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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.3 n.2 Porto Alegre nov. 2004

 

ARTIGOS

 

Eficácia escolar: regressão multinível com dados de avaliação em larga escala

 

School effectiveness: multilevel regression of large scale assessment data

 

 

Girlene Ribeiro de Jesus; Jacob Arie Laros

Universidade de Brasília Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida - LabPAM

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é elaborar um modelo explicativo do desempenho acadêmico de alunos da 8ª série. A análise realizada considerou a estrutura hierárquica dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Os resultados apontaram que 79% da variância entre as escolas no desempenho na prova de Língua Portuguesa pode ser atribuída às variáveis relacionadas à composição socioeconômica das escolas e ao status socioeconômico dos estudantes. As variáveis com efeitos positivos no desempenho dos alunos são: (a) a manutenção dos recursos tecno-pedagógicos; (b) freqüência com que os professores passam e corrigem a lição de casa; (c) grau com que os professores estão comprometidos com a aprendizagem dos seus alunos; (d) o quanto que a idade dos alunos está próxima à ideal para a série; (e) freqüência com que o estudante faz seu dever de casa e (f) se o estudante pode se dedicar integralmente aos estudos.

Palavras-chave: Avaliação educacional, Desempenho em português, Modelos Lineares Hierárquicos.


ABSTRACT

The objective of this study is the development of a model explaining academic performance of 8th grade elementary school students. The hierarchical structure of the data collected by the Primary Education Evaluation System of Brazil was taken into account in the analysis. The results showed that 79% of the variability between schools can be attributed to variables related to the socio-economic composition of the schools and socio-economic status of the students. Variables with a positive effect on students' performance were: (a) the maintenance of the technical equipment; (b) the extent to which teachers give and correct homework; (c) the degree to which teachers are committed to provide good education to their students; (d) the extent to which the student´s age is approaching the ideal age for his or her class; (e) the degree to which a student makes her or his homework, and (f) whether the student can dedicate all his time to school.

Keywords: Educational evaluation, SAEB, School performance, Multilevel regression model.


 

 

A avaliação educacional é uma ferramenta útil para melhorar o sistema educacional, fornecendo informações que permitem aos educadores determinar quais práticas promovem resultados desejados e quais não (Sanders & Horn, 1995). Ela deve prover um contínuo monitoramento do sistema educacional com a finalidade de detectar os efeitos positivos ou negativos de políticas adotadas (Soares, Cesar & Mambrini, 2001).

Na avaliação educacional geralmente se utiliza como variável indicadora da eficácia do sistema educacional o desempenho acadêmico dos alunos, sendo também coletadas informações acerca do contexto escolar. Muitos pesquisadores têm se interessado por esse tema no Brasil (ver por Klein & Fontanive, 2002; Soares e cols., 2001; Fletcher, 1998). Tais estudos têm sido empreendidos com a finalidade de prover informações acerca dos fatores que podem estar influenciando o desempenho acadêmico dos alunos, servindo, assim, como subsídios para políticas educacionais.

Tendo isso em vista, o processo de avaliação deve contemplar diversos aspectos, partindo da coleta e organização das informações de forma sistemática, até chegar à verificação de como determinado sistema está funcionando. A esse respeito, o governo brasileiro tem se mobilizado e investido recursos a fim de tornar mais eficaz a educação oferecida no país.

Uma das iniciativas do governo foi a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). O SAEB é um instrumento que subsidia e induz políticas orientadas para a melhoria da qualidade da educação brasileira. Seus objetivos são: (a) monitorar a qualidade, a eqüidade e a efetividade do sistema de educação básica; (b) oferecer às administrações públicas de educação informações técnicas e gerenciais que lhes permitam formular e avaliar programas de melhoria da qualidade do ensino; e (c) proporcionar aos agentes educacionais e à sociedade uma visão clara e concreta dos resultados dos processos de ensino e das condições em que são desenvolvidos e obtidos (Rabello, 2001).

Os indicadores de aprendizagem gerados pelo SAEB 2001 para os concluintes do ensino fundamental apresentam um quadro em que a pouca efetividade dos sistemas educacionais brasileiros é mostrada. Em Língua Portuguesa, por exemplo, apenas cerca de 10% dos alunos atingiram, na escala de desempenho, um rendimento considerado adequado (Araújo, 2003).

Não obstante, a análise de tais indicadores necessita ser contextualizada, pois tanto variáveis in-ternas à escola quanto externas a ela podem ser responsáveis pelo rendimento dos alunos. Barbosa e Fernandes (2001) apontam, com base em um estudo realizado com dados do SAEB 1997, que o desempenho acadêmico de um aluno depende - além das suas características individuais - de características relacionadas com a série (ou professor), e variáveis associadas à escola. Esses autores argumentam que depois do controle do nível socioeconômico do aluno, as variáveis associadas à infra-estrutura e equipamentos escolares apresentam um forte impacto no desempenho dos alunos, explicando 54% da variância do desempenho entre escolas.

Outro estudo que investigou os fatores que afetam o desempenho acadêmico, realizado por Soares e cols. (2001), revelou que existem grandes diferenças entre os estudantes brasileiros da 8ª série, avaliados de acordo com o SAEB 1997. Diferenças marcantes foram encontradas entre as escolas públicas e privadas, denotando uma disparidade grande nas escolas brasileiras. Tais diferenças entre as escolas públicas e privadas são altamente relacionadas com as variáveis associadas à infra-estrutura e equipamentos escolares. Os autores chegam à conclusão de que existe ampla oportunidade para melhorar o desempenho cognitivo dos estudantes no Brasil manipulando recursos físicos, pedagógicos e administrativos das escolas.

Ademais, de acordo com os dados fornecidos pelo SAEB, que já realizou sete avaliações (1991, 1993, 1995, 1997, 1999, 2001 e 2003), os resultados sobre o desempenho dos alunos têm demonstrado um nível baixo para todos os estudantes brasileiros, sendo observadas grandes diferenças no desempenho dos alunos quando considerados em relação à região em que moram e ao seu status socioeconômico (Soares e cols., 2001).

