, SD e Minnesota Multiphasic Personality Inventory Social Desirability Scale, MMPI-SD) sobre os escores obtidos em uma escala de auto-reforço (Frequency of Self-reinforcement Scale, FSR) e identificaram correlações significativas entre a medida de auto-reforço e as medidas de desejabilidade social (r = 0,62; r = 0,52, respectivamente). Considerando esses resultados, Edwards, Edwards e Clark questionaram a validade da Frequency of Self-reinforcement Scale.

Peters e Fox (1993) avaliaram a influência da desejabilidade social sobre os escores obtidos em um inventário (Parenting Inventory) que avaliava expectativas e comportamentos de pais. Peters e Fox re-portaram não haver relação entre os escores na escala e uma medida de desejabilidade social. Bornstein e cols. (1998) identificaram o efeito significativo da desejabilidade social sobre varias escala de auto-avaliação do papel parental (Self-Perceptions of the Parental Role instrument). Os coeficientes de correlação oscilaram entre 0,16 e 0,20 e foram significativos considerando p < 0,01. Nesse estudo o efeito da desejabilidade social foi controlado estatisticamente.

Em um estudo mais recente, Ellingson, Smith e Sackett (2001) analisaram dados oriundos quatro grandes amostras, obtidas em ambientes organizacionais, com o objetivo de avaliar o efeito da desejabilidade social sobre a estrutura fatorial de escalas de personalidade. A Amostra 1 foi constituída de dados de mais de 40.000 militares norte-americanos que responderam o Assessment of Background and Life Experiences (ABLE ). A Amostra 2 envolveu dados de 13.730 candidatos a empregos que responderam ao California Psychological Inventory (CPI) durante processos seletivos. A Amostra 3 en-volveu dados de 39.879 pessoas que participaram de processos seletivos para empregos ou avaliações funcionais e que responderam ao Sixteen Personality Factor Questionnaire (16PF). A Amostra 4 envolveu dados de 3.099 pessoas (candidatos a empregos, empregados e estudantes universitários).que responderam a versão revisada do Hogan Personality Inventory (HPI-R). Em cada amostra, Ellingson, Smith e Sackett efetuaram diversas comparações entre os dados obtidos com participantes com altos níveis de desejabilidade social e os dados obtidos com participantes com baixos níveis de desejabilidade social. Essas comparações revelaram que o nível de desejabilidade social, medido em ambientes organizacionais, tem pouco impacto sobre as estruturas fatoriais que caracterizam as escalas de personalidade. Esses resultados indicam que, independentemente do nível de desejabilidade social, as escalas de personalidade avaliadas continuaram a capturar de maneira confiável traços de personalidade.

O presente estudo está inserido em um projeto de pesquisas longitudinal e transcultural mais amplo sobre interação mãe-bebê e desenvolvimento infantil e foi conduzido com o objetivo de adaptar, para amostras brasileiras, a Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (Marlowe-Crowne Social Desirability Scale, MC-SDS; Crowne & Marlowe, 1960). A Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (Crowne & Marlowe, 1960) é uma das escalas mais freqüente-mente utilizadas para avaliar a desejabilidade social na atualidade (Beretvas, Meyers & Lette, 2002).

 

Método

Participantes

Ao todo participaram do presente estudo 429 adultos de ambos os sexos, residentes no Rio de Janeiro, com idade entre 18 e 65 anos e diferentes níveis de escolaridade e status socioeconômico. A Tabela 1 apresenta uma descrição da amostra envolvida no estudo.

 

 

Instrumentos

Status Socioeconômico e nível educacional.

Pesquisas recentes têm sistematicamente documentado a influência do nível socioeconômico e educacional sobre muitas variáveis psicológicas (para uma revisão, ver Ribas, Seidl de Moura, Gomes, Soares & Bornstein , no prelo). Fraboni e Cooper (1989) verificaram que substanciais parcelas de variabilidade em medidas de desejabilidade social estavam associadas a medidas de nível socioeconômico e idade. Dessa forma, optou-se por avaliar a influência das variáveis idade, escolaridade e nível socioeconômico sobre o nível de desejabilidade social.

