SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número2Estudo de validade da escala de desempenho em informática educacional para professores índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.4 n.2 Porto Alegre nov. 2005

 

ARTIGOS

 

Tempos de reação e inteligência: a robustez dos dados face à fragilidade da sua interpretação

 

Reaction time and intelligence: strong data for a week explanation

 

 

Rui Bártolo Ribeiro I,1; Leandro S. Almeida II2

I Centro de Psicologia da Força Aérea Portuguesa / Instituto Superior de Psicologia Aplicada
II Universidade do Minho

 

 


RESUMO

O tempo de reação em tarefas simples e tarefas complexas correlaciona-se estatisticamente com os resultados em testes de inteligência. Sujeitos com maior capacidade intelectual apresentam tempos de reação mais breves, especialmente em tarefas complexas envolvendo escolha. Estes dados foram observados numa amostra de 300 candidatos numa situação real de seleção profissional envolvendo a utilização das Matrizes Progressivas de Raven (versão standard). Ainda que a literatura na área interprete as diferenças individuais nos tempos de reação como reflexo das componentes centrais de processamento de informação, sugerindo por exemplo que a memória a curto prazo modera a correlação entre inteligência e tempos de reação, tentamos neste artigo introduzir fatores não cognitivos associados à tomada de decisão na explicação desses mesmos coeficientes.

Palavras-chave: Velocidade de processamento da informação, Tempo de reação, Inteligência, Memória a curto prazo.


ABSTRACT

The reaction time on elementary and complex cognitive tasks is statistically correlated with intelligence tests. Subjects with higher cognitive capacity present shorter reaction times, namely in more complex tasks involving choice. These data have been confirmed on a sample of 300 candidates in a professional selection situation that included Raven Progressive Matrices (standard version). Even though literature analyses the individual differences in reaction time as reflecting central components of information processing, for example, suggesting that short-term memory mediates the relationship between intelligence and reaction time, in this study we will try to introduce non cognitive factors on decision making to explain these correlation coefficients.

Keywords: Processing speed, Reaction time, Intelligence, Short-term memory.


 

 

Introdução

No quadro das teorias cognitivistas da inteligência ou teorias do processamento da informação, um dos modelos consolidados envolve a análise dos tempos dispendidos pelos sujeitos na realização das tarefas. Métodos componenciais foram usados para decompor as analogias e os silogismos, entre outras tarefas clássicas na avaliação da inteligência, nas várias funções cognitivas usadas pelos sujeitos na sua resolução (Sternberg, 1977; Hunt, 1978). Por meio dessa segmentação procurou-se estimar quais as componentes relevantes na resolução das tarefas e o seu peso efetivo, avaliando-se este através do tempo e do erro que traziam ao desempenho. A manipulação do formato das tarefas e do volume de informação disponível e a processar, permitia, por meio de um método aditivo-subtrativo, inferir tais componentes e sua respectiva importância (Sternberg, 1966). Próximo deste modelo, temos os estudos com os tempos de reação em tarefas cognitivas relativamente simples, por exemplo apertar um botão face a um som grave ou informar se duas letras são idênticas ou diferentes do ponto de vista semântico (vogal e consoante) ou físico (minúsculas e maiúsculas). Buscando-se os correlatos da mente ou da cognição, pretende-se verificar em que medida sujeitos mais e menos capazes do ponto de vista intelectual (por norma recorrendo-se a testes de QI ou testes de fator g) se diferenciam nos tempos gastos e, se possível, interpretar tais diferenças em termos da capacidade e das estratégias usadas.

A velocidade de processamento da informação aparece como indicador da capacidade intelectual dos indivíduos desde os primórdios da psicologia científica, sobretudo com os trabalhos laboratoriais em torno das tarefas simples e complexas de reação (Hick, 1952; Hyman, 1953). A simples presença ou ausência de um estímulo a assinalar com uma única resposta tipifica as "tarefas simples"; a existência de graus, formatos ou tipos diversos de estímulos exigindo respostas diferenciadas por parte do sujeito tornam as "tarefas complexas" (Jensen, 1979a). Esta complexidade, traduzida na inspeção do estímulo, sua codificação, diferenciação e associação a um determinado padrão de resposta, irá requerer mais tempo para o seu processamento e resposta.