Nesse contexto, o presente estudo se insere tendo como objetivo analisar os dados do SAEB 2001 referentes à disciplina de Língua Portuguesa, a fim de levantar os fatores que podem afetar o desempenho cognitivo dos alunos, identificando as características escolares que promovem maior eficácia. Ou seja, objetiva-se nesse estudo chegar a um modelo explicativo para o desempenho em português, tendo como foco principal as variáveis associadas à escola, que são passíveis de intervenção. Para tanto, o escore obtido pelos alunos na avaliação de Língua Portuguesa do SAEB 2001 foi utilizado como a variável dependente (VD) e os questionários destinados a alunos, professores, diretores e escola serviram como ferramentas úteis para se obter as variáveis contextuais do atual estudo, referidas como variáveis independentes (VIs).

Considerando o objetivo proposto, esse estudo se insere no contexto da avaliação da eficácia escolar, que será tratada a seguir.

Escola eficaz

Soares, Sátyro e Mambrini (2000) afirmam que uma escola se configura como eficaz quando possui características que garantem a efetividade e a eficácia de seu ensino, produzindo reflexo positivo no progresso acadêmico e no desempenho escolar. Assim, tem-se grande interesse, principalmente por parte daqueles que são responsáveis pela gestão de políticas públicas, acerca dos fatores que distinguem as escolas eficazes das demais.

Reynolds, Teddlie, Hopkins e Stringfield (2000) comentam que há grande relação entre o desenvolvimento da escola e o estudo sobre a escola eficaz, indicando que particularmente nos Estados Unidos existe uma relação bastante estreita entre esses dois fatores, tanto que mais da metade de todos os distritos americanos tem desenvolvido programas educacionais baseados no conhecimento acerca das escolas efetivas. Nesse país existem demonstrações bem conhecidas de projetos que envolvem a transferência direta de achados de pesquisas acerca de programas desenvolvidos em escolas eficazes.

O maior inconveniente da pesquisa em eficácia escolar é o fato de que esse fenômeno é extrema-mente complexo, pois interações ocorrem dentro e entre uma variedade de contextos e entre uma variedade de atores dentro desses contextos. Vários fatores pertencentes a diferentes níveis no sistema escolar podem afetar a proficiência dos estudantes (Kreft, 1987). O desempenho dos alunos é o foco principal dos estudos sobre eficácia escolar e ao mesmo tempo o critério segundo o qual escolas eficazes são avaliadas.

Um estudo realizado no contexto brasileiro por Soares, Sátyro e Mambrini (2000) acerca dos fatores relacionados à eficácia escolar aponta que uma escola eficaz tem uma equipe de professores qualificados e dispensa tempo e recursos no treina-mento dessa equipe. Além disso, esses autores consideram que o aprendizado do professor está direta-mente ligado ao aprendizado dos alunos.

Outros estudos feitos no Brasil (Fletcher, 1998; Barbosa & Fernandes, 2001) considerando a estrutura de agrupamento "alunos em escolas" mostraram que a variabilidade do desempenho escolar intraescola é bastante maior do que a variabilidade entre escolas. Barbosa e Fernandes (2001) mostram que controlando as características individuais dos alunos é possível determinar os fatores que estabelecem a diferenciação entre escolas (e turmas), identificando assim as características e práticas escolares que tornam algumas escolas mais eficazes do que outras na promoção do sucesso escolar e que ajudam o aluno a ultrapassar o efeito da desvantagem social.

A escola eficaz identificada por Fletcher (1998) como de interesse dos profissionais e gestores da educação, é aquela em que os fatores que contribuem para sua excelência estão sob o controle da própria escola por meio de suas políticas administrativas e pedagógicas. Tal escola poderia ser encontrada em um contexto muito desfavorável, mas demonstrando um grande efeito sobre o rendimento do aluno por causa da dedicação e talento dos administradores e docentes. As características que descrevem a escola eficaz pesquisadas no atual estudo foram as que estão contempladas pelos instrumentos do SAEB, as quais serão detalhadas a seguir.

O SAEB e seu quadro de referência

Considerando-se que as ações para tornar a escola mais eficaz não podem prescindir do levanta-mento de indicadores que forneçam informações válidas e confiáveis, não apenas sobre o desempenho dos alunos, mas também sobre os fatores contextuais associados a esse desempenho, o SAEB desenvolveu instrumentos para medir as variáveis contextuais. Tais medidas envolvem os questionários que o SAEB aplica a alunos, professores, diretores e escolas. Os questionários foram construídos tendo como base alguns referenciais teóricos (INEP, 2001), dentre eles pode-se destacar:

I - Modelo teórico insumos-processo-resultados (input-process-output)

Um sistema de monitoramento baseado no modelo de input-process-output foi proposto por Willms (1992). O pressuposto é que o desempenho acadêmico do aluno, "resultados", é determinado em grande parte por influências da família bem como por sua trajetória escolar, sendo estes os fatores de "insumos"; além disso, as experiências do aluno na escola, entram no modelo como os fatores de "processos", os quais são moldados pelas práticas, políticas, estruturas organizacionais e normas da sala de aula, da escola e do distrito escolar.

II - Modelo teórico da escola eficaz

Sammons, Hillman e Mortimore (1995) fornecem uma síntese da literatura sobre escola eficaz, a partir de estudos baseados em dados de diversos países, especialmente do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Holanda. Esse trabalho focaliza as características que melhor descrevem escolas bem sucedidas. A revisão concluiu que há pelo menos onze características presentes nas escolas que agregam valor aos seus alunos.

Esses mesmos autores enfatizam que se trata de características freqüentemente encontradas em escolas eficazes, não significando, necessariamente, que essas características possam ser diretamente implantadas em escolas pouco eficazes, ou que a eventual implantação direta dessas características em escolas pouco eficazes transformem essas em escolas eficazes. As características levantadas são:

(1) Liderança profissional do diretor - firmeza e propósito; liderança profissional, abordagem participativa.

