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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.4 n.2 Porto Alegre nov. 2005

 

RESENHA

 

POPI- Programa de Orientação Profissional Intensivo: outras forma de fazer orientação profissional

 

 

Maiana Farias Oliveira Nunes2

Universidade São Francisco

 

 

Mahl, A. C.; Soares, D. H. P; Oliveira Neto, E. (Orgs.), (2005). POPI: Programa de Orientação Profissional Intensivo: Outra forma de fazer orientação profissional. São Paulo: Vetor.

A grande expectativa e a tensão emocional envolvidas no processo de escolha profissional tornam fundamental encontrar meios que proporcionem aos jovens encontrar equilíbrio emocional e clareza racional sobre seu processo de decisão profissional. O livro POPI-Programa de orientação profissional intensivo descreve uma forma alternativa para realizar orientação profissional (OP), com um programa realizado em forma de retiro, que condensa as atividades em um final de semana, com um número maior de jovens (aproximadamente 50). O livro é dividido em duas partes; a primeira aborda a forma de funcionamento do POPI, incluindo as técnicas utilizadas e reflexões sobre o papel da orientação profissional na sociedade atual e questões sobre a adolescência; a parte 2 trata do uso de outras ferramentas na OP, a saber; as trilhas ecológicas e os grupos de orientação ao vestibulando (OV).

O capítulo 1, que trata da origem do POPI, discute as demandas da sociedade, das famílias e dos jovens por um trabalho de OP em curto espaço de tempo, trazendo reflexões sobre os modelos de atendimentos "de emergência" e únicos. Os autores discutem os objetivos do trabalho de OP que, por um lado, pode visar a prestação de um real auxílio aos jovens e, por outro, configurar-se apenas como um alívio de uma demanda de urgência da sociedade. São tratadas questões do cotidiano de serviços de OP como a dificuldade em manter atendimentos de qualidade quando ocorre uma grande quantidade de solicitações num curto espaço de tempo, muito próximo dos prazos de inscrição para os vestibulares. Essas e outras indagações levaram os autores a propor a realização do trabalho em forma de retiro, condensando as atividades em um final de semana. O envolvimento dos pais nos programas de OP é incentivado pelos autores, visando mobilizar e despertar o interesse pela escolha profissional do filho.

No capítulo 2 inicia-se uma reflexão sobre a adolescência, fase em que se dá a escolha profissional, e sobre os conflitos que ocorrem concomitantemente. São ressaltadas as mudanças e transformações que influenciam a desconstrução e reconstrução da identidade do "Eu" do adolescente. É discutida a importância da escolha profissional na construção da identidade, compreendendo que esta escolha influenciará o rumo da vida futura da pessoa. Ainda, é salientado o fato de que o momento da escolha é marcado por uma imposição sócio-cultural, como um requisito do término do ensino médio, e não como um resultado do processo de amadurecimento biopsicossocial do jovem.

São explorados os motivos da realização dos trabalhos de OP em grupos, destacando a importância da formação e participação em grupos na adolescência, auxiliando o jovem a se diferenciar de seus pais e a adquirir uma nova identidade através do seu convívio com o grupo. Desse modo, os autores valorizam a necessidade do adolescente ser aceito e de pertencer a um grupo, afirmando sua crença de que o atendimento em grupo facilita o processo de escolha.

Os limites dos temas são abordados nos grupos de atendimento de OP, que, no caso do POPI, extrapolam a questão da escolha profissional, ponderando sobre a complexidade das outras vivências do período e dos conflitos que podem estar influenciando a dificuldade da escolha. Da mesma forma, é discutido o papel do profissional de OP, que pode consistir tanto na tarefa de despertar no adolescente a urgência de realizar uma escolha, como de ajudá-lo a pensar sobre o processo de decisão que enfrenta. Os autores defendem que, considerando a demanda sócio-cultural, o trabalho do orientador é de fazer a inserção no mundo do trabalho mais consciente e bem elaborada possível, uma vez que não é possível na maioria dos casos avaliar o traçado individual, em que aguarda-se o desenvolvimento biopsicossocial para determinar a entrada no mundo laboral. Além disso, é explorada a relevância de fazer com que o jovem compreenda como as expectativas dos pais influenciam suas escolhas, argumentando que quanto mais clareza o jovem tiver acerca das expectativas dos pais, maior a sua possibilidade de manipular esses fatores e tomar decisões mais conscientes. O POPI é então descrito em termos da operacionalização do trabalho, desde a divulgação, reuniões preliminares com os pais, escolha do local apropriado para as atividades, entre outros. São expostos, em linhas gerais, os módulos de trabalho do POPI, que consistem em a. Apresentação; b. Adolescência - discussão dos conflitos imbricados neste processo; c. Autoconhecimento - avaliação das expectativas com relação ao trabalho de OP, pesquisa sobre interesses, expectativas familiares e vivências com relação à profissão; d. Realidade ocupacional - discussão sobre empregabilidade, globalização e informações sobre as profissões; e. Realidade social - influência dos fatores sociais na escolha, importância de perceber as valorizações externas quanto à remuneração e status concedidos pela profissão; f. Escolha vocacional/profissional - tomada de consciência sobre quais as áreas de interesse e que profissões se ajustam mais a cada jovem; g. Integrando a família - no qual se expõe como é possível envolver a família no processo. Em síntese, aborda-se com maior profundidade a importância de integrar os pais ao trabalho para que o adolescente perceba que suas "descobertas" feitas no retiro serão ouvidas pelos pais e que eles estarão mais envolvidos com o processo, compreendendo as dificuldades inerentes.