Tomando as investigações disponíveis, os resultados sugerem correlações negativas e estatisticamente significativas entre tempos de reação em tarefas simples e os níveis de inteligência avaliados através dos testes psicológicos (Jensen, 1979b; Jensen & Munro, 1979; Deary, Der & Ford, 2001). Sujeitos mais hábeis do ponto de vista cognitivo realizam tais tarefas de uma forma mais rápida e eficiente, generalizando-se esse padrão de resultados a diferentes grupos humanos (Deary & cols., 2001). As correlações ganham ainda maior relevância estatística quando os estudos envolvem os tempos de reação em tarefas mais complexas (Necka, 1992; Vernon & Weese, 1993).

Apesar dos resultados das correlações encontradas parecerem bastante consistentes, é verdade, também, que tais estudos têm provocado muita controvérsia. Desde logo, é difícil explicar tais correlações e as suas implicações para a definição de inteligência. Uma leitura estritamente neurológica parece pouco adequada dada a presença de variáveis associadas ao treino, às estratégias e à metacognição dos sujeitos (Boris, MacLeod & Forrin, 1993; Longstreth, Walsh, Alcorn & Szzeeszulski, 1986; Lindley, Wilson, Smith & Bathurst, 1995). Aliás, tem-se verificado que a relação entre os níveis de correlação obtidos e a complexidade das tarefas não é linear. Se as correlações aumentam à medida que elevamos a complexidade das tarefas, é certo também que, a partir de um determinado nível de complexidade, os coeficientes de correlação deixam de aumentar (Jensen, 1993). Este dado parece sugerir que as correlações são mais elevadas quando a complexidade cognitiva inerente às tarefas se aproxima do limiar de capacidade de memória de trabalho dos sujeitos, isto é, quando ficam justamente aquém de provocar uma sobrecarga da informação a processar na memória de trabalho.

As condições metodológicas dos estudos são a principal fonte de discórdia. Os coeficientes de correlação são mais elevados quando se recorre a testes de inteligência com limite do tempo de aplicação (Vigneau, Blanchet, Loranger & Pépin, 2002) ou quando as amostras integram sujeitos bastante diferenciados em termos cognitivos, por exemplo incluindo indivíduos portadores de deficiência mental (Grudnik & Kranzler, 2001; Irwin, 1984; Longstreth & cols., 1986; Nettelbeck, 1982; Vernon, 1986).

A teoria da capacidade limitada da memória a curto prazo é uma das explicações alternativas. O paradigma de Hick parece decorrer desse fato. As tarefas cognitivas requerem que os sujeitos retenham e processem a informação em termos de memória de trabalho. A velocidade e/ou a eficiência com que a informação é processada na memória de trabalho é fundamental para resultado final da execução da tarefa, pois, de outro modo, verificar-se-á falta de espaço de memória para o processamento cíclico da informação (Vernon, 1983a, 1983b). Também por isso se pode justificar que as correlações entre tempos de reação e inteligência aumentem na passagem de tarefas simples para tarefas complexas. Níveis superiores de inteligência podem tornar o sujeito mais hábil no uso de estratégias eficazes para lidar concomitantemente com maiores quantidades de informação e com o seu processamento (Fink & Neubauer, 2005; Miller & Vernon, 1992; Necka, 1992). Esta leitura parece bastante de acordo com os autores que mencionam a existência de um "executivo central" inerente a toda a cognição, mais concretamente uma estrutura neurológica de ativação e atenção que asseguraria um fluxo organizado da informação na memória de trabalho (Baddeley, 1996; Hunt, 1999; Miller & Vernon, 1992).

