SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 issue1Assessment of the attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) in adults: a literature revisionEscala de traços de personalidade para crianças: (ETPC) author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.4 no.1 Porto Alegre June 2005

 

ARTIGOS

 

A importância da avaliação psicológica na saúde

 

The matter of psychological assessment in health

 

 

Cláudio Garcia CapitãoI, 1; Silvana Alba Scortegagna II, 2; Makilim Nunes BaptistaI, 3

I Universidade São Francisco
II Universidade de Passo Fundo

Endereço para correspondência

 


 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apontar a importância da avaliação psicológica no contexto da saúde. A psicologia no campo da saúde vem se constituindo como uma das formas de se compreender o adoecimento e as maneiras pelas quais o homem pode manter-se saudável. Atualmente, a psicologia na saúde ganha espaço e importância em âmbitos multi e interdisciplinares para a compreensão dos vários fenômenos relacionados à saúde e ao adoecimento. Entre seus objetivos, destacam-se a promoção e a proteção da saúde, prevenção e tratamento de enfermidades, identificação de etiologias e disfunções associadas às doenças, bem como propor melhorias no sistema de cuidados e nas políticas públicas de saúde. A avaliação psicológica no contexto da saúde é um dos mais importantes recursos para a sistematização dos vários aspectos do funcionamento dos usuários dos serviços de saúde e na elaboração de protocolos, podendo desempenhar um relevante papel social, como ajudar a documentar a efetividade ou não de um tratamento por que passa um paciente, caracterizar a população atendida, traçar estratégias de intervenção, prevenção e profilaxia no campo da saúde.

Palavras-chave: Avaliação psicológica, Estratégias de intervenção, Protocolos de avaliação, Psicologia na saúde.


ABSTRACT

This article has the purpose of pointing out the importance of the psychological evaluation in the health context. Psychology in the field of health is becoming one of the forms of understanding how one falls sick and the manners through which man could maintain healthy. Presently, psychology gains space and importance in health in multi and interdisciplinary spheres for understanding the several phenomena related to health and falling sick. Among its objectives, we could highlight health promotion and protection, prevention and treatment of diseases, identification of etiologies and dysfunctions associated to diseases, as well as proposing improvements in the care systems and in the public health policies. The psychological evaluation in the health context is one of the most important resources for systematizing the various aspects of the operation of the health service users and in the preparation of protocols, capable of performing a relevant social role, such as assisting in the documentation of the effectiveness or not of a treatment through which a patient is undergoing, characterizing the assisted population, establishing intervention, prevention and prophylaxis strategies for the health field.

Keywords: Psychological evaluation, Intervention strategies, Evaluation protocols, Psychology in health.


 

 

Introdução

A Psicologia na Saúde: um breve histórico

A psicologia no campo na saúde vem se constituindo como uma das formas de se compreender o adoecimento e as maneiras pelas quais o homem pode manter-se saudável. Em um campo não uniforme de teorias e técnicas, cujas contribuições são oriundas de diferentes áreas ou especialidades, a psicologia na saúde vem ganhando espaço e importância em âmbitos multi e interdisciplinares para a compreensão dos vários fenômenos relacionados à saúde e ao adoecimento, bem como vem propondo intervenções para a melhoria e manutenção do bem-estar humano.

Segundo Richmond (1979), a psicologia na saúde surge na década de 70 com o objetivo de responder as novas exigências apresentadas no campo da saúde. Um dos principais desafios até então era a superação do modelo biomédico centrado na doença, já que o comportamento humano se revelava como uma das causas de morbidade e mortalidade. Os principais fatores de risco, responsáveis pela maioria das doenças e mortes prematuras nos Estados Unidos estavam relacionados aos comportamentos de risco, tais como o fumo e o uso abusivo de álcool e drogas, entre tantos outros. Sendo assim, a relação entre causa e efeito implícito nas antigas teorias epidemiológicas começou a enfraquecer, pois as doenças não mais evidenciavam uma origem exclusivamente patogênica. O equivalente ao germe para as novas epidemias, passa a ser a relação do comportamento do sujeito com os fatores ambientais, orgânicos e sociais. Como resultado, o que se conhecia por "vacina", nesse novo contexto, agora estaria relacionado à uma abordagem integral com o objetivo de "imunizar" as doenças relacionadas à etiologias comportamentais (Ribeiro, 1998).