(2) Ensino com propósitos claros - organização eficiente, lições estruturadas, prática adaptável, clareza de práticas.

(3) Ênfase no ensino e na aprendizagem - maximização do tempo de aprendizado, ênfase acadêmica, foco no desempenho.

(4) Um ambiente de aprendizado - um ambiente organizado, um ambiente de trabalho atraente.

(5) Visão e metas compartilhadas - unicidade de propósitos, prática consistente, companheirismo e colaboração.

(6) Reforço positivo - regras de disciplina claras e justas, retorno de informações a respeito das atividades de alunos e professores.

(7) Expectativas altas - altas expectativas em todos os setores, trocas e vocalização de expectativas, ambiente intelectualmente desafiante.

(8) Direitos e expectativas dos alunos - elevação da auto-estima dos alunos, proporcionar posições de responsabilidade, controlar suas atividades.

(9) Monitoramento do desempenho - monitoramento do desempenho dos alunos, avaliação do desempenho da escola.

(10) Uma organização voltada para a aprendizagem - desenvolvimento da equipe da escola com base nos princípios e orientações desta.

(11) Relacionamento família-escola - envolvimento dos pais no aprendizado dos alunos.

Considerando o referencial teórico, os instrumentos do SAEB foram construídos para contemplar os construtos expostos a seguir:

(A) Construtos relacionados com o aluno

Nível socioeconômico. A fim de compor o capital econômico, o SAEB utiliza a classificação econômica obtida pela posse de itens de conforto dos lares dos alunos, o Critério Brasil da ABA/ANEP, e as condições da moradia quanto ao conforto (número de quartos e outros cômodos) e o acesso a recursos de urbanização pública (calçamento, iluminação e água encanada).

Apoio familiar. Considera-se que os pais desempenham um papel muito importante no desempenho acadêmico dos filhos, pois podem apoiá-los e incentivá-los a aprender por meio de suas práticas parentais.

Trajetória escolar. A repetência, a evasão e o atraso escolar são fatores com altas taxas de incidência nas escolas do país, sobretudo as públicas, com reflexo direto no rendimento do aluno. Os questionários do aluno incluem itens sobre repetência e abandono da escola. Além disso, a variável idade revela a adequação da idade/série do aluno.

(B) Construtos relacionados à sala de aula

O papel desempenhado pelo professor no aprendizado de seus alunos é fundamental e a mensuração de características do professor é um componente bastante importante de surveys educacionais. Os construtos contemplados pelo SAEB são: formação do professor, condições de trabalho, estilo pedagógico e experiência profissional.

(C) Construtos relacionados á escola

Os construtos relacionados à escola foram aferidos pelos questionários do diretor, da escola e do professor. Dentre esses construtos estão: liderança do diretor, condições de trabalho do diretor e da equipe, trabalho colaborativo, clima disciplinar, situação das instalações e equipamentos.

Além dos questionários contextuais aplicados a alunos, professores, diretores, turma e o formulário da escola, os alunos respondem a uma prova de Língua Portuguesa ou de matemática; nesse estudo foi utilizada apenas a prova de Língua Portuguesa. A medida de desempenho em Língua Portuguesa é considerada nesse estudo como a variável dependente, utilizada no modelo multinível.

A opção pelos modelos lineares hierárquicos se deve à estrutura hierárquica facilmente identificada nos dados educacionais, pois os alunos são agrupados em turmas e as turmas, por sua vez, são agrupadas em escolas. Por conseguinte, os dados carregam a mesma estrutura da população onde são coletados. No tópico a seguir encontra-se uma descrição mais detalhada sobre os modelos lineares hierárquicos.

Modelos Lineares Hierárquicos

Os modelos lineares hierárquicos foram adotados como ferramenta principal de análise no presente estudo, uma vez que incorporam natural-mente a estrutura hierárquica inerente aos dados educacionais. A opção por estes modelos se justifica por permitir uma utilização mais eficiente dos dados (Soares e cols., 2001).

Do ponto de vista da utilização eficiente dos dados, conforme apontam Soares e cols. (2001), as vantagens de se incorporar a estrutura hierárquica dos dados são: (1) obtenção de melhores estimativas para os parâmetros relativos a unidades específicas, pois por meio do modelo hierárquico é possível obter uma equação para cada escola, fazendo assim uso de toda a informação presente na amostra de forma eficiente; (2) possibilidade de formular e testar hipóteses relativas a efeitos entre níveis; (3) partição da variância em componentes, ou seja, variância do nível 1 (alunos) e variância do nível 2 (escolas).

Considerando os pacotes estatísticos que podem ser utilizados para a modelagem multinível, Snijders e Bosker (1999) referem alguns, como por exemplo: HLM, SAS PROC MIXED, VARCL e MlwiN. O programa utilizado no atual estudo foi o MLwiN em sua versão 2.0, desenvolvido por Goldstein e cols. (1998).

A seguir, será referida uma explanação sucinta sobre as equações utilizadas nos modelos lineares hierárquicos. Tem-se como ponto de partida a equação do modelo clássico de regressão, exposto aqui com uma única variável independente (X1i):

Yi= Bo + B1X1i + ei, onde:

Yi = valor da variável dependente (VD);

B o = intercepto, que é o valor da variável dependente quando X1i for igual a zero;

X1i = primeira variável explicativa (VI) adicionada ao modelo;

B1 = coeficiente de inclinação, também chamado de coeficiente de regressão, que é a mudança esperada na variável dependente quando X1i aumenta uma unidade;

ei = resíduo, que é a parte da VD que não foi explicada.

A partir desse modelo foram estabelecidos os componentes do modelo multinível: Yij = Boj + B1jX1ij + eij, em que um termo foi acrescentado, o grupo, denotado pela letra j na equação. Hox (2002) detalha a equação multinível expondo os diversos passos que podem ser seguidos na análise, começando pelo modelo vazio, que é um modelo sem variáveis explicativas.