Neste estudo é tomada em consideração a dificuldade/complexidade dos itens de uma prova cognitiva (Matrizes Progressivas de Raven - versão Standard) realizada por três grupos com diferente capacidade mental geral. Os conceitos de dificuldade e complexidade aparecem interligados, podendo ser considerados como os dois lados de uma moeda que se inter influenciam mutuamente. A dificuldade dos itens corresponderá à probabilidade de serem respondidos corretamente. Um item com elevada percentagem de respostas corretas é considerado um item fácil. A complexidade torna-se mais difícil de operacionalizar. A maioria dos estudos nesta área aborda a complexidade da tarefa pelo somatório de operações cognitivas fundamentais a efetuar (Sternberg, 1977), podendo-se afirmar, por exemplo, que uma tarefa com 24 peças de Lego é mais complexa que outra construção com 12 peças. Isso não significa, porém, que uma seja mais difícil que a outra, já que ambas podem ter idêntica probabilidade de serem resolvidas corretamente dentro do tempo que lhes foi atribuído. Se, por critério de complexidade da tarefa, tomarmos a quantidade de componentes cognitivos elementares envolvidos, torna-se difícil uma descrição exaustiva dos componentes cognitivos que entram na realização de qualquer teste de inteligência. Neste estudo, a complexidade da tarefa vai ser operacionalizada por meio do tempo gasto na sua resolução, ou seja o tempo de latência (Schweizer, 1996; Sternberg, 1977), supondo-se que, quanto maior o tempo gasto na resolução do item, maior será o número de componentes cognitivos elementares envolvidas. Por outro lado, o aumento de complexidade está diretamente relacionado com as limitações do sistema de processamento de informação, em particular com as limitações da memória de trabalho (Schweiser, 1996), afetando o tempo necessário e a probabilidade de acerto na resolução de um problema. Com este artigo, mais que buscar uma explicação para o fenômeno, pretendemos verificar como a relação entre a rapidez e a exatidão das respostas se altera em função de outras variáveis, especialmente, a complexidade da tarefa, limitação do tempo da prova e a capacidade intelectual dos sujeitos.

 

Método

Participantes

Foram utilizados os resultados de 300 candidatos a condutores de veículos pesados de passageiros. A média de idades é de 27 anos (DP=6,63), sendo 58% do sexo masculino e 42% do sexo feminino. Dos 300 sujeitos, 77% possui até o 12º ano de escolaridade.

Instrumento

Utilizou-se a versão computadorizada do teste das Matrizes Progressivas de Raven na sua versão Standard (MPR-S), operado na plataforma Viena Test System, com um tempo limite de 30 minutos. As MPR-S são compostas por 5 séries de doze itens, sendo o grau de complexidade progressivo em cada série e ao longo das várias séries. Contudo, os primeiros itens de cada série são menos complexos que os últimos da série anterior. Na versão informatizada o sujeito não tem a percepção do número de séries, porque os 60 itens são apresentados sequencialmente sem ser dada qualquer indicação de mudança de série. Em termos globais, foram consideradas duas variáveis: o número de respostas corretas (RC) e o tempo gasto em segundos nos itens respondidos corretamente num primeiro ensaio (TEMP).

Procedimento

Os 300 participantes eram candidatos em contexto real de seleção para condutores de veículos pesados de passageiros de uma empresa de transportes público. Realizaram a prova MPR-S inserida numa bateria de testes específica para essa função. A seqüência das provas na bateria foi mantida constante para todos os sujeitos e as instruções da MPR-S constavam da aplicação informatizada do próprio teste, sendo idênticas para todos, embora o tempo de leitura das mesmas fosse controlado pelos próprios candidatos.

 

Resultados

Na Tabela 1 apresentamos os resultados obtidos na amostra (n=300) tomando o número de acertos (RC) e o tempo gasto em segundos (TEMP). Estes dois indicadores do desempenho dizem respeito à totalidade do teste.