A American Psychological Associacion foi criada na década de 70 com o objetivo de estudar a natureza e a extensão da contribuição dos psicólogos para a investigação básica e aplicada sobre os aspectos comportamentais nas doenças físicas e na manutenção da saúde (APA task force on health research, 1976, p. 263). Após cinco anos, criou-se a divisão de psicologia da saúde da Amerian Psychological Associacion, conhecida como a Divisão 38, com o objetivo de compreender os processos de saúde e doença por intermédio de pesquisa básica e clínica, a fim de promover a integração da comunidade psicológica e biomédica. No início da década de oitenta, começa a ser editado o periódico intitulado Journal of Health Psychology, bem como outros jornais especializados.

Se a primeira revolução da saúde se deu com a descoberta dos microorganismos como fator etiológico de diversas doenças infecciosas, a segunda revolução da saúde, ou seja, a importância dos fatores comportamentais na determinação da doença, foi conseqüência de investigações que, de modo crescente, alertaram para as novas epidemias, e cujos resultados começaram a ser conclusivos e a ganhar notoriedade na década de 70. (Lalonde, 1974; Michael, 1982; Richmond, 1979). Para responder a essa "epidemia comportamental", Lalonde (1974) propôs uma política nacional de saúde voltada para a biologia humana, o meio ambiente, o estilo de vida e a organização dos cuidados de saúde, os quatro pilares constitutivos do campo da saúde.

Esse modelo passa a ser utilizado, em meados do século XX, na análise de diversos estudos das principais causas de morte nos países com alto desenvolvimento econômico. Algumas estimativas de causas de morte apontam que cerca de metade das mortes prematuras podem ser devidas a comportamentos inadequados ou ao estilo de vida, 20% a fatores ambientais, 20% a biologia humana e 10% a cuidados de saúde inadequados (Ribeiro, 1998; Richmond, 1976). Outros fatores como as alterações demográficas, o envelhecimento da população, diversificação da família e a revolução tecnológica vêm contribuindo para a necessidade de formação de profissionais qualificados. Esses novos fatores também acabaram por aumentar os custos e investimentos da assistência à saúde, a aproximação dos serviços de saúde à comunidade e a emergência de uma nova compreensão do conceito de saúde (Ramos, 1988).

Vê-se que a psicologia na saúde é um campo que estuda as influencias psicológicas na saúde, os fatores responsáveis pelo adoecimento, as mudanças de comportamento das pessoas no adoecer (Taylor, 2002). Não se restringe apenas a ambientes hospitalares ou a centros de saúde, mas se dedica também a todos os programas que venham a enfocar a saúde física e mental coletiva (Baptista & Dias, 2003). A psicologia na saúde pode ser compreendida como um domínio da psicologia que utiliza vários conhecimentos resultantes de estudos e de pesquisas psicológicas, com o intuito de promover e proteger a saúde. É também seu objetivo, prevenir e tratar enfermidades, bem como identificar etiologias e disfunções associadas às doenças, além da análise e melhoria do sistema de cuidados de saúde e aperfeiçoamento da política de saúde (Matarazzo, 1982, p. 4).

Segundo a APA (2005), a psicologia na saúde utiliza, cada vez mais, conhecimentos básicos da ciência psicológica e suas extensões no campo da saúde, avaliando o impacto do comportamento na saúde e vice-versa. A relação entre os estudos psicossociais e psicofisiológicos mostra-se um campo promissor nas investigações de manifestações clínicas e suas extensões na compreensão de fenômenos tais como o estresse, repercussões psicológicas pelo contágio do HIV, alcoolismo, doenças ocupacionais, dentre outros, que demandam uma abordagem multifacetada dos problemas de saúde.

A saúde, como abordada anteriormente, pode ser considerada como um estado de completo bem-estar físico, psicológico e social. A psicologia na saúde volta-se para os aspectos psicológicos da saúde no decorrer da vida de uma pessoa, não como variáveis isoladas, mas esferas da vida interdependentes que se influenciam mutuamente. O número e a variedade de intervenções da psicologia na saúde para ajudar as pessoas a enfrentar a dor, a ansiedade, a depressão e outros subprodutos de doenças crônicas, vem aumentando progressivamente. Atualmente, os psicólogos na saúde realizam uma variedade de atividades, incluindo treinamento de residentes e internos, enfermeiros sobre a importância dos fatores psicossociais na adesão e recuperação do paciente e intervenção direta para auxiliar pacientes que estejam sofrendo procedimentos difíceis em relação à sua adaptação às doenças crônicas (Straub, 2005).