Para avaliar a escolaridade dos participantes foi utilizada a escala de sete níveis de Hollingshead (1975) adaptada para a realidade brasileira (1º Grau Incompleto, 1º Grau Completo, 2º Grau Incompleto, 2º Grau Completo, Curso Superior Incompleto, Curso Superior Completo, Pós Graduação). O Hollingshead's Four-Factor Index of Social Status (Hollingshead, 1975) foi utilizado para avaliar o nível socioeconômico dos participantes. A adequação desse instrumento para a realidade brasileira, bem como os procedimentos utilizados para medir o status socioeconômico, foram previamente avaliados por Ribas e cols. (2000) e Ribas, Seidl de Moura, Gomes, Soares e Bornstein (no prelo).

Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne

Crowne e Marlowe (1960) observaram que até a década de 1960 a maioria das escalas utilizadas para avaliar a desejabilidade social utilizava questões que se referiam a presença ou ausência de sin-tomas psicopatológicos. Para suprir essa deficiência, Crowne e Marlowe (1960) desenvolveram uma escala cujos itens deveriam ter basicamente duas características: 1) eles deveriam se referir a comportamentos que, apesar de serem considerados culturalmente desejáveis, seriam também improváveis ou pouco freqüentes, ou seja ou seja, raramente seriam observados no comportamento cotidiano das pessoas e 2) eles deveriam ter pouca ou nenhuma relação com comportamentos psicopatológicos. Os autores construíram 50 itens que cumpriam esses critérios e os submeteram a 10 juizes. Desses, Desses, 47 obtiveram um índice de concordância entre juízes de no mínimo 90%. Essa versão preliminar da escala foi aplicada a uma amostra de 76 alunos de graduação e foram selecionados 33 itens que discriminavam entre os escores altos e baixos pelo menos em um nível de p<0,05. Um coeficiente de consistência interna de 0,88 (Kuder-Richardson) foi relatado pelos autores, assim como um índice de fidedignidade teste -reteste de 0,88.

A Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (MC-SDS; Crowne & Marlowe, 1960) utiliza 33 afirmações para avaliar a tendência do participante para responder questionários de forma socialmente aceitável. Desses itens, 18 são para ser respondidos como falsos e 15 como verdadeiros. O participante da pesquisa lê cada uma das afirmações (e.g. "Eu sou sempre educado, mesmo com pessoas desagradáveis.") e decide se esta o descreve ou não. Então, de acordo com sua avaliação, o participante responde Verdadeiro ou Falso. Posteriormente, a resposta dada em cada afirmação é analisada e trans-formada em um escore "0" ou "1", de acordo com crivo fornecido pelos autores. O escore total da escala é obtido pela soma simples dos escores individuais. Para a Escala de Desejabilidade Social, Crowne e Marlowe (1960) reportaram um índice de fidedignidade (teste-reteste) de r= 0,89 e de consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,88.

Nas últimas décadas, diversas versões abreviadas da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (Crowne & Marlowe, 1960) foram construídas (ver, Fischer & Fick, 1993; Loo & Thorpe, 2000). Nesse estudo optou-se também por investigar as propriedades de uma dessas versões. No caso, optou-se pela avaliação da versão C desenvolvida por Reynolds (1982).