Equação do modelo vazio: Yij = Boj + eij em que,

B o j= ã00 + uoj

Yij = ã00 + u+ e

oj Zi

Nessa equação ã00 é a média de interceptos de j grupos, uoj e eij são os residuais do nível do grupo e do nível do indivíduo, respectivamente. A próxima equação, que pode incluir todas as variáveis explicativas do nível 1 (X1, X2, X3, ..., Xp; ou seja, pode haver p variáveis), está descrita como consta a seguir.

Yij = ã00 + ãp0 Xpij + uoj + eij

O termo X pij são as p variáveis explicativas do nível 1, ãp0 é a média dos coeficientes de regressão de j grupos em relação à variável p do nível 1; os demais termos não mudam de significado. É importante observar que agora tanto o intercepto Bo j quanto o coeficiente de regressão B1 j podem variar em cada j grupo. As suposições desse modelo são que eij ~ N(0, s2). Ou seja, os residuais do nível 1 seguem uma distribuição aproximadamente normal com média zero e variância homocedástica. Ao adicionar variáveis explicativas do nível 2 (Z1, Z2, Z3, ..., Zq; ou seja, pode haver q variáveis) a equação anterior ganha um novo termo referente ao nível 2 (Z).

Yij = ã00 + ãp0Xpij + ãq0Zqj + uoj + eij

O termo Z qj adicionado na equação representa as q variáveis explicativas do nível do grupo. Se efeitos randômicos são acrescentados ao modelo, a equação anterior fica da seguinte forma:

Yij = ã00 + ãp0Xpij + ã0qZqj + upjXpij + uoj + eij

Considerando a equação acima se tem que os u pj são os residuais das inclinações das variáveis explicativas do nível individual (Xpij). Por fim, se interações cross-level entre as variáveis do nível 2 e as variáveis do nível 1 são acrescentadas, a equação resultante é:

Y..= ã+ ã+ " Z.+ ãZX.. + uX.. + u. + e..

9 00 pi.l ~ v pqqjpiJ pjpXJ oJ 9

As suposições subjacentes ao modelo multinível são: u oj ~ N(0, ô00), uoj's são independentes. Snijders e Bosker (1999) traduzem esses pressupostos nos seguintes termos: os valores (u0j upj) dos coeficientes randômicos do nível 2, ou residuais do nível 2, são independentes entre os grupos, também são independentes dos residuais do nível 1 eij e, dados os valores de todas as variáveis exploratórias, todos os residuais têm média populacional igual a zero. Os efeitos randômicos do nível 2 têm uma distribuição multivariada normal com uma matriz de covariância constante. Os residuais, conforme aponta Fletcher (1998), representam tudo o que não é possível explicar pelas variáveis independentes que entraram no modelo.

No presente estudo, conforme sugere Fletcher (1998), pretende-se controlar as características relacionadas ao nível socioeconômico da escola e do aluno com o intuito de verificar quais são as outras fontes de variação entre as escolas. Considerar-se-á um modelo com dois níveis. No primeiro nível, encontram-se os alunos. Esses estão agrupados em escolas, que constituem as unidades do segundo nível. Na realidade, os alunos estão agrupados em turmas, e estas agrupadas em escolas. Na prática, entretanto, o número de turmas avaliadas por escola é insuficiente para a consideração de mais um nível de análise (ver Soares e cols., 2001).

 

Método

Delineamento

As provas do SAEB 2001 contêm 169 itens para cada uma das séries e disciplinas avaliadas. Esse total é distribuído em 13 blocos de 13 itens que, quando são combinados três a três por meio do delineamento dos Blocos Incompletos Balanceados (BIB), possibilita a organização de 26 cadernos de provas diferentes para Língua Portuguesa e Matemática para cada uma das séries. Cada caderno contém três blocos com 13 itens, cada aluno responde no máximo a 39 itens.

Amostra

Para o presente estudo foi utilizada a amostra de alunos da 8ª série do ensino fundamental que responderam a prova de Língua Portuguesa. Foram desconsiderados os alunos que não responderam a prova, ficando uma amostra composta por 50.492 estudantes.

Dos questionários de professores, diretores e escolas, foram considerados apenas aqueles em que ao menos um aluno da escola respondeu a prova. Assim, a amostra de professores ficou composta por 3.594 respondentes, a de diretores por 2.825 e de escolas também por 2.825. Para executar a análise multinível os bancos de alunos, professores, diretores e escolas foram agrupados. Ao juntar os bancos de dados restou um total de 2.728 escolas com dados completos (professores, diretor e escola) e 49.075 alunos. A quantidade de alunos por escola varia de 1 a 54. Na Tabela 1 a seguir podem ser vistas algumas características sobre o perfil desses alunos.

 

 

Como a amostra do SAEB é complexa (estratificada e com probabilidades desiguais de inclusão dos elementos), se torna fundamental a calibração das observações por meio de pesos amostrais, a fim de que se possa produzir estimativas pontuais corretas e erros-padrão corretos. Assim, utilizando pesos, o tamanho da amostra se torna igual à soma dos pesos amostrais, que é correspondente ao tamanho da população.

A utilização dos pesos transforma o n amostral no N populacional, uma vez que cada observação é multiplicada pelo peso amostral. Assim, com a utilização de pesos amostrais serão encontradas diferenças estatisticamente significativas quando na realidade não existe diferença. Brogan (1997) sugere que se trabalhe com o peso normalizado, o qual foi utilizado em todas as análises exploratórias e análises fatoriais realizadas no presente estudo. Segundo Condé (2001) o cálculo do peso normalizado é feito multiplicando-se o peso original das escolas pela fração amostral (n/N). Desta forma, ao se utilizar o peso normalizado as estatísticas ficarão com o número de sujeitos da amostra, não mais da população.

Instrumentos

Além da prova de Língua Portuguesa, com 39 itens, respondida pelos alunos, os seguintes instrumentos foram utilizados:

- Questionário de Alunos: os alunos responderam dois questionários socioculturais compostos, conjuntamente, por 96 questões.

- Questionário de Professores: os professores responderam um questionário composto por 98 questões sobre formação profissional, práticas pedagógicas, nível socioeconômico-cultural, entre outras.