 

 

A distribuição de resultados para a variável RC aponta para uma assimetria negativa (skewness/E.-P.= -6,74) e uma distribuição leptocúrtica (curtose/ E.-P. da curtose = 3,38). A distribuição dos resultados na variável TEMP aproxima-se da distribuição normal, tendo sido obtido um coeficiente de 0,038 (p=0,200) no teste Kolmogorov-Smirnov. Foi calculado o alpha de Cronbach para determinação da consistência interna das duas variáveis, tendo sido obtido um valor de 0,867 para a variável RC e 0,729 para a variável TEMP. Apesar de a consistência interna da variável TEMP ser mais fraca, está acima de 0,70, valor considerado como suficiente para a maioria das medidas utilizadas em psicologia do trabalho e das organizações (Aguinis, Henle & Ostroff, 2001).

Na Figura 1 apresentamos o número de acertos em cada item ao longo da prova. De um modo geral, observa-se um padrão idêntico dentro de cada uma das cinco séries de 12 itens. Os primeiros itens de cada série apresentam um número de respostas corretas superior aos últimos da série anterior, e, à medida que se avança na série, o número de respostas corretas vai diminuindo.

 

Figura 1. Número de Respostas Corretas aos Itens ao Longo
Das Séries e Dentro de Cada Série.

 

Para testar a hipótese de que os tempos gastos na resolução de cada item variam na razão inversa do número de respostas corretas, efetuamos a correlação entre estas duas variáveis. A correlação obtida (r=-0,923; p<0,000) é reveladora da forte interligação entre elas e está graficamente representada na Figura 2.

Não obstante a correlação ser muito elevada, o fato de uma das variáveis (RC) não ter uma distribuição normal, poderá provocar alguns vieses no cálculo do coeficiente de correlação. Como se pode verificar na Figura 2, mais de 2/3 da amostra responde corretamente a cerca de 45 dos 60 itens da prova, havendo apenas praticamente 15 itens em que isso não ocorre. Ainda é possível verificar que existem itens com o mesmo índice de dificuldade (idêntico número de respostas corretas) mas com diferentes tempos médios de latência, o que poderá traduzir graus diferentes de complexidade.

 

Figura 2. Dispersão dos Itens Pelo Número de Respostas Corretas e Pelas Médias dos Tempos de Latência

 

Para analisar as diferenças de velocidade no processamento de informação dos sujeitos segundo a sua inteligência ou capacidade geral, dividiu-se a amostra em três grupos, de acordo com o número total de respostas corretas obtidas nas MPR-S: (a) Grupo Inferior situado abaixo do percentil 25 (n=72; 24%); (b) Grupo Intermédio com um desempenho situado entre os percentis 25 e 75 (n=153; 51%); e (c) Grupo Superior ou Elevado com desempenho situado acima do percentil 75 (n=75; 25%). Na Tabela 2 apresentam-se as médias e desvios-padrão dos tempos de latência e o número de respostas corretas para cada um dos itens por nível de capacidade, assim como as diferenças entre as médias dos tempos de latência dos dois grupos extremos e as respectivas análises de variância.

Tabela 2. Médias (M) e Desvios-Padrão (DP) dos Tempos de Latência e o Número de Respostas Corretas (RC) nos Itens nos Três Grupos de Capacidade Geral e as Diferenças de Médias entre os dois Grupos Extremos e Respectivas Anovas

 

 

Dentro de cada uma das séries, a diferença entre as médias dos tempos de latência para a resolução dos itens nos dois grupos extremos, em termos de capacidade mental geral, tende a ser significativa nos itens intermédios. Para a quase totalidade dos itens, os sujeitos do grupo superior são mais rápidos nas suas respostas. No entanto, a diferença entre as médias dos tempos de latência dos dois grupos extremos aumenta, em termos globais, da segunda para a terceira série. Nas duas últimas séries encontramos cinco diferenças de médias negativas, ou seja, os sujeitos do grupo de baixo nível de capacidade mental geral obtiveram uma média do tempo de latência inferior aos do grupo de elevado nível de capacidade mental geral. Esta inversão acontece apenas em dois itens da 4ª série e em quatro itens da 5ª série. Contudo, esta diferença entre as médias dos tempos de latência favorável ao grupo de baixo nível de capacidade mental geral, e que corresponde aos itens 47 e 48 da quarta série e aos itens 55, 57, 58 e 60 da quinta série, não é estatisticamente significante.