A Multideterminação na Saúde

Em geral, fatores psicossociais ou comportamentais exercem sua influência sobre a saúde ou a doença (Krantz, Grunberg, Baum, 1985). Os aspectos emocionais podem ser precedentes do desencadeamento de problemas físicos, bem como enfermidades causadas por agentes orgânicos também podem desencadear reações emocionais diversas. A saúde pode ser influenciada por variadas condições, tais diferenças individuais, traços de personalidade, sistema de crenças e atitudes, comportamentos, redes de suporte social e meio ambiente. Embora a evidência experimental seja ainda inconsistente, em alguns casos, os dados advindos de estudos sobre saúde e comportamento sugerem que os processos psicológicos e os estados emocionais estão diretamente relacionados com a etiologia e a disseminação de doenças (Baum & Posluszny, 1999).

Um dos fenômenos mais estudados recentemente, que envolve a relação entre os aspectos psicológicos, biológicos e sociais, é o estresse. O estresse pode ser considerado um fenômeno resultante da interação entre os aspectos físicos e psicológicos. Selye (1974, 1976), ao explicar a teoria do estresse, refere-se à Síndrome Geral de Adaptação (SGA) como um processo essencial à vida, uma resposta não específica a um estímulo, que inclui as fases de alarme, resistência e esgotamento. O restabelecimento do equilíbrio depende da relação das fases e intensidade dos estímulos, podendo ou não causar danos à saúde (Ribeiro, 1998). Quando o organismo consegue se adaptar e resistir ao estressor, o processo de estresse se interrompe, e não traz prejuízos à saúde do individuo. No entanto, se isso não ocorre, ele avança para fases mais severas e pode comprometer a habilidade do corpo em permanecer em homeostase (Baum & Posluszny, 1999).

O estresse elevado pode contribuir para o aumento na pressão arterial e batimentos, e está associado a mudanças hematológicas que podem contribuir diretamente para doenças cardíacas e hipertensão, como fator de risco ou desencadeador cardíacos (Santagostinho, Amoretti, Frattini, Zerbi, Cucchi, 1996, Krantz & Manuck 1984). O sistema imunológico por meio de uma série de caminhos neurais e hormonais está também relacionado ao estresse, que provoca modificações significativas na variação de neurosubstâncias e, consequentemente das reações emocionais e cognitivas (Besedovsky & Del Rey 1991; Maier & Watkins, 1998). Tais mudanças no sistema imunológico podem ser suficientes para aumentar a vulnerabilidade às infecções ou doenças e estão implicadas na etiologia e progressão de infecções virais, cicatrização de ferimentos, câncer e doença por HIV (Andersen, Kiecolt-Glaser, Glaser, 1994; Baum & Nesselhof, 1988; Cohen & Williamson, 1991; Kiecolt-Glasser, Stephens, Lipetz, Speicher, Glaser, 1985).

Comportamentos saudáveis como dietas balanceadas e exercícios podem ajudar a minimizar condições subjacentes às doenças cardiovasculares e cânceres e são freqüentemente citados como comportamentos protetores. Já o uso de tabaco e abuso de álcool estão associados às mudanças biológicas nos pulmões, coração e outros sistemas corporais que predispõem à doenças, sendo comportamentos que deterioram a saúde. Assim, o uso de drogas, a atividade sexual de alto risco e outros comportamentos potencialmente prejudiciais são importantes mediadores de processos de doença (Baum & Posluszny, 1999). Os dados de pesquisas epidemiológicas têm chamado a atenção de profissionais e pacientes para a importância de hábitos e para o estilo de vida (Ribeiro, 1998). A modificação de alguns comportamentos, tais como, deixar de fumar, cuidar da alimentação, controlar o estresse, praticar atividades físicas regularmente, dormir um número de horas adequado, verificar periodicamente a saúde, reduzem a mortalidade.

Em síntese, pode-se dizer que a boa nutrição, a boa forma, o ato de beber com responsabilidade e o controle saudável do peso corporal, do estresse e dos relacionamentos sociais são tarefas para toda a vida, que devem começar bem cedo. Dessa maneira, prevenir o desenvolvimento de maus hábitos de saúde continuará a ser prioridade da psicologia na saúde. Pesquisas futuras poderão indicar as intervenções mais eficazes para atingir o maior número de pessoas no local de trabalho, em escolas e universidades e na comunidade (Straub, 2005).

A elaboração de modelos de influência saúde-comportamento está em desenvolvimento para explicar a relação de alguns problemas de saúde física e mental, como por exemplo, o câncer e as doenças relacionadas ao estresse (Andersen & cols., 1994). Evidências relacionando partes-chave desses modelos foram relatadas, e embora não sejam completas em muitos casos, ainda assim apóiam a idéia de que as variáveis de comportamento afetam a saúde e a doença (Baum & Posluszny, 1999). Em 80% dos artigos publicados em 2002 na Health Psychology (citado por Montomery, 2004) foram mencionados que os fatores cognitivos e comportamentais são fundamentais para predição de comportamento de saúde. A utilização de intervenções baseadas em modificações cognitivas em saúde vem resultando em intervenções inovadoras e efetivas na promoção da saúde.