- Questionários de Diretores: um questionário composto por 72 questões sobre formação profissional, nível socioeconômico-cultural, estilos de liderança e formas de gestão, foi respondido por cada diretor de escola.

- Questionário da Escola: ficou composto por 8 questões, avaliadas por um funcionário da secretaria de educação designado pelo ministério da educação.

Análise dos dados

As análises descritivas, exploratórias e análise fatorial foram efetuadas utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 10.0 e a análise multinível foi realizada por meio do programa MLwiN 2.0, desenvolvido por Goldstein e cols. (2003).

A respeito dos dados faltosos nas variáveis dos questionários, os mesmos foram substituídos utilizando o método disponível no SPSS linear trend at point, que estima os dados faltosos a partir dos demais dados da própria variável. Assim, os valores que a variável possui são regredidos para predizer os valores faltosos.

Ademais, todas as variáveis dos questionários utilizadas no atual estudo foram padronizadas a fim de deixar os coeficientes de regressão comparáveis.

Análise fatorial para reduzir o número de variáveis

Foi seguido o procedimento para realização de análise fatorial proposto por Pasquali (2004). Em relação aos critérios utilizados: sobre o tamanho das correlações na matriz de correlações entre as variáveis dos instrumentos, adotou-se que a maioria das correlações ficassem com r e" 0,30 (ver Tabachnick & Fidell, 1996); KMO, adotou-se nesse estudo o critério referido por Tabachnick e Fidell (1996), que apontam que este deve ser de pelo menos 0,60; número de fatores, foi utilizado para verificação o teste scree de Cattell, considerou-se também o que foi proposto pelos elaboradores dos questionários (INEPa, 2001); rotação utilizada, quando houve necessidade de utilizar rotação, esta foi decidida por meio da cor-relação entre os fatores do instrumento, ou seja, quando ao menos dois fatores apresentaram cor-relação r ³ |0,30| o instrumento foi submetido à rotação Promax, quando esse valor foi inferior a |0,30| a rotação utilizada foi a Varimax; cargas fatoriais, seguiu-se o critério proposto por Tabachnick e Fidell (1996), que sugerem que sejam iguais ou superiores ao valor absoluto 0,32, pois este valor corresponde a 10% da variância explicada (0,322 @ 0,10), ou seja, a variável pode ser considerada como uma representante útil do fator. As variáveis com carga fatorial inferior a esse valor foram desconsideradas.

 

 

A fidedignidade dos fatores foi verificada por meio do cálculo do índice de consistência interna. Para tanto, utilizou-se o alfa de Cronbach, considerando-se como valores adequados aqueles iguais ou superiores a 0,70. Em relação aos escores fatoriais, estes foram obtidos por meio da soma - dividida pelo número de variáveis - das variáveis (padronizadas) de cada fator, sendo atribuído peso um a cada uma delas (ver Laros, 2004). Os fatores obtidos podem ser vistos na tabela a seguir.

Uma vez identificados, os fatores foram utilizados na análise multinível, que será tratada a seguir.

Procedimento utilizado na análise multinível

O processo utilizado para a análise multinível nesse estudo foi baseado na literatura acerca dos fatores que explicam o desempenho (ver por exemplo Fletcher, 1998; Soares e& Alves, 2003; Soares, Sátyro & Mambrini, 2000), bem como no que aponta Hox (2002) a respeito da estratégia de exploração em análise multinível.

Inicialmente, conforme sugere Fletcher (1998) foi considerado o fato de que os alunos não são designados para freqüentar as escolas por meio de um processo aleatório, mas que a composição da escola é grandemente condicionada pelas circunstâncias de seu contexto. Sendo assim, a fim de demonstrar os efeitos dos professores e escolas, faz-se necessário, a priori, controlar para o impacto da composição socioeconômica até o ponto em que se torne praticamente nulo e possa ser ignorado. Para tanto, é necessário atentar-se para as fontes de variação provenientes dos dois níveis: composição socioeconômica média da escola (Nível 2), que é devida a seu contexto comunitário e nível socioeconômico dos alunos individualmente (nível 1), pois para revelar a verdadeira contribuição da escola, precisa-se antes controlar o impacto das condições socioeconômicas nos dois níveis de agregação, simultaneamente.

Tendo em vista o exposto por esse autor, no presente estudo optou-se por dissipar os efeitos da composição socioeconômica por meio do controle das seguintes variáveis, agregadas para o nível da escola: nível socioeconômico, escolaridade do pai, e etnia. Ademais, essas mesmas variáveis em seu nível original de mensuração (nível 1) também foram condicionadas para dissipar a composição dentro das escolas.

A análise multinível realizada seguiu os seguintes passos:

Passo 1. No início foi analisado o modelo vazio, sem variáveis explicativas, para identificar qual parte da variância total pode ser atribuída ao nível 1 e qual porcentagem ao nível 2. O modelo vazio serve como uma linha de base para comparar os modelos subseqüentes. A partir do modelo vazio pode ser feita a partição da variância em duas partes, uma parte que pode ser atribuída ao nível 1 e uma parte que pode ser atribuída ao nível 2.

Passo 2: Controle das variáveis relacionadas à composição socioeconômica: nível socioeconômico, escolaridade do pai e etnia, nos níveis 1 e 2. A partir do passo 3 adotou-se um procedimento exploratório, seguindo os passos apontados por Hox (2002).

Passo 3. A inserção das demais variáveis começou pelas do nível do aluno, sendo as mesmas fixas. Isso significa que os componentes da variância das inclinações dessas variáveis são fixas em zero, isto é, supõe-se que não variam de grupo para grupo. Ademais, como existem mais observações nesse nível, esse procedimento garante maior confiabilidade à estimação dos parâmetros. As variáveis foram adicionadas por ordem de importância, segundo a literatura.

Passo 4. Após a adição das variáveis do nível 1 foram adicionadas as variáveis do nível 2.