 

Discussão e Conclusões

Os resultados confirmam a hipótese de que os itens mais difíceis, com menor número de respostas corretas, tendem a consumir mais tempo ao serem resolvidos. Assim, assistimos à transformação de velocidade em precisão, numa relação direta com o aumento da complexidade da tarefa (Schweizer, 1996). Esta observação leva-nos a pensar que os sujeitos com maior capacidade mental se diferenciam mais dos sujeitos do grupo inferior quanto mais exigentes forem as tarefas. Poderíamos afirmar que a relação ou trade-off entre o número de respostas corretas e o tempo de latência cresce à medida que aumenta a complexidade da tarefa, quando se comparam sujeitos com diferentes níveis de capacidade. Nos itens iniciais (menos complexos) o indivíduo processa rapidamente a informação que lhe é inerente, chegando mais rápido à solução. Nas questões com menor probabilidade de se obterem respostas corretas, os sujeitos mais inteligentes, ao serem mais rápidos a processarem informação, têm a possibilidade de executá-las sem que a capacidade (limitada) da memória de trabalho entre em sobrecarga (Süb, Oberauer, Wittman, Willhelm & Schulze, 2002). Estes resultados suportam a teoria generalizada a propósito do impacto da capacidade limitada da memória de trabalho no processamento de informação (Schweizer, 1996).

Contudo, no teste de Raven, os itens não estão dispostos numa seqüência contínua do grau de complexidade/dificuldade, sendo possível que fatores de ordem não-cognitiva possam mascarar o padrão típico de resposta dos sujeitos. Os tempos de latência gastos pelos sujeitos nos itens iniciais, intermédios e finais de cada série são diferentes entre si. Estas diferenças dos tempos de latência dos itens relativamente às suas posições na série têm, inclusive, repercussões quando comparamos os sujeitos em termos do seu nível de capacidade. As diferenças entre as médias dos dois grupos extremos apenas têm significância estatística quando os itens se encontram no meio da série, à exceção para a primeira e última séries, sugerindo particularidades na resolução dos itens iniciais e finais em cada série. O sujeito ao transitar dos últimos itens de uma série para os primeiros da série seguinte se depara com um item significativamente menos complexo, por comparação com os últimos da série anterior, e consequentemente, capaz de resolvê-los rapidamente, pelo que pode duvidar da correção da resposta. A eficiência do sujeito é, assim, afetada, não só pelas suas limitações em termos de processamento de informação, como também por aspectos de ordem não-cognitiva. Possivelmente, indivíduos rápidos mentalmente, mas com menor autoconfiança poderão gastar mais tempo ao tentarem confirmar a resposta a que chegaram. Neste tipo de provas em que o grau de complexidade baixa de uma série para outra, os primeiros itens de cada série são mais susceptíveis de provocar a emergência de fatores não-cognitivos que os restantes. Esta hipótese poderá justificar a ausência de diferenças estatísticas no desempenho dos dois grupos extremos relativamente aos itens iniciais das séries. Se estivessem exclusivamente em causa as capacidades de processamento de informação, a diferença entre os dois grupos extremos tenderia a manter o mesmo diferencial em termos de tempos de latência (ver Tabela 2). Neste sentido, hipotetizamos que a média dos tempos de latência observada para os primeiros itens de cada uma das séries não reflete apenas as limitações cognitivas dos sujeitos, mas também o grau de afetação da sua capacidade de processamento da informação por fatores de ordem não-cognitiva.