Nos últimos 30 anos, diversas abordagens psicológicas vêm sendo aplicadas a uma variedade de doenças e condições como o câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, HIV, obesidade, abuso de substância, gravidez (Baum, Gatchel & Krantz, 1997; Montomery, 2004). A psicologia na saúde objetiva o aperfeiçoamento da saúde, a prevenção e o tratamento de doenças. Muitas práticas clínicas buscam não apenas modificar o ambiente dos pacientes e sua resposta a estímulos, mas também a mudança de seus pensamentos, crenças, sentimentos e atitudes em relação à saúde. Se o paciente sabe, por exemplo, que suas crenças estão levando a emoções e a comportamentos desadaptados e propiciadores de doenças, ele tem a chance de atuar no sentido de amenizar tal influência (Baptista e Dias, 2003).

Nesse sentido, a importância da avaliação psicológica do paciente, em contextos de saúde humana, torna-se fundamental. O processo de avaliação, além de voltar-se para a natureza da solicitação e das condições do paciente deve adequar-se às características do ambiente (ambulatórios, enfermarias) que nem sempre são muito adequadas. A escolha de instrumentos, como, por exemplo, entrevistas, protocolos, questionários, testes psicológicos psicométricos, projetivos e técnicas de observação, deve ser adequada e bem planejada, sob o risco de prejudicar a avaliação.

A Relevância da Avaliação Psicológica na Saúde

A avaliação psicológica em ambientes médicos pode ser considerada como uma adequada ferramenta na apropriação de decisões a respeito do diagnóstico diferencial, tipo de tratamento necessário e prognóstico. A detecção precoce de problemas comportamentais e/ou distúrbios psicológicos/psiquiátricos em pacientes inseridos em ambientes médicos pode significar um grande diferencial com relação ao tipo e qualidade do atendimento oferecido ao paciente, bem como diminuição do sofrimento e de custos operacionais institucionais, sendo que a avaliação psicológica não necessariamente deve estar ligada somente a pacientes hospitalizados, mas também a diversos espaços e especialidades em saúde, tais como clínicas particulares de especialidades ou centros de saúde (Stout & Cook, 1999).

Levando-se em consideração a complexidade dos ambientes médicos, a avaliação psicológica deve ser alicerçada em um corpo de conhecimento acumulado por intermédio do binômio prática/pesquisa, por isso a importância do contínuo desenvolvimento de pesquisas para a criação de protocolos específicos de avaliação psicológica em diferentes nichos nos vários ambientes de saúde (Baptista & Dias, 2003; Belar, 1997). Pesquisas em psicologia da saúde e medicina comportamental, principalmente as internacionais, vem crescendo exponencialmente nas últimas três décadas (Montgomery, 2004).

A avaliação psicológica está baseada no método científico e a aplicação de instrumentos psicológicos é uma parte apenas, porém importante, de todo um processo. Noronha (1999) relata a avaliação psicológica como um processo que pode (ou não), incluir testes padronizados como um dos recursos para atingir seus objetivos. Nela estão envolvidos a coleta das informações, os instrumentos e as diversas formas de medidas para que se possa chegar a uma conclusão. Ou seja, o processo de avaliação psicológica pode incluir diferentes procedimentos de medidas, identificar dimensões específicas do sujeito, do seu ambiente e da relação entre eles.

Portanto, cada procedimento de medida, como explica Pasquali (2001), ou de investigação, requer um resultado síntese, que não pode ser confundido com o resultado final, pois este está relacionado com a análise de todos os dados colhidos durante o processo. Os testes psicológicos, como lembram Anastasi e Urbina (2000), podem ser considerados essencialmente como uma medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento. Eles não medem diretamente as capacidades e funções, mas amostras que devem representar adequadamente o fenômeno estudado. São, na realidade, semelhantes a qualquer outro teste científico, uma vez que por meio de uma pequena amostra, mas cuidadosamente escolhida, são realizadas as observações do comportamento da pessoa. Assim, como instrumentos de medida, devem apresentar certas características que possam justificar como confiáveis os dados que por eles foram produzidos.