A versão em português da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (MC-SDS-BR) foi produzida pelos autores com base na escala original em inglês (Crowne & Marlowe, 1960) e em uma versão em espanhol desta escala, que foi utilizada por Bornstein et al. (1998). O processo de tradução e adaptação envolveu tradução do instrumento pelos autores e colaboradores, revisões independentes conduzidas por colaboradores convidados e, finalmente, tradução reversa (Brislin, 1970). Seguindo as recomendações de Van de Vijver e Hambleton (1996) buscou-se produzir uma versão em português que, preservando as idéias contidas na escala original, fosse adequada ao contexto brasileiro e, ao mesmo tempo, o mais próxima da versão original. Um único item da escala original (item 27, "I never make a long trip without checking the safety of my car.") precisou sofrer uma modificação mais substancial para ser adequar a realidade brasileira, onde grande parte da população não possui um carro ou faz longas viagens de carro. A versão completa em português da MC-SDS pode ser examinada no Anexo 1.

Procedimento

A Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (MC-SDS) em sua forma original, em inglês, e a versão em português (MC-SDS-BR) foram inicialmente aplicadas em 22 participantes bilíngües, estudantes, monitores de língua inglesa do curso de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com intervalo de uma semana entre aplicações. Metade dos participantes bilíngües respondeu primeiramente o questionário em inglês, a outra metade respondeu primeiramente a versão em português.

Em seguida a MC-SDS-BR foi aplicada em 407 adultos. Desse total, 108 participantes responderam essa escala em duas oportunidades: 54 estudantes universitários responderam o MC-SDS-BR duas vezes com um intervalo de dois meses entre aplicações e 54 mulheres adultas, mães, responderam o MC-SDS-BR duas vezes com um intervalo de 15 meses entre aplicações.

As escalas foram aplicadas individualmente ou em grupo por assistentes de pesquisa, estudantes de psicologia, treinados para essa atividade. Os participantes leram previamente um termo de consentimento livre e esclarecido, onde foram oferecidas informações, entre outros aspectos, sobre a natureza de pesquisa, sobre o sigilo e confidencialidade das respostas e sobre o caráter voluntário da participação.

 

Resultados

Análises preliminares indicaram a presença de dados faltosos em 17 dos 33 itens da escala, mas em percentual muito reduzido. Nenhum item teve número de faltas maior que 1%. O escore médio obtido com aplicação da MC-SDS-BR em 407 adultos (M = 17,7; dp = 5,62) foi significativamente maior do que escore médio obtido no estudo original de Crowne e Marlowe (1960) com 120 participantes (M = 13,7; dp = 5,78), (t= 6,78, gl=525, p < 0,001). De fato, pode-se afirmar que além de significativa a diferença entre essas médias tem uma magnitude apreciável, considerando o tamanho de efeito d = 0,72 (Cohen, 1988).

Para se verificar a validade empírica do MCSDS-BR foram realizadas uma série de análises basicamente com os seguintes objetivos: 1) avaliar a qualidade da tradução, 2) avaliar a estrutura fatorial e a fidedignidade (consistência interna e estabilidade temporal) da escala, a qualidade dos itens, 3) avaliar a influência de variáveis sociodemográficas (sexo, escolaridade, status e escolaridade) sobre a desejabilidade social.

Avaliação da tradução

A Tabela 2 apresenta os índices de concordância (IC), calculados como proporção de respostas idênticas dadas pelos participantes bilíngües em cada afirmação da escala original e da versão em português. Verificou-se que estes índices oscilaram entre 68,1% e 100% (M = 83,7%). Foi ainda calculado o coeficiente de correlação entre os escores totais obtidos com a escala original e com a versão em português, sendo obtido um r s = 0,87 (p < 0,001). Esses resultados foram considerados satisfatórios e forneceram evidências acerca da equivalência entre a MC-SDS e suas versão em português a MC-SDS-BR.