Passo 5. Com as variáveis adicionadas, de ambos os níveis, procedeu-se a inspeção de quais variáveis do nível 1 teriam efeito randômico, isto é, quais das inclinações das variáveis explicativas tinham componentes de variância significativos entre os grupos.

Passo 6. Foram adicionadas algumas interações entre as variáveis explicativas de ambos os níveis, a saber: nível socioeconômico do aluno e nível socioeconômico agregado, nível socioeconômico do aluno e escolaridade dos pais, dever de casa e re-cursos pedagógicos.

A razão pela qual no presente estudo escolheu-se começar com modelos que incluem apenas coeficientes de regressão fixos foi porque eles podem ser estimados com maior precisão do que os coeficientes randômicos, pois o número de observações no nível 1 é muito maior do que no nível 2. Ademais, os coeficientes randômicos foram testados variável por variável devido ao fato de se tornar muito carregado calcular ao mesmo tempo muitos efeitos desse tipo, podendo isso causar sérios problemas de estimação, como por exemplo problemas de convergência (Hox, 2002).

 

Resultados

Análise de Regressão Multinível

As análises aqui descritas também foram efetuadas com todas as variáveis padronizadas, ou seja, com média no valor zero e desvio padrão igual a 1, N (0, 1), a fim de facilitar a compreensão dos resultados, uma vez que as variáveis possuem escalas diferentes (ver Fletcher, 1998; Hox, 2002).

O passo inicial desse estudo se refere ao modelo vazio, chamado dessa forma porque não tem variáveis explicativas, tendo como preditor linear apenas o intercepto. A relevância desse modelo está no fato dele permitir ao pesquisador verificar a distribuição da variância total da variável resposta pelos níveis de agrupamento: aluno e escola (ver Ferrão, 2003). De acordo com esse modelo, a proficiência média em português é cerca de -0,09. A estimativa da variância entre escolas é 0,298 e da variância entre alunos é 0,563.

A partir dos dados do modelo vazio pôde-se calcular o coeficiente de correlação intra-classe (i.c.c.), que mede o quanto da variação total decorre das diferenças entre os grupos, ou seja, entre as escolas. O cálculo do coeficiente de correlação intraclasse, também chamado de efeito-escola, foi efetuado da seguinte forma:

Segundo o resultado observado para o i.c.c, 35% da variação total é devido à variação entre escolas. Nos dados avaliados, a estimativa de -2*Loglikelihood (deviance) para o modelo vazio foi igual a 117.138. Este valor serve como parâmetro de comparação para verificar o ajuste dos modelos subseqüentes. Pois de acordo com Snijders e Bosker (1999) o deviance reflete a falta de ajuste entre os dados e o modelo. Este índice não pode ser interpretado por si só, mas deve-se interpretar a magnitude das diferenças entre o seu valor e aquele encontrado no modelo seguinte. Nesse estudo será considerada significativa a contribuição de uma variável quando a diferença entre os deviances de dois modelos (qui-quadrado: c2) dividida por g.l (graus de liberdade), ou seja, pelo número de parâmetros acrescidos a um modelo em relação ao anterior, for maior que 2.

Como já foi referido no Método, o passo 2 desse estudo começa incluindo, a priori, as variáveis relacionadas à composição socioeconômica da escola como controle, a saber: nível socioeconômico, escolaridade do pai e etnia, tanto no nível da escola como no nível do aluno para controlar o efeito dessas variáveis em ambos os níveis. A quantidade de variância que essas variáveis foram capazes de explicar, em relação à quantidade de variância total do nível 2 a ser explicada, foi 79%. Esse resultado implica que, do total de variação existente entre as escolas brasileiras no que se refere ao desempenho em português, pesquisadas pelo SAEB 2001, 79% é devido à seletividade e composição escolar.

A seguir, conforme o passo 3 proposto no método, verificou-se a contribuição das variáveis do nível 1 na explicação da variância. Para tanto, foram inseridas as seguintes variáveis: atraso escolar, de-ver de casa, situação profissional do aluno e apoio dos pais ao aluno. O modelo com a adição dessas variáveis conseguiu explicar 6% da variação entre os alunos, como segue:

Variância Modelo 2 -Variância Modelo 3 = 0,557- 0,524 =0,06 Variância Modelo 2 0,557

Embora seja pequena a quantidade de variância explicada entre os alunos, todavia, é uma contribuição importante, tendo em vista que é muito difícil explicar a variância desse nível na área de educação (ver Fletcher, 1998). Uma vez adicionadas as variáveis do nível 1, o próximo passo foi a adição das variáveis do nível 2. As seguintes variáveis foram inseridas: recursos tecno-pedagógicos, cobrança e correção da lição de casa pelo professor, instalações físicas, percepção dos professores sobre seu comprometimento, condições de trabalho da equipe escolar, expectativa do professor, clima disciplinar, trabalho colaborativo, liderança do diretor e percepção do diretor sobre o comprometimento dos professores.

As variáveis adicionadas a esse modelo que não foram significativas (razão t < 2) foram descartadas, a saber: condições de trabalho da equipe escolar, clima disciplinar, trabalho colaborativo, liderança do diretor e percepção do diretor sobre o comprometimento dos professores. Das variáveis do nível 2 adicionadas ao modelo as que mais contribuíram para a explicação do desempenho em português foram: recursos tecno-pedagógicos (0,10 d.p., isto é, 5 pontos na escala do SAEB), professor passa lição (0,09 d.p., ou 4,5 pontos) e apoio dos pais agregado (0,05 d.p., ou, 2,5 pontos). Este modelo, em comparação ao modelo anterior, ficou significativamente melhor c2 3-c2 4/gl = 26. Assim, esse modelo serviu como parâmetro de comparação para a verificação de efeitos randômicos (coeficientes de regressão randômicos) nas variáveis do nível do aluno, que foi o quarto passo da análise.

Assim, o ajuste do penúltimo modelo, com efeito randômico % em que se assume que a inclinação da regressão varia entre as escolas % nas variáveis nível socioeconômico, etnia, atraso escolar e dever de casa em comparação ao modelo anterior sofreu uma melhoria significativa (c2 4-c2 5/gl = 19), o que demonstra que essas variáveis se comportam diferentemente entre as escolas. As demais variáveis do nível 1 não apresentaram contribuição significativa randomicamente.