Apesar da confusão entre avaliação psicológica e aplicação de instrumentos, existente na população leiga e mesmo entre alguns profissionais, a avaliação deve sempre manter um compromisso ético e humanitário, que leva obrigatoriamente a compreender as técnicas utilizadas, suas funções, vantagens e limitações. O seu objetivo não é o de dar um simples rótulo, mas, sim, descrever, por meio de técnicas reconhecidas e de uma linguagem apropriada, a melhor compreensão de alguns aspectos da vida de uma pessoa, ou de um grupo (Tavares, 2004).

No contexto da saúde, a avaliação psicológica vem ao encontro da formulação atual do conceito de saúde e das causas das doenças. A saúde não é considerada apenas como uma ausência de sintomas, pois, uma pessoa pode estar gravemente enferma sem apresentar qualquer sintomatologia. Por outro lado, as doenças, atualmente, não são consideradas como possuindo uma única determinação, mas sim, são multideterminadas. Não existem duas psicologias, uma psicologia da saúde e uma psicologia da doença. Na realidade, quando se refere à psicologia na saúde, a expressão engloba a vivência de uma pessoa também no seu processo de adoecimento. Assim, toda doença tem aspectos psicológicos e que envolve múltiplos fatores a serem avaliados, tais como estilo de vida, hábitos, cultura, mitos familiares (Straub, 2005).

A psicologia na saúde está baseada em evidências e vem ganhando importância nos meios científico, confirmando resultados práticos da atuação deste profissional, principalmente em países desenvolvidos. Gildron (2002) aponta para o desenvolvimento de ensaios clínicos randomizados com o intuito de demonstrar a eficácia das avaliações e, conseqüentemente, das intervenções de psicólogos em ambientes médicos, enfatizando a utilização de ferramentas de avaliação baseadas em estudos de validade e precisão mais elaborados, o que evitaria a avaliação baseada somente na intuição clínica.

O desenvolvimento de protocolos de avaliação de pacientes é fundamental para o desenvolvimento de guias de tratamento mais eficientes. Como bem assinalam Belar e Deardorff (1995), o tipo de serviço prestado, o objetivo do profissional, bem como o setor em que se situa o profissional são algumas das variáveis que influenciarão diretamente a forma como o psicólogo desenvolverá seu protocolo de avaliação psicológica. De maneira geral, as informações necessárias para uma avaliação minimamente adequada estão relacionadas ao estado geral do paciente, as mudanças que ocorreram desde o início da doença e o histórico passado, principalmente aquele relacionado ao enfrentamento de situações de doença anteriores.

A avaliação proposta também deve levar em consideração as peculiaridades do sistema de saúde, bem como os suportes sociais/familiares que o paciente vem recebendo, a fim de contextualizar o tipo de avaliação psicológica e, conseqüentemente o tipo de intervenção mais específica. Apesar das diferentes visões que vários autores possuem sobre os objetivos e passos de uma avaliação psicológica em ambientes de saúde, Belar e Deardorff (1995) relatam um modelo das principais metas de avaliação de um psicólogo da saúde em ambientes hospitalares, divididos em domínios (biológico/físico, afetivo, cognitivo e comportamental) em unidades (paciente, família, sistema de saúde e contexto sociocultural) e relatados de forma simplificada a seguir:

• Metas biológicas - avaliação de aspectos tais como natureza, localização, freqüência dos sintomas, tipos de tratamento recebido e suas características (ex. altamente invasivos), informações de sinais vitais e exames (ex. presença de álcool no sangue), além de informações genéticas e procedimentos médicos anteriores à internação;

• Metas Afetivas - avaliação sobre os sentimentos do paciente sobre a doença, tratamento, futuro, limitações e histórico de variações de humor;

• Metas Cognitivas - conhecimento do paciente sobre o quadro e a situação de saúde, manutenção de funções como percepção, memória, inteligência, tipo de padrões de avaliação da situação (crenças), percepção de controle da situação (lócus de controle), capacidade de avaliação de custo/benefício de opções de tratamentos, expectativas sobre intervenções;

• Metas comportamentais - reações do paciente, tais como expressões faciais, sinais de ansiedade (postura, contato), estilos de comportamento frente à internação (hostil, ansioso) e hábitos de risco ou protetores.