Outra conclusão decorre do tempo limite na aplicação da prova. No caso da seleção de pessoal, em que a validade preditiva assume um particular interesse, a utilização de provas de inteligência geral de realização em velocidade (ou seja, com tempo limite de aplicação), poderão ser melhor opção do que provas de construto idêntico mas de rendimento (ou sem tempo limite), sobretudo se a variável tomada para critério incluir também semelhante pressão de tempo (Wilhem & Schulze, 2002). Contudo, a análise comparativa entre os dois grupos extremos permitiu evidenciar uma tendência geral para se encontrar tempos mais reduzidos na realização dos itens por parte dos sujeitos com maior capacidade intelectual, reforçando a existência de um trade-off entre a rapidez e a exatidão das respostas (Schweiser, 1996). Entretanto, esta relação não se revelou na totalidade dos itens. Nos últimos itens (mais complexos) das últimas séries, os sujeitos com menor capacidade conseguem melhores tempos que os sujeitos com maior nível de capacidade. Os indivíduos com menor capacidade poderão utilizar uma estratégia de resposta ao acaso quando se vêem confrontados com pouco tempo para terminar a prova. Ao serem mais lentos a processarem a informação, chegam aos últimos minutos da prova com mais perguntas para responder, do que os indivíduos intelectualmente mais favorecidos. Sendo as últimas perguntas mais complexas, e daí requererem mais tempo para as processarem, podem tentar responder ao acaso na esperança de pontuarem. Para uma análise mais detalhada seria necessário ter acesso a uma outra variável que permitisse identificar o grau de certeza dos sujeitos nas suas respostas, de modo a evitar a inclusão no estudo dos tempos de latência das respostas que não correspondessem a decisões convictas do sujeito. Essa nova variável iria reduzir a probabilidade de incluir na análise respostas resultantes de uma estratégia do sujeito assente na aleatoriedade da resposta, face ao pouco tempo disponível. Isto reforça, aliás, a idéia de que as diferenças individuais em termos cognitivos não são as únicas causadoras dos resultados obtidos em termos do tempo de latência. Fatores não-cognitivos parecem interferir a esse propósito, justificando-se outros estudos que permitam analisar, com maior profundidade, o funcionamento cognitivo do sujeito numa perspectiva integradora das diferentes variáveis que influenciam a forma como a informação é processada cognitivamente.

 

Referências

Aguinis, H., Henle, C. A. & Ostroff, C. (2001). Measurement in work and organizational psychology. Em N. Aderson, D. S. Ones, H. K. Sinangil & C. Viswesvaran (Orgs.), Handbook of Industrial, Work & Organizational Psychology, Vol. 1. (pp. 27-50). London: SAGE.        [ Links ]

Baddeley, A. D. (1996). Exploring the central executive. Quarterly Journal of Experimental Psychology, 49, 5-28.        [ Links ]

Boris, D. A., MacLeod, C. M. & Forrin, B. (1993). Eliminating the IQ-IT correlation by eliminating an experimental confound. Intelligence, 17, 475-500.        [ Links ]

Deary, I. J., Der, G. & Ford, G. (2001). Reaction time and intelligence differences: A population-based cohort study. Intelligence, 29, 389-399.         [ Links ]

Fink, A. & Neubauer, A. C. (2005). Individual differences in time estimation related to cognitive ability, speed of information processing and working memory. Intelligence, 33, 5-26.        [ Links ]

Grudnik, J. L. & Kranzler, J. H. (2001). Meta-analysis of the relation between intelligence and inspection time. Intelligence, 29, 523-535.        [ Links ]

Hick, W. (1952). On the rate of gain information. Quarterly Journal of Experimental Psychology, 4, 11-46.        [ Links ]

Hunt, E. (1978). The mechanics of verbal ability. Psychological Review, 85, 109-130.        [ Links ]

Hunt, E. (1999). Intelligence and human resources: Past, present and future. Em P. L. Ackerman, P. C. Kyllonen & R. D. Roberts (Orgs.), Learning and individual differences: Process, trait and content determinants (pp.3-28). Washington, DC: American Psychological Association.        [ Links ]

Hyman, R. (1953). Stimulus information as a determinant of reaction time. Journal of Experimental Psychology, 45, 188-196.        [ Links ]