Os autores sustentam que o modelo do POPI em formato intensivo facilita aos jovens trabalhar os conflitos surgidos com os encontros, sem sobrar muito tempo para racionalizações ou esquecimento do que foi tratado no momento anterior. Acreditam que nessa proposta o jovem busca explicações conscientes sobre seu dilema, com a possibilidade de vivenciar essas emoções e descobertas. Afirmam que os ganhos com este trabalho são uma percepção do adolescente de valorização do seu dilema e a possibilidade de refletir sobre o tema em um ambiente mais tranqüilo, em que podem ser tratados vários dilemas associados a escolha profissional.

O capítulo 3 descreve a forma de participação dos pais no POPI, as vantagens de envolvê-los no processo, assim como as conseqüências favoráveis para além do POPI para a melhoria do diálogo entre pais e filhos. É enfatizada a importância dos pais ouvirem sobre as escolhas dos filhos e serem ouvidos, proporcionando um maior conhecimento sobre as expectativas de ambas as partes. É apresentado um quadro sobre posturas comuns dos pais sobre a escolha profissional dos filhos e sugestões sobre como o jovem pode agir em cada caso. São detalhados aspectos sobre as reuniões que ocorrem com os pais, incluindo sugestões para a operacionalização deste tipo de trabalho. São explorados alguns exemplos de situações que ocorreram nas reuniões do POPI com os pais e discutido o que essas situações podem refletir no processo de OP. As principais vantagens observadas pelos autores com o envolvimento dos pais são o aumento da possibilidade de diálogo sobre o tema e uma continuidade das reflexões iniciadas no POPI para o ambiente familiar.

O capítulo 4 trata sobre o "escolher" na adolescência, fazendo um apanhado amplo sobre as mudanças que ocorrem nessa fase e a importância de um profissional de OP conhecer os pormenores desta para poder diminuir a ansiedade dos jovens frente a ocorrências que são consideradas naturais ou esperadas na fase. É exposto um levantamento sobre os estudos da adolescência com as contribuições da antropologia, psicanálise, teorias piagetianas e da psicopatologia. Quanto a este último aspecto, é ressaltada a necessidade de diferenciar a normalidade da patologia num adolescente, incluindo sugestões sobre critérios para essa diferenciação. É incentivada a elaboração de programas que visem a promoção da saúde do adolescente, incluindo comunidades minoritárias e suas especificidades.

São discutidos os diferentes critérios que definem a adolescência e exploradas as mudanças biológicas e psíquicas ocorridas nessa fase. Os estágios de desenvolvimento psicosexual de Freud são expostos, e os autores realizam uma leitura própria sobre o desenvolvimento amoroso/sexual dos adolescentes. A influência da mídia é discutida, ressaltando-se o uso de personagens e de valores vinculados por esta para "guiar" a vida dos jovens, que, segundo os autores, se mostram mais suscetíveis a estes apelos. É feita uma reflexão sobre o narcisismo da sociedade atual e sobre as dificuldades para os jovens saírem da adolescência, numa contínua dependência com relação aos pais, aliadas a um hedonismo exacerbados. Os autores expõe suas crenças quanto a forma de funcionamento da sociedade pós-moderna, carecendo de referências de pesquisas científicas para enriquecer a discussão.

No capítulo 5 são descritas variadas técnicas para o trabalho em OP, com o foco em técnicas de apresentação, de autoconhecimento, sobre as influências familiares, sobre a realidade social, para a informação profissional e para trabalhar a ansiedade no vestibular. Trata-se de um material rico, com diferentes sugestões para os objetivos listados acima, incluindo dinâmicas com orientação psicodramática, vivências, etc. Este material pode servir como ponto inicial para a adaptação destas técnicas para as realidades especificas de trabalho de cada grupo de OP. Os autores enfatizam o trabalho com os aspectos mais subjetivos da escolha e os métodos que mais se adequam a trabalhar essas questões com os jovens, indicando rejeição aos instrumentos psicométricos como auxiliares no processo de autoconhecimento. Apesar da rejeição aos últimos, os autores não apresentam argumentação consolidada em pesquisas para corroborar suas afirmações. Além disso, é preciso cautela na leitura de alguns resultados em que é usada a observação não sistemática para gerar conclusões sobre o que o comportamento dos jovens.