Para o registro das informações citadas anteriormente, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) agrupam as vantagens e desvantagens de diferentes tipos de estratégias que podem ser utilizadas na obtenção dos dados, por intermédio de questionários, diários, observações, medidas psicofisiológicas, dados de prontuários e instrumentos com qualidades psicométricas. Nesse sentido os questionários podem ser de grande valia na economia de tempo e/ou como direcionadores em entrevistas mais específicas; os diários são importantes na recuperação de informação sobre comportamentos e pensamentos relacionados à saúde e podem ser utilizados com linhas de base, apesar de serem questionados sobre as qualidades psicométricas. As observações podem ser realizadas de forma estruturada durante as visitas ou superestruturada, com situações de role-playing filmadas; já as medidas psicofisiológicas são adequadas quando do uso de técnicas de biofeedback. Os dados de prontuários, apesar de serem muito úteis devem ser vistos com muita cautela, já que dependem da cultura do hospital/país e profissionais em operacionalizarem detalhadamente as informações sobre o paciente. Para Matarazzo (1990), a avaliação psicológica é mais adequada quando envolve não somente o uso de testes psicológicos. Ela deve ser complementada por entrevistas clínicas direcionadas ao problema, observações sistemáticas do comportamento, troca de informações com equipe de saúde (enfermeiras, médicos, terapeutas ocupacionais, etc), dentre outras estratégias.

Por último, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) relatam sobre a importância da utilização de instrumentos com qualidades psicométricas comprovadas. Pode-se ainda dividir alguns instrumentos em amplo e estreito espectro, sempre levando em consideração algumas variáveis tais como o objetivo da avaliação psicológica, contexto em que se insere, tempo disponível do profissional e paciente, treinamento do profissional, características do quadro do paciente, dentre outras.

As medidas de amplo espectro se referem a instrumentos que possuem por objetivo avaliarem características da personalidade do paciente, tais como o Sixteen Personality Factor Inventory (16 PF), Minnesotta Multiphasic Personality Inventory (MMPI), Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI), Symptom Check List-90 Revised (SCL-90-R), sendo que alguns destes possuem qualidades psicométricas adequadas para a população brasileira e outros ainda não possuem ou estão em estudo. Já os instrumentos de estreito espectro seriam aqueles mais específico para uma determinada condição ou situação, tais como o Beck Depression Inventory (BDI), Hospital Anxiety and Depression Scale (HAD), Mini-Mental-State Exam (MMS), Family Environment Scale (FES), Multidimensional Health Locus of Control (MHLC), Câncer Inventory of Problem Situations (CIPS), dentre outros, sendo que, da mesma forma, alguns já estão adaptados para a cultura brasileira e outros não estão ou estão sendo estudados por pesquisadores/equipes especialistas em avaliação psicológica.

Protocolos de avaliação psicológica em ambientes da saúde podem ser considerados como guias de avaliação específicos para especialidades e serviços com características próprias. Nos casos de atendimentos pré e pós-operatórios de serviços como o gastrologia, mais direcionado à obesidade mórbida ou mesmo acompanhamento de obesos em SPAS, avaliação e acompanhamento de pacientes com transtornos de humor, em nível ambulatorial ou enfermaria, condições psicológicas secundárias à presença de doenças, desordens psicofisiológicas associadas a problemas de saúde, avaliações relacionadas à questão da adesão ao tratamento; doenças consideradas de cunho psicossomático, programas de avaliação para auxiliar pacientes e familiares a desenvolverem estratégias de enfrentamento de doenças crônicas, modificação de comportamentos de risco em detrimento de diagnóstico de doenças específicas, avaliação e acompanhamento de mães com bebês de alto-risco internados em UTI Neonatal, dentre outras possibilidades (Baptista & Dias, 2003; Stout & Cook, 1999).

A avaliação psicológica no contexto da saúde possui alguns objetivos. Entre eles pode-se destacar a sistematização das informações dos vários aspectos do funcionamento do paciente, como dados perceptuais, motores e funcionamento. Formas objetivas de se obter informações sem a necessidade de avaliação essencialmente subjetiva, a fim de elucidar hipóteses que são necessárias para a intervenção. Os testes mais utilizados em ambientes médicos são aqueles que avaliam funções intelectuais, escalas auto-administradas (quando possível), inventários de personalidade, testes projetivos (quando cabível), além dos testes neuropsicológicos que muitas vezes são utilizados para realizar um diagnóstico diferencial. No entanto, a utilização de testes nem sempre é necessária, principalmente em casos em que o diagnóstico se mostra claramente aos profissionais ou casos em que os níveis de funcionamento do paciente estão evidentemente relacionados a estressores específicos do ambiente de saúde ou estado do paciente (Spikoff & Oss 1995).