 

 

Avaliação da estrutura fatorial e consistência interna

Para avaliar a estrutura fatorial MC-SDS-BR foi conduzida uma análise fatorial exploratória (EFA), con-siderando as recomendações de Reise, Waller e Comrey (2000). Foi utilizado o método dos Componentes Principais para a extração dos fatores e vários métodos de rotação. Resultados ligeiramente superiores foram obtidos com a rotação Varimax. Inicialmente foram identificados 12 fatores com eigenvalues superiores a 1,0, que explicavam 55,7% da variância total dos escores na MC-SDS-BR. O Scree Plot (ver figura 1) entretanto sugere que uma solução unifatorial, como proposto pelo estudo original, é apropriada. Embora a carga fatorial de alguns itens não seja elevada, a consistência interna do instrumento é boa (ver Tabela 3) e é interessante manter a estrutura original do instrumento para permitir comparações com estudos internacionais.

 

 

 

Para avaliar a consistência interna da MC-SDSBR foi calculado o coeficiente Kuder-Richardson 20 (KR20). O resultado obtido (0,78) foi considerado satisfatório. Crowne e Marlowe (1960) reportaram um KR20 de 0,88 no estudo original, entretanto, deve-se ponderar que, esse valor foi obtido numa pequena amostra (n = 39) composta por estudantes de psicologia.

Confiabilidade - Estabilidade Temporal

Em uma primeira avaliação da estabilidade temporal dos escores obtidos com a MC-SDS-BR, 54 estudantes universitários responderam o MC-SDSBR duas vezes, com um intervalo de dois meses entre aplicações. Verificou-se um coeficiente de cor-relação de Pearson de 0,85 (p < 0.001) entre os escores totais obtidos nas duas aplicações. Foi ainda calculado o coeficiente de concordância Kappa de Cohen para avaliar a estabilidade em cada um dos itens. Os coeficientes Kappa obtidos oscilaram entre 0,11 e 0,75 (Média = 0,46). Em apenas três dos 33 itens (3, 6 e 32) não foram verificados coeficientes significativos.

A estabilidade temporal dos escores obtidos com a MC-SDS-BR foi ainda avaliada em uma amostra de 54 mulheres adultas, mães, que responderam o MCSDS-BR duas vezes, com um intervalo de 13 meses entre aplicações. Verificou-se um coeficiente de cor-relação de Pearson de 0,62 (p < 0.001) entre os escores totais obtidos nas duas aplicações. Foi ainda calculado o coeficiente de concordância Kappa de Cohen para avaliar a estabilidade em cada um dos itens. Os coeficientes Kappa obtidos oscilaram entre -0.08 e 0,65 (Média = 0,33). Em 10 dos 33 itens não foram verificados coeficientes significativos.

Considerando as duas avaliações da estabilidade temporal realizadas, pode-se dizer que o MC-SDS-BR apresenta medidas relativamente estáveis mesmo quando a aplicação foi realizada com um intervalo entre avaliações superior a um ano. A Tabela 4 apresenta os coeficientes Kappa para cada um dos itens e as correlações entre aplicações nos dois estudos.

 

 

Sexo, Idade, escolaridade, nível socioeconômico e Desejabilidade Social

Métodos numéricos (e.g., Teste de Kolmogorov-Smirnov) e gráficos (e.g., gráficos de ramo e folha) foram utilizados para avaliar as distribuições univariadas e bivariadas no que se refere à normalidade, linearidade, homogeneidade de variâncias e presença de outliers. Para resolver problemas de não-normalidade e heterogeneidade de variâncias foram necessárias algumas transformações. As variáveis desejabilidade social, escolaridade e status socioeconômico sofreram transformações do tipo raiz quadrada (K - X), a variável idade sofreu transformação do tipo log (x), (Tabachnick & Fidell, 2001). Essas transformações resolveram todos os problemas assimetria e heterogeneidade de variâncias. Duas variáveis (idade e status socioeconômico) continuaram com níveis de curtose ligeiramente acima do recomendado (-0,70 e 0,94, respectivamente), mas os efeitos dessas anomalias sobre os resultados das análises podem ser considerados desprezíveis. Para apresentação de médias foram utilizadas variáveis não transformadas. As variáveis transformadas foram utilizadas nas análises de correlação e regressão.