O último passo nessa análise foi a inserção de efeitos de interação entre as seguintes variáveis: nível socioeconômico e escolaridade do pai; nível socioeconômico e nível socioeconômico agregado (cross-level); dever de casa e recursos tecno-pedagógicos (cross-level). Os resultados encontrados podem ser vistos na Tabela x, que apresenta o modelo final encontrado nesse estudo.

 

 

As variáveis de controle estão separadas pela linha pontilhada nessa tabela a fim separá-las das demais variáveis explicativas, que compõem o modelo final. Dos efeitos de interação adicionados ao modelo final, apenas o efeito das variáveis nível socioeconômico e escolaridade do pai (ambas do nível 1) foi significativo (razão t =8,75) e a diferença de qui-quadrado entre o modelo anterior ao final e o modelo final, dividida pelos graus de liberdade também se mostrou significativa (84), o que indica que o modelo final se ajusta melhor aos dados. Tal resultado indica que o efeito da escolaridade do pai é maior quando o nível socioeconômico também é alto; por outro lado, a escolaridade do pai afeta menos o desempenho quando o nível socioeconômico é baixo.

Levando em consideração essa interação encontrada no presente estudo, e tendo como base o que aponta Hox (2002), sugere-se que as variáveis: Nível socioeconômico do aluno e Escolaridade do pai sejam tratadas conjuntamente, como um sistema, não devendo mais ser consideradas independentemente. Assim, em estudos futuros, esse aspecto precisa ser considerado.

 

Discussão

Pôde-se verificar na análise multinível que existem muitas diferenças no que se refere ao desempenho em Português. Da variância no teste de Língua Portuguesa 35% pode ser atribuída às diferenças entre as escolas. Estudos tanto nacionais quanto internacionais (ver Albernaz, Ferreira & Franco, 2002; Fletcher, 1998; Soares e cols., 2000; Soares & Alves, 2003; Teddlie e cols., 2000) apontam algumas variáveis que podem ser consideradas como determinantes dessas diferenças no desempenho entre as escolas, por exemplo: o nível de escolaridade do professor e a estrutura física da escola. Como o objetivo geral do atual estudo foi propor um modelo explicativo para o desempenho dos alunos na prova de Língua Portuguesa, optou-se por controlar as variáveis associadas ao nível socioeconômico (quantidade de bens na residência, escolaridade do pai e etnia), uma vez que um dos componentes essenciais no estudo sobre a eficácia do ensino é o controle das variáveis de cunho socioeconômico (ver Soares & Alves, 2003). Tais variáveis não são passíveis de intervenção pela própria escola, mas abrangem aspectos muito particulares, mas não únicos, da sociedade brasileira, como é o caso da desigualdade social.

Essa desigualdade se reflete em diversos aspectos da sociedade e seus efeitos se fazem sentir em áreas sociais básicas, como a educação. Quando os brasileiros vão à escola, mesmo que não se dêem conta, já estão passando por um processo de seletividade, ou seja, os alunos freqüentam as escolas, geralmente, cujas características se assemelham mais ao seu nível socioeconômico, escolas nas quais também estudam as pessoas que pertencem à sua comunidade. Assim, dentro da mesma escola a composição socioeconômica, em geral, é relativamente homogênea. Sem uma estatística educacional que tenha como base o contexto socioeconômico do aluno, o público não dispõe de outros meios para conhecer as disparidades nas oportunidades educacionais (Fletcher, 1998).

Em relação aos modelos testados neste estudo, os resultados indicaram que entre os efeitos das variáveis de controle, os mais fortes determinantes do desempenho em Português foram: o nível socioeconômico médio da escola (NSE médio) e nível de escolaridade médio dos pais. Juntas essas duas variáveis acrescentam aproximadamente 0,40 desvio padrão ao desempenho dos alunos. Traduzindo esse valor na escala do SAEB (M = 235,2 e d.p. = 50,3) para os alunos da 8ª série resultaria num acréscimo de aproximadamente 20 pontos. Com esse aumento a média dos alunos no Brasil passaria de 235,2 para 255,2.

Tal resultado indica que apenas o NSE médio e o nível de escolaridade médio do pai, estão fortemente associados com o desempenho. Isso demonstra que quanto maior a quantidade de bens em casa e maior a escolaridade do pai, maior o desempenho em português.

Pode-se perceber pelo modelo final que, uma vez controladas as variáveis que representam a composição socioeconômica da escola, o nível socioeconômico individual, que ficou com uma contribuição negativa (-0,06 d.p, ou 3 pontos na escala do SAEB), é pequeno. Ou seja, o efeito dos fatores socioeconômicos ocorre em termos da seletividade da escola, não da sua composição interna.

Buscou-se então verificar, após o controle da composição socioeconômica da escola, quais variáveis do nível 1 afetam o desempenho do aluno bem como em que grau se dá tal influência. Observou-se que o atraso escolar é o fator que mais contribui, negativamente, para o desempenho (-0,19 d.p.). Em termos práticos, considerando que o desvio padrão do atraso escolar é 1,7, pode-se dizer que diminuindo o atraso escolar em 1,7 anos, o desempenho em português seria aumentado em 0,19 de um desvio padrão (9,5 pontos na escala do SAEB). Tal resultado indica, portanto, que alunos que têm atraso escolar em relação à idade ideal, no caso 14 anos para a 8ª série, tendem a obter resultados inferiores. O fato de o aluno estar atrasado, em relação aos demais alunos que fazem a mesma série, pode ser devido à repetência ou às circunstâncias socioeconômicas que levam o aluno a entrar na escola tardiamente. Desta forma, esses fatores precisam ser investigados no âmbito escolar e trabalhados tanto pela escola quanto pelos gestores de políticas públicas.