Os protocolos de avaliação psicológica em ambientes médicos também devem ser pensados não somente em termos de quais medidas serão avaliadas ou testadas em determinadas situações, mas é importante levar em consideração que há uma inter-relação entre condições crônicas de saúde, intervenções farmacológicas, fatores psicológicos, sociais e econômicos associados a uma investigação compreensiva para a identificação das causas do problema do paciente. Sendo assim, a qualidade da avaliação depende, em grande parte, da habilidade do avaliador em recolher e contingenciar as diversas variáveis relativas ao estado de saúde (Schneider & Amerman, 1997). Neste sentido deve-se tomar um cuidado extra para não transformar protocolos de avaliação em formas "enfaixadas" de avaliação, as quais, de forma contrária, ao invés de propiciarem linhas guias para o tratamento, acabam por limitar a compreensão do problema.

 

Considerações Finais

A psicologia na saúde reconhece que o ser humano está em permanente mudança em decorrência da variação de fatores orgânicos, ambientais e psicossociais e tem enfatizado cada vez mais seu papel ativo no processo saúde-doença. Por ser a saúde e a enfermidade entendidas como determinadas por múltiplos fatores etiológicos - genéticos, bioquímicos, comportamentais/psicodinâmicos e socioambientais que podem interagir de modos complexos e que sua compreensão requer um entendimento sofisticado e não apenas especializado das relações entre esses fatores, justifica-se a construção, validação e aplicação de instrumentos psicológicos que possam aprimorar a avaliação psicológica no contexto da saúde.

A saúde não se resume à ausência de doença e ao bem-estar físico, mas um estado multidimensional que envolve três domínios: a saúde física, psicológica e social. A saúde física implica ter um corpo não apenas livre de doenças, mas também envolve hábitos relacionados ao comportamento e ao estilo de vida. Em seu outro domínio, a saúde social engloba as boas habilidades interpessoais, relacionamentos com amigos e família e atividades socioculturais. A saúde psicológica engloba, apesar das variações culturais, a capacidade de pensar de forma clara e objetiva, possuir uma auto-estima adequada e consciência de bem-estar. Nela pode-se incluir a criatividade, as habilidades intelectuais e a estabilidade emocional, caracteriza-se pela abertura às inovações e, ao mesmo tempo, pela presença de uma estrutura e funcionamento estável da personalidade. A psicologia na saúde tem como campo de pesquisa e de intervenção a interface dos três domínios, objetivando o estado completo de bem-estar físico, mental e social.

 

Referências

American Psychological Association (2005). Health Psychology: division 38. Disponível em 02/05/2005 em http://www.health-psycho.org/.        [ Links ]

Anastasi, A. & Urbina, S. (2000). Testagem psicológica. (7ªed.). Porto Alegre: Artes Médicas.        [ Links ]

Andersen, B.L., Kiecolt-Glaser, J.K., Glaser, R. (1994). A biobehavioral model of cancer stress and desease course. Am. Psychol. 49(5), 389-404.        [ Links ]

APA task force on health research (1976). Contributions of psychology to healt research: patterns, problems and potentials. Americam Psychologist, 31,263-274.        [ Links ]

Baptista, M.N., & Dias, R. R. (Orgs). (2003). Psicologia Hospitalar: teoria, aplicações e casos clínicos. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan.        [ Links ]

Baum, A. & Nesselhof, S.E. (1988). Psychological research and the prevention, etiology and treatment of AIDS. Am. Psychol. 43(11), 900-6.        [ Links ]

Baum, A., Gatchel, R.J. & Krantz, D. (1997). An Introduction to Health Psychology. New York: McGraw-Hill.        [ Links ]

Baum, A. & Posluszny, D.M. (1999). Health Psychology: mapping biobehavioral contributions to health and illness. Annual Reviews Psychology, 50: 137-163.        [ Links ]

Belar, C. D. & Deardorff, W. W. (1995). Clinical Health Psychology Assessment. Em: C. D. Belar & W. W. Deardorff, Clinical Health Psychology in Medical Settings: a practitioner´s guidebook. APA: Washington.        [ Links ]

Belar, C. D. (1997). Clinical Health Psychology: a specialty for the 21 st century. Health Psychology, 16(5), 411-416.        [ Links ]

Besedovsky, H.O., & Del Rey, A. (1991). Physiological implications of the immune-neuro-endocrine network. Em: R. Ader, D.L. Felten, & N. Cohen (Eds.) Psychoneuroimmunology 2nd edition (pp. 589-608). San Diego, California: Academic Press.        [ Links ]

Cohen, S., Williamson, G.M. (1991). Stress and Infectious Desease in Humans. Psychol. Bull, 109(1), 5-14.        [ Links ]

Gildron, Y. (2002). Evidence-Based Health Psychology: racionale and support. Psicologia, Saúde & Doenças, 3(1), 3-10.        [ Links ]