 

 

Homens (M = 18,6; dp = 5,74) e mulheres (M = 17,6; dp = 5,33) não diferiram significativa-mente nos níveis de desejabilidade social (t = 1,20, gl = 418). A Tabela 5 apresenta as correlações de ordem zero entre desejabilidade social, escolaridade, status socioeconômico e idade. Tal como estudos anteriores (Ribas, Seidl de Moura & Bornstein, 2003) as medidas de escolaridade e status socioeconômico se mostraram fortemente correlacionadas. A escolaridade e o status socioeconômico apresentaram exatamente o mesmo índice de correlação com a desejabilidade social (r = -0,21). Considerando que escolaridade e status socioeconômico se mostraram fortemente correlacionadas, optamos por inserir apenas a escolaridade em um modelo de regressão hierárquico. A escolaridade é uma variável de avaliação mais direta e um dos principais componentes do status socioeconômico (Ribas e cols., 2003). Uma análise de regressão hierárquica foi conduzida considerando escolaridade e idade como VIs e desejabilidade social como VD. Essa análise re-velou que tanto a escolaridade quanto a idade são preditores da desejabilidade social (p < 0,05). A análise de regressão revelou entretanto que escolaridade e a idade, combinadas, foram responsáveis por apenas 5,6% da variância total da desejabilidade social (R2 ajustado = 0,056; F (2, 400) = 12,79; p < 0,001). Considerando os betas padronizados, pode-se ainda observar que a escolaridade (â = -0,22) tem praticamente o dobro da influência que a idade (â = -0,13) sobre a desejabilidade social.

Versão abreviada da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne

A versão C da Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (Crowne & Marlowe, 1960) desenvolvida por Reynolds (1982) inclui os seguintes itens: 3, 6, 13, 15, 16, 19, 21, 26, 28, 30, 33, 12, 10.

Para avaliar a estrutura fatorial da versão C da MC-SDS-BR foi conduzida uma análise fatorial exploratória (EFA), considerando as recomendações de Reise, Waller e Comrey (2000). Foi utilizado o método dos Componentes Principais para a extração dos fatores e vários métodos de rotação. Resultados ligeiramente superiores foram obtidos com a rotação Varimax. Inicialmente foram identificados 4 fatores com eigenvalues superiores a 1,0, que explicavam 47,9% da variância total dos escores da versão C da MC-SDS-BR. O Scree Plot entretanto revelou que uma solução unifatorial, como proposto pelo estudo original, é apropriada. Esse fator único foi responsável por 21,72% da variância total. A carga fatorial dos itens nesse fator 1 oscilou entre 0,36 e 0,58. A escala apresentou ainda um KR20 = 0,70. Finalmente, foi calculada a correlação entre a escala completa e a versão reduzida. Foi obtido um r = 0,90 (p < 0,001).

 

Conclusões

Considerando os resultados obtidos, conclui-se que a versão brasileira (MC-SDS-BR) possui uma adequada correspondência com a Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne (MCSDS) e características psicométricas que autorizam sua utilização na pesquisa psicológica brasileira. Novas investigações com o instrumento estão sendo implementadas pelos autores com amostras mais amplas, inclusive com o objetivo de avaliar a estabilidade temporal do nível de desejabilidade social obtido com a MC-SDS-BR.

 

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Endereço para correspondência
Rua Ferreira Pontes, 286 Apt. 1007A - Andaraí
20541-280 Rio de Janeiro, Brasil
E-mail: rribas@ufrj.br

Recebido em 26/10/2004
Aceito em 20/11/2004

 

 

Os autores agradecem a Alessandra Aparecida do Nascimento Gomes, Iana Sudo, Isabela Dias Soares, Juliana Mezzomo, Paula Cintra Pontes e Roberto Lombardi da Silveira, alunos de graduação do Instituto de Psicologia da UFRJ, por sua assistência na pesquisa.

 

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