Irwin, R. J. (1984). Inspection time and its relation to intelligence. Intelligence, 8, 47-65.        [ Links ]

Jensen, A. R. (1979a). Reaction time and intelligence. Em M. P. Friedman, J. P. Das & N. O'Connor (Orgs.), Intelligence and Learning (pp. 39-50). New York: Plenum Press.        [ Links ]

Jensen, A. R. (1979b). G: Outmoded theory or unconquered frontier? Creative Science & Technology, 2, 16-29.        [ Links ]

Jensen, A. R. (1993). Why is reaction time correlated with psychometric g? Current Directions in Psychological Science, 2, 53-56.        [ Links ]

Jensen, A. R. & Munro, E. (1979). Reaction time, movement time and intelligence. Intelligence, 3, 121-126.        [ Links ]

Lindley, R. H., Wilson, S. M., Smith, W. R. & Bathurst, K. (1995). Reaction time (RT) and IQ: Shape of the task complexity function. Personality and Individual Differences, 18, 339-345.        [ Links ]

Longstreth, L. E., Walsh, D. A., Alcorn, M. B. & Szzeeszulski, P. A. (1986). Backward masking, IQ, SAT and reaction time: Interrelationships and theory. Personality and Individual Differences, 7, 643-651.        [ Links ]

Miller, L. T. & Vernon, P. A. (1992). The general factor in short-term memory, intelligence, and reaction time. Intelligence, 16, 5-29.        [ Links ]

Necka, E. (1992). Cognitive analysis of intelligence: The significance of working memory processes. Personality and Individual Differences, 13, 1031-1046.        [ Links ]

Nettelbeck, T. (1982). Inspection time: An index for intelligence. Quarterly Journal of Experimental Psychology: Human Experimental Psychology, 34, 299-312.        [ Links ]

Schweizer, K. (1996). The speed-accuracy transition due to task complexity. Intelligence, 22, 115-128.        [ Links ]

Sternberg, R. J. (1977). Intelligence, information processing and analogical reasoning: The componential analysis of human abilities. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.        [ Links ]

Sternberg, S. (1966). High speed scanning in human memory. Science, 153, 652-654.        [ Links ]

Süb, H-M., Oberauer, K., Wittmann, W. W., Wilhelm, O. & Schulze, R. (2002). Working-memory capacity explains reasoning ability - and a little bit more. Intelligence, 30, 261-288.        [ Links ]

Vernon, P. A. (1983a). Recent finding in the nature of g. Journal of Special Education, 17, 388-400.        [ Links ]

Vernon, P. A. (1983b). Speed of information processing and general intelligence. Intelligence, 7, 53-70.        [ Links ]

Vernon, P. A. (1986). Inspection time: Does it measure intelligence? Personality and Individual Differences, 7, 715-720.        [ Links ]

Vernon, P. A. & Weese, S. E. (1993). Predicting intelligence with multiple speed of information-processing tests. Personality and Individual Differences, 14, 413-419.        [ Links ]

Vigneau, F., Blanchet, L., Loranger, M. & Pépin, M. (2002). Response latencies measured on IQ tests: Dimensionality of speed indices and the relationship between speed and level. Personality and Individual Differences, 33, 165-182.        [ Links ]

Wilhelm, O. & Schulze, R. (2002). The relation of speeded and unspeeded reasoning with mental speed. Intelligence, 30, 537-554.        [ Links ]

 

 

Recebido em Novembro de 2005
Reformulado em Janeiro de 2006
Aprovado em Fevereiro de 2006

 

 

Sobre os autores:

1 Rui Manuel Bártolo Ribeiro: Licenciatura em Psicologia com Mestrado em Comportamento Organizacional. Assistente convidado do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa). Diretor do Centro de Psicologia da Força Aérea Portuguesa e Consultor da PGA, Portugália Airlines para a Gestão dos Recursos Humanos.
2 Leandro S. Almeida: Doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Porto. Professor Catedrático do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Coordenador de projeto de investigação sobre "Cognição e Aprendizagem".

Creative Commons License