Trata-se de um capítulo que pode auxiliar bastante os profissionais de OP, mas que deve ser utilizado com as devidas adaptações aos contextos em questão, além da necessidade de avaliar a importância de também utilizar instrumentos psicométricos para a avaliação do processo de decisão profissional dos jovens, não se limitando às dinâmicas de grupo.

Na parte 2 do livro são apresentadas novas interfaces da orientação profissional. O capítulo 6 apresenta resumidamente a teoria das "Âncoras de Carreira" de Edgar Schein, que são uma união de características pessoais (um conjunto de habilidades, necessidades de vida e valores) que definem e orientam as escolhas de carreira. São apresentadas 8 âncoras e descritos os estilos e preferências de cada uma. Posteriormente é feito um relato sobre como as âncoras são utilizadas com grupos de OP em trilhas ecológicas, ressaltando-se o fato de que esse instrumento não é usado para a avaliação de tipologias, mas sim como um artifício que permite a reflexão dos participantes sobre a sua âncora preponderante e sobre como esses aspectos podem influenciar sua futura trajetória profissional. Algumas orientações sobre como planejar a trilha ecológica como uma atividade de OP são fornecidas, detalhando a forma como essa atividade foi utilizada no POPI.

O capítulo 7 aborda o uso de alguns instrumentos em orientação ao vestibulando (OV) nas formas presencial e via internet, que visam a redução da ansiedade, medo e angústia que surgem nos momentos da preparação para o vestibular. Com os grupos presenciais os instrumentos utilizados foram: a. a Técnica da Foto do Vestibular, que consiste na realização de um desenho ou pintura que represente sua visão sobre o vestibular; b. Inventario de Ansiedade Traço-Estado (IDATE)1, que é uma escala de auto-avaliação, tendo sido priorizada a escala que media Ansiedade-traço; c. Formulário de Avaliação, que é um questionário que busca avaliar a eficácia do grupo de OV em atingir os objetivos propostos, assim como sugestões de aprimoramento.

Quanto às técnicas utilizadas através da internet, faz-se um relato sobre os programas utilizados como ferramentas (Messenger, fotolog, banco de dados de imagens e Paint) para a OV e uma descrição das adaptações realizadas nas técnicas presenciais para que a orientação ocorresse virtualmente. São relatadas criativas soluções para ultrapassar as dificuldades geradas pela comunicação virtual, que vão desde roteiros de entrevista, uso de vivências, ao uso de figuras digitalizadas de contos de fadas. Os aspectos positivos apontados pelos autores são, entre outros, o uso da internet em OV para beneficiar estudantes de diversas regiões do país e maior facilidade para o jovem em conversar com alguém que não conhece. Os autores também expõem as desvantagens que observam com esse tipo de atendimento, a exemplo da dificuldade de adequar a velocidade do pensamento versus velocidade de digitação. No entanto, não são explorados temas como a possível falta de experiência ou habilidade dos estudantes no uso dos programas de computador; a possível inadequação do ambiente em que o estudante realiza essas atividades (distratores); se o atendimento virtual permitirá a troca de expectativas entre pais e jovens conforme recomendado nos capítulos iniciais; além da não realização de pesquisas comparando o uso do computador presencialmente com as mesmas técnicas adaptadas para o OV via internet e a OV virtual, em que se tornaria possível, por exemplo, a avaliação da adequação do uso desta metodologia.

O livro POPI-Programa de orientação profissional intensivo (2005) mostra-se muito útil aos profissionais que trabalham com OP, ao expor as técnicas utilizadas no seu programa e fornecer exemplos de produções geradas neste tipo de trabalho. Contudo, trata-se de um material que apresenta algumas carências quando as discussões são tratadas do ponto de vista científico. Neste sentido, o livro poderia ter um maior detalhamento da metodologia utilizada para chegar às conclusões elaboradas e sobre como avaliam os resultados dos processos; seria importante basear as reflexões geradas com pesquisas empíricas, tornando-se assim uma forma de divulgar para outros profissionais da área resultados de pesquisas recentes e de fornecer maior validade e credibilidade para os resultados e discussão. Ademais, não foram apresentados instrumentos para medir a eficácia do resultado do programa, tornando-se interessante incluir um instrumento de medida a ser aplicado antes e depois da realização do trabalho, como uma forma de conscientizar os profissionais da área sobre a importância de avaliar a eficácia do método e de ser cautelosos na implantação de novas metodologias sem fundamentá-las em pesquisas.

 

 

1 Os autores indicam no livro que o teste não havia sido recusado pelo CFP à época da realização da pesquisa. Sugerem que outro teste seja utilizado em futuras pesquisas para a avaliação deste construto.

Sobre a autora:

2 Maiana Farias Oliveira Nunes: psicóloga, aluna do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia pela Universidade São Francisco. Bolsista CAPES.

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