Outro fator no nível do aluno que contribui, mas positivamente (0,08 d.p., i. é, 4 pontos na escala do SAEB), para o desempenho em Português é o dever de casa, indicando que a mudança de um desvio padrão na escala de dever de casa pode ser traduzir em um aumento de 4 pontos no desempenho. Isto é, fazer dever de casa favorece o desempenho do aluno. Logo, a escola pode planejar e implementar medidas que possam incentivar os alunos a fazerem o dever de casa, realizando um trabalho integrado com a equipe escolar e a família, a fim de otimizar esse aspecto.

Um fator que também exerce influência, negativa, sobre o desempenho é o fato do aluno trabalhar (-0,04 d.p., ou 2 pontos na escala do SAEB). Como a maioria dos alunos do atual estudo tem até 15 anos de idade (62,4%), pode-se dizer que possivelmente motivos socioeconômicos estão levando os adolescentes cada vez mais cedo para o mercado de trabalho, a fim de ajudarem na renda da família. O impacto dessa variável não aparece tão forte devido ao fato do nível socioeconômico já estar controlado. Em outras palavras, quando a influência do nível socioeconômico do aluno é nula, o fato dele trabalhar já não impacta tanto no desempenho.

Em relação ao apoio dos pais, percebe-se que sua contribuição, após a entrada das variáveis de controle e das demais variáveis do nível 1 foi negativa, embora baixa (-0,02 d.p., ou 1 ponto). Talvez tal fato se deva à inserção do dever de casa, ou seja, uma vez inserido o dever de casa - o qual contribui positivamente - o apoio dos pais já não causa grande impacto, ou tem um efeito negativo; não obstante, tal fato necessitaria ser verificado em estudos futuros. Além disso, pode ser uma falha na própria medida, que não contemplou adequadamente o construto referente ao apoio dos pais.

Verificadas as variáveis individuais que podem afetar o desempenho, quais seriam então as variáveis escolares? Ou seja, em que medida a escola pode aumentar o desempenho dos seus alunos? Nesse estudo foi observado que as escolas que agregam valor ao desempenho dos seus alunos, isto é, as escolas eficazes, possuem as seguintes características: (a) contam com recursos tecno-pedagógicos e os mantém, tais como máquina fotocopiadora, projetor de slides, videocassete, computadores para uso dos alunos, professores que utilizam a internet com os alunos na escola, entre outros; (b) tem professores que passam e corrigem a lição de casa dos alunos; (c) possuem instalações físicas em bom estado de conservação, tais como as portas e janelas, os banheiros, as salas de aula, o pátio etc.; (d) possuem professores comprometidos, os quais assumem a responsabilidade para melhorar a escola e as aulas que ministram e se sentem responsáveis pelos resultados dos alunos e se comprometem para que todos os alunos aprendam; (e) possuem professores que têm altas expectativas em relação ao desempenho dos seus alunos e (f) são compostas por alunos cujos pais os apóiam, ajudando-os a fazer lição de casa, incentivando-os a tirar boas notas, conversando com eles sobre assuntos diversos etc. Os resultados encontrados no atual estudo corroboram alguns dos apontados por outros autores (Fletcher, 1998; Natis, 2001; Soares e cols., 2000; Reynolds & Teddlie, 2000; Teddlie e cols., 2000; Soares & Alves, 2003)

Apesar do efeito das variáveis de esforço educacional serem significativos, alguns são pequenos, como por exemplo: expectativas altas do professor em relação ao desempenho dos alunos (0,016 d.p., ou 0,8 ponto na escala do SAEB). Acredita-se que tais resultados podem ter sido modestos em virtude das medidas utilizadas, pois expectativa do professor foi mensurada no questionário do SAEB por meio de apenas um item, ademais, o fator referente ao comprometimento do professor também necessita ser melhorado, pois ficou com apenas 5 itens, um número insuficiente para cobrir esse construto.

Não obstante as limitações relacionadas às medidas utilizadas, se todas as variáveis escolares que contribuem positivamente para o desempenho aumentassem um desvio padrão, o desempenho aumentaria 0,3 de um desvio (15 pontos na escala do SAEB), que é uma contribuição mais expressiva. A vantagem de se verificar o efeito das variáveis educacionais é porque elas representam práticas administrativas e pedagógicas que estão sob o controle da própria escola, que poderiam mudar o bastante como resultado de novas políticas públicas (ver Fletcher, 1998).

Por fim, o presente estudo também testou o efeito randômico das variáveis: nível socioeconômico, etnia, atraso escolar e dever de casa em que se pôde verificar que essas variáveis têm efeito diferenciado entre as escolas, em outras palavras, elas exercem influência no desempenho, mas depende da escola que o aluno freqüenta (ver Ferrão, Leite & Beltrão, 2001). Por sua vez, a inserção da interação ao modelo mostrou que há um efeito significativo das variáveis: nível socioeconômico x escolaridade do pai (ambas do nível 1), indicando que o efeito da escolaridade do pai é maior quando o nível socioeconômico também é alto; por outro lado, a escolaridade do pai afeta menos o desempenho quando o nível socioeconômico é baixo. Ou seja, para haver uma contribuição maior sobre o desempenho dos alunos, além dos pais possuírem maior grau de escolaridade, precisariam também possuir um nível socioeconômico mais elevado.

Quanto às limitações do presente estudo, citam-se algumas, que podem ser dirimidas em estudos futuros: (a) foi possível explicar apenas pequena parte da variação no desempenho individual dos alunos, seria necessário melhorar os instrumentos que cole-tam dados sobre os alunos; (b) a fim de estimar o efeito-escola, a modelagem deveria contar também com a informação sobre o nível de conhecimento prévio do aluno, entretanto o SAEB, sendo um estudo transversal e não longitudinal, não o permite.

 

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Endereço para correspondência
SQN 406, Bloco A, Apartamento 101
70847-010 Brasília-DF
E-mail: girleneribeiro@yahoo.com.br

Recebido 14/11/2003
Aceito 10/03/2004

Este trabalho é resultado da dissertação de mestrado da primeira autora, que contou com o apoio financeiro do CNPq

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