Karel, M. J. (2000). The Assessment of Values in Medical Decision Making. Journal of Aging Studies, 14, n° 4, 403-423.        [ Links ]

Kiecolt-Glasser, J.K., Stephens, R.E., Lipetz, P.D., Speicher, C.E., Glaser, R. (1985). Distress and DNA Repair in Human Kymphocytes. J. Behav. Med. 8(4), 311-20.        [ Links ]

Krantz, D.S. & Manuck, S.B. (1984). Acute Psychophysiologic Reactivity and Risk of Cardiovascular Disease: a Review and Methodologic Critique. Psychol. Bull. 96(3), 435-64.        [ Links ]

Krantz, D.S., Grunberg, N.E., Baum, A. (1985). Health Psychology. Annu. Rev. Psychol. 36, 349-83.        [ Links ]

Lalonde, M. (1974). A new Perspective on the Health of Canadians. Ottawa: Minister of National Health and Welfare.        [ Links ]

Matarazzo, J. (1990). Psychological Assessment versus Psychological Testing: Validation from Binet to the School, Clinic and Courtroom. American Psychologist, 45, 999-1017.        [ Links ]

Matarazzo, J.D. (1982). Behavioral Health's Challenge to Academic Scientific and Professional Psychology. American Psychologist, 37 (1),1-14.        [ Links ]

Maier, S.F. & Watkins, L.R. (1998). Cytokines for Psychologists: Implications of Bi-Directional Immune-to-Brain Communication for Understanding Behaviour, Mood and Cognition. Psychol Rev 105, 83-107.        [ Links ]

Michael, J. (1982). The Second Revolution in Health: Health Promotion and its Environmental Base. American Psychologist, 37 (8), 936-941.        [ Links ]

Montgomery, G. H. (2004). Cognitive Factors in Health Psychology and Behavioral Medicine. Journal of Clinical Psychology, 60, n° 4, 405-413.        [ Links ]

Noronha, A. P. P. (1999). Avaliação Psicológica Segundo Psicólogos: Uso e Problemas com Ênfase nos Testes. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo.        [ Links ]

Pasquali, L. (Org.). (2001). Técnicas de Exame Psicológico - TEP. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Ramos, V. (1988). Prever a Medicina das Próximas Décadas: que Implicações para o Planejamento da Educação Médica? Acta Médica Portuguesa, 2, 171-179.        [ Links ]

Ribeiro, J.L.P. (1998). Psicologia e Saúde. Lisboa.        [ Links ]

Richmond, J. (1979). Healthy People: the Surgen General's Report on Health Promotion and Disease Prevention. Washington: U.S. Departmento of Health, Educacion, and Welfare.        [ Links ]

Santagostinho, G., Amoretti, G., Frattini, P., Zerbi, F., Cucchi, M.L. (1996). Catecholaminergic, Neuroendocrine and Anxiety Responses to Acute Psychological Stress in Heathy Subjects: Influence of Alphazolam Administration. Neuropsychobiology, 34(1), 36-43.        [ Links ]

Schneider, B. & Amerman, E. (1997). Clinical Protocols: Guiding case Management Assessment and Care Planning. Generations, 21(1), 68-73.        [ Links ]

Selye, H. (1974). Stress Sans Détress. Ottawa: La Press.        [ Links ]

Seyle, H. (1976). The Stress of Life. New York: McGraw-Hill.        [ Links ]

Spikoff, M. & Oss, M. E. (1995). Value Behavioral Health´s Protocols for Psychological Testing. Behavioral Health Management, 15(5), 27-30.        [ Links ]

Stout, C. E. & Cook, L. P. (1999). New Areas for Psychological Assessment in General Health Care Settings: what to do today to prepare for tomorrow. Journal of Clinical Psychology, 55(7) 797-812.        [ Links ]

Straub, R.O. (2005). Psicologia da Saúde. Porto Alegre: Artmed.        [ Links ]

Tavares, M. (2004). Validade Clínica. Psico-USF, 8(2), 125-136.        [ Links ]

Taylor, S.E. (2002). Health Psychology. 5(th) ed New York: McGraw-Hill.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
13251-900 Itatiba-SP
Tel.: +55-11 4534-8040
E-mail: claudio.capitao@saofrancisco.edu.br

 

 

Sobre os autores:

1 Cláudio Garcia Capitão, docente do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco - Itatiba/SP.
2 Silvana Alba Scortegagna, docente na Universidade de Passo Fundo/RS, doutoranda em Psicologia na Universidade São Francisco -Itatiba/SP.
3 Makilim Nunes Baptista, docente do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco - Itatiba/SP.

Creative Commons License